domingo, novembro 25, 2007

Eles falam, falam, falam...

No Diário de Notícias de ontem, Anselmo Borges escreveu sobre «O Diálogo Ciência-Religião» (1). Mas diálogo só tinha no título. Num diálogo os interlocutores tentam chegar a consenso conciliando, corrigindo ou eliminando ideias. O que Anselmo Borges propõe é «a autonomia de cada uma das esferas e dos respectivos campos de intervenção», e que a «religião tem de colocar-se no seu domínio próprio e saber claramente que não pode contradizer a ciência.» Concordo que não contradiga, mas de se um dos intervenientes não pode contradizer o outro não há diálogo. Só conversa de barbearia.

É discutível se alguma vez houve diálogo entre religião e ciência. Dantes parecia haver, mas em retrospectiva nota-se que sempre se fez ou ciência ou religião. Mesmo quando a hipótese de um criador inteligente explicava alguma coisa ou era vista como uma hipótese a testar ou era aceite por fé. Não se concilia o desejo arrebatador que uma crença seja verdade com a procura imparcial por aquelas crenças que são verdade.

A ciência podia contribuir para a religião se houvesse mesmo deuses e a ciência descobrisse evidências de uma criação inteligente. E se isto acontecesse nenhum crente ia propor separar os domínios. Como aconteceu durante os séculos em que se pensava haver evidências de Deus. Mas a ciência acabou por revelar a religião como mais uma forma de superstição. A ideia que o universo é uma criação inteligente é como a ideia que a ferradura dá sorte. Sem justificação ou utilidade.

E a religião também não contribui nada para a ciência. Os fundamentos da religião são infundados e o método da fé não serve para descobrir seja o que for. Anselmo Borges defende o contrário, alegando que «a ciência, apesar da acumulação dos seus sucessos gigantescos, não pode reivindicar o monopólio da racionalidade, como se fosse a única via de conhecimento verdadeiro. A razão é multidimensional.» Mas isto é um equívoco.

Racionalidade e conhecimento não são a mesma coisa. Se a proposição p é verdadeira, a razão diz-me que a negação de p é falsa. Isto é racional. Mas não é conhecimento no sentido de me informar acerca da realidade. A religião até podia ser racional. Normalmente não é, e o Cristianismo está cheio de contradições, mas podia ser tão racional como o xadrez que não fazia diferença. Por si só a racionalidade não torna algo relevante para a compreensão do que nos rodeia. O diálogo entre xadrez e ciência seria um disparate. Não importa ao xadrez que os cavalos não consigam saltar por cima das torres e o modelo dos bispos a mover-se apenas na diagonal não corresponde à realidade.

O equívoco aqui é confundir aplicações diversas da racionalidade com realidades diversas e separadas. A racionalidade pode ser usada para criar jogos, racionalizar a fé ou encontrar explicações para o que observamos. A ciência não tem o monopólio de tudo mas domina esta última aplicação. A racionalidade dá-nos modelos fiáveis da realidade apenas se aliada à observação e à dúvida metódica. Anselmo Borges conclui com:

«Ao crente monoteísta parece mais razoável uma interpretação da realidade que co-implica a presença do Deus transcendente, amor pessoal e criador. Afirma-se desse modo a infinita transcendência de Deus e a sua mais íntima presença à criatura, tornando-se então claro o que parece paradoxal: precisamente porque Deus está sempre presente como criador, faz o mundo fazer-se autonomamente, seguindo as leis próprias da natureza e a liberdade.»

Este parágrafo ilustra bem o problema. Há diálogo na ciência porque há um esforço para conciliar ideias e um consenso que a forma de o conseguir é confrontando-as com as observações. Assim o diálogo é possível e proveitoso. Mas a fé não visa corrigir ou conciliar ideias. Visa defender a sua dê lá por onde der. Assim não há diálogo, nem com a ciência nem entre religiões. Em parte porque falta às religiões uma forma fiável de corrigir os erros. Mas principalmente porque lhes falta o mais fundamental em qualquer diálogo: admitir a possibilidade de estar enganado.

1- DN, 24-11-07, Anselmo Borges, O Diálogo Ciência-Religião. Obrigado ao comentador anónimo que me enviou o link.

30 comentários:

  1. 1) não tens que agradecer, krippahl. desde que não soltes os pitbull contra mim até te ajudo com os temas.

    2) fico possesso quando numa argumentação vejo uma coisa tipo o p e o não p. é reduzir o pensamento ao grau zero. fico fora de mim. mas já passa.

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  2. Mas a ciência acabou por revelar a religião como mais uma forma de superstição.

    Bem, Ludwig... A ciência não provou que Deus não existe. Ela não achou suficientes evidências de sua existência, daí dizer que provou a sua inexistência é um passo muito grande.

    A ciência tinha crença da abiogênese de larvas em carne sobre uma mesa. Achavam que as moscas não botavam ovos. Até provarem o contrário. Como já trabalhara anteriormente, a ciência está sempre refutando as próprias teses, a inexistencia de Deus também não passa de uma tese. Que pode, ou não, ser refutada algum dia.

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  3. Douglas,

    «A ciência não provou que Deus não existe.»

    Certo. A ciência também não provou que as ferraduras não dão sorte. Essas coisas não se consegue provar nem sequer testar.

    O que a ciência fez foi mostrar-nos o suficiente acerca de como o mundo funciona, incluindo nós próprios, para podermos perceber que a crença em deuses ou nas ferraduras é apenas fruto das nossas tendências psicológicas e não se justifica pelo que observamos.

    E a ciência tinha muitas crenças falsas. Ainda hoje estou certo que tem muitas crenças falsas. A ciência funciona bem porque assume sempre a possibilidade de erro. A ciência como método está feita para corrigir os erros.

    A religião, e as superstições em geral, não funcionam porque partem do principio que estão correctas e nem consideram a possibilidade de erro.

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  4. Ludwig,

    Essas coisas não se consegue provar nem sequer testar.

    Tecnicamente pode-se testar sim. Fazem-se vários grupos de pessoas, por exemplo, tirando par ou ímpar. Uma com a "benção" da ferradura e outra não. Se houver diferença no total, a ferradura deu sorte (ou azar).

    (...) a crença em deuses ou nas ferraduras (...) não se justifica pelo que observamos.

    A crença do modo que a maioria das pessoas vê: Um Deus que regula tudo, que nada acontece sem sua permissão, para o qual não existem leis físicas. Aí sim, concordo plenamente contigo que a ciência mostrou que está errado.

    A religião, e as superstições em geral, não funcionam porque partem do principio que estão correctas e nem consideram a possibilidade de erro.

    Eu, pelo menos, tento fugir deste imbróglio. Sou católico, mas não sigo a religião como o Papa diz, mesmo porque tenho certeza que o Papa não é necessário para que eu consiga meu contato com Deus. Sempre tenho meus momentos de reflexão sobre o que tem sentido, o que realmente me auxilia. Veja, o que está escrito na Bíblia como sendo palavra de Jesus, ora pois, não passa de um manual de convívio em sociedade. Se as pessoas (por exemplo) fossem menos gananciosas, respeitassem as crianças, dessem atenção aos doentes e cultivassem o bem o mundo estaria num pé muito melhor do que está.

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  5. Douglas,

    «Tecnicamente pode-se testar sim. Fazem-se vários grupos de pessoas, por exemplo, tirando par ou ímpar. Uma com a "benção" da ferradura e outra não. Se houver diferença no total, a ferradura deu sorte (ou azar).»

    Depende. Uma coisa é formular um modelo concreto, do qual se pode deduzir previsões que se possam testar contra os dados e, conforme o resultado, estar disposto a rejeitar o modelo.

    Outra coisa é fazer como fazem os supersticiosos (no sentido lato, incluindo religiões), que é inventar desculpas depois de o teste falhar e nunca admitir que o modelo não funciona.

    A última versão disto é remeter deus para a metafísica e isolá-lo por completo do que se possa observar.

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  6. Krippahl

    Um grupo de crentes que frequenta o teu blog está a lançar as bases da justificação científica da crença.

    Claro que é um processo dinâmico. Tal como o Carvalho again encontrará uma justificação se o little bang falhar em 2008 (um parafuso solto que chocou com um electrão provocando-lhe uma distorção cognitiva na cauda cósmica, por exemplo) também nós, crentes científicos, procuraremos os motivos que levam o nosso modelo a falhar. É assim que a ciência avança: tentativa, erro, nova tentativa, novo erro.

    A crença científica tem um longo caminho a percorrer. Comunicar-te-emos os avanços conseguidos no desenvolvimento do modelo e os fracassos, vitórias ou incertezas. É um projecto para uma década. Não nos podes chamar, nunca mais, supersticiosos. Estamos envolvidos num projecto honesto de longo prazo.

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  7. Fugindo um pouco ao tema, deixo também uma dica:

    http://www.comumonline.com/index.php?option=com_content&task=view&id=360&Itemid=89

    pedro romano

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  8. Ludwig

    "Mas a ciência acabou por revelar a religião como mais uma forma de superstição."

    Não concordo. Concordo que a Ciência não tem podido (e não acredito que possa) provar a existência de Deus. É diferente! Não se fez uma experiência nem um conjunto de experiências que provem que Deus é uma confabulação, e não sei se essa experiência é possível. Mesmo porque há visões diferentes do que é Deus, mas isso agora não me interessa.

    "a ciência, apesar da acumulação dos seus sucessos gigantescos, não pode reivindicar o monopólio da racionalidade"

    Não creio que seja sério de ninguém reclamar o monopólio da racionalidade. E não creio que a Ciência o faça. A religião, pelo seu lado, não o pode fazer, embora muitos o reclamem.

    "Ao crente monoteísta parece mais razoável uma interpretação da realidade que co-implica a presença do Deus transcendente, amor pessoal e criador."

    "Deus está sempre presente como criador, faz o mundo fazer-se autonomamente, seguindo as leis próprias da natureza e a liberdade."

    A primeira parte faz sentido, mas do ponto de vista da fé e de entender "realidade" como mais que a soma das coisas visíveis e observáveis e da Natureza no sentido estrito da palavra. A segunda parte não sei exactamente de onde saltou e o que tem que ver com o diálogo seja do que for. É um pouco como a cena do Cristo caminhar sobre a água ser uma cena qualquer sinistra com tensão superficial: não faz sentido! Ou melhor, faz tanto sentido como dizer que caminhou sobre a água porque Deus colocou uns flutuadores invisíveis à visão humana para o filho impressionar os pescadores.

    Do mesmo modo, faz tanto sentido como justificar "cientificamente" aparições que muitas pessoas testemunharam como extra-terrestres, como alucinações colectivas ou como fenómenos meteorológicos. Especialmente quando não há medições que possam validar versão alguma (dito isto, alguém me explique como se mede uma alucinação colectiva).

    A parte de justificar se uma ferradura dá ou não sorte depende de experiências feitas com isenção e seriedade. Quando muito pode refutar-se a validade do procedimento adoptado (antes de este der feito) ou se alguém mexeu no sistema para viciar os resultados.

    Uma vez, por exemplo, vi um programa hilariante com testes à lei de Murphy e seus corolários. Fiquei desiludida ao saber que afinal a manteiga não cai sempre para baixo quando se deixa cair uma torrada (dito isto é-me indiferente, porque odeio manteiga e dá-me cabo da vesícula e da figura), que a fila vizinha não anda mais depressa quando dela saímos e coisas assim. Dava-me jeito atribuir a minha falta de jeito a alguma conspiração cósmica, mas parece que o Sr. Murphy era um charlatão. Ou pelo menos alguém com sentido de humor.

    Resumindo e baralhando, "diálogo" pode ser impossível porque a Ciência não tem (acho eu) como provar Deus. Mas pode a Ciência ajudar a compreender milagres que não o são e outros que tais (os verdadeiros, a existir, não serão compreensíveis por natureza e por definição, às observações científicas). E ajudar as pessoas a serem felizes e a esforçarem-se por isso em vez de aceitar as desgraças necessariamente como "Deus quis assim". Que me parece uma mensagem fabricada e que dá jeito só a alguns e em algumas alturas. E que dá origem a perversões quando se tenta o impossível: compreender porque é que Deus ou o destino assim quiseram.

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  9. Tal como a ciencia não pode provar a não existência de deus, a fé não pode provar a sua existência, e a aceitarmos deus como existindo só por não se poder provar o contrário, deixa a religião exposta a uma séria de contra argumentações não testáveis, e que a podem contradizer. A blinologia e o gertrudismo são as duas correntes religiosas do futuro, e que vão por de lado o cristianismo, e todas as suas derivadas, bem como todas as restantes religiões monoteístas actuais.
    Como é impossível negar a existencia do blin e gertrudes parece-me uma entidade muito mais credível que toda a crença cristã, depois de uns anos a marinar, passam a ser autoridade por antiguidade, incontrariáveis, e como tal, poderão negar todas as restantes crenças.

    Espero que um qualquer cristão, de qualquer derivação do cristianismo me possa provar que estou errado no que digo.

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  10. Abobrinha,

    Não podes provar que não existem as entidades e universo do xadrez num plano metafísico transcendente. Mas não é por isso que vai considerar o xadrez como realidade e não apenas um jogo de conceitos.

    No fundo a superstição é considerar que as ideias são coisas mesmo sem ter evidências para tal.

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  11. douglas:

    E a crença de que existem sereias? A ciência diz-nos que existem ou não?

    E a crença de que até ontem as ferraduras sempe deram sorte? Como testar essa crença? A ciência diz-nos que é razoável acreditar nisso, ou que é superstição? Porquê?

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  12. Abobrinha:

    «Não se fez uma experiência nem um conjunto de experiências que provem que Deus é uma confabulação, e não sei se essa experiência é possível. Mesmo porque há visões diferentes do que é Deus»

    De acordo.

    Mas se pensarmos num facto: Jesus ressuscitou na carne (e não só no espírito). Este facto está no domínio da ciência. Ou é verdadeiro, ou é falso, e é à ciência que compete responder, como em relação a qualquer facto do passado (desde "como estava o Universo 1 segundo depois do Big Bang" até ao "em que ano é que D. Afonso Henriques conquistou Lisboa").

    Assim sendo, creio que científicamente é tão razoável pensar que Jesus ressuscitou na carne, como pensar que existem sereias.
    Existem testemunhos de gente que avistou sereias, e existem testemunhos de gente que avistou Jesus depois de morto. E aquilo que conhcemos sobre o funcionamento do mundo que nos rodeia mostra-nos que é muito mais provável que os testemunhos se devam a equívocos vários do que à veracidade do testemunhado.


    Mas se em vez de falarmos na ressurreição de Cristo na carne falarmos sobre Deus em abstracto, fica tudo mais complicado.
    Mesmo assim creio que haverá boas razões para acreditar que Deus não existe - e nenhuma boa razão para acreditar que existe.

    Pelo menos, depois de debater com muitas dezenas de interlocutores crentes, nunca me foi dada nenhuma.

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  13. Ludwig

    "Mas não é por isso que vai considerar o xadrez como realidade e não apenas um jogo de conceitos."

    Lá está, depende do que chamas realidade! Se é só o mensurável ou não.

    Claro que a afirmação anterior é mais que atacável e podes dar-lhe com o Blin e outras que tais. O mais assustador ainda é que tu falas nessas coisas na brincadeira com um fundo sério, mas há quem fale a sério com um fundo de interesse (leia-se: dinheiro e poder).

    Por muito que te custe a acreditar, há quem prefira a não-lógica (por vezes mesmo o logro) a aceitar a crua realidade. Uma infantilização só muito de longe comparável à minha "fé" na lei de Murphy para explicar muitas azelhices minhas.

    Voltando ao "diálogo", acredito que a crença não é inimiga da razão por definição. O que é contra a razão são maneiras de pensar que emburram no não questionar de ordens (de pessoas ou entidades, divinas ou não). Ou seja, mentalidades e individualidades.

    Mas as mentalidades não são tão esculpidas pela religião como pensas. Há imensos casos de pessoas (e algumas militam aqui) que acreditam em Deus e se dizem católicos (por maioria de razão, só por sermos de uma sociedade em que essa é a norma) mas não subscrevem 1/10 do que diz o Vaticano. Chama-se a isso pensar por si, ter espírito crítico.

    Ficas a saber que quase comprei um livro de que aqui falaste (o engano de Deus, ou o logro de Deus, ou assim uma coisa). Só não comprei porque tenho muita coisa que ler e sou capaz de fazer um montinho e encomendar da Amazon em inglês. Dito isto, não estou convencida que não seja tecnicamente agnóstica. Mas isso são pormenores que não me incomodam.

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  14. João Vasco

    Aha! A observação que Cristo ressuscitou não tem validade científica! As pessoas relataram ter visto ambos, o que pode ou não ter sido verdade.

    Cientificamente eu posso dizer que a aparente ressurreição de Cristo se deve à conjunção de factores meteorológicos com uma crença colectiva que fez com que as areias do deserto do Gobi por via da ionização dos ventos solares tenham dado a ilusão a uns judeus carentes que um outro judeu pregado com uns preguinhos tenha ressuscitado. Posso dizer isso e mais: ninguém fez medições. Ninguém observou com métodos comprovadamente científicos, por isso posso escrever o que quiseres (já tenho treino de escrever disparates no meu blogue).

    Quanto às sereias, provou-se que eram fruto da imaginação de marinheiros a precisar de gajas e cheios de medo. Por maioria de razão, o Cristo fez uma visita de médico e deu de frosques, mas as sereias deviam ter aparecido ou ser apanhadas numa rede. E desde que os navegantes passaram a levar revistas da especialidade e ter DVDs e TV Cabo, deixou de haver necessidade.

    Ou seja, as sereias ainda continuam no campo da Ciência: o primeiro que encontrar uma faz bingo. A ressurreição de Cristo não é comprovável porque... ora bem, se arranjares uma máquina do tempo e arranjares maneira de submeter o homem a uma experiência podes... mas não estou bem a ver isso a acontecer! Ou seja, continuamos no campo da fé!

    E eu não te vou provar absolutamente nada porque não posso. E, como já disse, tenho muitas dúvidas. E não faz parte da minha personalidade aceitar só porque sim: questiono. Mas há respostas que sei que não são fáceis, se não mesmo impossíveis.

    Daí que ache estranho e admirável quem tenha uma fé inabalável. Eu não tenho! De facto, dada a crueldade no mundo, é mais fácil acreditar que Deus não existe! Porque há momentos na História e na nossa vida pessoal em que parece que tudo é um inferno. E às vezes é mesmo!

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  15. Abobrinha,

    «Voltando ao "diálogo", acredito que a crença não é inimiga da razão por definição.»

    Se razão é no sentido de justificação -- como em haver razões para algo -- então é claramente inimiga, pois a crença no sentido de fé religiosa gaba-se de não carecer de razões. Um crente não precisa de justificar a sua fé. Acredita e pronto.

    Se é no sentido de racionalidade, como a forma de inferir conclusões a partir de axiomas, concordo que não é necessariamente inimiga. O problema está nos axiomas. Por muita racionalidade que se use para deduzir as implicações do universo ter sido criado pelo monstro de espaguete voador isso não justifica a crença na premissa.

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  16. Abobrinha:

    «Quanto às sereias, provou-se que eram fruto da imaginação de marinheiros a precisar de gajas e cheios de medo.»

    Como é que se provou isso?

    Como é que demonstras que elas não estão todas em hibernação num recanto qualquer do globo?



    «Ninguém observou com métodos comprovadamente científicos»

    Quais foram os métodos "comprovadamente científicos" que fizeram com que os historiadores concluíssem que D. Afonso Henriques conquistou Lisboa em 1147?
    E que conluíssem que Cristovão Colombo foi falar com D. João II antes de ir ter com os reis de Castela?

    Em ciência não há certezas. Ninguém pode ter certezas a respeito do que se passou no 1º segundo depois do Big Bang, do ano em que D. Afonso Henriques conquistou Lisboa, ou que as sereias não existem.
    Nenhum método "comprovadamente científico" pode dar essa certeza.

    Mas as diferentes observações podem mostrar que algumas hipóteses são mais plausíveis que outras. Quanto às sereias creio que acertaste no ponto: o mais provável é que fossem «fruto da imaginação de marinheiros a precisar de gajas e cheios de medo».

    E não é muito diferente em relação a Elfos, Centauros, Hidras, Dragões, Tokate-Kumos, Vampiros e Fadas. Hoje há quem garanta ter sido rapatado por ETs que os levaram para a nave para fazer experiências sexuais. Não são um nem dois, são centenas (milhares?) de pessoas em todo o mundo.

    Mas nós não damos muito valor ao testemunho. Nós sabemos que as pessoas inventam coisas. Nós sabemos que multidões inteiras vêem coisas que não estão lá. Não precisamos de falar no Ness do lago da escócia: basta olharmos para um jogo de futebol, e em como é comum os adeptos de dois clubes adversários estarem genuinamente convencidos que "foi falta, ele deu-lhe um soco" ou "ele nem lhe tocou". Consegues duas multidões genuinamente convencidas de algo, e sabes que pelo menos uma está enganada.

    O testemunho vale muito pouco. O facto de alguém acreditar que viu algo não quer dizer que tenha visto. Por isso não ficamos muito perturbados por saber que tantas pessoas disseram ter visto fadas, sereias, dragões, centauros e duendes. Ou que dizem ter sido rapatadas por ETs, sempre muito interessados nos seus genitais.

    No que respeita à ressurreição de Jesus é igual. Uns indivíduos escreveram que outros indivíduos o viram depois de ter morido. E pronto.

    Mas tu dás mais credito a esses do que aqueles que voltaram a ver o Elvis depois de morto. Dás mais crédito a quem acredita que Cristo está vivo do que a quem acredita que Elvis está vivo.

    Cientificamente não há nenhuma distinção entre ambos os casos. Ou a ciência "não sabe" se o Elvis está vivo - vamos assumir que hoje se fores ao caixão não encontras nada, porque mesmo que o Elvis tenha morrido, já terá sido decomposto - ou então não tem nenhuma razão para não afirmar que Jesus (caso tenha existido, e aí há polémica científica legítima - eu acredito que tenha existido) morreu e nunca ressuscitou na carne, como os católicos acreditam.

    Estou mesmo convencido que a crença católica está em contradição explícita com aquilo que sabemos, com aquilo que a ciência nos diz.

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  17. E porque não aceitar que ciência e religião são dois campos completamente distintos, que não têm necessariamente de "justificarem-se" um ao outro?
    A ciência encontra respostas para as suas dúvidas, através de elementos materiais, palpáveis, e nem sempre com sucesso.
    Na ciência, o que hoje é verdade, amanhã eventualmente não será.
    Mas, o processo de investigação é isso mesmo, uma busca constante de respostas para uma infinidade de questões nas mais diversas áreas.
    Agora,no campo religioso,um crente pode afirmar que Deus existe.
    A sua fé dá-lhe essa certeza.
    Como poderá a ciência negar que Deus não existe.
    Não pode, nem o seu objectivo será esse.
    " A fé move montanhas" disse Jesus Cristo.
    Torna-se irresponsável, juntar campos como ciência e religião, será como tentar misturar água com azeite.
    Aceitemos as realidades como são.
    Há os crentes e os não crentes, ponto final.
    Será tão difícil conviver com isso?

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  18. «Agora,no campo religioso,um crente pode afirmar que Deus existe.»

    E o descrente pode afirmar que não existe.

    A grande questão é que ambos partilham um universo. E nesse universo, ou tem razão um, ou tem o outro. Não podem ter ambos.

    Por exemplo: o Jesus ressuscitou na carne, ou não ressuscitou na carne.
    E isto é uma questão científica.

    E em termos científicos não creio que faça sentido acreditar que Jesus possa ter ressuscitado na carne mais do que acreditar que as sereias podem realmente existir.

    «Há os crentes e os não crentes, ponto final.
    Será tão difícil conviver com isso?»

    Eu não tenho nada contra quem acredita em Sereias, em Zeus ou em Jesus. Penso que o Ludwig e os outros ateus que aqui comentaram também não. Apenas achamos que quem tem essas crenças está equivocado.
    Assim sendo, não é difícil conviver com a existência de crentes e não crentes, tal como não é difícil conviver com a existência de quem acredita na ferradura da sorte e não acredita.

    Isto, claro, desde que o clero não ganhe muito poder, caso contrário a idade média europeia ou a arábia saudita actual mostram com clareza onde é que podemos chegar...

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  19. http://www.nytimes.com/2007/11/25/magazine/25wwln-geologists-t.html?_r=1&adxnnl=1&ref=science&pagewanted=1&adxnnlx=1196105055-6T+wz8WGM63uxw3MKiuejw

    Para quem tiver curiosidade. É sobre geólogos criacionistas.

    Peço desculpa pelo link ser tão grande.

    Cumprimentos

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  20. Outra coisa é fazer como fazem os supersticiosos (no sentido lato, incluindo religiões), que é inventar desculpas depois de o teste falhar e nunca admitir que o modelo não funciona.

    Podia fazer uma lista de mensagens desse género em fóruns... Popper chamava a isso de "justificacionismo".

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  21. "Não concordo. Concordo que a Ciência não tem podido (e não acredito que possa) provar a existência de Deus."

    Mas pode provar que um determinado Deus não existe. E agora Deus não está no céu.
    Graças a justificacionismos.

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  22. "Jesus ressuscitou na carne, ou não ressuscitou na carne.
    E isto é uma questão científica."

    Caro Vasco,
    Para um crente, e assim o afirmam as escrituras sagradas, Jesus ressuscitou na carne.
    Basta ler as diversas passagens nos evangelhos em que Jesus apareceu após a sua ressurreição em diversas situações.
    O caso de Tomé é um bom exemplo, entre outros, para não ser muito cansativo, de que a sua aparição foi real.
    Mas, gostaria de sublinhar que, o mais importante no cristianismo é a mensagem que Jesus Cristo deixou, e o dever do cristão é tentar viver a sua vida conforme esta mesma mensagem.
    Quanto à ciência não poder comprovar esta facto, talvez venha demonstrar a não necessidade de a mesma encontrar respostas para algo que só tem respostas na fé.

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  23. «Para um crente, e assim o afirmam as escrituras sagradas, Jesus ressuscitou na carne.»

    Se para o Augusto existirem Sereias, isso não quer dizer que existam sereias. Quer dizer que o Augusto está enganado.


    «Basta ler as diversas passagens nos evangelhos em que Jesus apareceu após a sua ressurreição em diversas situações.»

    Também há relatos de pessoas que avistaram sereias.
    E outros de pessoas que foram raptados por ETs que fizeram experiências sexuais.
    E outros de indivíduos que viram o Elvis, vários anos depois deste ter morrido.
    Nenhum destes relatos merece menos crédito que os relatos (dos relatos) daqueles que viram Jesus ressuscitado.



    «Quanto à ciência não poder comprovar esta facto»

    Se concluir, a partir da ciência, que as sereias não existem, e que o mais plausível é que quem as relatou estivesse equivocado, então, sendo coerente, terá de concluir que Jesus não ressuscitou na carne, e que quem acreditou que sim estava equivocado.

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  24. Ludwig

    A religião não é inimiga da razão no sentido em que não tem que colidir com a Ciência e pode aprender com ele. Por exemplo, distinguindo um milagre (algo por definição sem explicação natural) de algo que afinal pode ser raro ou que sucede pela conjunção de vários factores.

    Quanto ao que estás a pensar (acho), como justificar com bíblias e milagres a criação, isso para mim não é sério nem no domínio da ficção científica! Eu poderia dizer que a religião não diz nada disso, mas aí ia estar a falar por outras pessoas com as quais não quero ter muito a ver. Precisamente por as achar pouco razoáveis.

    Quando dizes que a fé é inimiga da razão dando como exemplo a não necessidade de ser justificada, isso é tão verdade como dizer que não estás a ser inteiramente racional (na tua definição de racionalidade) ao dizer que a Ciência provou que Deus é uma forma de superstição. Porque não o provou e tu sabes isso.

    E não argumentes com as sereias também, porque não é por aí!

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  25. João Vasco

    Vês como chegaste ao mesmo sítio que eu: a História é uma Ciência inútil! Além de pouco fiável, não se chega a aprender nada! E depois estão sempre a estudar coisas que aconteceram quando ainda não tínhamos nascido! Que mania! Que seca!

    Bem, as sereias podes estar todas a hibernar! Mas não é razoável! Além disso, cientificamente não fazem sentido (nem o ornitorrinco, mas não sei se é por isso que o Pacheco Pereira cismou com eles para o PSD). E depois, se estavam sempre a aparecer aos pescadores e a conviver com eles... já havia de ter aparecido uma viva ou a nadar de barriga para cima (se é que fazem como os peixes depois de mortos). Os imigrantes africanos que dão à costa de Espanha mortos a tentar chegar à Europa não contam (literalmente, porque desses não reza a história e nem são bem gente). Ou seja, se existissem já tinha aparecido uma.

    Não confiar no testemunho é uma afirmação forte demais. Possivelmente será mais rigoroso dizer que vários testemunhos orientados no mesmo sentido darão uma indicação de que algo poderá ter sucedido desse modo. COm elevado grau de probabilidade, mas sem a seca da estatística (e equivalente rigor). Se as versões não coincidem, os historiadores sérios porão as duas versões em cima da mesa. Um pouco como um julgamento em que as coisas baterão certo ou não ao fim de várias versões. Há que não esquecer que a História é uma Ciência Social.

    O Novo Testamento é um exemplo: os vários evangelhos relatam os mesmos acontecimentos com alguns desfasamentos. Não sou competente (nem tenho paciência) para te dissecar quais as inconsistências entre eles, mas não são segredo. Bem, se fossem não se publicariam 4 testamentos contraditórios entre si! Há que não esquecer que são relatos testemunhais escritos (ao que tudo indica) tipo manta de retalhos e com distância de uns anitos.

    Mas mesmo se eu testemunhasse hoje que alguém estava morto e ressuscitou à minha frente seria falível. Eu mesma desconfiaria se não tinha havido algum motivo para a pessoa parecer morta por algum abaixamento de metabolismo e depois tivesse recuperado. Não são tão raros assim os indivíduos que acordam na morgue! Por isso estás a ver que eu sou céptica. Mas uma coisa não invalida a outra. Penso eu de que.

    Mas não tragas o santo nome do futebol para aqui! Isso sim é uma religião e o verdadeiro ópio do povo! E tolda os julgamentos. E é irracional!

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  26. João Vasco

    De facto os raptos de extra-terrestres com o objectivo de molestar sexualmente tantas pessoas é uma chatice.

    É particularmente chato que nenhuma dessas pessoas sejam cientologistas. Podia ser que ficassem tão realizados com a manifestação real dos seus amados extra-terrestre que deixassem de chatear!

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  27. Abobrinha:

    «Vês como chegaste ao mesmo sítio que eu: a História é uma Ciência inútil! Além de pouco fiável, não se chega a aprender nada!»

    Eu não posso ter chegado a esse sítio!

    Acho que a história é útil, e que se aprende muito com ela.

    Claro que não há certezas, mas não existem certezas em nada.
    Já tenho escrito por aqui que não podemos ter a certeza que a terra é redonda, ou que anda à volta do Sol, e muito menos que não existem sereias.

    Posto que não há certezas, a ciência é útil para encontrarmos os modelos e hipóteses mais plausíveis: aqueles que melhor encaixam nas observações.


    «Bem, as sereias podes estar todas a hibernar! Mas não é razoável»

    Eu concordo. Mas apesar de concordar, eu pergunto porquê.
    Se dessemos muito valor ao testemunho, porque não acreditar que os testemunhos eram correctos, e que por volta de 1600 houve uma hibernação mundial das sereias num canto escondido dos oceanos?

    Para mim o testemunho não é irrelevante. Se o meu irmão me disser que viu o meu amigo António, não vou exigir provas. Se ele disser que viu o Vladimir Putin numa tasca, vou precisar de alguma prova para acreditar nele. Se ele disser que viu o Elvis, a prova vai ter de ser avassaladora. E estamos a falar do meu irmão, em quem confiarei muito mais facilmente do que num estranho (há lunáticos para tudo por aí...).

    No entanto, meia dúzia de textos a respeito de um indivíduo que teria ressuscitado, e as pessoas já acham que essa crença é razoável. Mas não há melhores razões para acreditar nisso do que nas sereias a hibernar.

    A abobrinha acha que,
    «Possivelmente será mais rigoroso dizer que vários testemunhos orientados no mesmo sentido darão uma indicação de que algo poderá ter sucedido desse modo.»
    mas isso depende do que é que os testemunhos alegam.
    Há testemunhos de gentes de algumas aldeias no alentejo (ou nos EUA), que alegam ter visto discos voadores e ETs. Mas isso é, à priori, bem mais razoável do que as lendas gregas.
    Nestas lendas, construídas através de vários testemunhos, existem deuses que se disfarçam de pessoas, pessoas que viajam aos infernos, deuses que falam com as pessoas, etc... E também existem diferentes versões com muitas concordâncias e ligeiras diferenças.
    Será que esses testemunhos justificam a crença nessas lendas?
    Não creio. Mas então como é que os testemunhos iriam justificar a crença na ressurreição de Cristo?


    «É particularmente chato que nenhuma dessas pessoas sejam cientologistas. Podia ser que ficassem tão realizados com a manifestação real dos seus amados extra-terrestre que deixassem de chatear!»
    Eh!Eh!Eh!

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  28. Abobrinha,

    Eu não disse que a ciência provou, no sentido matemático, mas que revelou. A fé era confundida com conhecimento até que a ciência nos mostrou o suficiente para percebermos a confusão.

    Não se trata de provar matematicamente, mas de testar ideias e explicar observações.

    Este aspecto da fé é irracional porque não há justificação para confundir a vontade de acreditar com conhecimento. É irracional julgar que uma coisa é verdade só porque se quer acreditar nela.

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  29. Ludwig

    A Ciência desfez muitos equívocos, continua a fazê-lo e tem que continuar. Porque basearmo-nos no poder da ignorância (e a ignorância é poderosíssima e potencialmente muito destruidora) não é o mesmo que no da fé!

    Mas dizer que "a ciência acabou por revelar a religião como mais uma forma de superstição" é ou forçado ou não rigoroso. Mesmo porque há muitas fés e muitos religiosos. Concordo que haja quem confunda as duas (e aqui eu sei possivelmente mais que tu, porque vivo num ambiente mais ruralizado) a um ponto perfeitamente intolerável quer para a razão pura e simples quer para a mesma religião.

    Mas não sais do mesmo: não observaste Deus nem como Ele é e não creio que o consigas fazer. Não podes reduzir tudo a variáveis observáveis e testáveis, como algumas pessoas (não é o caso) das Ciências Sociais te poderão dizer.

    E depois, pode haver várias interpretações para a mesma observação. Há o clássico de haver num sistema fechado um lago com 5 pessoas e um crocodilo. Ao fim de um tempo 4 pessoas e um crocodilo; depois 3 pessoas e um crocodilo; (...) depois só um crocodilo sem pessoas. Conclusão: as pessoas são solúveis na água e o crocodilo não. Parvo, mas tem piada!

    O que me lixa nos criacionistas é que nem com toda a informação ao seu dispor conseguem arranjar uma argumentação que faça o mínimo de sentido. Alguns argumentos que leio fazem-me cabelos brancos (e eu já tenho uma colecção demasiado respeitável, o que me desagrada em dobro) e estão ao nível da solubilidade das pessoas em água em presença do catalisador crocodilo.

    Mas voltamos ao mesmo: não se provou a inexistência de Deus (nem a existência) e não creio que seja possível. Já agora, não queres ler o livro do José Rodrigues dos Santos e dizer-me como é que aquele totó (basta ler a entrada que tenho dedicada a ele no meu estaminé, e que me tem rendido visitas de crentes em que se aprenda alguma coisa lá) concluiu que a Ciência provou a existência de Deus? É que eu não vou comprar o livro: tenho mais onde desperdiçar o meu tempo e dinheiro, mas pensei que pudesses querer fazê-lo por uma boa causa: a minha educação!

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