quinta-feira, novembro 22, 2007

Evidências.

Porque é que o número no termómetro me indica a temperatura e o da balança o peso? Porquê não o contrário? Porque a evidência resulta de uma interpretação de uma experiência num contexto. Pode parecer que se vejo uma maçã é porque está lá a maçã e não preciso interpretar nada. Mas tenho que assumir que não estou a sonhar nem a alucinar, que aquela imagem corresponde a um objecto tridimensional, que esse objecto é uma maçã e muitas outras coisas. Nunca temos acesso directo à realidade, apenas um acesso indirecto mediado pelo muito que assumimos além da experiência imediata.

Mas isto não implica que haja uma verdade para cada um ou que se possa interpretar as coisas à vontade. Pelo contrário. Se cada um tivesse uma ligação directa à realidade os pós-modernistas teriam mais razão, bem como todos os que propõem milagres, criacionismos, astrologias e outras tretas. Nesse caso cada experiência teria o mesmo valor, cada percepção corresponderia a uma realidade e cada interpretação seria equivalente a qualquer outra. Mas é a relação entre os dados que dá evidências. Cada experiência e interpretação só serve o conhecimento se encaixar noutras. Por isso é absurdo concluir do termómetro que peso 37 kg, da balança que tenho 98 ºC de febre e que a maçã é um extraterrestre disfarçado. Isto não encaixa.

Ao longo dos séculos construímos um enorme edifício de conhecimento onde as interpretações se interligam. Da física nuclear à psicologia, da astronomia à biologia, temos modelos, dados e interpretações sem contradições ou separações. É essa rede que dá evidências que os nossos modelos estão bem encaminhados. Há muitas partes em construção ou remodelação, mas o mais importante é como tudo encaixa numa construção coerente.

Há volta deste edifício há caixas de sapatos e barracas de papelão. Milagres, crendices, superstições, ideologias disfarçadas. São coisas pequenas, frágeis, isoladas e sem utilidade mas que são fáceis de construir. Basta dizer meia dúzia de tretas com ar sério. Por isso, quando o acupunctor disser que desbloqueia a energia, o criacionista afirmar que o seu deus criou tudo ou o OVNIólogo contar como os extraterrestres andam a coleccionar tetas de vaca, perguntem onde estas coisas moram.

Se encaixam no que sabemos e expandem ou substituem parte do edifício merecem ser aceites. É assim que o conhecimento progride. Mas se querem ficar na casota do cão, se insistem na separação e não oferecem nada de melhor, então deixem estar que deve ser treta.

Editado a 23-11: Corrigido Kg para kg.

16 comentários:

  1. lá tás tu com o acupuntor a «libertar energia».... irra...
    olha que o meu acupuntor não liberta energia , pica o nervo para impedir os impulsos nervosos de chegar ao cerebro e darem a sensação de dor e permitir uma cura mais rapida e indolor.no dia em que ele me viesse com tretas de «libertar» energias negativas enfiava-lhe com as agulhas todas no esfincter...

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  2. As artes marciais e outras que tais também estão permeadas de mitos associados com as "energias". Na minha condição de instructor de Taekwondo tive um dia á conversa com uma senhora muito simpática, mãe de um practicante na minha escola, que me dizia, a respeito do yoga, que se sentava frente ao mestre e "projectava amor". A primeira coisa que me lembrei de responder foi "Epá, eu vi outro dia um filme onde havia um senhor canalizador que também projectava amor! E a cerca de 15 cm de distância!" mas no interesse da correcção profissional respondi: "Fantástico!"

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  3. Satanucho,

    Os meridianos da acumpunctura são as vias onde passa a energia do corpo (o chi, que é a respiração).

    Se ele pica o nervo para não passarem os impulsos, vai deixar de sentir dor. E o resto. E não é só durante a consulta.

    Uma explicação dos defensores da acumpunctura é que a estimulação de nervos próximos faz reduzir a intensidade da dor (por inibição lateral, como acontece quando massajamos ou esfregamos). A eficácia é discutível, porque não há resultados claros em ensaios bem feitos (com dupla ocultação).

    Mas veja aqui uma descrição.

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  4. oi Bruno
    depende da interpretação: "projectar amor" também eu o faria se tivesse um mestre estilo Brad Pitt. Fazia um "projecto" de o apanhar nú e não lhe dar tempo para se vestir de novo.
    Karin

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  5. Ludwig:

    Ou percebi muito mal, ou o link que deste direcciona-nos para um texto que faz uma defesa eloquente dos méritos da acumpunctura...

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  6. Só uma ligeira correcção que não belisca em nada a argumentação. Uma balança não nos dá o peso mas sim a massa.

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  7. João Vasco,

    Mais ou menos. Faz uma descrição moderna: o que se pensava antes, o que alguns pensam agora, e uns resultados escolhidos a dedo.

    Se essa defesa é boa ou não, veremos no próximo episódio :)

    João (o outro),

    Eu diria que a balança mede o peso; mede uma força, que, se for usada correctamente, é a força de atracção entre o planeta onde estivermos e a massa que pomos em cima da balança. Mas é o peso (a força) que a balança mede, e se levarmos a balança para a Lua vai dar um valor diferente para a mesma massa que usámos na Terra.

    A incorrecção, que admito, é dizer que o meu peso é 98Kg. Devia dizer que peso 98 kilograma força, porque Kg é unidade de massa. Mas isso era pedantismo demais até para este blog ;)

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  8. Eu tamãe acho que abalansa não dá amáça. Oije ãe dia o menhor cítio pra incontrar máça é o multibranco. Só tou áspéra cája há venda no mérdiamárquête pra lá ir comprar uma máquina purtátil. Tálvêz inda áija pró-natal purque as culheitas tãeãe tado a currer bãe. Cuanto óh pêzo arranjasse nus tórantes de cumida rápida cunhessidos por fás-te fudes. A bãe da nassão.

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  9. Ludwig,

    Sobre peso e massa, seria mais fácil dizer que as balanças, de "casa de banho", são do tipo dinamómetro, elas medem um força proporcional à mola que lá está, F=kx, obtendo mediadas diferentes aqui e na lua.

    Só seria "massa" se tu estivesses numa balança daquelas com
    uma massa que corre horizontalmente, e que há nas farmácias ou hospitais, e essas medem o mesmo aqui ou na lua, ainda há a hipótese de te colocares numa balança de pratos, que dá o mesmo.

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  10. Mas tu ou outra pessoa, em cima de uma balança de pratos, não é coisa fácil.

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  11. Ludwig,

    Só mais uma coisa, espero que não me leves a mal.

    Não deves escrever "kilograma", mas sim quilograma... O SI manda.

    Bem como o prefixo "k" quando escreves "98Kg" deve ser minúsculo, caso contrário representa Kelvin. O SI não perdoa, esse malandro! ;-)

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  12. Mário,

    Quanto à balança de pratos, temos que pesar os prós e os contras (ou será massar os prós e os contras? já não sei...).

    O quilo tens razão, De pôr kg com k saiu-me kilo... Mas vou já corrigir o post. Isto não é um blog onde se possa desrespeitar o SI. E obrigado pela correcção, que não levo a mal e até agradeço.

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  13. Ludwig,

    Mais uma dica: "98ºC" também não está muito correcto, e as outras que não têm espaço também não; tens que colocar um espaço de até um caracter entre o valor e a unidade.

    E aqui

    «Isto não é um blog onde se possa desrespeitar o SI»

    estás "partir-me a cabeça"? Mas a sério, não estou a fazer estas referências com mau sentido. Já agora, o peso ficaria mais "baril" e simples quando o designarmos por "newton".

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  14. Mário,

    Não, foi só uma piada :)

    Usar "newton" já era demais, porque tornava a coisa mais difícil de perceber. Bem como o kgf (ou pôr a temperatura em Kelvin).

    Mas estes erros ortográficos quero corrigir. E é engraçado que nestes anos de relatórios e artigos científicos penso que nunca usei quilogramas, e quase sempre as unidades vêm no eixo do gráfico, no cabeçalho da tabela ou coisa assim. Quando há unidades, porque em bioinformática muitos dos valores são parâmetros adimensionais...

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  15. Épá, não se esqueçam de nós, comuns mortais, que também lemos o Ktreta (ou será o Qtreta? Maldito SI) e que crescemos num mundo onde as balanças medem o peso e os termómetros a temperatura, e não Newtons sobre raiz de pi por segundo quadrado.

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  16. Krippmeister,

    O peso nunca pode ser em kg, é um abuso de linguagem, e não se deve escrever Newtons, mas sim newtons. Agora já estou a aparvalar;-)

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