terça-feira, novembro 27, 2007

Dois Césares.

No Diário de Notícias de ontem, João César das Neves (JCN) escreveu que «A Internet é a maior colecção de insultos, mexericos, boatos e disparates alguma vez reunida na história da humanidade»(1). Explica que «a Net tende a trazer ao de cima os instintos mais baixos dos que a frequentam. Uma prova desse facto é que muita gente põe em blogs e e-mails coisas que teria vergonha de dizer ao telefone, escrever numa carta ou publicar em jornais ou livros.»

A primeira é trivialmente verdadeira. A Internet é a maior colecção de informação, seja do que for. É a maior colecção de receitas de bacalhau, de artigos sobre os Teletubbies e também de insultos. Mas JCN tem razão na segunda parte. A escrita imediata combina a velocidade de uma conversa com o distanciamento de uma carta, e por vezes leva-nos a dizer as coisas de uma forma menos feliz. Como acontece a quem tem que escrever artigos de opinião todas as semanas, por exemplo.

E o efeito acentua-se com o anonimato. Há quem use as caixas de comentários e os blogs como usa a porta da casa de banho, desabafando com um insulto qualquer que nunca subscreveria. Mas isso não é novidade. Só não encontramos nas litografias mais antigas aquelas do chefe a ter relações com um macaco porque o chefe mandou apagá-las.

Mas discordo que isto seja um problema a corrigir, ou que «a liberdade descontrolada e irresponsável torna-se embriagante e destruidora.» A troca livre de ideias não é destruidora, mesmo que algumas sejam impulsivas e pouco relevantes. Quando leio um comentário anónimo a chamar-me imbecil sei pelo anonimato que o comentador reconhece o disparate. E não há mal nenhum em errar quando se está disposto a aceitar correcções. O que me leva à razão deste post.

Se fosse só o JCN não tinha escrito isto. Mas queria contrastar a posição dele com um post recente do Luís Azevedo Rodrigues no Ciência ao Natural (2). O Luís é paleontólogo e relata neste post como ajudou a corrigir vários erros em material público, dando os exemplos de uma exposição no Oceanário e um artigo no jornal O Público. Em ambos os casos o material foi corrigido de acordo com as recomendações do Luís sem qualquer reconhecimento público. Na liberdade destruidora da Internet isto seria inadmissível, mas nas instituições reguladas como a imprensa faz parte das regras não creditar quem contribui com correcções. Leiam o post do Luís para mais detalhes.

A Internet tem regras melhores que as que havia antes. Pode-se dizer o que se quiser, mas os outros também podem. E certamente dirão. Pode-se comentar anonimamente mas só os novatos ligam aos trolls (3). Não se faz blogs sem caixa de comentários. E deve-se assumir a natureza cooperativa do diálogo, atribuindo correctamente as críticas, os elogios e os agradecimentos. Sob pena de levar uma ensaboadela do resto do pessoal. Na Internet ninguém liga aos insultos ou aos disparates, mas não se faz o que fizeram ao Luís.

O problema do JCN, e daqueles a quem o Luís ajudou, é ver a comunicação como sendo de um para muitos. A quem se julga no púlpito incomoda o burburinho da plateia, opiniões diferentes ou correcções. Mas a Internet é uma ferramenta de diálogo e não de sermão. Na Internet as regras não controlam conteúdos. Servem apenas para facilitar o diálogo.

1- João César das Neves, 26-11-07, A internet e o far west.
2- Luís Azevedo Rodrigues, 19-11-07, A César o que é de César... menos em Portugal!
3- Wikipedia, Internet Troll

12 comentários:

  1. A liberdade da internet começa a incomodar muita gente. Alguns políticos portugueses e europeus vão-se aventurando a falar na necessidade de regulamentar os conteúdos porque "isto assim é uma bandalheira que ninguém se entende".

    Quando oiço isto, bato sempre na madeira. Há gente para quem a liberdade e as suas consequências fazem comichão...

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  2. Pois que cocem, porque pouco mais poderão fazer. Pelo que tenho visto das tentativas se censura na Internet, acho que temos pouco a temer :)

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  3. Mas pelo que percebi a manobra dos chinocas de pressionar o google (na china) para controlar os resultados das pesquisas funcionou. Se procurares por "Tianamen" Aparecem so fotografias lindas da praça, mas nenhum chinês debaixo dum tanque.

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  4. João,
    a minha mãe durante um almoço falou sobre algo semelhante; que alguém disse que a Internet devia ser "desligada" durante uns anos para fazer uma "limpeza" e controlá-la. Como na China :-p

    Sugiro que no YouTube procurem informações sobre VenomFangX. Escrevi sobre ele: 1. Acho que a Internet seria como o seu canal se for controlada.

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  5. sim, e se tentares aceder por exemplo ao blogspot da china, também não podes (apesar de, curiosamente, conseguires aceder ao blogger: podes escrever posts mas não podes ler blogs).

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  6. Krippmeister,
    Se procurares por "Tianamen" Aparecem so fotografias lindas da praça, mas nenhum chinês debaixo dum tanque.

    A maioria das imagens que vejo na primeira página do Google images são chineses à frente de tanques. Pelos vistos escreve-se "Tiananmen". Na pesquisa na Web aparecem 3 fotos, todas com tanques.

    Deves ter um ISP chinês LOL

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  7. Pedro, expliqui-me mal, mas tu acertaste. É precisamente do Goggle chinês que estava a falar. Procura "tiananmen" aqui nas imagens do google chinês, e nas imagens do google.com para veres a diferença.

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  8. tyTem piada que a maior parte de nós, não leitores pagantes do jornal onde esse senhore opina, só sabemos da sua mui sábia opinião precisamente por essa malandra da "net" e por esses escabrosos "blogs".

    É tão rídiculo que até chateia.

    E que terá o sr a dizer desta gente toda e desta também? Coisa boa não há-de ser.

    Olhem! Faz lembrar esta aqui.

    Até mais.

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  9. Caros,

    Não sei onde pesquisaram mas introduzindo "tiananmen" no Google.com, as primeiras imagens que surgem são as dos conflitos.
    Devem ter pesquisado na google.cn...
    No ano passado estive dois meses em trabalho na China.
    Actualizei sempre os meu blogs bem como consultei a maioria dos que habitualmente consultava.
    Notei, é certo, algumas "dificuldades técnicas" em assuntos melindrosos...

    Luís Azevedo Rodrigues

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  10. Comentei o artigo em troca de emails com o próprio.

    Parte da conversa (só a parte do meu comentário ao artigo) coloquei em Será o Far West?.

    Eu, pessoalmente, considero o artigo do senhor ofensivo e demonstrativo de uma enorme ignorância, mas quando se tem acesso à imprensa escrita pode-se ser mal educado e dizer-se o qe se quiser sem riscos de se ser molestado.

    E se se é criticado então são os outros que têm "orgulho ferido". Enfim!

    Até mais.

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  11. Se há alguma prova de que já não há critérios nem decência na escolha dos opinadores de imprensa, essa prova é o próprio JCN. Bravo, JCN: QED!!

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  12. Eu enviei o meu artigo -- que não é tão bonito nem polido como o do Ludwig -- para o Provedor do DN (provedor@dn.pt), ao Abrigo do Direito de Resposta da Lei de Imprensa.

    Era bom que outros o quisessem e pudessem fazer. Há que acabar com esta impunidade de certos opinadores que sabem que podem dizer o que quiserem que nunca serão abertamente e publicamente criticados e expostos.

    Quanto à anonimidade do acto; para os que o quiserem podem sempre usar o AnonEmail: http://anonymouse.org/anonemail.html

    Não acredito que publiquem a resposta mas fico com a consciência mais tranquila, sabe-se lá porquê.

    Até mais.

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