Treta da Semana: O valor das pontas.
A confusão de dois conceitos de vida humana atrapalha a compreensão dos problemas éticos do aborto, da eutanásia, da investigação em células estaminais, do estado vegetativo persistente e outros que ocorram nas pontas da vida, no seu inicio ou fim. Porque, infelizmente, o conceito que nos ocorre sempre primeiro é o menos relevante.
Quando pensamos em vida humana pensamos no estado em que nos encontramos. Neste momento sou um ser humano vivo; houve um tempo em que não o era e a certa altura deixarei de o ser. A vida humana é um estado que muda. E daqui parte-se para grandes discussões sobre a dignidade humana do paciente terminal, o estatuto ontológico do embrião e afins. Discussões inevitavelmente polémicas pela arbitrariedade dos critérios com que se decide quando começa ou acaba esse estado de vida humana. Mas, além de impossíveis de resolver, estes problemas são eticamente irrelevantes. Tanto faz qual é o estatuto do embrião ou o momento exacto em que um paciente em estado vegetativo deixa de ter uma vida humana.
Não avaliamos a jantarada com os amigos discutindo se começou às 20:14 quando nos sentámos ou às 20:16 quando o empregado trouxe as ementas. Ou se acabou quando bebemos o café ou quando recebemos o troco. Não importa a dignidade da sobremesa nem o estatuto ontológico das entradas porque o valor da jantarada está na jantarada toda. Naquela parte do meio e não nas minudências das pontas.
No desenvolvimento embrionário podemos saber rigorosamente quando surgem os primeiros neurónios, quando começa a bater o coração e quando os pulmões se tornam funcionais. E num paciente em coma podemos medir que partes do cérebro estão activas e relacioná-las com certas capacidades. Mas nada disso determina quando começa ou acaba o estado de vida humana sem precisarmos de algum critério arbitrário e, mesmo com esse critério, não é isto que diz o valor dessa vida. É tão inútil como saber o momento exacto em que o empregado trouxe os cafés.
O que devemos fazer nestes problemas é considerar a vida toda e o efeito de cada decisão no valor dessa vida. No caso da Eluana não valia a pena discutir a classificação do estado em que ela se encontrava. O único facto relevante era que deixar lá o tubo a alimentá-la não lhe daria uma vida melhor que retirar o tubo e deixá-la morrer. Todo o valor da sua vida esteve no período antes do acidente que a deixou num estado vegetativo permanente. O resto é mera semêntica.
No caso de um embrião criado para investigação a escolha é entre criar um embrião humano que vive alguns dias ou não criar esse embrião humano. O valor daquela vida é nulo mas também é nulo o valor de não a criar. A escolha é indiferente para aquele organismo e é irrelevante o estatuto que lhe atribuirmos. O aborto de um embrião implantado no útero materno é diferente porque aí a escolha é entre uma vida humana, várias décadas de vida, ou a sua eliminação. Essa diferença é grande. Mas, mais uma vez, não importa o estatuto do embrião naquela altura porque a vida naquela altura não é grande coisa. Ninguém recorda com saudade as suas primeiras dez semanas de gestação.
O estatuto do embrião na caixa de Petri pode ser igual ao estatuto do embrião no útero da mãe. A dignidade do paciente a quem a medicina consegue dar uma vida de valor pode ser a mesma do paciente que a medicina não pode ajudar. Ou não. Tanto faz. O estatuto é arbitrário e a dignidade demasiado vaga para que se possa decidir. Felizmente, esta questão é tão irrelevante como o sexo dos anjos. O que importa é avaliar as consequências e determinar se a escolha tem impacto numa vida humana. Não no estado momentâneo mas naquele pedaço de existência subjectiva que todos reconhecemos ter valor.
Alguns comentários criacionistas:
ResponderEliminar"A confusão de dois conceitos de vida humana atrapalha a compreensão dos problemas éticos do aborto, da eutanásia, da investigação em células estaminais, do estado vegetativo persistente e outros que ocorram nas pontas da vida, no seu inicio ou fim."
Do ponto de vista científico e teológico existe vida humana antes do nascimento. Com a junção dos 23 cromossomas do pai e da mãe recombina-se a informação genética constitutiva do novo ser humano.
Durante toda a sua vida, essa será sempre a sua informação genética.
"Porque, infelizmente, o conceito que nos ocorre sempre primeiro é o menos relevante.Quando pensamos em vida humana pensamos no estado em que nos encontramos."
A vida depende da informação codificada no genoma. Esta só pode ter tido origem inteligente, já que não existe informação codificada sem inteligência.
Pelo menos não se conhece nenhum processo natural que crie informação codificada sem origem inteligente.
"Neste momento sou um ser humano vivo; houve um tempo em que não o era e a certa altura deixarei de o ser."
Isso deve-se ao facto de o castigo do pecado ser a morte. Deus dá a vida eterna a quem aceitar Jesus como seu salvador.
"A vida humana é um estado que muda."
Muda, mas é vida enquanto existe vida. Quando existe morte, já não é vida. É morte.
"E daqui parte-se para grandes discussões sobre a dignidade humana do paciente terminal, o estatuto ontológico do embrião e afins."
A dignidade humana deve-se ao facto de ter sido criado à imagem e semelhança de Deus. Quem atenta contra a vida humana atenta contra Deus e não deixará de sofrer as consequências desse facto.
"Discussões inevitavelmente polémicas pela arbitrariedade dos critérios com que se decide quando começa ou acaba esse estado de vida humana."
O único critério cientificamente admissível é a concepção.
"Mas, além de impossíveis de resolver, estes problemas são eticamente irrelevantes. Tanto faz qual é o estatuto do embrião ou o momento exacto em que um paciente em estado vegetativo deixa de ter uma vida humana."
O embrião é vida humana. O paciente também. Isso não significa que não possa haver ponderações dramáticas em situações dramáticas.
Sucede noutras situações. A guerra pode ser justa e legítima nalguns casos extremos.
"Não avaliamos a jantarada com os amigos discutindo se começou às 20:14 quando nos sentámos ou às 20:16 quando o empregado trouxe as ementas."
Uma jantarada não é vida humana, nem coloca problemas éticos de maior.
"Ou se acabou quando bebemos o café ou quando recebemos o troco."
Mais pirotecnia argumentativa? Não irá longe assim. A experiência demonstra-o.
"Não importa a dignidade da sobremesa nem o estatuto ontológico das entradas porque o valor da jantarada está na jantarada toda."
Se levar o raciocínio às últimas consequências também colocará em causa o seu próprio estatuto ontológico e o nosso dever de respeitar a sua vida e personalidade.
"Naquela parte do meio e não nas minudências das pontas. "
A verdade é que no embrião não se está perante minudências. Está-se perante um ser humano numa das suas fases naturais de desenvolvimento.
"No desenvolvimento embrionário podemos saber rigorosamente quando surgem os primeiros neurónios, quando começa a bater o coração e quando os pulmões se tornam funcionais."
Assim é, porque se trata de um processo pré-programado, em nada aleatório, dependente de informação codificada com todas as instruções para o seu desenvolvimento.
Se o programa for convenientemente executado, não haverá problemas.
"E num paciente em coma podemos medir que partes do cérebro estão activas e relacioná-las com certas capacidades. Mas nada disso determina quando começa ou acaba o estado de vida humana sem precisarmos de algum critério arbitrário e, mesmo com esse critério, não é isto que diz o valor dessa vida."
O valor da vida é dado por Deus. Ele criou o homem à sua imagem, tendo codificado toda a informação necessária à sua reprodução de acordo com a sua espécie, como a Bíblia ensina.
Depois, ele morreu para salvar esse ser humano e dar-lhe vida eterna com Ele.
Isso, e não qualquer outra teoria ou filosofia, determina o verdadeiro valor da vida humana.
"É tão inútil como saber o momento exacto em que o empregado trouxe os cafés."
As especulações humanas sobre o valor da vida de nada valem, sem partir da Palavra de Deus.
"O que devemos fazer nestes problemas é considerar a vida toda e o efeito de cada decisão no valor dessa vida."
Quem determina o que devemos fazer? Com que autoridade? Se não passamos de acidentes cósmicos a ideia de que devemos qualquer coisa uns aos outros também só pode ser um acidente cósmico, desprovida de qualquer valor.
Quem determina o estatuto de cada um e o que realmente devemos uns aos outros, é Deus. Ele diz: ama o teu próximo como a ti mesmo. É isso que realmente devemos fazer.
"No caso da Eluana não valia a pena discutir a classificação do estado em que ela se encontrava. O único facto relevante era que deixar lá o tubo a alimentá-la não lhe daria uma vida melhor que retirar o tubo e deixá-la morrer."
O facto de se acreditar no valor e na dignidade humana não afasta situações extremas de morte para aliviar o sofrimento. Mas devem ser excepcionalíssimas, e não parte de uma cultura de morte e egoísmo.
"Todo o valor da sua vida esteve no período antes do acidente que a deixou num estado vegetativo permanente. O resto é mera semêntica."
Não é necessariamente mera semântica. Alguém também poderia dizer que o valor da vida do Ludwig é mera semântica e decidir eliminá-lo, pura e simplesmente.
Quem determina o valor da vida? Quem diz se ele é ou não mera semântica?
"No caso de um embrião criado para investigação a escolha é entre criar um embrião humano que vive alguns dias ou O valor daquela vida é nulo mas também é nulo o valor de não a criar. não criar esse embrião humano."
O pior é que muitos diziam e dizem que judeus, ciganos, deficientes,recém-nascidos, etc., têm um valor nulo.
"A escolha é indiferente para aquele organismo e é irrelevante o estatuto que lhe atribuirmos. "
O problema é que não somos nós que lhe atribuímos o seu estatuto.
"O aborto de um embrião implantado no útero materno é diferente porque aí a escolha é entre uma vida humana, várias décadas de vida, ou a sua eliminação. Essa diferença é grande."
Mas é sempre de duas vidas humanas que se trata. As ponderações não podem ser triviais.
"Mas, mais uma vez, não importa o estatuto do embrião naquela altura porque a vida naquela altura não é grande coisa."
E se alguém achar que a vida do Ludwig não é grande coisa? Isso é licença para matar?
"Ninguém recorda com saudade as suas primeiras dez semanas de gestação."
E se alguém não recordar o Ludwig com saudade? Isso é licença para matar? Hitler não teria saudades dos judeus.
"O estatuto do embrião na caixa de Petri pode ser igual ao estatuto do embrião no útero da mãe. A dignidade do paciente a quem a medicina consegue dar uma vida de valor pode ser a mesma do paciente que a medicina não pode ajudar."
Essas ponderações são reais em situações limite. Mas não podem ser feitas numa base de desvalorização da vida humana.
"Ou não. Tanto faz. O estatuto é arbitrário e a dignidade demasiado vaga para que se possa decidir."
Não é vago e arbitrário para quem se basear na autoridade do Criador.
"Felizmente, esta questão é tão irrelevante como o sexo dos anjos. O que importa é avaliar as consequências e determinar se a escolha tem impacto numa vida humana."
Quem é que determina o que importa? Porque é que algo importa? Quem determina o que importa é Deus.
"Não no estado momentâneo mas naquele pedaço de existência subjectiva que todos reconhecemos ter valor."
Nem todos reconhecem. Alguns reconhecem, outros não. No entanto, todos devemos reconhecer a dignidade humana porque ela é categoricamente afirmada por Deus.
A dignidade humana é um valor objectivo. A sua violação terá consequências objectivas.
A Bíblia diz:
"Olhai, Deus não se deixa escarnecer. Tudo o que homem semear, isso também ceifará".
Jónatas,
ResponderEliminar«A dignidade humana é um valor objectivo»
O que é um valor objectivo? É um valor inerente ao objecto sem necessitar de um sujeito que o avalie? Como existe tal coisa?
"Não avaliamos a jantarada com os amigos discutindo se começou às 20:14 quando nos sentámos ou às 20:16 quando o empregado trouxe as ementas."
ResponderEliminarUma jantarada não é vida humana, nem coloca problemas éticos de maior.
Concordo com o Prespectiva. Que exemplo mas degradante e absurdo.
Se a vida a sua vida é apenas isso... não generalize!
Jónatas,
ResponderEliminar«Uma jantarada não é vida humana, nem coloca problemas éticos de maior»
O objectivo desse exemplo não era ilustrar algo com o mesmo tipo de problemas éticos mas mostrar algo que, tal como a vida humana, tem valor por ser um conjunto de experiências ocupando um período de tempo e cujo valor não depende significativamente do momento exacto que se estipula para o inicio e para o fim desse periodo.
“tal como a vida humana, tem valor por ser um conjunto de experiências ocupando um período de tempo e cujo valor não depende significativamente do momento exacto que se estipula para o inicio e para o fim desse periodo.”
ResponderEliminarAh Pois!
As jantaradas não são “planificadas e calendarizadas”?
Não são os “actores” escolhidos?
Até a temática, muitas vezes, não é escolhida?
È exactamente a memsa coisa ir a uma jantarada de 1 hora ou eu dure infindas horas?
È indiferente ser “tarde alta”, ou pela noite dentro?
As experiências da noite não são diferentes das do dia?
Um jantar que acaba abruptamente por um incidente, e exactamente igual aquele que termina naturalmente?
Uma vida é um jantar?
Quem cozinhou esse jantar?
Zeca Portugal
ResponderEliminar«Uma jantarada não é vida humana, nem coloca problemas éticos de maior.»
Claro que não, porventura pensa que alguém de bom senso faz tal comparação?
É fácil entender que se trata de um exemplo para introduzir algumas ideias e não comparar a vida humana com uma jantarada.
É óbvio que o perspectiva vem aqui tentar vender a doutrina da igreja da qual é bispo. Pode-se dizer, sem cometer qualquer erro, que vem aqui ganhar o direito ao seu almoço na medida em que não há almoços grátis. Portanto não precisa sequer de ler o texto basta copiar para os comentários um dos múltiplos textos que tem em stock na gaveta da sua sacristia.
Cansa suportar um perspectiva é intolerável ter que aturar também a imitação e ainda por cima com um sentido de humor deplorável.
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ResponderEliminarOh Sr. António:
ResponderEliminar"Claro que não, porventura pensa que alguém de bom senso faz tal comparação?
É fácil entender que se trata de um exemplo para introduzir algumas ideias e não comparar a vida humana com uma jantarada."
Relembro-lhe estas palavras de LK num post anterior (que me abstive de comentar, pelo absurdo, quase hilariante das observações sobre o Maths)
"o valor de um exemplo é fundamentar uma conjectura num facto, valor esse que desaparece quando se inventa o “exemplo”."
Zeca,
ResponderEliminarO Mats deu como exemplo uma mensagem de Jesus a chegar ao SETI e os cientistas a mandar prender uma pessoa que dizia que a mensagem talvez não fosse de origem inteligente.
Eu dei como exemplo um jantar com os amigos.
Acha os dois igualmente fictícios? (se calhar acha... pelo pouco que conheço de si não me admirava muito)
Zeca Portugal
ResponderEliminar"o valor de um exemplo é fundamentar uma conjectura num facto, valor esse que desaparece quando se inventa o “exemplo”."
Esta frase fora do seu contexto torna-se ambígua. Mas se colocar a frase no seu devido lugar compreende-se perfeitamente.
Daí a sua pretensão de tentar através de uma frase fora do seu contexto justificar de má uma ideia num contexto completamente não passar de uma artimanha que facilmente se desmascara.
O seu objectivo não é participar numa salutar troca de ideias é apenas tentar, por quaisquer meios, diminuir o trabalho sério do autor do texto. Para um assumido cristão revela imensa falta de humildade, muito dificilmente vai encontrar uma pequena brecha para entrar no reino dos céus. Está condenado devido à sua soberba a permanecer eternamente à porta do paraíso.
E voltámos à história dos camelos... :-)
ResponderEliminarLá no fundo creio que esse é o supremo mistério da vida. Perceber como um tipo há 2000 anos usou um exemplo com uns animais, para explicar a sua tese, e hoje, um ateu não pode fazer o mesmo sem aparecer algum mentecapto a insurgir-se contra isso.
Há algum segredo nisso, ou é mesmo e só estupidez pura?
Não se pode criar exemplos que comparem a vida a uma refeição?! Se um idiota compara os bens acumulados com o trabalho a um camelo, o precedente está aberto para toda a humanidade.
Caro Ludwig,
ResponderEliminar«O aborto de um embrião implantado no útero materno é diferente porque aí a escolha é entre uma vida humana, várias décadas de vida, ou a sua eliminação.»
É?
Concordo com os vários argumentos de forma geral. Acho que em relação à medida da dignidade humana, não se deve ignorá-la quando o próprio pode fazer uma apreciação de si mesmo - não é irrelevante que uma pessoa ache que a sua própria dignidade acabou. Talvez a sobremesa de alguns comensais seja tão má que a prefiram deixar a meio...
Quanto a apreciações prévias, aceito o argumento de que os estatutos são irrelevantes para a ética da questão, independentemente da escolha que se faz ser exactamente a que citei acima - exceptuam-se, presumo, casos extremos de deficiência incapacitante.
De facto, parece-me questionável essa escolha entre a morte e várias décadas de vida que ainda não passaram...
É verdade que não é pelo estatuto e pelo maior ou menor dignidade do mesmo, que um problema desta natureza deve ser analizado. Mas parece-me importante a definição do momento em que se considera haver vida. Caso contrário, uma vida em potência pode significar muita coisa, até uma fertilização não consomada devido ao uso de anticoncepcionais.
ResponderEliminarFrancisco Burnay,
ResponderEliminar«De facto, parece-me questionável essa escolha entre a morte e várias décadas de vida que ainda não passaram...»
Só é escolha precisamente porque ainda não passaram. Nota que os 36 anos que já vivi ninguém mos pode tirar. Esses não estão sujeitos a escolha. São os próximos trinta e tal que estimo viver que são susceptiveis de me serem eliminados se me derem um tiro. E é principalmente por isso que a sociedade me deve proteger dos tiros. Pelo meu futuro, que o meu passado já está garantido.
João,
«Mas parece-me importante a definição do momento em que se considera haver vida. Caso contrário, uma vida em potência pode significar muita coisa, até uma fertilização não consomada devido ao uso de anticoncepcionais.»
Eu considero a ética o problema das consequências de acções deliberadas. Por isso importa saber quanto de uma consequência se deve ao acto consciente que se responsabiliza por ela.
Muitas crianças morrem de fome em parte porque eu não fui lá dar-lhes comida. Podia levantar as poupanças no banco, meter-me num avião e salvar alguns miudos. Não o fiz, e morrem. Mas morrem principalmente por um conjunto grande de factores e a minha responsabilidade por isso é muito pequena.
O mesmo se passa com os filhos todos que não tive. São milhões e milhões, cada um deles não nasceu, em parte, porque eu não quis ter mais filhos mas também por um conjunto enorme de factores alheios à minha vontade, tais que desse número astronómico no máximo apenas uma fracção pequenissima poderia nascer, por muito que me esforçasse.
Muito diferente seria se eu fechasse um dos meus filhos num quarto até morrer à fome ou provocasse um aborto durante a gravidez.
Em suma (para ambos), as consequências de uma acção são sempre no futuro, e sempre sobre algo potencial. Os factos consumados não são afectados. Por isso temos que estimar o impacto esperado de uma acção. Pode ser que o tipo que me perguntou as horas na rua me fez atrasar uns segundos e eu vá morrer atropelado por causa disso, meia hora mais tarde. Ou o tipo que me parte um braço com um taco da baseball me salva a vida porque me impede de sair no dia em que ia morrer atropelado. Mas não tratamos todos os potenciais da mesma maneira, e é mais razoável responsabilizar o segundo pela fractura e isentar o primeiro de culpas.
Pode ser que o tipo que me perguntou as horas na rua me fez atrasar uns segundos e eu vá morrer atropelado por causa disso, meia hora mais tarde. Ou o tipo que me parte um braço com um taco da baseball me salva a vida porque me impede de sair no dia em que ia morrer atropelado.
ResponderEliminarUi ui cuidado que ainda derretes o teu próprio cérebro.
Gostaria de dizer que se tais casos fossem premeditados, e a certeza de tais consequências fossem superiores a x%, então sim estamos perante um crime.
Ora como é óbvio, ninguém que pergunta as horas sabe de antemão que está a causar a morte a terceiros. Isso é impossível de conhecer, e é graças a esta impossibilidade que ninguém vai preso por perguntar as horas a um "anunciado morto".
Barba,
ResponderEliminar«Gostaria de dizer que se tais casos fossem premeditados, e a certeza de tais consequências fossem superiores a x%, então sim estamos perante um crime.»
Exacto. Essa é a grande diferença entre contracepção e aborto. No caso do aborto sabemos com um grande grau de certeza que a eliminação daquela vida se deve ao acto deliberado de matar o embrião ou feto.
No caso da contracepção é difícil dizer se aquele acto de contracepção eliminou alguma vida e impossível identificar a víctima mesmo que assim fosse.
Mas podemos pensar numa situação fictícia em que alguém viaja para o passado e põe contraceptivos na àgua da minha mãe com o intuito de evitar que eu nasça e de eliminar a minha existência. Isso penso que já contaria como homicidio.
Felizmente esse crime é "proibido" por leis bem mais fortes que as nossas :)
Ludwig, gostaria de te perguntar: és a favor ou contra a pesquisa genética em embriões humanos?
ResponderEliminarCaro Ludwig,
ResponderEliminar«São os próximos trinta e tal que estimo viver que são susceptiveis de me serem eliminados se me derem um tiro. E é principalmente por isso que a sociedade me deve proteger dos tiros. Pelo meu futuro, que o meu passado já está garantido.»
Não é pela vida que falta viver que a sociedade nos deve proteger dos tiros alheios mas porque seríamos mortos contra a nossa vontade. É a nossa vontade de viver que a sociedade deve salvaguardar.
Quando escolho não morrer, não sei quantos anos vou viver, nem isso interessa muito. O simples facto de querer continuar a viver é suficiente. Parece-me que a auto-determinação é que conta, faça eu o que fizer.
A escolha que eventuais terceiros fazem é: vamos deixar esta pessoa tomar a sua própria decisão, e eventualmente auxiliá-la, ou não?
«No caso da contracepção é difícil dizer se aquele acto de contracepção eliminou alguma vida e impossível identificar a víctima mesmo que assim fosse.»
ResponderEliminarÉ quase certo que a decisão de uma mulher ir para freira vai impedir que crianças nasçam.
Não é certo, podia acontecer que não nascessem mesmo que a decisão não fosse essa. Mas é quase certo que essa decisão tenha essa implicação.
Mas eu não só não vejo aí homicídio, como nem sequer vejo nada remotamente errado em tal decisão.
Qualquer atitude que tivesse igual probabilidade de eliminar pessoas, mesmo que fosse impossível saber á priori quem, se não fosse criminosa seria no mínimo errada.
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«E é principalmente por isso que a sociedade me deve proteger dos tiros. Pelo meu futuro, que o meu passado já está garantido.»
Se fosse apenas essa a razão, um recém nascido seria cerca de 80 vezes mais valioso que um indivíduo de 80 anos. Ou 40 vezes mais valioso que um indivíduo de 40.
Obviamente isso é disparatado
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«No caso do aborto sabemos com um grande grau de certeza que a eliminação daquela vida se deve ao acto deliberado de matar o embrião ou feto.»
Daquela vida, dizes tu, por causa do ADN.
Antes da concepção, não existe ADN, e não sabemos que ADN a vida vai ter. Depois, sabemos.
Daí tu dizes agora é uma pessoa identificada. Antes é um anónimo. Mas o ADN não é a identidade. Os gémeos verdadeiros são pessoas diferentes. Um mesmo ADN pode originar pessoas muito diferentes, tal como um mesmo casal pode ter filhos muito diferentes.
Se não tiverem relações desprotegidas naquela noite, não vão ter o filho que poderiam ter. Mas quem seria esse? Sem AND não se sabe.
Pois, mas com ADN também não.
Se fosse apenas essa a razão, um recém nascido seria cerca de 80 vezes mais valioso que um indivíduo de 80 anos. Ou 40 vezes mais valioso que um indivíduo de 40.
ResponderEliminarObviamente isso é disparatado
Será? Não digo que estejas errado, apenas pergunto se é mesmo assim. Mesmo considerando que uma vida idosa é extraordinariamente valiosa, fico sempre mais sentido com a morte de uma criança ou bébé do que um idoso.
Ou pegando na analogia disparatada (mas útil) do xadrez, quando um computador analisa o valor das peças de xadrez e dá por exemplo 3 pontos ao cavalo e ao bispo, e 9 à raínha (de modo a saber o que deve trocar pelo quê), coloca o valor do rei em 9 000 000 ou números assim parecidos.
De igual modo, o valor de um bébé pode ser 9 000 000, e mesmo dividindo o valor de um idoso por 80, não vejo como poderia sacrificá-lo para salvar um cavalo, por exemplo...
Outro modo de ver a coisa é que mesmo sabendo que um idoso é um idoso e um bébé tem mais probabilidades de viver mais anos, o facto é que para cada caso não sabemos quanto mais vai viver cada um. E como não convém fazer cálculos estatísticos por cada pessoa que passa por nós, não deveremos simplesmente assumir que irão viver montes de tempo útil ainda, e por isso são preciosos?
Ou 40 vezes mais valioso que um indivíduo de 40.
Revê as tuas contas, verás que é só 2 vezes maior.
Antes da concepção, não existe ADN, e não sabemos que ADN a vida vai ter. Depois, sabemos.
E quando é que sabemos exactamente? Onde é que se define essa barreira? Eu ainda não sei que tipo de pessoa vai ser o meu filho Eduardo, e já vai com 2 anos. Significa isso que posso matá-lo?
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ResponderEliminarBarba Rija:
ResponderEliminarÉ verdade, enganei-me nessas contas. Mas certamente não me parece cerca de 20 vezes mais grave matar um indivíduo com 60 anos que um de 80.
Uma boa pista está naquilo que o Francisco Burnay disse: o problema não é quanto tempo de vida potencial um ser tem. O problema é ser alguém que quer viver e não lho deixam.
Isto não se aplica ao ovo nem à criança que nasceria se a irmã Alberta não tivesse ido para freira.
Em ambos os casos não sabemos quem vão ser, mas a questão relevante não é se a vítima é alguém em concreto ou uma pessoa ao acaso. Não me parece que uma coisa devesse ser muito menos grave que a outra.
Barba,
ResponderEliminar«Ludwig, gostaria de te perguntar: és a favor ou contra a pesquisa genética em embriões humanos?»
Se te referes a criar embriões em laboratório para investigação, não me oponho. Se te referes a fazer experiências com embriões implantados no útero, sou contra.
A questão principal é se esse acto é pior para o embrião que a alternativa de não fazer a experiência.
Francisco,
ResponderEliminar«Não é pela vida que falta viver que a sociedade nos deve proteger dos tiros alheios mas porque seríamos mortos contra a nossa vontade. É a nossa vontade de viver que a sociedade deve salvaguardar.»
Semi-discordo :)
Não é pela nossa vontade num dado momento. Se eu sofrer um problema psiquiátrico temporário que me torna, durante um ano, completamente indiferente a viver ou morrer, não é por isso que deixam de dever proteger a minha vida.
Mas concordo que a vontade de viver tem importância. Não a vontade no momento em que se decide matar alguém, mas a expectativa dessa pessoa vir a ter vontade, no futuro, de viver aquela vida que estamos a considerar tirar-lhe.
E isso tanto vale para mim (com ou sem problema psiquiatrico) como para o feto ou embrião.
João Vasco,
ResponderEliminar«Se fosse apenas essa a razão, um recém nascido seria cerca de 80 vezes mais valioso que um indivíduo de 80 anos. Ou 40 vezes mais valioso que um indivíduo de 40.
Obviamente isso é disparatado»
É disparatado porque estás a tentar quantificar a proporção entre o valor de uma vida e de outra, e a assumir que é linear em função do tempo e que cada ano tem o mesmo valor para todos, etc. Isso é disparatado.
Se fizesses isso com o ordenado também não fazia sentido, e esse é muito mais fácil de contabilizar.
Outra dificuldade prende-se com os nossos instintos. A morte de uma criança de 10 anos parece-nos especialmente trágica. Mais que a morte de um idoso, e normalmente mais que a morte de um adulto. Mas a morte de um recém-nascido parece menos trágica porque imaginamos que nos afeiçoamos menos a esse ser.
Mas essa não é a medida relevante. O que eu proponho é que imagines que te dão a escolher em que aniversário vais morrer, entre 1 e 100 anos de idade. Preferes o 1 ou o 100?
Basta assumir que estar vivo é bom para concluir que quanto mais se vive melhor, e que quanto mais cedo se morre mais se perde.
É claro que isto não é o único factor. Mas este prejuízo causado a quem é morto é um factor muito importante.
João e Francisco,
ResponderEliminar«Uma boa pista está naquilo que o Francisco Burnay disse: o problema não é quanto tempo de vida potencial um ser tem. O problema é ser alguém que quer viver e não lho deixam.»
Esse é um factor, concordo. Se assumimos que a pessoa tem o direito de escolher algo, ir contra essa escolha é uma violação desse direito.
Mas esse não é O factor. Não é um factor único que temos de considerar. E nem sequer é o mais importante. Basta veres quanto diminui o direito à vida de uma pessoa que esteja temporariamente privada da vontade de viver. Ou quanto difere o direito à vida de uma criança antes e depois de ter desenvolvido essa percepção consciente de que está viva e que tem vontade de viver.
Eu concordo que este é um factor mas nem é o mais significativo.
Eticamente, acho menos grave matar uma pessoa de 80 anos que uma pessoa de 5, estando de resto nas mesmas condições. Acho isto porque qualquer pessoa sensata preferirá morrer aos 80 que aos 5.
Legalmente não defendo que se faça estas contas assim. Mas isto porque a lei não é ética mas sim uma ferramenta tosca de manipulação comportamental que deve ser guiada pela ética mas da qual não se pode esperar grande subtileza ou refinamento.
Assuntos complicados, estes que se prendem com a vida humana. Não admira tão grande diversidade de opiniões.
ResponderEliminarAo contrário do que apontas no texto, penso que o único critério com alguma validade para fundamentar a tomada de decisões acerca da vida humana é precisamente o estatuto do ser em que existe vida humana. E isto em qualquer altura da existência de um novo ser. A dificuldade, portanto, reside em qualificar o ser que vive. Esta dificuldade, por exemplo, não existe nos embriões criados in vitro, porque se sabe seguramente que não adquiriram nem chegarão a adquirir a qualidade de seres humanos. Não se sabe se no futuro também eles não nos colocarão semelhante dificuldade.
Para determinar o estatuto do ser que vive, nada melhor do que os critérios usados para determinar quando ocorre a morte dos seres humanos, das pessoas. Podemos sempre esperar que os processos biológicos nos mostrem irrefutavelmente quando a vida humana acabou, mas do que se trata é de tomar decisões quando a irrefutabilidade não está demonstrada. Por exemplo, quando a vida humana ainda não se extinguiu, mas o ser que vive já não é pessoa.
O caso dos estados de vida vegetativa em que apenas existem algumas funções vitais, que fazem com que a própria vida humana não seja possível sem suporte, e em que o tronco cerebral deixou de ter actividade detectável e a sua morte biológica é aceite como plausível e, portanto, irreversível, é dos melhores exemplos para nos ajudar a qualificar o ser que vive e a tomar decisões quanto ao seu futuro.
Racionalmente, pouco interessa o passado ou o futuro dos seres. Na realidade as coisas são mais complicadas. Um ser vivo num estado de existência vegetativa tem passado como ser humano, como pessoa; um ser vivo no estado de embrião humano não tem passado como ser humano, como pessoa. Daí que as emoções nos compliquem o processo de tomada de decisões quando se trata de seres humanos que entraram num processo irreversível de vida vegetativa e não nos atormentem quando se trata de tomar decisões acerca de embriões humanos. Na história de vida enquanto pessoa é que reside o busílis. É por esse facto, aliás, que a morte, apesar de certa, continua sendo uma ocorrência tão dramática para os que deixam de contar com a presença dos que morreram.
É no estatuto do ser que vive que me parece poder residir a fundamentação racional da tomada de decisões acerca da sua existência. Não é fácil determinar esse estatuto, quer nos estados iniciais, quer nos estados terminais da vida; no primeiro caso, porque é seguro que a continuidade da vida faz os seres adquirirem novas qualidades; no segundo caso, porque resta sempre alguma esperança na ocorrência da reversibilidade dos processos. Se fosse fácil não haveria qualquer dramatismo nem tantas paixões envolvidas.
Se a morte do tronco cerebral faz perder aos seres vivos a sua qualidade de seres humanos, de pessoas, a antecedência do início da sua actividade nos embriões humanos, do mesmo modo, não lhes permite ter adquirido a qualidade de seres humanos, de pessoas. Parece-me poder-se afirmar com alguma segurança que o embrião de 10 semanas de gravidez (que em média terá umas 8 semanas de gestação) não tem ainda actividade do tronco cerebral; por isso, e só por isso, o estatuto de ser humano, de pessoa, não lhe pode ser outorgado. É por esta razão, e apenas por ela, que defendo que o aborto até às 10-12 semanas de gravidez não deve ser criminalizado; e foi em conformidade com ela que votei favoravelmente esta opção no referendo sobre o assunto.
No caso dos embriões humanos, não temos meios para conhecer com segurança, em cada caso concreto, em que altura precisa da gestação se inicia a actividade do tronco cerebral, e é por essa razão que os prazos para a interrupção voluntária da gravidez não são questão despicienda. Quanto mais curto o período de gestação maior será a nossa segurança de que o ser vivo cuja existência é interrompida não é ainda um ser humano, uma pessoa. Não é descabida, por isso, a necessidade de confirmação da veracidade das declarações sobre o tempo de gestação aquando duma interrupção voluntária da gravidez. Por tudo isto, acho que o aborto de fetos deve continuar criminalizado, salvo quando malformações genéticas confirmadas os impeçam de adquirir o estatuto de seres humanos ou quando o prosseguimento da gestação ponha seguramente em risco de vida a grávida.
O problema de aplicação da lei é outra questão, como o era no tempo em que a interrupção voluntária da gravidez era criminalizada independentemente do período de gestação e a lei não era aplicada. E o pagamento das interrupções voluntárias da gravidez pelo estado, equiparando-as a qualquer problema de saúde, esse, então, parece-me uma decisão surrealista e totalmente despropositada, funcionando como um convite à irresponsabilidade e ao recurso ao aborto repetido como método contraceptivo que ele não é.
Em relação ao aborto, não vejo que outras razões, para além do estatuto do ser e do risco do prosseguimento da gestação para a vida da grávida, possam ser admissíveis para acabar com a vida humana. Quaisquer outras razões, mesmo admitidas na lei, por exemplo, em caso de gravidezes originadas por violação e noutros casos de aborto eugénico, não me parecem admissíveis.
A razão que invocas no texto, a vida que terá pela frente a pessoa, apenas me parece relevante nos casos semelhantes ao que originou o post, o da rapariga italiana em coma profundo, não no caso do embrião em gestação. Aliás, um dos sofismas usados pelos defensores da descriminalização do aborto era precisamente a qualidade de vida que não teriam as crianças não desejadas. A qualidade de vida futura não se pode conhecer a priori. Não me parece, por isso, que seja argumento forte. A eliminação de pessoas cuja manutenção vivas nos pareça nada contribuir para a sua qualidade de vida ou, ao contrário, nos faça imaginar que terão qualidade de vida que poderão vir a não ter levanta sérios problemas éticos. Na ausência de possibilidade de manifestação de vontade das próprias, quem melhor do que os parentes chegados (o cônjuge ou os pais) para tomarem tais decisões?
Estes problemas não me parecem existir no caso de seres vivos em gestação que ainda não adquiriram o estatuto de pessoas (apesar do prazo em que eles adquirem esse estatuto seja bastante curto), nem no caso de seres vivos que já o perderam. A história que estes tiveram, ou a história que se imagina aqueles poderão vir a ter, parece-me irrelevante: uma deixou de existir; a outra ainda nem começou. Apenas o facto de não serem pessoas nos pode livrar de tamanhos problemas éticos. Mas isto dos valores éticos é complicadíssimo. Só quem passa por tais dilemas saberá verdadeiramente avaliar. Discuti-los é saudável, para aprendermos a lidar melhor com eles.
CL.
O assunto é muito simples.
ResponderEliminarA mulher tem um útero.
Ela decide o que lá se passa.
Quer abortar ao primeiro dia de concepção ou às 35 semanas (passe o exagero) problema dela.
Quem não gosta que tome um kompensan.
Acho que não vale a pena entrar em mais debate. O útero é da mulher. Se ela quiser instalar um laboratório no seu útero é livre de o fazer. Se ela gostar de fazer abortos em vez de ir ao cinema é livre de o fazer.
No corpo de uma mulher, ela é que manda.
"Ela decide o que lá se passa.
ResponderEliminarNa minha casa mando eu.
Se la estiver alguem que eu não quero, posso esfarrapá-lo todo e deito ao lixo.
Eu já vi gente imbecil... mas há sempre um limite!!!!
Caro Ludwig,
ResponderEliminarEu gostava de compreender a lógica que usas neste trecho:
«No caso de um embrião criado para investigação a escolha é entre criar um embrião humano que vive alguns dias ou não criar esse embrião humano. O valor daquela vida é nulo mas também é nulo o valor de não a criar. A escolha é indiferente para aquele organismo e é irrelevante o estatuto que lhe atribuirmos. O aborto de um embrião implantado no útero materno é diferente porque aí a escolha é entre uma vida humana, várias décadas de vida, ou a sua eliminação. Essa diferença é grande. Mas, mais uma vez, não importa o estatuto do embrião naquela altura porque a vida naquela altura não é grande coisa. Ninguém recorda com saudade as suas primeiras dez semanas de gestação.»
Se bem percebi, antes da escolha entre implantar ou não implantar o embrião, a vida dele tem valor nulo, ou pelo menos, indiferente.
Mas, se ele for implantado, então já passa a ter valor positivo, e a questão deixa de ser indiferente.
Dizes que de nada vale discutir a moralidade ou o estatuto ético do embrião não implantado, mas depois saltas para o lado de lá do abismo se ele já estiver implantado.
Mas ele implanta-se por milagre?
A ética da questão está nas decisões que se tomam, ou que não se tomam.
Um embrião, se não for implantado, morrerá certamente ou permanecerá congelado até ficar arruinado. Por isso, a decisão de implantar, bem como a decisão de não implantar, tem valor ético.
O embrião não pediu para estar no estado de incerteza em que o colocas, quando não está implantado. Algum tonto é que o fertilizou "in vitro". E agora?
Estes teus argumentos, Ludwig, que aparentam ter uma higiene racional impecável, parecem-me sofismas.
A verdade, a meu ver, é que é imoral colocar embriões nessa situação de não implantação: que direito temos para cometer tal barbaridade? E, se os colocamos nessa situação, que outra obrigação teremos nós senão implantá-los?
Ora bolas, a vida não surge por magia. Se os embriões não saírem do sistema reprodutor feminino, onde realmente são gerados, e onde crescem, a coisa até corre bem.
Ao ler as tuas palavras, fico com a impressão que a decisão de os implantar é que, de repente, como que por magia, dá valor àquele embrião.
Por muitas voltas que dê, olhando o embrião de vários prismas, parece-me ser RIGOROSAMENTE o mesmo embrião, quer fora do útero, quer implantado nele.
Mas isso deve ser vício meu, de cristão condenado ao realismo...
Um abraço,
Bernardo