Treta da Semana: Deus, o livre arbítrio, e o fiado cósmico.
Não se sabe ao certo se pode haver uma decisão que é simultaneamente livre e racional. Mas parece consensual que só um agente informado, racional e consciente das consequências pode ter livre arbítrio. Um bebé, um ignorante ou um epiléptico não exercem um arbítrio livre. É bom senso impedir a criança de enfiar os dedos na tomada, mas na defesa da fé o bom senso é dispensável. O Pedro Silva comentou recentemente:
«Se Deus impedisse uma criança de pisar uma mina, também teria de impedir alguém de fumar, porque sabia que essa pessoa iria morrer de cancro.[...] A questão é: o Homem tem a liberdade para fazer estas coisas todas, e até construir minas, que poderão ou não ser pisadas por crianças. Evitar que a criança pise a mina é também evitar o mal de quem pôs a mina. É o Homem que faz isso, por sua própria vontade, não Deus.»(1)
A criança pisa a mina porque não sabe que a mina está lá. É um erro, como meter os dedos na tomada. Não é um exercício livre de vontade. E evitar o mal é uma coisa boa. Estou certo que o Pedro Silva avisava a criança se soubesse que ela ia pisar uma mina. Esse estranho respeito pelo livre arbítrio de quem fez a mina não justifica rebentar as pernas ao miúdo. E o mesmo Deus que deixa a criança ficar sem pernas desviou a bala que ia matar o Papa.
Conseguimos identificar substâncias nocivas pelo cheiro e sabor mas só notamos o cancro ou a radiação quando é tarde demais. Instintos fazem-nos evitar insectos que possam ser perigosos mas não sentimos o perigo da electricidade ou do amianto. Se torcemos um pé a dor impede-nos de fazer força até recuperar, mas quando sentimos o terremoto já está tudo a cair-nos em cima. E só recentemente descobrimos a importância de lavar as mãos. «Lavem as mãos» tinha sido um mandamento muito mais útil que todos os outros, que só servem o proselitismo ou para afirmar o óbvio.
A maldade deliberada e consciente pode vir do livre arbítrio mas quase todo o mal se deve à ignorância, à estupidez e ao azar. A escolha livre é rara. A informação é incompleta e qualquer acto tem consequências imprevisíveis. Não escolhemos o que somos, como somos nem onde nascemos. Vivemos limitados pela nossa natureza e sujeitos aos erros dos outros. E muito do que acontece não podemos mudar. A realidade está longe desta crença, como admite o Pedro Silva:
«E para os injustiçados aqui na terra, [Deus] relembra que não é aqui que a justiça definitiva é feita. Que fomos feitos para viver por amor, e quando morrermos, continuaremos a viver no verdadeiro Amor, se assim escolhermos.»
Este universo é tão diferente do que a crença exige que o crente tem que inventar um universo mais de feição. E é esse que conta. Este Deus dá a todos o livre arbítrio. Dá a uns a liberdade de morrer à fome e a outros a de nadar em riquezas. Mas depois castiga ou recompensa cada um pelas escolhas desta vida que não passa de uma partida de mau gosto.
É treta. Não vivemos num universo justo que respeita o nosso livre arbítrio e que compensa numa outra vida as injustiças desta. Se queremos justiça temos que a criar. Se queremos escolhas temos que compreender como as coisas funcionam e lidar com a realidade como ela é. Os que têm fome e sede de justiça não são bem-aventurados; estão é a ser enganados se acreditam no reembolso póstumo. E quem ama o outro avisa-o que vai pisar uma mina.
1- Comentário a O que é e o que se sabe ser.
O reembolso póstumo é ; famoso Deus lhe pague !
ResponderEliminarOs mecanismos que a religião sustenta são ainda mais trágicos do que isso. É dada ao crente a hipótese de no jogo da vida passar à frente dos outros, não por mérito mas pela ajuda de Deus, desde que creia n'Ele e O adule a contento. O milagre, a ser verdade, seria uma inominável trafulhice social. Como não acredito nessas tretas não questiono a justiça de um crente que seja mais bem sucedido do que eu. Mas não consigo deixar de sentir que existe nesse crente um potencial corruptor da equidade social que aceita sem arrepio o favorecimento de um poderoso. É que Deus não existe, mas o poderoso que favorece quem o adula existe mesmo...
ResponderEliminarAzar?!
ResponderEliminarSim, azar. Azar o vulcão entrar em erupção naquele momento, ou chuvas torrenciais inundarem tudo, ou falhar os travões, ou morrer duma infecção no hospital quando a operação tinha corrido tão bem. Grande parte do mal que ocorre é acidental.
ResponderEliminarLudwig,
ResponderEliminarGostava mesmo de vêr a cara de um crente naquele momento em que se dirige para a luz e percebe que é apenas a falta de oxigénio a apagar-lhe o cerebro, que não há nada depois, e que a recompensa de andar a dizer parvoices contra os ateus não deu felicidade eterna. :-)
«A maldade deliberada e consciente pode vir do livre arbítrio mas quase todo o mal se deve à ignorância, à estupidez e ao azar. »
ResponderEliminarNão podia concordar mais.
Parece-me que isto é mesmo muito acertado.
Ludwig,
ResponderEliminardepois disto tudo o Homem tem livre arbítrio ou não? É que acabou por não dizer, limitou-se a apontar o "azar" como responsável pela maior parte do mal do mundo.
Para alguém que se diz tão racional, culpar o "azar" (algo que está por provar), não deixa de ser estranho.
É claro que a criança quando pisa a mina não toma nenhuma decisão, logo o seu livre arbítrio não está a ser usado. Mas quem comprou a mina e a pôs naquele sítio estava a exercer livre arbítrio, foi uma decisão sua.
E aí reside o livre arbítrio do Homem, poder decidir se vai pelo caminho X ou pelo caminho Y. Isto claro que só em ocasiões em que lhe é dado a escolher. Se me aparecer um cancro, não sou eu que decido se o tenho ou não, simplesmente tenho. O livre arbítrio nem é chamado para este caso.
Pedro Silva
Pedro,
ResponderEliminar«depois disto tudo o Homem tem livre arbítrio ou não?»
Não sei. Como disse no post, nem sequer há uma boa definição do que isso possa ser. Se é livre não está sujeito a restrições. Mas se é arbítrio tem que ser uma decisão com fundamento racional (senão era simplesmente actuar ao acaso).
Mas uma coisa é certa: dada a escolher, a criança vai preferir não pisar a mina. O silência de Deus impede-a de usar o seu livre arbitrio, seja o que isso for, numa situação que é importante para ela. Isso é uma violação do livre arbítrio muito maior que a de quem lá pôs a mina.
Ludwig,
ResponderEliminarquando a criança vai pisar a mina não está a fazer nenhuma decisão, tal como alguém que está a guiar e está prestes a levar com um camião em cima.
Isso não faz parte da liberdade da pessoa, que só pode estar em causa para tomar uma decisão.
Os atentados à liberdade acontecem quando o poder de decisão da pessoa está em causa, mas em coisas que lhe cabem decidir, daí a luta contra as ditaduras.
Se for perguntar às pessoas que vivem em democracia dir-lhe-ão que são pessoas livres. Ninguém vai dizer: "ah, não sou livre porque não me dava nada jeito que hoje estivesse a chover e está, perdi a liberdade de decisão".
O Homem é livre porque pode decidir fazer o bem ou o mal, amar a Deus ou não, e isso é inegável.
Pedro Silva
Pedro,
ResponderEliminarUm tipo me quer matar com uma pistola e eu não quero que ele me mate com a pistola. Ele decide que quer que eu morra. Eu decido que não quero morrer. Ele faz o que pode para me matar. Eu faço o que posso para viver. Mas mesmo que eu tenha muito mais vontade de viver e me esforce muito mais por isso que ele por me matar, o mais provável é que prevaleça a vontade dele.
Porquê? Porque depois de eu morrer Deus vai me dar o reembolso?
«O Homem é livre porque pode decidir fazer o bem ou o mal, amar a Deus ou não, e isso é inegável.»
Não é inegável. Até é bastante questionável que um tipo que seja violentado pelos pais em criança e seja criado em casas de correcção seja verdadeiramente livre de ser uma pessoa boa, atencioso para os filhos, respeitador da lei, etc.
Além disso a afirmação é circular. Dizer que o homem é livre porque pode decidir é dizer que é livre porque é livre.
«quando a criança vai pisar a mina não está a fazer nenhuma decisão», mas não se entende onde é que Deus avisando-a violava a liberdade seja de quem for. A ser assim, também teria violado a liberdade dos egípcios de escravizar os judeus quando os salvou com umas tantas pragas pelo caminho (e o extermínio dos primogénitos).
ResponderEliminarDas duas uma: ou Deus violou o livre arbítrio dos egípcios, ou então Deus fica passivo cada vez que um povo é escravizado quando poderia intervir sem violar a liberdade.
Os cristãos acreditam que Deus fartou-se de intervir no passado. Quando se mostra que, a ser bom, teria de intervir tantas vezes para evitar o mal, inventam que qualquer intervenção viola o livre arbítrio (mesmo avisar a criança da mina!!!): nesse caso, quantas vezes é que o livre arbítrio da humanidade foi violado?
Ludwig,
ResponderEliminarnão percebo bem o seu exemplo. Se o outro lhe dá um tiro, queria sobreviver porque é a sua vontade? Qual a lógica? Se eu tiver vontade de ir até marte amanhã também não vou conseguir. O outro está a fazer uma coisa fácil, que é dar-lhe um tiro, e o Ludwig quer fazer uma coisa difícil, que é não morrer perante esse tiro. Normalmente é mais fácil destruir do que construir, deve ter aprendido isso em termodinâmica.
“Porquê? Porque depois de eu morrer Deus vai me dar o reembolso?”
A vontade de Deus não é certamente que o outro lhe dê um tiro, nem é que nenhum homem seja oprimido por ditadores. Mas ao mesmo tempo, e a quem é oprimido e violentado diz que serão plenamente felizes (realizados) no Céu. Isto quer dizer que não nos devemos preocupar com a justiça terrena? Claro que não, é da vontade de Deus que todos tenham pão e que todos sejam amados, já aqui na terra. E o Céu não é um reembolso, mas sim o destino de todos os homens. Todos foram feitos para o Céu, porque só estarão completos na presença do Outro, e isso só acontece em plenitude depois da morte. Cabe ao a cada homem aderir ou rejeitar Aquele que o ama, porque o verdadeiro amor não é obrigado, por isso é o próprio homem que decide se vai para o Céu ou não.
João Vasco,
Certamente Deus ja interveio na História com mais ou menos evidência. Mesmo nesse exemplo que deu, que tem 3500 anos, nessa específica intervenção, ninguém diz que deixaram de existir doenças, e certamente se houvesse minas, haveria pessoas a pisá-las. O ponto é que a vida não acaba aqui, por isso não faz sentido Deus andar a evitar que toda a gente morra, como se não houvesse vida depois da morte. O Homem foi feito para estar com Deus para sempre, e isso só acontece depois da morte terrena. Mas ao mesmo tempo todos temos uma missão específica na vida terrena, e é da vontade de Deus, e para nossa felicidade, que a cumpramos.
Pedro Silva
Pedro,
ResponderEliminar«Se o outro lhe dá um tiro, queria sobreviver porque é a sua vontade? Qual a lógica?»
Se o seu deus criou isto e é omnipotente, a lógica é a que ele quiser. O arsénico mata, o cálcio fortalece os ossos. Bater com um cotonete na cabeça não faz nada, mas um pedacito de metal a alta velocidade mata. Segundo a sua hipótese foi Ele que inventou estas regras.
E a sua hipótese diz que as regras visam o respeito pelo livre arbítrio.
Por isso a pergunta que ponho é porque raio estas regras permitem que uns violem o livre arbítrio dos outros. Porque é que é possível matar o outro com um tiro mas não com um pensamento, se é só a decisão que conta? Afinal é possível fazer mais mal sem querer se tivermos uma arma do que de propósito se não a tivermos...
Ludwig,
ResponderEliminarDeus não nos fez para nos matarmos uns aos outros, fez para nos amarmos, para nos tratarmos uns aos outros como irmãos, e o homem tem todas as condições para o fazer. Mas também tem a possibilidade de usar essas suas condições para fazer "mal" aos outros, o que inclui poder matar outra pessoa. E para facilitar isso, o homem contruiu artefactos, não é possível matar com o pensamento, e mais ou menos difícil matar com as próprias mãos.
Acha que isto é mau, não conseguir matar com o pensamento? Então andávamos aí a matar-nos uns aos outros, só no trânsito já tinha cometido vários genocídios...
A diferença entre a decisão e o acto são as consequências. Se eu decidir matar alguém, a intenção já lá está, mas ainda me posso arrepender antes de materializar o acto, e isso para o outro pode fazer toda a diferença. Se fosse possível matar logo que se toma essa decisão, o arrependimento antes do acto seria impossível. Poderia sempre haver o arrependimento posterior, mas isso não iria servir muito a quem entretanto já tinha sido morto...
Pedro Silva
«O ponto é que a vida não acaba aqui, por isso não faz sentido Deus andar a evitar que toda a gente morra»
ResponderEliminarImensas crianças ficam sem uma perna por terem pisado uma mina.
Se a criança vai morrer pisando uma mina, entendo que o Pedro Silva pense que é uma sorte pois vai ter com Deus mais cedo, e Deus até é simpático em não avisar a criança. Nisto tudo, só falta bater palmas ao indivíduo que tiver posto a mina... Mas deixemos essa questão e pensemos na outra:
Se a criança vai sobreviver e perder uma perna, não poderia Deus avisá-la da mina? Qual seria o problema? Se Deus ama a criança, porque não evita que ela perca uma perna, quando tem o poder de o fazer?
Se a questão é o livre arbítrio, ele não terá sido violado já umas não sei quantas vezes, cada vez que Deus teria falado com gente, de acordo com aquilo em que o -Pedro Silva acredita?
Há duas explicações possíveis: ou Deus não é assim tão bom, ou Deus não pode fazer nada.
Eu acredito nesta última: é difícil fazer alguma coisa, quando não se existe.
Vasco,
ResponderEliminarProvavelmente o Professor Marcelo seria a pessoa indicada para te explicar isto, mas eu vou tentar para ver se esclareço a questão duma vez por todas.
- Deus existe?
- Existe!
- E é bom?
- É!
- E pode fazer alguma coisa pelas criancinhas que pisam minas?
- Pode!
- E o que é que faz?
- Nada!
eh!eh!eh!
ResponderEliminarPeço desculpa pela ausência cibernáutica nos últimos 3 dias, mas estive fora de casa.
ResponderEliminarO João Vasco diz:
"Se a criança vai morrer pisando uma mina, entendo que o Pedro Silva pense que é uma sorte pois vai ter com Deus mais cedo, e Deus até é simpático em não avisar a criança."
É isso que deduz de tudo o que escrevi? Então sinceramente não me vou esforçar para escrever mais nada, porque o seu problema é de má-vontade.
Pedro Silva
«É isso que deduz de tudo o que escrevi?»
ResponderEliminarEu não deduzo isso daquilo que escreveu. Mas, se acreditasse que o Pedro Silva é coerente, deduziria isso daquilo que acredita.
Se ir ao encontro de Deus é a Felicidade suprema, não sei como poderá ser azar ir ao encontro de Deus o mais cedo possível. Parece, pelo contrário, que é uma sorte imensa.
Este raciocínio é má vontade? Pense o que quiser. Se quiser usar este aparte irrelevante como justificação para não responder às perguntas que eu lhe fiz, essas sim importantes em relação ao que estava a dizer, esteja à vontade. Não quero obrigar ninguém a responder-me.
Mas noto que as respostas continuam por aparecer. O que encaro com naturalidade, visto que o catolicismo é um poço de contradições. Se começarmos a pensar sobre certas questões, deixa de fazer sentido.
João Vasco,
ResponderEliminarnos comentários a este post escrevi, entre outras coisas, isto:
“A vontade de Deus não é certamente que o outro lhe dê um tiro, nem é que nenhum homem seja oprimido por ditadores. Mas ao mesmo tempo, e a quem é oprimido e violentado diz que serão plenamente felizes (realizados) no Céu. Isto quer dizer que não nos devemos preocupar com a justiça terrena? Claro que não, é da vontade de Deus que todos tenham pão e que todos sejam amados, já aqui na terra.”
“O Homem foi feito para estar com Deus para sempre, e isso só acontece depois da morte terrena. Mas ao mesmo tempo todos temos uma missão específica na vida terrena, e é da vontade de Deus, e para nossa felicidade, que a cumpramos.”
“Deus não nos fez para nos matarmos uns aos outros, fez para nos amarmos, para nos tratarmos uns aos outros como irmãos, e o homem tem todas as condições para o fazer.”
Tudo para o João Vasco concluir que:
“Se a criança vai morrer pisando uma mina, entendo que o Pedro Silva pense que é uma sorte pois vai ter com Deus mais cedo, e Deus até é simpático em não avisar a criança. Nisto tudo, só falta bater palmas ao indivíduo que tiver posto a mina...”
Este comentário nem mereces comentários, é um completo desnexo em relação ao que penso e ao que escrevi, é não ter noção do que se está a falar sequer.
Quanto ao catolicismo estar cheio de contradições, isso é para si que não percebe nada da doutrina católica, mas pensa que percebe. Se falasse mais das suas ideias, em vez de atacar um catolicismo que só existe na sua cabeça, talvez acertasse mais vezes.
Já viu algum católico celebrar a morte de alguém? Fazer uma festa quando há uma tragédia? Até no enterro do Papa João Paulo II, o ambiente não era de profunda tristeza e pesar? E este foi um homem santo, que nenhum dos que ali estavam duvidava que tinha cumprido com toda a coragem a missão que Deus lhe havia confiado, um homem que sem dúvida nenhuma mudou o mundo.
Dizer que os católicos ficam contentes com mortes trágicas porque as pessoas vão ter com Deus mais cedo, é ridículo. Leia o que escrevi nos outros comentários e tente perceber, senão, e se quiser mesmo saber, vá-se informar, ou então não vá.
Respondendo à sua questão de Deus poder impedir que todas as crianças que vão a pisar uma mina, não a pisem. É verdade, Deus poderia de facto fazer isso, porque é omnipotente.
Mas pergunto, o homem não tem poder para acabar com todas as mortes na estrada? Tem, é so impedir a circulação de qualquer veículo automóvel. Acabavam-se as tragédias, os sofrimentos, as mortes. Não é esse o seu ideal maior? O fim do sofrimento e mortes desnecessárias? Acabe-se então com os carros e afins? A questão depois resume-se a: qual o preço a pagar por isso?
Pedro Silva
«Já viu algum católico celebrar a morte de alguém? Fazer uma festa quando há uma tragédia?»
ResponderEliminarNão vi, nem digo que o Pedro fique feliz com esses acontecimentos.
Mas isso só mostra contradição e incoerência.
Para uma mãe que tem um filho bebé, que apanha uma doença no dia do seu baptismo e morre depois de baptizado, esse acontecimento deveria ser a melhor alegria que lhe poderia acontecer, caso amasse o filho e acreditasse naquilo que prega o catolicismo.
Afinal de contas, se o filho cresce, existe sempre o risco de rejeitar Deus e acabar por encontrar o sofrimento eterno. Pelo contrário, se morrer logo após o baptismo, é certo que vá encontrar a Felicidade eterna.
Que os católicos não pensam assim sei eu muito bem. O Pedro Silva não precisa de mo dizer.
Não pensam assim porque são incoerentes com aquilo em que acreditam.
Mas eu não estou a discutir este ponto. Isto tem tudo a ver com um aparte irrelevante fora do tema em discussão.
O Pedro Silva quer ignorar este aparte e responder às perguntas que eu lhe fiz? Ou prefere continuar a insistir neste ponto?
Eu entendo que não tem mal nenhum que Deus deixe uma criança, caso não tenha família nem amigos, caso vá para o céu depois de morrer, pisar uma mina sem a avisar, se isso resultar na sua morte. Acreditar nisto não me parece incompatível com a crença na omnipotência e bondade de Deus.
Mas supondo que a criança não vai morrer. Supondo que ela vai perder uma perna para toda a vida, e que isso lhe vai causar muita tristesa e sofrimento.
Porque é que Deus não lhe avisa?
Não tem de proibir NADA.
É só uma questão de a avisar.
Qual é a razão para um Deus omnipotente e bom não o fazer?
João Vasco:
ResponderEliminar“Para uma mãe que tem um filho bebé, que apanha uma doença no dia do seu baptismo e morre depois de baptizado, esse acontecimento deveria ser a melhor alegria que lhe poderia acontecer, caso amasse o filho e acreditasse naquilo que prega o catolicismo.”
O catolicismo prega que todos viemos a este mundo com um propósito, não para morremos quando somos baptizados. A contradição só existe na sua cabeça, que concebe um catolicismo que não existe, porque não se consegue pôr no lugar dum católico, por isso farta-se de dizer coisas erradas em relação às atitudes dos “crentes”.
“Não pensam assim porque são incoerentes com aquilo em que acreditam.”
Nós somos é incoerentes com a sua ideia de catolicismo, que felizmente não existe!
Mas adiante, perguntou-me: “Qual é a razão para um Deus omnipotente e bom não o fazer?”
E eu respondi com uma pergunta: “Porque é que o homem não acaba com os desastres de carro, se o pode fazer já amanhã?”
E já agora, porque é que não se acaba, ou diminui drasticamente o número de pessoas com cancro do pulmão, proibindo completamente a produção de tabaco? Ia-se certamente poupar muito sofrimento.
E porque não se proibe o macdonald´s, e outros restaurantes “menos saudáveis”? As pessoas não seriam mais felizes? Se conseguir responder a estas perguntas, responde à sua própria pergunta.
Pedro Silva
«"Porque é que o homem não acaba com os desastres de carro, se o pode fazer já amanhã?"»
ResponderEliminarTal proibição, creio, traria mais mal do que bem.
Mas se Deus avisasse a criança que vai pisar a mina e perder uma perna, que mal isso traria?
Não estamos a falar em Deus impedir a criança de pisar a mina, apenas em avisá-la, para ela escolher se a quer pisar ou não.
Se avisar a criança não traria mal, então a situação não é análoga, e a pergunta que o Pedro devolveu não responde nada.
Se avisar a criança traria (como no caso da proibição automóvel) mais mal doq ue bem, então eu pergunto: qual seria o mal que traria?
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«O catolicismo prega que todos viemos a este mundo com um propósito, não para morremos quando somos baptizados.»
Se alguma criança morrer com uma doença no dia do seu baptismo, em que ponto do catolicismo é que está escrito que não era esse o propósito?
Já agora, um aparte: uma boa razão para considerar que nunca deverei deixar o estado, nem ninguém, proibir-me de fumar, de comer comida pouco saudável, ou de me matar (se precisar de uma eutanásia), é que eu posso saber melhor que os políticos ou qualquer outro o que é melhor para mim.
ResponderEliminarPor isso é que as pessoas só são livres a partir de certa idade. Enquanto são pequenas ninguém fica revoltado por saber que os pais impedem crianças de 3 aninhos de fumar ou deitar-se às 3h da manhã, mesmo que estas o queiram. Também é por isso que ninguém se revolta por saber que os enfermeiros no hospício não deixam o louco cortar a sua perna, mesmo que seja essa a sua vontade expressa.
Porque é que aceitamos estas duas situações com naturalidade? Porque acreditamos que os pais/enfermeiros estão a agir no melhor interesse dos filhos/malucos, e porque em ambos os casos aceitamos que os pais/enfermeiros sabem melhor que os filhos/malucos o que é que é melhor para eles.
Eu acredito realmente na Liberdade, porque acredito que ninguém se pode arrogar que além de agir no melhor interesse alheio, sabe melhor que todos o que é melhor para cada um. Todos são falíveis, por isso a Liberdade é tão importante.
O Pedro Silva não tem estas razões para acreditar que a Liberdade é uma coisa boa. Até agora serviu para nos expulsar do Paraíso. Parece ser horrível.
Que razões encontra, então?
De qualquer forma, não adimira que a Igreja queira manter a Eutanásia ilegal, numa clara violação da liberdade do doente em causa, que não pode usar o seu livre arbítrio para decidir se quer morrer ou não.
Isto depois de um historial de impedir o acesso a tantos livros, etc... Realmente a Igreja Católica não tem sido (e continua sem ser) nada amiga da Liberdade.
“Tal proibição, creio, traria mais mal do que bem.”
ResponderEliminarPode definir mais mal do que bem? Então afinal o fim do sofrimento e mortes não é o supremo bem que defendem?
“Mas se Deus avisasse a criança que vai pisar a mina e perder uma perna, que mal isso traria?
Não estamos a falar em Deus impedir a criança de pisar a mina, apenas em avisá-la, para ela escolher se a quer pisar ou não.”
Já tinha perguntado atrás como seria esse aviso. Parece-me que só poderia ser de duas maneiras:
- seria como um instincto, que nos avisa para certos perigos, mas mais avançado, tipo homem-aranha. E neste caso deixar-se-ia de fazer minas, já que todos os homens conseguiriam perceber que ali está uma mina, e a evitariam. O propósito da mina desapareceria pura e simplesmente. Em vez de minas, outras armas serviriam o mesmo propósito, logo esta ideia não faz sentido.
- seria uma aparição do próprio Deus a avisar que ali está uma mina. E aí entra um claro obstáculo à liberdade do Homem. Se eu posso escolher acreditar ou não em Deus, é pelo facto d´Ele não aparecer à minha frente a dar conselhos ou ordens. Senão seríamos marionetas. Deus educa-nos, através da Igreja, mas depois cabe-nos decidir seguir isso ou não, com todas as consequências que poderão advir desse facto. Quando eu tiver filhos também lhes vou dar educação e informação para não consumirem drogas. Mas não vou andar atrás deles, e obrigá-los a não consumir, nem eles seriam felizes assim nem eu. A decisão tem de ser totalmente deles, porque percebem que é o melhor para eles próprios, para o seu destino. Voltando a Deus aparecer à frente das crianças. Seriam crianças até que idade? E adultos? Será que seríamos mais felizes assim, a ser controlados directamente? E a não poder não acreditar em Deus, e ao mesmo tempo acreditar e aderir por obrigação e não por amor? Porquê para nas minas? Porquê que Deus não vai avisar as pessoas que vão ter um desastre de carro ou de avião? E os tsunamis? Decidir em que estância balnear se deve estar, etc...
A razão pela qual o homem não acaba já amanhã com os desastres, é que se considera ser um preço a pagar pela liberdade de ter um carro e de poder com isso fazer bem, que caso contrário seria impossível. O mesmo com todo o mal voluntário ou “involuntário” que se passa no mundo, se Deus interviesse directamente em todo o mal que existe, o homem perderia a Liberdade...e isso sim seria fazer mais mal do que bem.
Pedro Silva
Pedro Silva:
ResponderEliminar«- seria uma aparição do próprio Deus a avisar que ali está uma mina. E aí entra um claro obstáculo à liberdade do Homem. Se eu posso escolher acreditar ou não em Deus, é pelo facto d´Ele não aparecer à minha frente a dar conselhos ou ordens. Senão seríamos marionetas.»
Há três coisas que o Pedro Silva tem de explicar:
a) Se Deus, ao aparecer a alguém, viola a sua liberdade de escolha, o seu livre arbítrio, então nesse caso como é que aceita que Deus tenha violado o livre arbítrio de tanta gente?
Pelos vistos o seu Deus não respeita o livre arbítrio do homem, pois o Pedro Silva acredita que ele apareceu a S. Paulo, apareceu aos apóstolos depois de morto, e antes disso tinha feito vários milagres a várias multidões. Também apareceu a dois jovens na estrada, etc... Fora a N. Senhora que terá aparecido umas 300 vezes ou coisa do género a diferentes Santos e Beatos...
Como pode tolerar um Deus que desrespeita assim o livre arbítrio das pessoas?
b) Mesmo que eu escolha não acreditar na existência de Pedras, os meus olhos fazem com que eu as veja a todo o momento. Será que Deus não sabe que ao não nos criar cegos "obriga-nos" a acreditar na existência de pedras? Nunca pensei que isto fosse qualquer limitação ao livre arbítrio: o de saber que algo existe, por oposição a não saber. Mas para o Pedro Silva parece ser... Mas nesse caso, se o facto de saber que Deus existe (por ele aparecer a avisar-me de uma mina) viola o meu livre arbítrio, então o meu livre arbítrio está constantemente a ser violado.
c) Só imagina essas duas alternativas? Se Deus ao mostrar que existia iria violar o livre arbítrio da pessoa em questão (não precisa de ser criança), Deus podia disfarçar-se de um estranho qualquer e avisar a vítima da mina. Isto entre milhões de outras possibilidades.
«O mesmo com todo o mal voluntário ou “involuntário” que se passa no mundo, se Deus interviesse directamente em todo o mal que existe, o homem perderia a Liberdade...e isso sim seria fazer mais mal do que bem.»
Quanto a isto, há duas coisas por esclarecer:
d) Se Deus impedisse os terramotos, vulcões, e outros desastres naturais, em que medida é uqe o homem seria menos livre? E se Deus tivesse feito a terra sem estes "problemas", porque é que seríamos menos livres?
e) Se Deus nos tivesse feito mais "éticos", seríamos menos livres? Imagine-se que as pessoas eram boas, e não tinham vontade de fazer o mal, mesmo que pudessem. Será que as pessoas boas são menos livres?
Ena tanta coisa por explicar. O que vale é que somos nós que explicamos tudo, enquanto pergunto a ateus por ex. o que é o amor, como já pedi aqui, e têm de ir buscar a definição ao dicionário...acho que isso explica muita coisa. Mas tudo bem, tentarei explicar o que for possível explicar:
ResponderEliminara) é essa a regra, Deus aparece às pessoas? Não, essas são as excepções, que tiveram um propósito específico, dar testemunho, é a maneira de Deus chegar a todos, é através de alguns. Além disso nunca o próprio Deus apareceu em nenhuma dessas situações, por ex. S.Paulo ouviu uma voz dentro da cabeça, isto não é bem uma aparição, convinhamos. Nossa Senhora apareceu em visões particulares, e nunca a uma multidão, por ex. É lógico que sempre haverá profetas, pessoas que tiveram a graça de receber uma mensagem especial, mas que têm o mérito de terem fé nessa revelação (podiam achar que estavam loucos) e é sempre com o propósito de a transmitirem ao mundo, e não guardarem para si. As excepções em que isto aconteceu nada têm a ver com Deus aparecer às pessoas a avisar que vai haver um desastre.
b) está a dizer-me que acha que as pedras têm tanto a ver com o seu ser como tem Deus, que o fez e que o ama acima de tudo? O joão vasco ama as pedras? Ama tanto as pedras como a si mesmo? Há gente para tudo, mas desconfio que não o faça. O amor verdadeiro implica liberdade para aderir, já o disse aqui mil vezes, mas pelos vistos terei de repetir outras mil. Isto é uma coisa que pode experimentar no dia-a-dia, vá e experimente amar alguém quando é obrigado, para ver se consegue.
c) com que então Deus disfarçava-se de um estranho. Teria gabardine, óculos escuros e diria: “cuidado, ali está uma mina!” E depois essa personagem desapareceria, é um misto de man in black e matrix. Acho que anda a ver muitos filmes.
A seguir quer que lhe explique porque é que a terra “foi feita” com vulcões e porque é que não somos mais “éticos”. Também seria interessante saber porque é que a terra não é plana? Dava muito mais jeito para andar de bicicleta. E porque é que o homem não tem 10 braços? Conseguiria fazer muito mais coisas ao mesmo tempo. Há tantas perguntas para serem feitas neste campo, tudo se resume a: porque é que tudo é como é, e não de outra forma?
Quanto a pessoas boas ou más, até parece que temos já tudo programado quando nascemos, se vamos ser bons ou maus, no futuro. Não acredito em pessoas boas ou más, acredito em acções que produzem o bem ou o mal. E isso é escolha das pessoas, mais uma vez graças ao seu livre arbítrio. Mas porque é que quer pessoas boas se critica ferozmente a madre teresa, claramente uma melhor pessoa do que a vasta maioria das pessoas que habitaram o mundo. Se alguém tão bom é tão criticado pelos ateus, não venham dizer que querem pessoas boas, querem é pessoas iguais a vocês. O que o mundo precisa é de mais madres teresas e de menos christopher hitchens, aí seguramente teremos um mundo melhor.
Pedro Silva
Pedro Silva:
ResponderEliminara) Deus ter aparecido foi a excepção. N. Senhora idem. Estamos de acordo. Mas o que eu pergunto é: não era o Pedro Silva que acreditava que isso violava a liberdade das pessoas? Se assim foi, porque é que a liberdade dessas pessoas não foi violada?
Quanto ao "ser uma voz", ser "uma alucinação" ou as pessoas poderem escolher pensar que estavam loucas, porque é que Deus não usava esses estrategemas para avisar da mina?
b) Aquilo que eu quis deixar claro com o exemplo da pedra é que se algo existe não é por eu não o saber que sou mais livre.
Agora Deus quer que as pessoas não saibam com certeza que existe para que estas o possam rejeitar?
E que tal se estas o rejeitassem mesmo sabendo que existe?
O Ludwig já escreveu neste blogue que mesmo que soubesse que o Deus bíblico existia nunca o adoraria.
Uma escolha mais informada nunca é uma escolha menos livre que uma escolha pouco informada.
Por essa razão não faz sentido que Deus nos mantivesse ignorantes a respeito da sua existência para salvaguardar a nossa liberdade de o adorar.
Assim sendo, continua o problema: porque é que Deus não aparece e não avisa que está ali uma mina?
c) Eu dei um exemplo entre muitos outros que um ser omnipotente poderia usar para avisar o indivíduo a respeito da mina, possivelmente impedindo-o de a pisar e perder uma perna. Se o Pedro acha estes ridículos, imagine outros. Mas é muito mais absurdo que Deus não use estes esquemas, do que, por receio de plagiar o "matrix", opte por deixar que o indivíduo perca a perna. Pelo menos se for um Deus bom. Não lhe parece?
d) «A seguir quer que lhe explique porque é que a terra “foi feita” com vulcões e porque é que não somos mais “éticos”. Também seria interessante saber porque é que a terra não é plana? Dava muito mais jeito para andar de bicicleta. E porque é que o homem não tem 10 braços? Conseguiria fazer muito mais coisas ao mesmo tempo. Há tantas perguntas para serem feitas neste campo, tudo se resume a: porque é que tudo é como é, e não de outra forma?»
Não. Se fosse impossível melhorar o mundo em que estamos, o Pedro teria razão. Se fosse igualmente bom termos 8 ou 50 dedos nas mãos, não faria sentido questionar porque é que temos 10. Aí, tais questionamentos resumir-se-iam ao que o Pedro diz.
Mas não é o caso. Os terramotos matam milhares de pessoas. Um planeta sem terramotos é melhor que um planeta com terramotos.
Se Deus é omnipotente e bom, porque é que ele fez terramotos neste planeta?
Se Deus fosse omnipotente e bom, toda a imperfeição do mundo deveria vir do homem. Só o homem deveria fazer mal ao homem, porque a natureza teria sido criada por um Deus omnipotente, omnisciente, perfeito e bom.
Então porque raio é que a natureza não é perfeita? Porque é que existem terramotos?
e) «Não acredito em pessoas boas ou más, acredito em acções que produzem o bem ou o mal.»
O Pedro contradiz isto mesmo quanto diz que «madre teresa [é] claramente uma melhor pessoa do que a vasta maioria das pessoas que habitaram o mundo.»
Cada vez que fazemos uma escolha ela depende de vários factores. Alguns são sociais, outros são biológicos, etc... E a escolha não depende apenas desses factores. Mas é condicionada por eles.
Suponho que o Pedro concorda com isto.
Então o Pedro pode imaginar que um ser Perfeito e omnipotente que nos tivesse criado, nunca teria feito com que existissem no nosso corpo factores biológicos que pudessem condicionar a nossa escolha no sentido de encorajar escolhar erradas ou más. E no entanto, é isso que acontece.
A ganância, a agressividade, a loucura, a ira, a luxúria e uma série de outros comportamentos que o Pedro acha errados são mais facilmente "escolhidos" porque o nosso cérebro e o nosso corpo funcionam como funcionam.
Note que eu não digo que é impossível evitar tais comportamento, mas que por termos o corpo que temos, é mais dífícil. E é mais difícil a uns do que a outros - por exemplo, homens com 2 cromossomas y e um x (um defeito genético), são geralmente muito mais violentos que as outras pessoas.
Quando uma pessoa é boa, e por boa quero dizer que as acções que pratica geralmente são boas, pode ter sido pela boa educação que recebeu, pode ter sido pelas boas escolhas que fez, e pode ter sido por lhe ser mais fácil fazer o bem. Pode ter sido por várias destas. Mas se lhe é mais fácil fazer o bem, seja porque razão for, ela não é menos livre por isso.
Assim sendo, porque é que os nossos corpos não são diferentes, por forma a que seja mais fácil fazer o bem? Porque é que Deus nos iria fazer de forma a que as nossas escolhas livres mais facilmente resultassem em más acções do que se fôssemos de outra forma?
Era isto que eu queria dizer com sermos "mais éticos".
Notas finais:
A esmagadora maioria dos ateus tem admiração e respeito pela Madre Teresa. Eu próprio tinha muito, já enquanto ateu. Isso acontece pela mesma razão que eu, mesmo já ateu, pensava que o Hitler era ateu: a máquina de propaganda católica consegue espalhar mentiras com bastante facilidade. A esmagadora maioria dos ateus está mal informada e não sabe de muita coisa a respeito da Madre Teresa.
Muita coisa que eu vim a saber.
Sobre o dar explicações, eu posso dar as que quiser, mas só dizem respeito a mim e não aos ateus.
Quanto ao "o que é o amor", creio que é um sentimento que se tem por alguém, quando além de se desejar essa pessoa (de diferentes formas, consoante o tipo de amor - mas não se limita à sua companhia, à sua presença - tende a ser mais que isso) também se quer bem a essa pessoa. Este sentimento quando vivido em pleno, tende a ser muito poderoso e a condicionar significativamente as escolhas e as acções.
A resposta não está cheia de poesia, mas tentei ser esclarecedor na medida do possível.
João Vasco,
ResponderEliminar“Se assim foi, porque é que a liberdade dessas pessoas não foi violada?”
Porque são a excepção que confirma a regra. E essa excepção teve sempre uma missão, levar aos homens um testemunho. Esta é a maneira de Deus se fazer conhecer, de uns homens para os outros, e não aparecendo para provar o seu poder, como um qualquer ditador. Pode discordar-se do método, realmente não me parece que seja o mais eficaz para que todos O conheçam, aparecer uma vez por semana na televisão seria bem mais fácil. Mas o testemunho e a confiança nos irmãos, o poder aderir ou não, procurar as razões para o fazer, faz-nos certamente muito mais livres do que o contrário.
Se Deus avisasse toda a gente que ia pisar uma mina, então as minas deixavam de ser úteis. E porque não avisar toda a gente que vai entrar num carro e que vai ter um acidente? E porque não, e porque não, e porque não? Deus escolheu, além de nos dar livre-arbitrío, não violar as leis da natureza por si criada, mais uma vez salvo algumas excepções. Os cristãos não voam, não respiram debaixo de água, são exactamente como todas as outras pessoas, só que fazem as mesmas coisas do que os outros, com um motivo diferente.
“O Ludwig já escreveu neste blogue que mesmo que soubesse que o Deus bíblico existia nunca o adoraria. “
Mas o Ludwig conhece lá o Deus bíblico! Ele pensa conhecer Deus, mas conhece o deus que tem na cabeça, e esse felizmente não existe, desse deus também eu sou ateu. Se conhecesse o verdadeiro Deus, seria impossível não se ajoelhar e dizer “Meu Senhor e meu Deus”, como disse S.Tomé quando viu Cristo ressuscitado.
“Os terramotos matam milhares de pessoas. Um planeta sem terramotos é melhor que um planeta com terramotos.”
Pois é, e um mundo sem doenças é melhor do que um mundo com doenças, e um mundo onde toda a gente diz bem dos outros, é um mundo bem melhor do que um mundo onde toda a gente diz mal. A diferença entre a terra e o paraíso é o pecado, e o que o joão vasco quer é um paraíso aqui na terra. Já é tarde demais para ser um paraíso completo, duvido que os terramotos alguma vez deixam de existir, podemos é evitar os seus danos. Podemos combater as doenças, mas acima de tudo podemos sempre fazer uma aproximação a esse paraíso, ao menos deixar de dizer mal só por dizer mal.
“O Pedro contradiz isto mesmo quanto diz que «madre teresa [é] claramente uma melhor pessoa do que a vasta maioria das pessoas que habitaram o mundo.»”
Tava a usar a sua linguagem, que já noutro comentário disse que a madre teresa era assim porque nasceu assim, e não por causa de Jesus. Ou seja, teve a “sorte” de nascer boazinha, então o seu amor por Jesus não tinha nada a ver com isso. Quando era a própria que dizia que se não fosse por Jesus, se não O visse naquela pessoa, nem por um milhão de dólares faria aquele trabalho. Ser bom não é uma herança genética, é resultado do que se faz com a vida, e nisso a madre teresa deu 10 a 0 a qualquer christopher hitchens, ou algum ateu de renome que tenha dado parte da sua fortuna.
Quanto à definição de amor, é bom ver que já não o define apenas como um sentimento, mas também um querer bem ao outro, por mais que não se sinta nada no momento. Ainda bem que completou a definição, depois de algumas discussões sobre este assunto. A definição está agora mais completa, e mais próxima do cristianismo, verdadeira doutrina de amor.
Pedro Silva
Pedro Silva:
ResponderEliminar«Mas o Ludwig conhece lá o Deus bíblico! Ele pensa conhecer Deus, mas conhece o deus que tem na cabeça, e esse felizmente não existe, desse deus também eu sou ateu. »
Discordo completamente da sua noção de liberdade.
O Pedro Silva considera que Deus não se pode mostrar a todos, porque se conhecessemos Deus não poderíamos deixar de escolher adorá-lo.
Que engraçado! O mesmo Deus que nos teria impedido, pela forma como nos teria criado, de escolher viver mais de um ano sem comer, ou mais de uma semana sem beber, esse mesmo Deus teria escolhido não se mostrar, por alegadamente considerar que ninguém escolheria não o adorar. Uau!
Se calhar se eu der 10 contos a uma pessoa ao acaso também estou a violar a liberdade dessa pessoa, visto que é praticamente certo que ela a vá aceitar.
É fantástico!
Deus alegadamente ter-nos-ia feito de forma a que nos fosse impossível escolhermos não o adorar caso o tivessemos conhecido em vida. Talvez tenha achado que isto em si já era uma violação da liberdade.
Achou que poderia resolver esta lacuna na nossa liberdade com ignorância. Então não se mostra, e deixa-nos "escolher". Claro que a nossa escolha começa logo no local de nascimento: se tivermos "escolhido" nascer na China temos menos hipóteses de escolher acreditar em Jesus, mas isto deve fazer parte do "plano".
Depois, parece que depois da morte aí já podemos "escolher" afastar-nos dele - o inferno. Onde temos a "liberdade" de sofrer atrozmente pela eternidade.
E terá sido Deus - sempre preocupado com a nossa Liberdade ao ponto de não avisar as criancinhas que vão perder pernas nas minas para não roubar liberdade a quem as constroi - que nos fez por forma a que a estadia no Inferno nos faça sofrer.
Imagine que proibem as pessoas de dizer "olá!". Nós dizemos que isso restringe a nossa liberdade, mas poderíamos hipocritamente dizer que não há restrição nenhuma: qualquer um pode dizer "olá!" à vontade, desde que não se importe de sofrer as consequências e ir para a prisão.
Agora imagine o Joel, um soldado que aponta a pistola ao Diogo e ordena que este diga qualquer coisa nos próximos 5 minutos. Ele sabe que está a tirar liberdade ao Diogo. Claro que este pode escolher não dizer nada, mas não é completemente livre de não o fazer.
Então imagine que o Joel, com medo de restringir a liberdade das pessoas, faz outra coisa: esconde a pistola e aponta para um indivíduo. Se este não fala em 5 minutos, ele dispara.
Existe aqui algum incremento de liberdade? Nenhum!
A liberdade é a mesma.
Não é por as pessoas conhecerem as consequências dos seus actos que perdem liberdade.
Deus funcionaria de forma semelhante: podes escolher amar-me e ser feliz, ou afastar-te de mim e sofrer atrozmente por toda a eternidade.
Mas para fazeres a escolha livremente, nunca te vou confirmar que essa escolha existe. Assim, se és uma pessoa desconfiada, pensas que é tudo uma invenção. E se és uma pessoa crédula com algum azar (como 2/3 da população mundial) vais acreditar nos Deuses errados. Mas se és uma pessoa crédula que não precisa de provas, e tiveste a sorte de nascer numa cultura cristã, pode ser que acredites no rumor que eu pús a espalhar à custa de violar a liberdade de algumas pessoas mostrando-me. Mas nunca to confirmarei, para não violar a tua liberdade.
Isso é fascinante. É como acreditar que eu sou mais livre se não conhecer a lei do meu país. Desde que eu não saiba que ao roubar vou para a cadeia, sou livre de roubar - nem importa que vá para a cadeia à mesma.
Isso é a liberdade fundamentada na ignorância. Sim, somos livres de rejeitar Deus, apenas porque não o conhecemos, e à custa de sofrermos atrozmente por toda a eternidade.
E seríamos menos livres se tivessemos a confirmação que são estas as consequências das nossas escolhas.
Essa é a sua razão para Deus não se mostrar, e é deliciosamente irónico que o ponha de forma tão clara -> conhecê-Lo seria perder a Liberdade. A contradição de tudo aquilo que os católicos afirmam.
E não fui eu que inventei isto: foi mesmo o que o Pedro escreveu: Deus não se mostra porque saber que Ele existe atentaria contra o nosso livre arbítrio, o qual Ele quer proteger.
«A diferença entre a terra e o paraíso é o pecado, e o que o joão vasco quer é um paraíso aqui na terra.»
Mas as doenças e terramotos são culpa do pecado do homem?
Se depois do sacrifício de Cristo Deus lá perdou os pecados do homem, porque é que continuam os terramotos e as doenças?
O Pedro diz que o mal que existe não é escolha de Deus, mas sim culpa do homem. Mas não sabia que nisso incluia também terramotos e doenças.
Poderia pensar que a terra já seria diferente do Paraíso pelo facto do homem poder fazer mal, etc... Porquê acrescentar doenças vulcões e terramotos? Isso já parece escolha de Deus.
E já agora: se Deus ao mostrar-se tira-nos qualquer liberdade de escolha, ou se era impossível sermos livres e não haver mal, será que isso quer dizer que não há liberdade no Paraíso?
Eu nunca tinha pensado nisto, mas se os católicos acham que com a Liberdade é inevitável o mal - por isso é que nem um Deus omnisciente, omnipotente e omnipresente o coneguiu evitar... - então isso quer dizer que onde não há mal, não pode haver Liberdade.
Sobre a Madre Teresa:
Eu não acho que esteja tudo determinado nos genes, mas é óbvio que têm um papel. Um ser humano pode escolhar não atacar quem o ataca. É mais difícil que um leão "escolha" não atacar quem o ataca, mas é possível. E é impossível que uma Giboia "escolha" não atacar quem a ataca.
Neste sentido, a forma como o nosso corpo funciona, condiciona as nossas escolhas.
Para certos indivíduos é mais fácil escolher não comer do que para outros. Isso depende de escolhas anteriores, mas também depende do seu corpo. Dos seus genes, etc...
Se um indivíduo não dificuldade em escolhar fazer o bem, isso é óptimo. E não é por ter menos dificuldade nisso que ele é menos livre.
O que acontece é que nós poderíamos ser diferentes, e por causa dessa diferença poderia ser-nos mais fácil escolher o bem.
Levado ao limite é óbvio que poderíamos ser de tal forma que poderíamos todos escolher o bem sem qualquer dificuldade - teríamos vontade de o fazer - mesmo prante a possibilidade de escolher o mal. Isso não estaria fora do alcance de um ser omnipotente.
Em vez disso não. É naturalíssimo que tantas vezes escolhamos o mal, e muitas das vezes somos "ajudados" pela nossa fisionomia.
Por exemplo: no planeta terra muitos mamíferos têm uma hormona chamada adrenalina, que entre outras coisas condiciona a forma como nos comportamos quando somos atacados.
É-nos difícil escolher dar a outra face quando nos dão uma bofetada. Podemos fazê-lo, mas o nosso corpo ajuda a que a escolha seja outra. Aliás, certas doenças podem tornar muito difícil que se escolha de outra forma. Mas mesmo sem essas doenças, é difícil para toda a gente escolher dar a outra face, não por qualquer razão metafísica, mas porque é essa a nossa fisionomia.
Mas a nossa fisionomia não terá sido desenhada por Belzebu (que de qualquer forma teria sido desenhado por Deus...). Deus escolheu que fossemos como somos. Porque é que Ele teria escolhido condicionar as nossas decisões de forma a tornar mais difícil escolhermos aquilo que Ele nos teria dito que era correcto? Mais ainda sabendo do mal que adviria daí?
As contradições parecem-me tantas. A inversão ética, a completa inversão de valores que o catolicismo implica, parece-me tão grande.
Acho monstruoso que se ache justo castigar biliões de pessoas com doenças, terramotos, etc... pela escolha dos seus ascendentes. Acho indigno e injusto que o sacrifício de um inocente pudesse redimir as faltas dos culpados. E nem sei como aceita de consciência tranquila que Deus lhe tenha convidado a SI a "conhecer a felicidade de Cristo" e, sendo omni-tudo, se tenha esquecido da esmagadora maioria dos asiáticos que morreram até 2007, os quais nunca tiveram grandes oportunidades de aderir ao cristianismo. Mas principalmente acho curiosa a sua noção de liberdade: uma escolha desinformada é mais livre que a mesma escolha informada. E já que estamos em noções de liberdade, acho engraçada a sua ideia de que Deus não devia avisar (sem se mostrar) as pessoas que vão pisar em minas e perder pernas, para não tirar liberdade aos que as constroiem. Como se a liberdade de andar pela terra sem risco de perder uma perna não fosse mais importante que a liberdade de construir minas.
Temos grandes diferenças de valores.
Enormes.
PS- Mantenho que o Amor é um sentimento. Isso não contradiz nada do que escrevi. Mas se havia um mal-entendido, ainda bem que ficou esclarecido.
Bem, que confusão que vai aí nessa cabeça, desculpe lá que lhe diga.
ResponderEliminarDesde já também devo dizer que há pessoas que explicam isto muito melhor do que eu, basta ler S.Agostinho ou S.Tomás de Aquino, ou outras mil pessoas, bem mais santas e inteligentes do que eu. Mas como só aqui estamos os dois, cabe-me tentar dar-lhe uma explicação.
A palavra liberdade é curta para explicar o que se passa, por isso vou dividi-la em livre-arbítrio e liberdade.
O que é o livre-arbítrio? É o poder de tomar uma decisão, por exemplo decidir consumir ou não consumir drogas, estou a usar do meu livre-arbítrio, se quiser poderei consumir cocaína.
O que é a liberdade? É tomar a decisão correcta. Se eu decidi começar a consumir cocaína, por vontade própria, fiz uso do meu livre-arbítrio, mas essa decisão tornou-me menos livre, porque agora preciso de cocaína para viver. A verdadeira liberdade é então adesão ao Bem, fazendo uso do livre-arbítrio. Daí a importância da educação em vez da proibição, parece-me que isto faz sentido. Como disse S.Paulo: “Todas as coisas me são lícitas; mas nem todas me convém.”
É isto que nós sabemos também das nossas relações humanas. Se peço a minha namorada em casamento, quero que ela aceite por dois motivos: por mim, porque acho que isso faz parte da minha felicidade, e por ela, porque acho que isso faz parte da felicidade dela. Ou seja, quero que ela diga que sim, porque é para o seu bem, mas quero que seja ela a perceber isso, e que com todo o livre-arbítrio adira a esta proposta, que a tornará mais feliz, mas livre. Foi este o método escolhido por Deus, o método do amor verdadeiro, que quer mais do que tudo estar com o outro, mas que se detem na capacidade de escolha do outro, não se impõe, porque se assim não fosse essa relação seria uma ditadura. Daí, a necessidade da existência do inferno, porque ninguém deve ser obrigado a ficar com quem não quer. E quem vai para o inferno, se alguém foi, foi porque escolheu não ficar com Deus. Mas não quer dizer que vá estar a sofrer eternamente com calor e diabos, o inferno poderá até ser um sítio mais ou menos agradável, mas nunca completará o Homem, porque apenas o amor de Deus o faz, e esse é o drama do inferno, o vazio, a falta do que nos preenche. Isto não é alheio à nossa experiência aqui na terra, o amar e ser amados preenche-nos mais do que outras coisas que também são boas.
O método que Deus escolheu é revelar-Se através da criação, e isso percebe-se bem pelas palavras de Isaac Newton: "Do meu telescópio, eu via Deus caminhar! A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode." Se quiser dizer que o Newton não sabia o que era pensamento crítico, ou acreditava em duendes ou sereias, esteja à vontade.
Depois fez o coração do homem capaz de distinguir entre o bem e o mal, e ter a capacidade de perceber que o bem o preenche mais do que o mal.
E além disso revelou-Se a uns, para que esses espalhem por todos quem Ele é. É este o grande truque, a revelação através dos homens, uns ensinando os outros, uns aprendendo com os outros, uns confiando nos outros, e a prova de que tudo isso é verdade, é a validação dessa experiência no dia-a-dia, através do amor. Eu não acredito em Cristo porque alguém me impôs essa crença, nem porque tenho medo da morte. Acredito porque pegando nas Suas palavras e na Sua vida, presentes nos evangelhos, e no exemplo de 2000 anos de santos, e depois experienciando essa maneira de viver, na minha vida, percebo racionalmente que isso me preenche mais do que qualquer outra forma de viver. Não é uma superstição, não tem nada a ver com o pai natal, eu percebo na minha vida que é melhor viver assim, procurando ser humilde, amar os meus irmãos, perdoar, ... , do que de qualquer outra maneira. E percebo também que o ser humano é mais ser humano se o fizer, e que só se realiza plenamente se o fizer. Isto e tudo o resto remete-me para Deus, e fico a conhecê-Lo, mesmo sem que Ele apareça na sic noticias a dar uma entrevista. Por isso não é um Deus que se dá a conhecer pela ignorância, é exactamente o contrário, é o que nos desafia a procurar a sabedoria, o que costuma levar uma vida inteira, e que mesmo assim só depois se conhecerá todo o Mistério. Por agora a proposta é aderir ao que nos é permitido conhecer, dadas as nossas limitações físicas.
Quanto às pessoas que não conhecem Cristo e por isso supostamente não se salvam, não tenha medo que não é por aí que não se vão salvar. Como disse anteriormente, a partir do momento em que Deus encarnou, morreu e ressuscitou, abriu as portas do Céu, e se alguém foi para o inferno foi porque quis, e aí a obrigação seria uma ditadura e não amor verdadeiro. E as pessoas quando morrem aderem a Deus pelo amor, e não apenas pelo conhecimento que tiveram do que realmente se passou há 2000 anos no médio-oriente. Urge acabar com essa ideia que quem nunca ouviu falar de Cristo vai para o inferno, porque só as pessoas que estão fora da Igreja o dizem.
Conhecê-Lo não é perder a liberdade, conhecê-Lo e aderir a Ele é ser verdadeiramente livre. Mas esse conhecimento vem pelo método que Deus escolheu, e não pelo método do joão vasco, que seria Deus a discursar nas nações-unidas, a actuar mais ou menos como um ditador, que se impõe ao Homem, impossibilitando-o de decidir.
Os terramotos e as doenças fazem parte deste mundo em que vivemos, e onde estamos com o propósito de amarmos, não farão parte da realidade para a qual fomos feitos, que é o paraíso. A presença junto de Deus para toda a eternidade, completa-nos, não há tristeza nem desespero nem ciúmes nem inveja, assim como terramotos ou doenças. Daí que em última análise o pecado, o afastamento de Deus é para mim pior do que um terramoto. Este só me pode matar o corpo, o outro mata-me a alma, e dessa preciso para ser feliz. Como disse S.Agostinho: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.”
Se o amor é apenas um sentimento, quando eu não o sinto que quero o bem do outro, mesmo que durante um dia, não o amo nesse dia? A minha experiência diz-me que o amor vai além disso, mas também eu acredito num Deus que no último jantar antes de ser morto se pôs a lavar os pés aos seus discípulos.
Pedro Silva
Pedro Silva:
ResponderEliminarO meu último texto era confuso. Em vez de estruturar o conteúdo, fui escrevendo à medida que as coisas me iam ocorrendo, e por isso repeti umas coisas, expliquei menos bem outras.
Ainda assim havia um conjunto de perguntas claras, mas o Pedro Silva não respondeu.
O Pedro Silva explica aquilo que eu já conheço como sendo a doutrina católica. Mas eu creio que esta doutrina está cheia de contradições, e apresentei-as sobre a forma de perguntas. Mas essas perguntas ficaram sem respostas.
Nesse sentido, vou começar por esclerecer algumas notas em relação ao seu texto, para depois retomar as perguntas que creio terem ficado por responder.
Notas:
«Mas não quer dizer que vá estar a sofrer eternamente com calor e diabos, o inferno poderá até ser um sítio mais ou menos agradável,»
Eu nunca falei em calor e diabos. Mas a opinião de que o Inferno pode ser agradável parece-me um tanto herege...
«mas nunca completará o Homem, porque apenas o amor de Deus o faz, e esse é o drama do inferno, o vazio, a falta do que nos preenche»
Eu apenas falei do Inferno enquanto lugar de sofrimento atroz. Nunca dei a entender que o sofrimento viesse do calor e dos diabos e não do vazio.
O importante é que quem vai para o Inferno sofre atrozmente por toda a eternidade. Acreditar que isso é possível parece-me extraordinariamente revoltante.
Claro que eu acreditaria, se tivesse boas razões para isso, mas que infelicidade que seria acreditar que tal monstruosidade é sequer possível. Por muito mal que exista neste mundo, nada chega a esse ponto. Um mundo em que isso fosse possível seria um mundo muito pior.
«quiser dizer que o Newton não sabia o que era pensamento crítico, ou acreditava em duendes ou sereias, esteja à vontade.»
Até ao triunfo das revoluções liberais em todo o mundo, praticamente todos os cientistas se diziam crentes, muitos dos quais relativamente ortodoxos (não me refiro à Igreja homónima). O que é fácil de entender, visto que - de diferentes formas - existia perseguição religiosa.
No início do século XX as coisas mudaram e a maioria dos cientistas, ao contrário da maioria da população, afirmava-se publicamente como não-crente.
Há duas razões para esta alteração: uma foram as descobertas que surgiram entretanto - desde a teoria da selecção natural à mecânica quântica, passando pela noção da imensidão do universo, e pela periferia da nossa posição, no tempo e no espaço e a outros níveis - que fizeram com que muitos daqueles mais a par delas tirassem as devidas ilacções. A outra foi o fim da perseguição religiosa que fez com que os cientistas que eram descrentes o pudessem afirmar livremente.
Hoje não só a maioria dos cientistas é descrente, como essa percentagem tende a subir quando nos referimos aos cientistas mais importantes.
Mas por isso tudo, é sempre arriscado comentar a respeito da posição de um cientista anterior ao século XIX..
«Por isso não é um Deus que se dá a conhecer pela ignorância, é exactamente o contrário, é o que nos desafia a procurar a sabedoria, o que costuma levar uma vida inteira, e que mesmo assim só depois se conhecerá todo o Mistério»
Esta frase é contraditória.
«Quanto às pessoas que não conhecem Cristo e por isso supostamente não se salvam, não tenha medo que não é por aí que não se vão salvar.»
Creio que o meu ponto era: se é importante, ou bom, conhecer Cristo, se isso nos traz liberdade, etc... então esta forma que Deus escolheu de espalhar a sua palavra faz com que cerca de 2/3 da humanidade no presente (já sem contar com outros tempos) tenha possibilidade real de aderir. Que raio de respeito pelo livre arbítrio é este? A pessoa adere ou não tendo em conta principalmente o sítio onde nasce - que nunca escolheu - e não tendo em conta os prós e os contras da decisão, como aconteceria se Jesus aparecesse a todos. E a razão? Como os prós são extraordinariamente melhores que os contras, todos adeririam. E parece que isso iria contra o livre arbítrio, não sei como, mas parece que sim. O que não vai contra é que a decisão dependa 90% do lugar de nascimento que não foi escolhido pelo próprio.
Isto não faz sentido nenhum.
«Se o amor é apenas um sentimento, quando eu não o sinto que quero o bem do outro, mesmo que durante um dia, não o amo nesse dia»
No que respeita a sentimentos complexos, o próprio historial do sentimento é relevante. Assim, o sentimento pode estar presente mesmo que o consciente não se aperceba dele.
Mas não excluo a possibilidade de, tendo uma relação longa com alguém, por vezes haver dias em que não sentimos amor. Mas se for uma relação com futuro, é natural que voltemos a sentir. Nestas circusntâncias não se deve ter em conta apenas o que se sente num determinado momento. É possível, no entanto, que esse sentimento desapareça definitivamente. Nada disto é simples.
Mas os sentimentos não são todos simples.
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Perguntas:
1a) Imagine que na terra havia apenas uma aldeia com 200 pessoas. Imagine que o Carlos é um ilusionista, e sabe que todos gostam do seu espectáculo. Imagine que o Carlos sabe que se perguntar aos habitantes "querem ver o meu espectáculo?", todos vão responder afirmativamente.
Acha que Carlos ao fazer a pergunta, está a negar o livre-arbítrio a alguém?
1b) Se respondeu não a 1a. Assumindo que oferecer a alguém uma escolha, mesmo já sabendo que qualquer um irá aderir, não viola por si o livre-arbítrio (como se viu em 1a), então qual seria o mal de Cristo aparecer a todos para que estes tomassem uma decisão informada de aderir ou não à sua proposta?
1c) Sabendo que não escolhemos onde nascemos, e visto que o local de nascimento tem uma importância quase decisiva na nossa escolha de aderir a Cristo ou não, não existe aqui uma violação tão grosseira do nosso livre arbítrio em vida?
1d) Imaginemos que o Carlos (da questão 1a), para "não violar o livre arbítrio das pessoas" dizia ao Pedrito para espalhar a mensagem de que ele vai dar um espectáculo numa clareira no bosque, em vez de dizer ele directamente ao povo da aldeia. Uns não acreditam no Pedrito, pois muitos andam a circular rumores semelhantes, e o do Pedrito é só mais um. Por outro lado, o rumor vai sendo adulterado, e vão sendo transmitidas informações completamente deturpadas. Chegam a existir mortes por causa disso.
A atitude de Carlos faz algum sentido?
2a) Caso Cristo se apresentasse a toda a gente, o Pedro crê que qualquer um aderiria. É precisamente essa a sua razão para afirmar que isso violaria o livre arbítrio de todos. Nesse caso, como seria possível ir para o Inferno, se qualquer um aderira a Cristo quando o conhecesse?
2b) Se todos aderissem a Cristo quando o conhecessem já depois de mortos, e ninguém fosse para o Inferno, isso não constituiria uma violação do seu livre-arbítrio nessa altura?
3) Atente na seguinte sequência:
PS - «A diferença entre a terra e o paraíso é o pecado, e o que o joão vasco quer é um paraíso aqui na terra.»
JV - «Mas as doenças e terramotos são culpa do pecado do homem?
Se depois do sacrifício de Cristo Deus lá perdou os pecados do homem, porque é que continuam os terramotos e as doenças?»
PS- «Os terramotos e as doenças fazem parte deste mundo em que vivemos, e onde estamos com o propósito de amarmos, não farão parte da realidade para a qual fomos feitos, que é o paraíso»
«Os terramotos e as doenças fazem parte deste mundo em que vivemos» porquê? Porque é que um Deus omnipotente e bom iria fazer com que os terramotos e doenças fizessem parte do mundo em que vivemos. Por castigo?
4) Se o mal é uma inevitabilidade do livre-arbítrio - tanto que nem um Deus criador, omnisciente, omnipotente e omnipresente, infinitamente bom, misericoridioso e perfeito o conseguiu evitar - o facto de não existir mal no Paraíso teria de implicar que também não exitirá livre-arbítrio lá. Como explica isto?
Mais notas e perguntas haveria a fazer, mas por agora estas serão suficientes.