segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Adeus ao Aborto.

Foi um bom tema. Pejado de tretas, e que deu origem a muitas discussões interessantes. Tenciono voltar aqui às questões da ética, do que é ser pessoa, do valor da vida, e dessas tretas conforme me dê na gana. Mas parece que com o referendo tão perto o aborto perde interesse. Pelo menos para todos os que já passaram as 10 semanas e que, ganhe quem ganhar, já se safaram.

Durante a animada cavaqueira fui acusado de incoerência e hipocrisia, mas, citando Calimero, foi uma injustiça. Não é hipocrisia dar o mesmo valor ao feto e ao recém nascido. Nem um nem outro tem o discernimento ou riqueza subjectiva que torna a existência intrinsecamente valiosa. Não valem pelo que são, mas pelo que vão ser.

Nem é incoerente que a pena pelo aborto seja diferente de outras. Crimes diferentes, em condições diferentes, têm penas diferentes. É assim a lei, e acho bem que seja, mesmo quando a vítima vale a mesma coisa. Se a mãe mata o recém nascido é infanticídio, um a cinco anos de prisão. Se um estranho mata o mesmo bebé, é homicídio, oito a dezasseis anos de cadeia. Se o pai da criança o mata, é homicídio qualificado, doze a vinte e cinco anos de prisão. Não é incoerente defender que nesta tragédia toda a criança vale exactamente o mesmo. E se o matam às 10 semanas, de zero a três anos de prisão. Discutível, certamente. Incoerente, nem por isso.

E é preferível tratar como pessoa algo que não é do que ao contrário, tratar como não o sendo alguém que é pessoa. A errar, erremos por incluir mais seres nesta categoria. Se isso implica não comer bifes de vaca ou costeletas, ou se exige condenar por homicídio quem matar baleias ou gorilas, então que seja. A mim não precisam convencer.

Acima de tudo, isto é um problema complexo que não pode ser decidido de uma vez, por sim ou não, a contar as mãos no ar. Não me chocava experimentar-se a despenalização, como acto administrativo ou por um decreto lei. Penso que é uma solução pior que o problema, mas posso estar enganado, e só na prática é que se poderia saber ao certo. Mas tinha que ser de uma forma reversível, para que pudéssemos voltar atrás e tentar outra coisa no caso (provável) de ser asneira.

O que vamos fazer no dia 11 é um disparate. Quando a voz do povo proclama o aborto como um direito é quase impossível voltar atrás, mesmo que a asneira se torne evidente mais tarde. Há quem critique o não por deixar tudo na mesma. Mas é uma opção melhor que um salto de fé no sim.

12 comentários:

  1. Concordo que é um disparate. A Lei deveria ser alterada na Assembleia da República, e posteriormente referendada. Com isto penso que se podia ter evitado a quantidade de disparates que se disse de um lado e de outro.

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  2. Queixem-se ao Guterres e ao Marcelo. Foram eles que inventaram o referendo para esta questão.

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  3. Mas é que o NÃO não deixou tudo na mesma da outra vez.

    As pessoas sérias juntaram-se e criaram um sem número de instituições para apoiar as grávidas. Mais de cem mil foram apoiadas e acabaram não efectuando nenhum aborto.

    Que fez o Estado nesse tempo todo? Bloqueou outras propostas que levassem à verdadeira despenalização.
    Não regulamentou a Lei existente de forma a torná-la ágil e eficaz.
    fez espectáculo com todos os processos que foram a julgamento, ou alguém duvida da razão das manifs pelas "desgraçadinhas"?
    Da Esquerda eleita fizeram o possível e o impossível para que tudo ficasse na mesma a fim de poderem reavivar este assunto para satisfazerem os seus eleitores mais radicais.
    Da Direita eleita lavaram as mãos esperando que nada acontecesse para não perturbar os seus eleitores mais radicais.

    Ontem, no Prós & Contras, viu-se bem quem era mal educado, quem não tinha argumentos, quem fazia pateada, que tinha cara sisuda, onde estava o desconforto.

    E, caro Kota, a Lei já foi alterada na Assembleia da República e até já foi aprovada na generalidade, só faltando a discussão na especialidade.
    Isto é tudo uma palhaçada para iludir parolos e distrair as hostes e que nos vai custar uns bons milhões de euros.

    E para acabar deixo um Elucidário jurídico sobre a questão da despenalização do aborto, que são só sete páginas por isso não deve ser extremamente maçador de lêr.

    Até mais.

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  4. Ludwig Krippahl:


    “Não é hipocrisia dar o mesmo valor ao feto e ao recém nascido.”

    Não é, mas deixar de fora o embrião, retirado do útero materno para experiência médica ou obtido por fertilização in vitro, parece-me hipocrisia.

    O problema é muito complicado a forma como conduziu o tema, nos seus posts iniciais foi interessante nos dois últimos claramente descambou para a mera propaganda, isto é para a treta.

    Com isto, juntou a hipocrisia à treta:

    “Se uma mulher abortasse um filho meu, eu denunciava. Se quisesse abortar um filho meu, eu dizia-lhe que a denunciava.”

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  5. «Não é, mas deixar de fora o embrião, retirado do útero materno para experiência médica ou obtido por fertilização in vitro, parece-me hipocrisia.»

    Caro anónimo,

    Retirar o embrião do útero materno, quando a alternativa seria deixá-lo lá a desenvolver-se como um de nós, seria de facto eticamente condenável.

    Mas os embriões usados em investigação não são retirados do útero materno. São gerados pela fusão de gametas fora do útero materno. E a alternativa não é deixá-los desenvolver, é nem sequer os criar, o que em nada os beneficiaria.

    Não é hipocrisia considerar que não fazemos favor nenhum ao embrião condenado a morrer na placa de petri se recusarmos sequer a permitir que ele exista. Seja como for, nem sofre nem nota nada do que se passa, em qualquer das alternativas.

    Mas sou completamente contra retirar o embrião implantado no útero da mãe para fazer experiências.

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  6. Ludwig Krippahl:


    “Não é hipocrisia considerar que não fazemos favor nenhum ao embrião condenado a morrer na placa de petri se recusarmos sequer a permitir que ele exista. Seja como for, nem sofre nem nota nada do que se passa, em qualquer das alternativas.”


    Sabe melhor do que eu que os embriões, criados laboratorialmente, para posterior implantação no útero, têm levantado questões éticas e, seguramente, os adeptos do NÃO, excluindo o César das Neves, um dos poucos verdadeiramente coerente, não abordam este assunto racionalmente.

    Acho que fica aqui bem uma citação de Fernando Savater:

    "Não basta ser racional, quer dizer, aplicar argumentos racionais a coisas ou factos, mas é não menos imprescindível ser razoável, ou seja, acolher nos nossos raciocínios o peso argumental de outras subjectividades que também se exprimem racionalmente."

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  7. «Sabe melhor do que eu que os embriões, criados laboratorialmente, para posterior implantação no útero, têm levantado questões éticas»

    Caro António,

    Não sei se saberei melhor que você, mas sei que tem levantado questões. E a resposta parece-me óbvia.

    No embrião em laboratório temos que decidir entre nunca criar um ser ou criar um ser que não vai sentir nada e desaparecer em 15 dias. Para esse ser é completamente indiferente o que escolhemos.

    No aborto temos que decidir entre matar um ser vivo ou deixá-lo viver 70 anos de vida como a nossa. Aí a diferença é considerável.

    Por isso sou contra que se matem fetos mas não me oponho a que se criem embriões que morrem em poucos dias quando a unica alternativas era nem sequer cria-los.

    Isto é consistente porque estou consistentemente a considerar o ponto de vista do ser em causa, e o impacto que a decisão tem para ele.

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  8. Ludwig Krippahl:


    “No embrião em laboratório temos que decidir entre nunca criar um ser que não vai sentir nada e desaparecer em 15 dias. Para esse ser é completamente indiferente o que escolhemos.”

    Não me parece que a sua opinião esteja certa. Não tenho formação específica sobre esta matéria, mas recorrendo ao livro: Ética Prática de Peter Singer – colecção Filosofia Aberta da Gradiva – página 176 (Estatuto do embrião no laboratório), pode ler-se:

    Chegou o momento de nos determos sobre o debate a propósito das experiências efectuadas com embriões humanos, mantidos vivos num fluido especial, no exterior do corpo humano. Trata-se de um debate relativamente novo porque a possibilidade de manter um embrião vivo no exterior do corpo é nova; mas, em muitos aspectos, a sua base é a mesma que a do debate sobre o aborto. Embora um dos argumentos centrais em prol do aborto – a tese de a mulher ter direito de controlar o seu própio corpo – não se aplique directamente neste novo contexto, o argumento contra as experiências efectuadas em embriões assenta numa das duas afirmações que já examinámos: a de que o embrião tem direito a protecção por se tratar de um ser humano ou a de que isso acontece porque o embrião é um ser humano em potência.

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  9. António,

    Em geral, gosto das coisas do Peter Singer. Mas nisto ele simplifica demais. A questão não é o que o embrião merece, mas o que podemos fazer por ele. Um paciente em estado de coma irreversível também merece ser salvo. Mas se não há nada que possamos fazer por ele a não ser mantê-lo ligado à máquina, é eticamente aceitável que (com autorização dos familiares) se possa desligar a máquina para retirar orgãos, testar uma terapia nova, ou qualquer coisa dessas que possa beneficiar outros.

    Um embrião congelado é como um paciente em coma com uma doença incurável.

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  10. Ludwig Krippahl:
    “Em geral, gosto das coisas do Peter Singer. Mas nisto ele simplifica demais.”
    Peter Singer, não simplifica, ele vai demonstrar de seguida que a formação da vida é um processo contínuo, ao contrário do que defendem os activistas pró-vida e o Ludwig Krippahl caso assumisse a sua opção até às ultimas consequências.

    Em suma ao contrário do seu categórico não no referendo eu vou votar SIM convencido que estou a escolher a menos má das opções.

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  11. Votando NÃo ou SIM é um bocado indiferente.

    Estive a lêr a proposta de Lei do PS -- já a devia ter lido há muito mais tempo e evitava ter andado a perder tempo a discutir as 10 semanas e se o embrião é um puto ou não -- e cheguei a algumas conclusões talvez acertadas.

    Se vos apetecer lêr está em A Lei que está prevista.

    O Aborto (quase) Livre já lá está e de certeza que vai ficar MESMO que o NÃO ganhe.

    Se eu estiver enganado, por favor, me avisa, tá!

    Um abraço

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