Heurísticas.
O post de Domingo suscitou alguma discussão (1). Várias pessoas apontaram uma, ou ambas, de duas razões para condenar a NATO por causa do Afeganistão: que as intenções dos americanos não são louváveis e que não se deve interferir nos assuntos internos de outros países. São heurísticas úteis que, em muitos casos, conduzem à solução correcta mesmo sem se perceber os detalhes do problema. Muitas vezes é verdade que más intenções dão maus resultados, e muitas vezes é sensato não interferir nos outros países. Quando se tem sintomas de gripe, também é boa ideia comer uma sopa quente e ir cedo para a cama. Resulta quase sempre.
Mas há problemas que não se resolvem com sopinha. O Afeganistão, por exemplo. A heurística das intenções serve quando alguém nos oferece boleia ou nos quer vender um carro. Uma operação militar internacional envolve tanta gente que as intenções deste ou daquele deixam de ser um bom indicador, mesmo que as consigamos descortinar correctamente. O princípio da não-ingerência, e da soberania dos Estados, surgiu quando um Estado era o rei e os seus súbditos, e esse possessivo era muito mais literal do que agora julgamos aceitável. Hoje damos mais importância às pessoas do que às nacionalidades. Ou, pelo menos, devíamos dar.
A regra de preferir a paz em vez da guerra também não se aplica porque, excepto em detalhes técnicos irrelevantes, o Afeganistão estará em guerra com a NATO ou sem a NATO. O problema da guerra é o sofrimento, a violência, a morte e o desrespeito pelos direitos mais fundamentais. São tudo coisas que os Taliban fazem bem sozinhos.
Com o Afeganistão estas heurísticas não servem. E não faz sentido invocar como fundamento o princípio da não ingerência, a paz, a soberania desse (suposto) país e coisas afins porque nada disso é fundamental. Essas regras derivam de considerações mais fundamentais como, por exemplo, a liberdade de cada um ser feliz à sua maneira. São heurísticas úteis porque, muitas vezes, contribuem para esse fim. Mas são só os meios. Não são o fim.
O Afeganistão só se endireita, no mínimo, daqui a uma geração. É preciso que os miúdos de agora cresçam com uma noção de que têm direitos, de que não devem ser as metralhadoras a mandar, de que o governo só é legítimo se for eleito, de que há valor na educação, na igualdade e mais uma data de coisas que são óbvias para nós mas novidade naquele sítio dominado por costumes tribais e fundamentalismo religioso. Só quando essa geração crescer e substituir as de agora é que começará a fazer sentido a soberania, a auto-determinação e afins. Até lá é preciso visar o fundamental em vez das regras gerais que daí se derivam. Entretanto, a região vai ser controlada pela força das armas. Não há outra opção. A questão é apenas de quem as vai empunhar, se a NATO e a ONU durante uma década ou duas, ou se os Taliban durante o tempo que durarem, seguidos eventualmente de mais malucos da mesma estirpe.
Há muitos que, no descanso de quem está longe, dizem ser os soldados da NATO ainda piores que os Taliban. Bem, na verdade, não o dizem claramente, talvez com medo do ridículo. Mas chamam-lhes invasores, acusam o Ocidente de impor a democracia*, alegam que os soldados matam muita gente e deixam implícito que mais valia os Taliban. Discordo.
Os soldados da NATO cresceram onde se respeita os direitos das pessoas e onde, por isso, se vive bem melhor que no Afeganistão. Em situações de combate é fácil esquecer esses direitos mas, mesmo assim, estou confiante de que os soldados portugueses, por exemplo, têm muito mais respeito pelos direitos das pessoas do que têm os Taliban.
Além disso, as tropas da NATO têm a quem responder. As suas acções não são tão transparentes como deveriam ser, mas quem os comanda tem eleitores a quem prestar contas e os soldados e oficiais estão sujeitos a leis de conduta e a castigos se as violarem. Os Taliban fazem o que querem sem dar satisfações a ninguém.
Finalmente, as tropas da NATO querem estabilizar o país para sair de lá. Esses soldados não foram conquistar território. Não querem ficar lá a mandar em vilas e camponeses. Os Taliban, pelo contrário, querem-se instalar no poder pelo máximo de tempo que conseguirem.
A presença militar é apenas uma das condições necessárias para transformar o Afeganistão num país e dar ao seu povo um governo legítimo. Há muito mais a fazer, vai demorar muito tempo até haver resultados (2) e há sempre o perigo de que a oposição do eleitorado obrigue a deixar o trabalho a meio, perdendo-se qualquer proveito. Mas a escolha não é entre paz e guerra. É apenas se será a NATO contra os Taliban ou os Taliban contra pessoas desarmadas. E parece-me que só pode julgar que a segunda opção é a melhor quem pensar no problema de forma abstracta, guiando-se por essas heurísticas que generalizam ignorando os detalhes. Porque quem tiver em mente o que são os Taliban e se imaginar a criar filhos, filhas, netos e netas sob o seu poder tem certamente a opinião contrária.
* Não me perguntem o que é impor a democracia, que também não percebo. As pessoas têm o direito de eleger quem os governa, de se exprimir livremente, de se associar, de propor mudanças, pedir explicações aos governantes e assim por diante. E têm esses direitos seja qual for o regime. A democracia é apenas o único que não os viola. Não se impõe a democracia. O máximo que se pode fazer é impedir candidatos a ditador de violar estes direitos.
1- Aqui no blog, no FriendFeed e um pouco no FaceBook com o Miguel Caetano.
2- BBC, West cannot defeat al-Qaeda, says UK forces chief
O Ludwig insiste em utilizar o argumento da necessidade de intervenção militar em alguns países como suporte para a existência da NATO. Isso é treta. Ser contra a NATO, a nojenta policia mundial dos Amaricados, não é ser contra uma força militar internacional, desta feita alheia aos interesses do grande capital mundial(aka sector energético).
ResponderEliminar"Os soldados da NATO cresceram onde se respeita os direitos das pessoas e onde, por isso, se vive bem melhor que no Afeganistão."
Esta afirmação, tendo em conta que a maior potência na NATO são os EUA, faz-me pensar se o Ludwig está a ser irónico ou a "falar" a sério.
Nuno Leal,
ResponderEliminar«O Ludwig insiste em utilizar o argumento da necessidade de intervenção militar em alguns países como suporte para a existência da NATO.»
Não. A NATO é uma aliança e um tratado de cooperação e protecção mútua. A SHAPE, que é o comando militar conjunto, foi criada mais tarde, e é essa parte da NATO que intervém militarmente. Mas a NATO não precisa de uma organização militar própria para existir (por exemplo, a França pertence à NATO mas saiu da sua organização militar).
«Esta afirmação, tendo em conta que a maior potência na NATO são os EUA, faz-me pensar se o Ludwig está a ser irónico ou a "falar" a sério.»
Estou a falar a sério. Nos EUA não seria viável implementar o tipo de legislação que os Taliban tinham criado. Por exemplo, proibir as mulheres de trabalhar.
Nuno, está a dizer-me que nos EUA não se respeitam os direitos das pessoas, que os EUA não são um país livre?
ResponderEliminarQuando se tem sintomas de gripe económica, nos EUA não se respeitam os direitos das pessoas, respeitam-se os das corporações que tornaram a américa grande
ResponderEliminaros EUA não são um país livre?
são uma oligarquia económica com um verniz democrático que não serve de muito aos hobos dos anos 30 ou aos milhões dos trailers park's
Mas há problemas que não se resolvem com dinheiro. O Afeganistão, por exemplo é um dos muitos que vão surgir
quando o estado falha, quando os chupistas tomam conta do poder
os talibans surgem aos molhos
a diferença entre Portugal e o Afganistão é haver mais dinheiro e bens disponíveis num e mais ópio do povo para exportação no outro
e agora vou diminuir a % de grevistas e vou ver se acordo cedinho mañana
ResponderEliminarhoje como medida patriótica emprestei duas milenas a fundo perdido
ao BES...se ficasse na situação de muitos afgãos e estivesse num país ocupado e se sofresse de patriotismo agudo e se tivesse uma AK 47
não ia servir de alvo à NATO e tenho falta de pontaria
mas Heurística não é Heráldica....
É.
ResponderEliminarTodos os dias vemos milhares de pessoas a querer sair dos EUA para procurar melhor vida noutro lado.
Ludwig,
ResponderEliminarCertamente tens uma citação errada. No último parágrafo não deveria ser a citação (2)? Quanto ao resto, bom texto...
Pedro Ferreira,
ResponderEliminarObrigado, era mesmo a 2. Tenho de começar a escrever os posts em LaTeX ;)
Concordo com o teu post, e com a tua avaliação da importância da NATO para a paz na Europa. E concordo que há situações onde a intervenção é fundamental. O que me incomoda é que a escolha regiões onde a NATO intervém alegadamente para precaver abusos tem muito a ver com prioridades político-estratégicas (Afeganistão) e muito pouco com considerações humanitárias (Ruanda, Somália, Sudão, Congo etc). Vais argumentar que não há capacidade para estar em todo o lado e eu sei que é um facto. Daí a intervir só onde há interesses próprios a defender vai um passo diferente.
ResponderEliminarQuanto a não ser possível impor democracia: na Alemanha foi. A Lei Fundamental alemã foi redigida e implementada sob a tutela das forças de ocupação. De tal maneira que não tinha grande popularidade quando foi fundadada a República Federal da Alemanha. Felizmente os alemães habituam-se a tudo, até à democracia :-).
Cristy,
ResponderEliminarPenso que o problema principal não é a capacidade mas sim as heurísticas. Todas as decisões políticas em democracia são tomadas sob oposição. Há sempre cheques-voto a ganhar de um lado e do outro. E estas heurísticas facilitam muito a oposição a qualquer intervenção. Vê, por exemplo, a trabalheira que foi convencer os EUA a entrar na segunda guerra; se não fosse o ataque dos japoneses isto agora era tudo alemão ou russo.
Por isso o que acontece é que só conseguem intervir se conseguirem inventar tretas que o pessoal acredite ser importantes (a defesa nacional, o combate ao terrorismo, as armas de destruição massiva, etc). Em parte isto acontece assim porque o interesse principal dos políticos é manter-se no poder se lá estiverem e chegar lá caso contrário, e para isso precisam de muito dinheiro. Mas em boa parte isto acontece porque o pessoal em vez de pensar opta pelos slogans, selecção cuidadosa dos dados e alguma dissonância cognitiva (quem quer ver expulsos os "invasores" da NATO não costuma mencionar o Ruanda).
Por exemplo:
«"A guerra só traz coisas más", diz António José Anacleto, que vem de Alenquer com uma bandeira vermelha do PCP. "Tenho 77 anos e já passei pela guerra. A guerra colonial. Sou contras as guerras no mundo inteiro. O massacre dos povos tem de acabar."»
Não explica, no entanto, como acabar os massacre dos povos só com manifestações e sem intervenção militar...
Sim, tens razão, mas aí é que reside o problema: como é muito fácil instrumentalizar as massas com slogans simplórios, a instrumentalização, mesmo numa democracia, é quase sempre feita no sentido de defender os interesses de uns poucos que têm o poder e, infelizmente, das indústrias interessadas nos conflitos.
ResponderEliminarO «não à intervenção», como temos visto, não tem grande força, porque só é defendido por uma minoria (mesmo que seja uma que grite e parta vidros, o que também não lhes deve angariar grandes simpatias). A verdade é que o assunto indefere à maioria, desde que não a toque pessoalmente. E a maioria tende a dar mais credibilidade aos slogans avançados pelos poderes estabelecidos, do que aos dos grupos periféricos, ainda que os slogans de parte a parte tenham mérito igual, ou nenhum.
Uma maioria conseguiria mudar a política, como demonstra amplamente o «não» à intervenção no Iraque defendido pelos alemães. O pedido de ajuda de Washington ocorreu no meio da campanha eleitoral alemã e o governo, que corria o sério risco de não ser reeleito, não só cedeu de imediato á opinião pública, como se colocou à cabeça do movimento «não».
Bom post.
ResponderEliminarGostei destes dois posts. Entendo a motivação das pessoas que contestam a NATO mas estou completamente em desacordo com elas.
Contrasenso, se hoje damos mais importância às pessoas do que às nacionalidades. Ou,se pelo menos, devíamos dar.
ResponderEliminarDeveriamos reconhecer o direito das organizações tribais a regularem os seus assuntos, ao
invés impedem-se os conselhos tribais e a educação nas madrassas por serem uma fonte de fundamentalismo, quando a escola pública afgã praticamente é inexistente
A presença militar é apenas uma das condições necessárias para transformar o Afeganistão num novo Iraque ou Somália disfuncional e dar ao seu povo um governo ilegítimo.
Tal como o governo islamita argelino derrubado antes de tomar posse por um golpe de estado
essencialmente pelo bem da maioria impomos as condições de existência de povos inteiros
no Congo, no Burundi e em muitos outros a NATO não tem interesses a proteger?
ou no Sudão, derrubar o governo sudanês e salvar 2 a 5 milhões de pessoas da morte pela fome
custaria muito menos efectivos do que os que ocupam Kandahar...
a loya jirga ( (لويه جرګه ou هجرگه بزرگ)já foi durante 3000 anos anterior desde os tempos de Alexandre o pequeno uma forma democrática de organização comunal
ResponderEliminarsubstitui-la por um deputado que ninguém conhece em vez de tentar adaptar o sistema existente é violar o direito de milhares de comunidades rurais que obviamente se viram para os talibans para defender os seus interesses
contra as gentes das cidades de quem desconfiam e que veêm como parasitas
não se reforma um país militarmente
Ja ta,
ResponderEliminar«Deveriamos reconhecer o direito das organizações tribais a regularem os seus assuntos»
É esse o problema. Os assuntos são das pessoas. Organizações são organizações de pessoas. Por isso o que devemos é reconhecer o direito das pessoas regularem os seus assuntos e organizarem-se para isso.
Agora supõe que uns tipos decidem que naquela região as mulheres não podem trabalhar, e se são viuvas têm de mendigar ou morrer à fome, e além disso não podem nem ir à escola nem ser atendidas por médicos homens, o que quer dizer que não vai haver mulheres médicas que as possam atender também.
Nesse caso de quem é o assunto? Eu diria que é principalmente das mulheres visadas, e o que temos de fazer é garantir que cada uma delas possa decidir por si se isto há de ser assim ou não. Deixar que sejam os Taliban a decidir por elas é precisamente o contrário de deixar que as pessoas regulem os seus assuntos.
Resumindo, a tua heurística é boa mas apenas quando ninguém está a privar outros dos seus direitos. Assim que alguém o tenta fazer temos de ir mais a fundo e largar a heurística.
Cristy,
ResponderEliminarEu penso que o factor mais importante, dos facilmente acessíveis, para corrigir isso era a mobilidade eleitoral. Se cada eleitor largasse a "tradição" de ter votado neste ou naquele tantas vezes antes, e decidisse cada voto com base no que queria naquele momento e no que os partidos prometiam fazer até à próxima eleição, os políticos teriam todos muito mais cuidado, e a democracia seria mais representativa.
Enquanto a maioria dos que votam o fizer por amor à camisola ou balanço as coisas vão continuar na mesma.
era, era bom. E era bom que houvesse mesmo o tal pote de ouro no fim do arco-íris ;-)
ResponderEliminarO TRIPLO MORTAL DO LUDWIG: INCOERÊNCIA E IRRACIONALIDADE
ResponderEliminarReparem bem nas contradições do Ludwig. Mas reparem mesmo:
1) Por um lado, O Ludwig afirma que tudo o que existe é o produto de um processo aleatório de evolução cósmica, química e biológica, feito de dor, sofrimento, morte e extinções massivas.
Por outro lado, diz que o problema da guerra é o sofrimento, a violência, a morte e o desrespeito pelos direitos mais fundamentais.
Mas isso é um problema? Quem diz isso?
Não é essa a essência do processo evolutivo?
Será que existe uma lei moral para além da evolução? Feita por quem? Com que autoridade?
Como podem ver, as conclusões não batem certo com as premissas de que parte.
2) Por um lado, o Ludwig diz que o ser humano é um acidente cósmico, não hesitando a provar isso descrevendo-se a ele próprio como um mero Macaco Tagarela (é verdade, ele disse isto!!), como uma evidência de que o processo de evolução ainda está incompleto...
Por outro lado, parece sugerir que devemos dar mais importância às pessoas do que às nacionalidades, como se os seres vivos fossem mais importantes do que as suas populações, e que cada pessoa tem o direito a ser feliz à sua maneira…
Mas, quem diz isso? Ele? Com que autoridade?
Se o ser humano é um mero acidente cósmico, porque é que tem uma dignidade especial?
Charles Darwin entendia que essa afirmação não passa de um preconceito natural e mesmo de arrogância.
Além disso, porque é que um acidente cósmico tem o direito de ser feliz?
Não será a norma que diz isso também um acidente cósmico?
E se a felicidade de uns, ou de uma maioria, passar por oprimir, violar, torturar e matar os outros?
Se não existem valores absolutos, quem pode condenar isso?
Mais uma contradição...
3) Por um lado, o Ludwig diz que não existem valores objectivos mas apenas preferências subjectivas.
Por outro lado, critica as preferências subjectivas valorativas dos Talibans, pretendendo dar alcance extra-territorial e mesmo universal às suas próprias preferências subjectivas.
Mas se a moral é criada pelos indivíduos e as sociedades, o que é que impede de os Talibans criarem a sua própria moral?
Se não existe padrão moral objectivo, com que direito é que pretendemos condenar os Talibans com base na moral gerada por acaso nos nossos próprios cérebros?
Como bem se vê, o Ludwig é realmente irracional, ilógico e contraditório (uma fórmula redundante, é certo).
Ele faz afirmações arbitrárias, para as quais não consegue garantir uma justificação racional.
Pelo menos, os cristãos podem afirmar que existe um padrão de moralidade na Bíblia, que durante séculos influenciou o Ocidente judaico-cristão, e que existe na verdade certo e errado, bem e mal, liberdade e responsabilidade.
no Congo, no Burundi e em muitos outros a NATO não tem interesses a proteger?
ResponderEliminarou no Sudão, derrubar o governo sudanês e salvar 2 a 5 milhões de pessoas da morte pela fome
calma, a zona de acção é por aqui perto e já dá chatice que chegue
áfrica é um vespeiro, é s+o para se ir colher : ))
O LUDWIG E A RETINA INVERTIDA: NÃO HÁ MAIOR CEGO DO QUE AQUELE QUE NÃO QUER VER!
ResponderEliminarA ideia de que os olhos têm a retina virada ao contrário, sendo evidência de mau design, é absurda, pelos seguintes motivos.
Em primeiro lugar, mau design não é evidência de acaso. Uma casa ou um carro pode ter sido mal desenhada, mas ainda assim foi desenhada. Quanto a General Motors, a Toyota ou a BMW fazem o “recall” dos seus carros, por defeitos de funcionamento, estão a admitir mau design e incompetência técnica, mas os carros destas marcas não surgiram por acaso.
Em segundo lugar, existem muitos casos em que a afirmação de que algo está mal desenhado apenas desqualifica quem a faz, mostrando a incompetência do autor da afirmação que não compreende realmente como as coisas funcionam.
Em terceiro lugar, existem inúmeros casos de degradação de estruturas pré-existentes com perda de funcionalidade.
No presente caso, o incompetente é o Ludwig.
A retina é uma maravilha de design, responsável pela formação de imagens, ou seja, pelo sentido da visão. Ela tem sido comparada a uma tela onde se projectam as imagens: retém as imagens e as traduz para o cérebro através de impulsos elétricos enviados pelo nervo óptico.
Os cientistas estimam que dentro de cada retina há cerca de 120 milhões de foto-receptores (cones e bastonetes) que libertam moléculas neurotransmissoras a uma taxa que é máxima na escuridão e diminui, de um modo proporcional (logarítmico), com o aumento da intensidade luminosa.
Esse sinal é transmitido depois à cadeia de células bipolares e células ganglionares.
Graças à retina, o olho, tal como uma câmara de vídeo altamente sofisticada, dispõe de uma camada sensível à luz que permite o ajustamento à diferente intensidade de luminosidade.
No entanto, diferentemente do que sucede com uma câmara, a retina pode mudar automaticamente a sua sensividade à luz num arco de 10 mil milhões para um.
As células foto-receptoras da conseguem detectar luz com uma intensidade tão diferente com a da neve iluminada pelo sol ou um simples fotão (a mais pequena unidade de luz).
Além disso, o olho humano tem a capacidade de auto-reparação, diferentemente do que sucede com as câmaras de vídeo.
Tudo, evidentemente, dependente de informação codificada no genoma, por sinal altamente complexa e especificada.
No caso da retina tem sido sublinhado o modo como a inversão da retina assegura a sua protecção contra os efeitos nocivos da luz, especialmente em ondas curtas, e do calor gerado pela focagem da luz.
Pelo contrário, a evidência científica mostra que existe espaço suficiente no olho para todos os neurónios e sinapses e tudo mais, e que ainda assim as células Müller podem captar e transmitir tanta luz quanto possível, num complexo e sofisticadíssimo sistema de fibras ópticas existentes no olho humano.
Este, entre outras coisas, tem um sistema de “steady shot” e visão a cores.
O olho humano depende, além disso, de uma complexa organização cerebral, através de uma divisão por compartimentos sensíveis a diferentes cores e orientações geométricas e espaciais.
Uma coisa é certa. O Ludwig pode pôr defeitos à retina. Mas o certo é que é por ela funcionar que ele pode ver. E devia estar grato por isso, em vez de por defeitos onde eles não existem.
Referências:
New Light Shed on How Retina's Hardware Is Used in Color Vision
ScienceDaily (Mar. 9, 2010)
MicroRNA Expression and Turnover Are Regulated by Neural Activity in the Retina and Brain
ScienceDaily (June 1, 2010)
Six3 Gene Essential for Retinal Development, Scientists Show
ScienceDaily (Sep. 26, 2010)
From Eye to Brain: Researchers Map Functional Connections Between Retinal Neurons at Single-Cell Resolution
ScienceDaily (Oct. 6, 2010) —
Important Brain Area Organized by Color and Orientation
ScienceDaily (Nov. 22, 2010)
Ludwig:
ResponderEliminarFazes uma confusão enorme.
Uma coisa é a importância do respeito pelo princípio de não ingerência, exceptuando casos extremos ao abrigo de um mandato internacional.
Outra coisa são as consequências positivas ou negativas de uma invasão em particular, como a do Afeganistão.
Se as consequências tivessem sido positivas, isso não poria em causa a minha tese, visto que a invasão do Afeganistão foi feita ao abrigo de um mandato internacional (!!).
Se as consequências tivessem sido negativas, e tu próprio disseste haver boas razões para acreditar que sim, então isso levar-nos-ia a crer que mesmo com um mandato internacional uma invasão que aparenta uma certa legitimidade pode resultar numa tragédia.
Se queres falar no desrespeito flagrante pelo direito internacional, por uma invasão sem mandato internacional que desrespeite o princípio da não ingerência, feita pela NATO, fala antes no Kosovo.
Cristy,
ResponderEliminarPenso que a Internet pode ajudar bastante a volatilizar o eleitorado. Por enquanto ainda não, que muitos eleitores passam pouco tempo online. Mas cada vez mais acho que isso vai acontecer. Uma discussão sobre algum ponto levar, para bem ou para mal, muita gente a mudar de opinião acerca de em quem vai votar.
É claro que há um mecanismo psicológico inverso muito forte, o de procurar apenas aquilo que se conforma aos preconceitos já assumidos. Vamos a ver o que ganha...
João Vasco,
ResponderEliminarA minha posição é que, à parte das consequências, o príncipio da não ingerência (ou outro qualquer) não tem qualquer relevância ética. Admito que isto presume uma ética consequencialista, mas acho que Kant não deu em nada.
Por isso o valor de princípios, heurísticas e regras gerais está apenas nas suas consequências, e em terem geralmente consequências desejáveis. Mas, por isso, devem ser ignorados quando não as têm.
Por exemplo, uma consequência da invasão foi passar a permitir que as mulheres fossem examinadas por médicos sem que fossem ambos para a cadeia. Nestas discussões ninguém parece querer contabilizar o impacto dessa consequência, mas se consideramos que há quinze milhões de mulheres nessa região, esse tipo de diferença deve ser significativo (uma indicação, contas por alto: uma variação de 10% na esperança média de vida das mulheres são 35 mil mortes por ano, ou dez vezes mais as mortes civis que há neste momento pro causa dos conflitos).
Se queres falar no desrespeito flagrante pelo direito internacional, por uma invasão sem mandato internacional que desrespeite o princípio da não ingerência, feita pela NATO, fala antes no Kosovo.
E um caso de pacificação à força e de perseguição a criminosos de guerra.
É o nosso quintal, não podemos deixar que se transforme num bairro de lata.
São gente estranha ? São , mas são a nossa gente estranha.
Nota: os criminosos de guerra são definidos por quem ganha, nunca esquecer este pequeno princípio de rela pollitic muito útil para se evitarem discussões sem sentido .D
ResponderEliminar«Admito que isto presume uma ética consequencialista, mas acho que Kant não deu em nada.»
ResponderEliminarEstamos de acordo aí.
E é mesmo por isso que dizeres «à parte das consequências, o princípio X não tem relevância ética» é perfeitamente vazio. Claro que não, e por isso é que sempre argumentei em termos das consequências de desrespeitar o princípio.
«Por exemplo, uma consequência da invasão foi [...)»
Mas estás a falar de uma invasão que aconteceu com um mandato internacional. De onde o meu argumento inicial mantém-se válido.
Desculpa se me repito, mas parece mesmo que passaste ao lado do que escrevi:
«Se as consequências tivessem sido positivas, isso não poria em causa a minha tese, visto que a invasão do Afeganistão foi feita ao abrigo de um mandato internacional (!!).
Se as consequências tivessem sido negativas, e tu próprio disseste haver boas razões para acreditar que sim, então isso levar-nos-ia a crer que mesmo com um mandato internacional uma invasão que aparenta uma certa legitimidade pode resultar numa tragédia.
Se queres falar no desrespeito flagrante pelo direito internacional, por uma invasão sem mandato internacional que desrespeite o princípio da não ingerência, feita pela NATO, fala antes no Kosovo.»
João Vasco,
ResponderEliminarEntão proponho que o mandato internacional, por si, é irrelevante. O máximo que pode ser é um indicador de consenso e não uma justificação ética.
Por exemplo:
- Quando Mussolini invadiu a Etiópia a Sociedade das Nações decidiu não fazer nada. Se mesmo assim a Grã-Bretanha e a França tivessem enviado tropas para ajudar a Etiópia isso teria sido eticamente correcto.
- Quando Hitler invadiu a Polónia fê-lo com o acordo e a aliança de Stalin, com quem repartiu o território conquistado. Essa cooperação internacional não torna mais legítima a invasão. Até podiam ser 10 países, 100 ou todos os outros que continuava a ser igualmente condenável (ou mais ainda...)
- Se a intervenção do Afeganistão fosse exactamente igual ao que é agora excepto apenas não haver um papel assinado na ONU, então eticamente tinha exactamente o mesmo valor. O valor ético do papel, por si só, é nulo.
O máximo que esse mandato internacional pode ser é um indicador de consenso. Uma heurística. Se não sabemos os detalhes, podemos-nos guiar pela opinião dos representantes dos vários países na ONU e confiar que eles sabem porque aprovaram e tinham razão para o fazer. Mas o mandato internacional não é justificação de nada, exactamente pela mesma razão que o voto de maioria não pode justificar a escravatura, a violação, a tortura, etc.
Quanto ao Kosovo, tenho de ler mais sobre o assunto, sob pena de me ter de guiar pelas heurísticas que, já se sabe, não valem nada. Por exemplo, se me guiar pela do mandato internacional, visto que não houve quaisquer represálias contra os países da NATO que participaram nessa acção, concluiria que foi legítima porque, de facto, foi feito com a aprovação tácita de todos. Ou todos os que contam, porque isto do mandato internacional exige sempre distinguir entre os que contam e os que não contam :)
não houve quaisquer represálias contra os países da NATO que participaram nessa acção, concluiria que foi legítima porque, de facto, foi feito com a aprovação tácita de todos.
ResponderEliminare os que não contam....e os muçulmanos desde 1979 paladinos da liberdade contra o ogre comunista
deixaram de contar
idem para esse grande campeão da democracia contra a vaga da barbárie iraniana chamado ...
como era mesmo o nome do gajo linchado?
é que o consenso apoia por vezes libertadores como pinochet
e outras juntas militares
é lembrar que a NATO equipou a argentina de Videla
que foi afundada pelas forças de um dos membros da NATO
calhou os exocet vendidos pelos franceses serem de má colheita
Ludwig:
ResponderEliminar«Então proponho que o mandato internacional, por si, é irrelevante. O máximo que pode ser é um indicador de consenso e não uma justificação ética.»
Acho que te estás a contradizer. Se adoptas uma ética consequencialista, e se admites que invadir um país sem mandato internacional tem consequências diversas daquelas que terá invadi-lo sem o dito mandato, então não faz sentido consideres o mandato irrelevante.
Não é por causa do "valor ético do papel", mas pelas consequências que tem. Se tu assinares um contrato, e depois o desrespeitares, o problema não é o "valor ético do papel" em que ele foi escrito. São as consequências.
Para mim as consequências de desrespeitar esse princípio são claras. Aliás, os dois primeiros exemplos que deste de situações em que esse princípio deveria ter sido desrespeitado referiam-se à resposta que a teu ver devia ter sido dada a uma situação em que esse princípio tinha sido desrespeitado... sintomático.
Se tu dizes que esse princípio não vale por si, que é a questão das consequências que deve ser avaliada, eu digo "pois, mas isso não quer dizer nada, pois eu acredito nisso em relação a todos os princípios - não passam de heurísticas". Aliás, é curioso teres dado esse nome a este texto, quando nestas caixas de comentários fui eu que comecei a usar essa expressão para caracterizar diversos princípios éticos. Como sou consequencialista não podia deixar de ser assim.
Mas esta é uma heurística válida e útil. Se a opinião mundial, em particular a opinião dos cidadãos de democracias ricas, se indigna com uma invasão sem mandato internacional, vamos ter incentivos tais que no fim o mundo é menos violento, com menos guerras e violência. Acredito que a democracia, os respeito pelos direitos humanos, pelos direitos cívicos, pelos direitos políticos, acabem por aos pouco ir sendo conquistados em diversas partes do mundo, e acho bem que várias instituições, desde ONGs como AI, aos estados, por meios pacíficos, pressionem e incentivem neste sentido. Em certos casos particulares, raros e justificados pela dimensão dos problemas, acredito que se justifica o desrespeito pelo princípio da não ingerência. Mas mais facilmente verias legitimada uma intervenção no Sudão que no Kosovo...
Mas se a opinião mundial pensa que este princípio não tem valor, e que uma guerra para impôr a democracia se justifica, então terás um mundo em que vale mesmo a pena comprar armamento, e muito - ainda mais que na situação actual. É fácil justificar uma guerra, basta um bocadinho de propaganda. E por isso qualquer país sabe que pode ser atacado a qualquer momento.
Nota bem isto, nos EUA grande parte da opinião pública ficou convencida que Saddam tinha sido responsável pelo 11 de setembro, mesmo sem ter havido uma mentira explícita fazendo essa afirmação, bastou dar isso a entender através de associações frequentes entre as duas situações. Este é o poder da propaganda.
Num mundo em que o princípio da não ingerência não vale nada, Obama poderia dizer a José Sócrates: «o vosso ministério da defesa vai passar a comprar aviões às nossas empresas de armamento. Vocês não querem meia dúzia de independentistas algarvios a fazer um alarido tal que nós tenhamos de "libertar" o Algarve». Este exemplo é extremo, obviamente. Até cómico (se bem que o plano para os Açores, xiii). Mas não precisas assim de tanta propaganda para priorizares na mente de muita gente a libertação da Irlanda do Norte sobre a situação do Ruanda. Ou conseguires o petroleo ao preço que queres em Angola. Etc...
João Vasco,
ResponderEliminarImagina que o país A envia tropas para o país B. Considera quatro possibilidades:
1. A tem mandato internacional e ninguém faz nada contra A.
2. A tem mandato internacional mas, mesmo assim, C reage violentamente bombardeando A.
3. A não tem mandato internacional mas ninguém faz nada contra A.
2. A não tem mandato internacional e C reage violentamente bombardeando A.
O que proponho é que ter ou não mandato internacional é irrelevante. O que interessa, neste caso, é se a acção de A resulta em mais violência (por parte de C, neste exemplo).
E essa é a diferença entre um princípio e uma heurística. O princípio de minimizar o sofrimento e a violação das liberdades das pessoas é um princípio porque descreve um objectivo. A não-ingerência, o mandato internacional e afins são heurísticas úteis porque tende a correlacionar-se com aquilo a que damos valor, mas não são princípios porque não têm valor por si.
Considera, por exemplo, a intervenção da NATO no Kosovo, ou o ataque dos EUA ao Iraque (da segunda vez). Se alguém quiser decidir o valor ético dessas acções averiguando a sua legalidade formal à luz da lei internacional, da ONU e afins, eu direi que está enganado. Não é essa formalidade que nos diz se aquilo foi bem feito ou mal feito, mas as suas consequências para a vida das pessoas.
«Mas esta é uma heurística válida e útil. Se a opinião mundial, em particular a opinião dos cidadãos de democracias ricas, se indigna com uma invasão sem mandato internacional, vamos ter incentivos tais que no fim o mundo é menos violento»
Não nego que estas heurísticas sejam úteis para manipular a opinião dos menos atentos. Infelizmente, para isso há muita coisa útil. Bonecos coloridos, mostrar a fotografia do Bin Laden ao lado do Saddam, etc. Tudo isso serve.
O meu ponto é apenas que não podemos confundir com os valores fundamentais algo que normalmente se correlaciona com os valores mas que não tem valor ético por si. Mesmo que seja uma ferramenta jeitosa de propaganda.
«Em certos casos particulares, raros e justificados pela dimensão dos problemas, acredito que se justifica o desrespeito pelo princípio da não ingerência.»
Eticamente, não vejo como possa haver uma situação em que se justifica intervir se a intervenção for por parte de pessoas da mesma nacionalidade mas que já não se justifica se exactamente a mesma intervenção for feita por pessoas de nacionalidade diferente. Isto obrigaria a que a nacionalidade fosse eticamente determinante e não vejo como possa ser...
Compreendo que pode ser útil, à falta de melhor, convencer as pessoas disso. E compreendo como essa ideia pode servir para manipular opiniões. O que questiono é o que é que a nacionalidade tem que ver com o valor ético de uma intervenção na defesa de alguém.
«O meu ponto é apenas que não podemos confundir com os valores fundamentais algo que normalmente se correlaciona com os valores mas que não tem valor ético por si. Mesmo que seja uma ferramenta jeitosa de propaganda.»
ResponderEliminarMas é precisamente o contrário.
Dizer assim «vamos atacar o país A porque é bom para a sua população" é que é jeitoso para qualquer potência militar com o mínimo de capacidade propagandística.
Se o princípio de não ingerência não valer nada, é o que acontece.
Tu centras constantemente esta discussão nas questões abstractas nas quais concordamos, e ignoras repetidamente as questões práticas em que concordamos.
Quando tu dizes que o estado é uma convenção administrativa, que a ética correcta é a consequencialista, ou que o princípio de não ingerência deve ser visto como uma heurística, estimo que mais de 95% das pessoas discordariam de uma destas coisas. O curioso é que eu não sou uma delas!!!
Por isso eu não tenho nunca estado a discutir no abstracto, mas sim no concreto.
Num mundo onde o estado tem inúmeras consequências na vida das pessoas, para muitas delas ao nível indentitário e afectivo. Num mundo onde as pessoas têm um tempo limitado para conhecer em detalhe os conflitos em territórios distantes. Num mundo onde a propaganda tem alguma eficácia.
Neste mundo, se o princípio da não ingerência não for considerado importante, se for considerado menos importante do que aquilo que é, não tens mais democracia e direitos humanos, tens mais guerra e mais violência.
Isto parte da análise dos actores político-militares actuais, do seu comportamento, do seu historial.
Se discordas, por favor argumenta no concreto. No abstracto podes dicordar de 95% mas nada naquilo que escrevi te deveria levar a crer que sou uma delas.
João Vasco,
ResponderEliminarO teu último comentário fez-me pensar que o "princípio" da não ingerência é, moralmente e pragmaticamente, como a crença em Deus. Mas deixo-te a sofrer com a provocação durante um dia ou dois porque tenho de explicar isto num post :)