segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Coisas e Categorias.

O problema dos universais é uma discussão metafísica antiga. Se eu tenho uma rosa na mão e digo «esta rosa» é fácil perceber o que «rosa» quer dizer nesta frase. Refere o objecto concreto que eu tenho na mão. Mas se falo numa grande vitória, na incompetência do governo, ou na raça humana, os termos «vitória», «incompetência», e «raça humana» não referem entidades concretas. São universais, e têm dado trabalho aos filósofos desde a Grécia antiga. As opiniões vão do realismo de Platão, que defendia existirem realmente coisas como a vitória e a incompetência – as Formas – até ao nominalismo de Roscelin, que chamava e estas palavras «flatulência vocal». Mas deixemos os filósofos entretidos. Na prática ninguém confunde as rosas com a incompetência do governo.

O problema surge quando a mesma palavra pode ser universal ou particular. A palavra «rosa» é diferente em «esta rosa na minha mão» e «a rosa é uma flor com espinhos». No primeiro caso refere uma coisa que existe, no segundo caso designa uma categoria. É uma abreviatura para um conjunto de critérios que separa coisas em dois grupos: rosas, e o resto. Esta diferença é importante porque enquanto que a rosa-coisa é um objecto real, a rosa-categoria é uma ficção, inventada por quem decidiu classificar certas coisas como «rosa».

E esta confusão tem efeitos sérios. Por exemplo, as pessoas são seres concretos com os quais interagimos todos os dias. Isto dá uma solidez ilusória ao termo «pessoa» quando dizemos que um chimpanzé não é pessoa. Aqui «pessoa» já não refere uma realidade objectiva, refere um critério que inventámos para classificar coisas. Pode ser injusto que o chimpanzé se lixe por causa disso.

Os programas de computador são outro exemplo. O padrão na superfície óptica de um CD é concreto e real. A magnetização do disco rígido ou a distribuição de carga na memória RAM, tudo isso é real. Mas quando decidimos agrupar estas entidades numa categoria e chamar-lhe «Microsoft Windows» já estamos a referir um conceito abstracto e arbitrário. Os critérios que classificam umas coisas como «Microsoft Windows» são uma ficção, não são coisas concretas e reais.

O mesmo para os filmes, textos, imagens, e músicas. A propriedade intelectual é uma confusão entre coisas e categorias. Faz sentido ser dono de uma rosa, mas não do que é ser rosa.

5 comentários:

  1. Andas a confundir abstracto com arbitrário. Um livro, uma sinfonia, uma teoria cientifica ou um programa informático podem ser abstracções mas estão longe de serem arbitrários. Todos sabem que livro é que livro, que programa é que programa, que teoria é que teoria. Se são abstracções o são com qualidades definidas que permitem a sua identificação inequívoca e que por isso podem sempre permitir a definição de propriedade, neste caso propriedade intelectual. Abtracção não é sinonimo de arbitrário e já agora tão pouco de ficção e neste sentido até são reais já que podem pontapear e serem pontapeadas, neste caso no campo intelectual, mas que corresponde a algo fisico já que aqui intelectual é mente, com uma correpondência em neurónios e impulsos electrico-nervosos. O deus cristão é uma ficção mas a sua ideia não.

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  2. Um livro não é arbitrário. Mas a categoria "livro" é arbitrária.

    Por exemplo, se eu escrevo umas coisas em placas de mármore, faço uns furos junto a uma das margens e as ato todas juntas tenho um livro de mármore ou não é um livro porque não se pode fazer livros de pedra? Se a categoria «livro» inclui ou não coisas feitas de mármore é puramente arbitrário.

    Posso fazer um livro de uma página? E se for só a capa, é um livro sem páginas ou uma capa não é um livro? Etc...

    «Se são abstracções o são com qualidades definidas»

    Certo. Mas as qualidades são definidas por nós, como decidirmos definir. Pelo nosso arbítrio. Ou seja, arbitrariamente.

    E uma ficção, segundo o diccionário, é uma «criação da imaginação». É precisamente isso que é a nossa definição de "livro".

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  3. O teu texto me pareceu inicialmente subjectivista, com a tua resposta ao meu comentário me parece simplesmente confuso.

    Para ti o Ulisses de Joyce independentemente do seu formato (em papel, cd, oral, etc) é uma rosa ou é ser-rosa? Se respondes que é uma rosa, como eu, admites que a lei da propiedade intelectual (referente a coisas intelectuais) não confunde coisa e categoria. (Nem ponho a hipótese de responderes outra coisa, mas até seria curioso que isso acotecesse e conhecer a justificação.)

    De qualquer forma, se tal como parece o meu comentário não se justifica, já que estaríamos de acordo, então não entendo a conta de quê falas da lei de propriedade intelectual, dizendo que esta confunde categoria e coisa. E porquê falas de lei de propiedad intelectual a propósito de livros, se dizes na tua resposta haver estado referindo-te à categoria-livro, sobre a qual não se aplica a lei de propiedad intelectual, que apenas se aplica aos livros-coisas-intelectuais independentemente do seu formato físico.

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  4. Um livro com o Ulysses é uma coisa. Se dois livros são ambos o Ulysses é algo que temos que decidir acerca dessas coisas. Categorizar ambos os livros da mesma forma é uma decisão arbitrária. É como os códigos das bilbiotecas, por exemplo.

    A relação de pertença a um conjunto não é uma coisa. É função da forma como definimos o conjunto e nisso somos completamente livres.

    Por exemplo, vamos supor que uma sequência de numeros com os códigos ASCII do Ulysses é o Ulysses, noutro formato. Vamos supor que outra sequência de números que possa ser transformada nesta por um conjunto de operações algébricas, por exemplo o ficheiro .zip desta sequência, é também o Ulysses noutro formato.

    Agora temos um problema: para quaisquer duas sequências de números há sempre operações algébricas que transformam uma na outra. As alturas dos picos dos Pirinéus, os numeros que calçam os membros da tua família, qualquer coisa, tudo isso é o Ulysses noutro formato de acordo com este critério.

    Claramente que ser independente do formato traz problemas. Mais importante aínda, se é o não dependente do formato é uma decisão que podemos tomar. É tão legítimo dizer que sim como dizer que não.

    Em suma, a categoria de todas as coisas que tu consideras como sendo o Ulysses não é, em si, uma coisa. É apenas um conjunto de critérios que tu escolheste, como poderias ter escolhido quaisquer outros.

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  5. Ludwig, desisto.
    Tu te entendes? Pois já está, isso é que é importante.

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