Não é bem o mesmo...
Hoje, no Público, o José Pacheco Pereira escreveu que «A falta de proporção e relevância, típica da agenda dos blogues, transferiu-se para a comunicação social»(1). A tese de Pacheco Pereira é que houve um «empobrecimento e uma perda de autonomia temática da blogosfera» e que na «comunicação social também houve um empobrecimento, na medida em que a sua agenda se tornou cada vez mais dependente dos blogues». Segundo Pacheco Pereira, é por «razões que têm a ver com a origem social dos seus autores, mas também da mecânica comunicacional e política do meio, há temas típicos dos blogues, e cada vez menos diferenças entre esses temas e os da comunicação social em geral. O resultado é que a perda de proporções, de relevância, de valor social, típica dos discursos radicais e politizados, impregna a comunicação social quase sem se dar por isso.»
Como exemplo dá «temas marginais» como casamento homossexual ou a eutanásia, que diz serem abordados «em detrimento de questões sociais muito mais sérias e que quase não existem nos blogues, como seja os despedimentos, as condições laborais, a condição operária, o mundo rural, etc.» Ele tem alguma razão, mas só alguma. Há realmente uma sobreposição crescente nos temas abordados pelos blogs e pela comunicação social. Mas Pacheco Pereira confunde o propósito de blogs, jornalismo e comunicação social, e falha as razões principais.
A comunicação social é o negócio de vender publicidade. Algumas revistas também fazem dinheiro a vender papel, mas o grosso do negócio, e o seu objectivo, é vender a atenção da audiência. E o jornalismo é apenas uma de muitas formas de conseguir esta atenção. Neste caso, trocando-a por informação fiável e relevante. Um blog está para o jornalismo ou comunicação social como um telemóvel está para um programa de rádio. Não é negócio nem é serviço informativo. É conversa. É por isso que os temas abordados nos blogs não são só notícias relevantes ou de valor social. A crise económica é um problema mais grave que o casamento homossexual. Os motins no Bangladesh são uma tragédia muito maior que a apreensão de um livro de pintura. Mas isso são notícias e nem todas as notícias são bom tema de conversa.
E na comunicação social só uma pequena parte pode ser notícias. O resto – quase tudo – tem de ser conversa. Mesmo que me interessasse saber quais os jogadores lesionados da equipa não-sei-quantas, isso é coisa para duas frases ou meia dúzia de segundos. Para prender a atenção da audiência é preciso mais que jornalismo. É preciso muita treta. E isso a comunicação social sempre teve. Quando eu era miúdo lia a Maria e a Crónica Feminina em casa da minha avó, por isso não me espanta a falta de relevância dos temas abordados pela comunicação social. Talvez se o Pacheco Pereira tivesse tido esta experiência não culpasse tanto os blogs.
Mas aceito que estas novas tecnologias têm forçado mudanças na comunicação social. Só que a causa destas mudanças é mais profunda do que o radicalismo político ou enviesamento social que o Pacheco Pereira propõe. Antes dos blogs, a comunicação social, além de informar e de entreter, servia também para comunicar. Avelino de Almeida relatou para o jornal O Século o que se passou em Fátima a 13 de Outubro de 1917 (2). Escreveu sobre o que as pessoas lhe disseram, como agiram, o que pensavam. A reportagem serviu para quem lá estava comunicar com os leitores. Só num sentido, escrito pelo jornalista e revisto pelo editor, mas comunicar à mesma.
Hoje assistíamos a tudo pelo Twitter e blogs de quem lá estivesse, de portátil ao colo, a postar imagens e a comentar. Meia hora depois do milagre já estavam os vídeos no YouTube e os posts da Lúcia já tinham uns milhares de diggs. O Avelino de Almeida despachava dois ou três parágrafos para a página do jornal, só a noticiar o acontecido, e nos dias seguintes logo fazia uma análise mais aprofundada, lendo os vários relatos, trocando emails com alguns intervenientes e investigando as finanças obscuras do comércio de milagres. Depois vinha o Prós e Contras e a treta do costume. Ou seja, a conversa.
O jornalismo continua a ser importante, das notícias curtas às reportagens de investigação. Mas o jornalismo é uma pequena parte da comunicação social. Só com análise objectiva e informação faz-se muito pouco. E, enquanto meio de comunicação, a comunicação social foi ultrapassada pela comunicação pessoal. Já não tem o monopólio da conversa. É por isso que, agora, muito da comunicação social é resposta ao que se discute em blogs e twitters e afins. Se não se mete na conversa ninguém lhe liga nenhuma.
1- Reforçando a diferença entre comunicação pessoal e comunicação comercial social, o texto é reservado a assinantes. Que eu não sou, por isso muito obrigado pelo email com a notícia.
2- O Século, 15-10-1917, COMO O SOL BAILOU AO MEIO DIA EM FÁTIMA (pdf)