O drama, o horror, a tragédia...
O Mats apontou no seu blog o que ele considera ser uma uma falha terrível no processo científico: «Cientistas com 8 anos publicam artigo em jornal revisto pelos infalíveis pares». Pergunta o Mats «Como é possível que uma revista científica sujeita a revisão de pares publique material escrito por crianças?»(1). Depois cita excertos seleccionados de uma notícia da ABC News (2), como «Os cientistas que comentaram o trabalho das crianças afirmam que, embora as experiências fossem modestas e não tinham análise estatística, elas aguentavam-se bem quando comparadas com o trabalho de especialistas treinados.»(ênfase do Mats), concluindo então que «Talvez esta falta de rigor nas revistas científicas actuais explique a sua devoção em torno da teoria da evolução.»
Infelizmente, não ocorre ao Mats que possa ser falta de rigor não consultar o artigo original, ou nem sequer mencionar a parte da notícia que diz «Trabalhando com um neurocientista do University College London, as crianças documentaram cuidadosamente a sua metodologia e discutiram os dados que recolheram.» Esse neurocientista, que investiga os mecanismos neurológicos da visão, é um dos autores do artigo, “Blackawton bees”, que relata a descoberta que «abelhões conseguem usar uma combinação de relações espaciais e de cores na decisão da cor ou flor de onde vão recolher o néctar»(3).
É verdade que o artigo não tem uma análise estatística sólida. Mas a publicação, Biology Letters, especializa-se em artigos curtos de interesse multi-disciplinar. E esta descoberta das crianças, mesmo que ainda por confirmar com um estudo mais detalhado, é interessante pelo que revela do potencial de aprendizagem visual nesta espécie (Bombus terrestris, os comuns abelhões castanhos e amarelos). E é um artigo de interesse multi-disciplinar pelo que revela do ensino da biologia a crianças. Uma das descobertas relatadas pelas crianças é que «a ciência é gira e divertida porque se pode fazer coisas que mais ninguém fez antes»(3).
Esta abordagem de permitir às crianças fazer ciência, mesmo que tenham apenas 8 anos, é certamente interessante para a maioria dos biólogos. Não só porque muitos dos investigadores são também professores, mas porque todos têm interesse em que as crianças aprendam como a ciência funciona. O futuro da investigação depende disso. É excelente que estas crianças tão novas já tenham aguçado a sua curiosidade e tenham apreciado o valor desta metodologia rigorosa e objectiva que lhes permitiu descobrir coisas novas.
Mas suspeito que seja precisamente isto que mais preocupa o Mats.
1- Mats, Cientistas com 8 anos publicam artigo em jornal revisto pelos infalíveis pares
2- ABC News, UK Science Journal Publishes Study by 8-Year-Olds
3- Blackawton et al, Blackawton bees Biol. Lett. (Published online before print December 22, 2010, doi: 10.1098/rsbl.2010.1056)