sexta-feira, agosto 27, 2010

Quem lucra.

Eckhard Höffner é um historiador alemão que atribui o crescimento cultural, científico e económico da Alemanha no século XIX à ausência de copyright. A tese é estranha mas os números são elucidativos e, pensando bem, faz sentido.

Na primeira metade do século XIX a Alemanha não tinha legislação de copyright. Mesmo a que a Prússia implementaria era ineficaz devido à organização política da Alemanha, dividida em estados semi-independentes. Em contraste, a Inglaterra tinha uma legislação parecida à que temos hoje, concedendo direitos exclusivos de reprodução às editoras. E enquanto a Inglaterra publicava cerca de mil títulos por ano, a Alemanha publicava dez vezes mais. Em 1836 chegaram aos catorze mil títulos (1). Tendo em conta a população (2), não ficou muito aquém dos menos de oito mil que Portugal agora edita por ano (3).

E percebe-se porquê. Sem monopólios, os editores alemães tinham de chegar ao máximo número de pessoas e o mais rápido possível. Por isso faziam edições baratas, que muita gente podia comprar, a par das edições luxuosas para os clientes mais abastados. Não como se faz hoje, com o paperback a sair só um ano depois do livro de capa rija, muito mais caro. E como não podiam ficar a vender sempre o mesmo livro, por causa da concorrência que também o poderia editar, tinham de diversificar a oferta.

Protegidos por monopólios, os editores ingleses faziam o contrário. Vendiam as cópias o mais caro possível em edições de luxo que poucos podiam comprar mas com margens de lucro maiores. A arraia miúda não lhes interessava, pois ninguém podia fazer-lhes concorrência vendendo edições baratas da mesma obra. E não lhes convinha editar muitos títulos. Cada edição tem custos fixos além do custo marginal de cada cópia e, mesmo que com um catálogo pequeno vendessem menos cópias no total, a poupança nos custos fixos compensava. Pouco e caro era melhor para o lucro.

Além do aspecto económico, o copyright teve também um impacto cultural. Na Inglaterra editava-se livros para pessoas ricas, de boas famílias, focando quase exclusivamente temas como literatura, história e teologia. Na Alemanha havia de tudo, incluindo uma explosão de publicações técnicas, de manuais práticos, como de agricultura e construção, e de livros científicos. A combinação da apetência natural dos académicos por falar do seu trabalho e a distribuição barata que lhes dava uma grande audiência foi um incentivo irresistível para a divulgação científica, técnica e cultural na Alemanha do século XIX. E, segundo Höffner, para a inovação que tornou a Alemanha numa potência económica e tecnológica.

Ao contrário do que se apregoa hoje, a falta de copyright não prejudicava os autores. Höffner menciona um exemplo revelador. Sigismund Hermbstädt foi um professor de química de quem hoje ninguém se lembra mas que, com o seu livro Princípios da preparação do couro, e sem “protecção” legal dos seus direitos, ganhou mais dinheiro que a Mary Shelley pelo famoso Frankenstein. Höffner cita também uma carta de 1854, depois da Alemanha implementar legislação de copyright, que Heinrich Heine escreveu ao seu editor, Julius Campe:

«Por causa dos preços tremendos que estabeleceu dificilmente verei em breve uma segunda edição do meu livro. Mas tem de baixar os preços, caro Campe, porque de contrário realmente não vejo porque fui tão indulgente com os meus interesses materiais.»(1)

Nunca simpatizei com o copyright. No entanto, algumas conversas que tenho tido aqui deram-me a impressão que poderia ser útil para regular e incentivar o comércio de obras, apesar de termos de o expulsar da esfera pessoal. Agora até isso me parece pouco plausível. Mesmo como regulação comercial, o monopólio sobre a cópia não serve.

Se queremos incentivar a criatividade mais vale deixar que os autores, editores e público negoceiem entre si o preço de criar obras e distribuir cópias. Um mercado competitivo é a melhor forma de incentivar este tipo de coisas. E conceder monopólios, além de distorcer o mercado, só beneficia os detentores desses monopólios. Sempre em detrimento dos outros. É ingénuo pensar que o monopólio sobre a cópia traz benefícios para alguém que não seja quem vende cópias. Serve apenas para os editores optimizarem os seus lucros restringindo a oferta, aumentando os preços e acabando por dificultar a inovação.

1- Der Spiegel, No Copyright Law: The Real Reason for Germany's Industrial Expansion? Obrigado pelo email com a ligação para a notícia.
2- Historical Atlas, Population of Germany
3-Wikipedia, Books published per country per year

11 comentários:

  1. Pela primeira vez, leio argumentos sólidos em defesa da abolição do copyright. Entretanto, os tempos mudaram e voltar ao sistema antigo não é possível. Todavia, pode-se melhorar o que existe.

    (ops! lá comentei outra vez! já pareço o pedro amaral couto a dizer que vai embora e volta)

    ResponderEliminar
  2. Este argumento é muito forte, de facto. Em particular, se representativo, o exemplo dado sobre os autores.

    O facto dos "tempos serem diferentes", tenho de reconhecer, também fortalece o caso do Ludwig, pois tal diferença torna tão mais difícil a aplicação de leis que protejam o direito de cópia e não invadam crimonosamente a nossa privacidade, que tal aplicação tenderá a ser discricionária e injusta.

    Ao contrário do que pensava, és capaz de ter razão nesta Ludwig. Cada vez estou com mais dúvidas e menos certezas a respeito deste assunto.

    ResponderEliminar
  3. Venha a revolução! Proletários de todo o mundo Uni-vos!

    ResponderEliminar
  4. Um livro interessante, sem dúvida. Custa «só» 68 Euros ;-).

    ResponderEliminar
  5. «Custa «só» 68 Euros ;-).»

    Cada uma das partes, se não estou em erro. O que ilustra bem o problema. Se não fosse o copyright provavelmente o tipo conseguia vender já uma molhada de paperbacks a 7€ cada. Assim, com alguma sorte a mãe e uns amigos compram alguns exemplares...

    ResponderEliminar
  6. o crescimento cultural e científico dos estados alemães, deveu-se talvez à ausência de copyright mas certamente ao internacionalismo das suas edições, muitas das quais não eram em alemão, mas na linguagem cultural da europa, francês e na linguagem comercial mundial.
    Continuaram a ser os grandes livreiros e divulgadores da europa, já pós-copyright a Tauchnitz só na sua colecção de autores britânicos e americanos publicou entre 1870 e 1910 4.643 títulos diferentes
    em inglês com a indicação que The copyright of this collection is purchased for Continental circulation only
    and the volumes may therefore not be introduced into G.B., isto é de um livro de 1896 , 10 anos depois da convenção de Berna

    As grandes casas editoras de Leipzig, da Baviera que começaram com a indústria de bíblias para todas as sub-crenças e dos autores gregos e latinos, foram o motor desta explosão bibliográfica de notar que dos 8000 títulos produzidos na saxónia, na Baviera e no Palatinado de 1798 a 1835 70% a 80% eram de autores extintos há mais de 100 anos

    Lembrar que a unificação só começa na década de 60 e termina vários anos após a vitória de 1871, logo a concorrência entre as casa comerciais dos vários estados e a especialização de algumas editoras
    livro científico, jurídico etc por exemplo Ludwig von Gerlach editor de jornais e de livros jurídicos na Prússia
    Claro a ausência de copyright até 1886 deve ter ajudado essa dispersão literária e a concorrência entre os mesmos títulos
    por diferentes editoras, levando a preços mais baixos e a maiores tiragens e consequentemente como em frança
    o aparecimento de edições técnicas populares de grande divulgação...


    Na Inglaterra editava(m)-se livros para pessoas ricas, até 1850 depois há uma explosão de livros para a burguesia, é verdade que franceses, suiços e alemães anteciparam estas edições 20 a 30 anos

    ResponderEliminar
  7. e já o Voltaire se queixava do que os editores lhe roubavam e só ficou rico graças aos presentes dos seus admiradores/admiradoras catarina incluida.
    Poucos autores científicos conseguiam custear as suas edições de autor no século XIX, excepto os associados às academias e os editores só publicavam tal como hoje o que tinham certeza que se vendia
    A maior parte das edições científicas foram por patrocínios, muito limitadas e excessivamente caras doze thalers custava uma das primeiras obras sobre minas e "modernas" técnicas de mineração publicado na Silésia na década de 20 ou 30, eram livros por encomenda

    logo acho um bocado excessiva e quase fundamentalista essa abordagem, mas não vi o livro, economicamente desenvolveu-se na floresta de altos-fornos que competiram com o aço britânico
    nas máquinas ferramentas que nunca apareceram em algum livro e muitas das quais nem patentes tiveram

    O Trinity College tinha um curso chamado arqueologia industrial
    ia desde a produção em massa das pedreiras neolíticas, até à "indústria" de agulhas e pregos da idade média e dedicava quase um terço de semestre à industrialização alemã
    o indivíduo produziu um livro com pelo menos um capítulo sobre a influência deletéria da competição entre editores alemães
    na produção de texto científico
    e fazia muito sentido...logo é como o vosso blogue comunitário
    há sempre versões para todos os gostos

    ResponderEliminar
  8. "(ops! lá comentei outra vez! já pareço o pedro amaral couto a dizer que vai embora e volta)"

    Sem stress António, pelas minhas contas ainda leva umas dez voltas de avanço.

    ResponderEliminar
  9. "Sem stress António, pelas minhas contas ainda leva umas dez voltas de avanço".

    Para não mencionar os inúmeros outros detalhes que os distinguem: seriedade na argumentação, sentido de humor, inteligência, etc.

    ResponderEliminar
  10. Pois claro, mas isso já não é inteiramente culpa do António. É mais o resultado do facto dele ir buscar o seu material exemplificativo a um livrinho sem piada nenhuma, enquanto o Pedro vai ao Youtube, que é muito mais engraçado :)

    ResponderEliminar
  11. off-topic
    Para o António Parente e para os novos leitores,

    o António Parente não me citou nem disse onde eu disse que ia embora. O Mats tem andado a chamar-me de retornado por causa disso que eu disse ao Jairo:
    ... «Se não sabes onde é que eu disse que criaste a conta e só queres começar brigas: tchau!»
    E depois de um comentário do João:
    «O Jairo também vai responder ao João simplesmente porque escreveu que "não devia insultar os burros"?»
    O que escrevi foi distorcido pelo Mats, que pelos vistos gosta de mentir, especialmente tendo em conta que esclareci-me.

    Também tinha dito há muito mais tempo que não iria comentar até que definissem um tema a ser comentado, por causa de "trollagens" com introdução de assuntos alheios que evitavam discutir os assuntos dos artigos. Tinha colocado uma condição e fiquei sem comentar durante algum tempo. E se repararem, o Perspectiva já nem aparece há muito com o seu "spam". A condição era para tentar mudar atitudes. Se decidir nunca mais comentar num "blog", eu não o aviso. Se quiserem dizer que eu disse que nunca mais voltava, convém que me citem, se não quiserem passar por mentirosos.

    Por outro lado, o António Parente disse várias vezes que nunca mais comentava neste blog. E removeu os comentários onde se exaltou numa das alturas em que disse que nunca mais comentava, pelo menos no dia 13 de Março deste ano.

    Aqui ele disse «ops! lá comentei outra vez!» porque ele antes tinha escrito: «Cumprimentos e felicidades. Hoje as minhas férias terminam e a minha presença na caixa de comentários deste blogue também.» No entanto ele tem comentado várias vezes os artigos. Até hoje. Eu fiquei muitíssimo mais tempo sem comentar desde o momento em que li o comentário do António que encontro aqui.

    Mateus 5:37 «Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna»
    Tiago 5:12 «Mas, sobretudo, meus irmãos, não jureis, nem pelo céu, nem pela terra, nem façais qualquer outro juramento; mas que a vossa palavra seja sim, sim, e não, não; para que não caiais em condenação.»

    Se o António acha-se bom cristão, convém que me cite para confirmar o que ele e o Mats me acusam ou que me peça perdão por difamar-me.

    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.