Receitas? Notícias?!
É nítido que o site da Pro-Music é organizado pela indústria do entretenimento. Cada vez que lá vou farto-me de rir. A página sobre o «copywright» (aqui) parece uma sátira. Um pouco abaixo da gralha no título, vem:
«No nosso quotidiano, desde o jornal que compramos de manhã até à nova receita para um novo prato. Quase tudo foi criado por alguém. O facto das pessoas poderem ser donas da expressão das suas ideias significa que podem potencialmente viver a partir da sua imaginação.»
Os exemplos são tão bons como a pontuação. As receitas são processos e listas de ingredientes, e não são protegidas por direitos de autor enquanto tal. E segundo o Artigo 7º do código do direito de autor:
« 1 – Não constituem objecto de protecção:
a) As notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgadas;»
É certo que eles limitaram-se a traduzir os disparates da Pro-Music internacional, mas podiam ao menos ter dado uma olhada na lei Portuguesa. Se o fizessem, talvez evitassem outra calinada:
«O direito de autor protege a expressão duma ideia; permite às pessoas ‘criar’.»
Se isto fosse verdade haveria muita coisa que não nos era permitido ‘criar’ (não se percebe o porquê das aspas) por não ser coberto pelo código de direitos de autor:
«As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código.»
Para finalizar, a treta do costume acerca da partilha de ficheiros:
«Se este tipo de cópia e distribuição persistir sem respeito pelas pessoas cujas ideias, talento e habilidade levam à criação musical, elas poderão simplesmente ficar impossibilitadas de continuar a criar – nesse caso todos ficaremos a perder.»
Não... nem todos. Há uns dias um aluno enviou-me a referência a um artigo no Diário Económico, que aproveito já para agradecer. Neste artigo, Ricardo Reis (1) faz as contas ao que os músicos ganham. Para os mais bem sucedidos as vendas de CDs somam menos de 15% dos seus ganhos totais. Os menos bem sucedidos ficam em dívida para com a discográfica, que cobra a gravação e a edição além de ficar com os direitos sobre a obra. Em ambos os casos os rendimentos dos músicos vêm principalmente dos concertos.
E há uma correlação interessante entre a partilha de ficheiros e o preço dos bilhetes. Os bilhetes dos concertos pop aumentaram 10% nos últimos anos. Os bilhetes para concertos de jazz, música menos pirateada, aumentaram 2%. É difícil dizer se é a popularidade que aumenta a partilha ou se é o contrário, mas o facto é que, mesmo para os artistas com mais vendas, 10% de aumento nos concertos paga uma quebra de 50% nas vendas dos CDs. Para o artista, e para o consumidor, a partilha compensa.
Quem fica a perder são os senhores da Pro-Music, que gerem o «copywright» e ficam com 90% do preço de cada CD.
1- Ricardo Reis, Fevereiro de 2007, O dinheiro dos músicos.
Adorei a pontuação
ResponderEliminarBem, a ideia de comparar pintura com fotografia logo no segundo parágrafo é de bradar aos céus.
ResponderEliminarLudwig
ResponderEliminar"Para o artista, e para o consumidor, a partilha compensa."
E falso, não podes inferir isto, pois como tu bem afirmas:
"É difícil dizer se é a popularidade que aumenta a partilha ou se é o contrário,"
Mário,
ResponderEliminarA partilha tem dois grandes benefícios para o artista em relação ao contracto com a discográfica. Não endivida o artista, que normalmente fica a dever os custos de gravação e edição do CD, e o artista não tem que dar a outrem o direito exclusivo sobre a sua obra.
Neste momento ainda é difícil vingar sem as discográficas, pelo controlo que estas têm sobre a publicidade, a rádio, etc. Mas conforme as editoras dominantes perdem poder vai sendo cada vez mais fácil aos artistas viverem da sua arte sem ter que dar a outros poder sobre ela. Isso é uma grande vantagem.
É que muita gente se esquece que no modelo corrente os direitos não são dos autores, mas principalmente dos distribuidores.
O argumento em relação aos músicos parece ficar muito forte. Eu pensava que era uma questão de estes (e as discográficas) não poderem lutar contra a partilha na internet. Mas afinal não, a partilha da internet funciona a favor dos músicos.
ResponderEliminarMas por exemplo nos jogos de computador, como é que o produtor lucra da partilha de ficheiros? E se não lucrar, deve-se proíbir a partilha?
Ainda não pensei muito no assunto, mas e outras plataformas, como jornais online, artigos cientificos, etc.
Já escrevi várias vezes sobre o impacto positivo da partilha dos ficheiros; aqui ficam os links:
ResponderEliminarOs músicos vivem dos concertos e não da música
Artistas independentes beneficiam com partilha de músicas
Ludwing,
ResponderEliminarNão respondeste claramente à minha
pergunta, enunciaste unicamente pontos a favor do artista...
Permanece a tua contradição, pois
não estás na posse do saldo global, estás a especular.
Pois: "É difícil dizer se é a popularidade que aumenta a partilha ou se é o contrário,"
Mário,
ResponderEliminarSeja qual for a relação causal, se a popularidade aumenta a partilha ou vice-versa, o primeiro ponto é que a partilha não prejudica o artista, e processar os fans provavelmente reduz a popularidade. Portanto acção legal contra o p2p prejudica mais os artistas do que deixar partilhar, razão pela qual muitos artista se opõem a estas.
E o balanço é precisamente o problema. O mesmo sistema legal que se opõe à partilha retira ao artista a possibilidade de exprimir a sua arte como quiser, pois o editor tem o controlo exclusivo sobre muitos aspectos da arte. E isso é um preço enorme que se obriga o artista a pagar.
Ludwig,
ResponderEliminarPrimeiro uma nota:
Eu não defendo as editoras, estou do lado dos artistas.
Mas no entanto a tua afirmação não tem fundamento "(...) o primeiro ponto é que a partilha não prejudica o artista (...)"
Como sabes se não houvesse partilha (na realidade actual) a coisa seria assim?
Só experimentando, certo?
Extrapolas, especulando, sendo que neste caso a coisa não é evidente.
Mário,
ResponderEliminarPenso que o problema aqui é que não estamos a considerar as alternativas.
Se não houver partilha porque toda a gente decide comprar o CD do Toy em vez de sacar as músicas, o Toy beneficia com a falta de partilha. Comparado com este cenário, o Toy fica pior se houver partilha.
Mas este cenário é pouco realista. Um cenário mais realista é que alguém processa os fans do Toy que partilhem músicas do Toy. A minha especulação é que processar os fans do Toy prejudica mais o Toy do que permitir que os fans divulguem a música do Toy.
É claro que temos que considerar os custos e benefícios para a sociedade em geral, e em casos como o Toy metê-lo a ele e aos fans na cadeia pode ser boa ideia ;)
Mas em geral todos, incluindo os artistas, beneficiariam de uma legislação mais permissiva.
Quando digo que a partilha não prejudica o artista quero dizer que os cenários realistas em que não há partilha são menos favoráveis ao artista que os cenários realistas em que há partilha. Mas aceito que haja cenários menos verossímeis em que o artista seja beneficiado pela ausência de partilha.
Ludwig,
ResponderEliminarFaltou-te um cenário.
O impedimento da partilha, por meios técnicos, por exemplo acabar com os P2P, mandar abaixo servidores etc...
A coisa assim é diferente, certo?
Neste caso não é evidente que: "Para o artista, e para o consumidor, a partilha compensa."
P.S. - ao impedir a partilha eu assumo a não penalização dos eventuais "prevaricadores", ou então uma penalização para os caso que haja comercio por parte de quem faz a partilha, (pirata que vende).
ResponderEliminarMiguel,
ResponderEliminarVenda não é partilha, e o cenário em que a partilha é restrita por meios técnicos não é apenas inverossímel, é imposivel sem terminar com a internet.
Qualquer protocolo serve para enviar qualquer ficheiro com qualquer codificação, por isso não podes filtrar de forma a permitir certos bits e bloquear outros.
Regular a venda de CDs pirata é legítimo. É mais uma forma de regular a actividade comercial, não vejo problemas nisso.
Ludwin,
ResponderEliminarO que se passou com o Nepster?
Bom mas a qustão não é essa, mas sim.
"Para o artista, e para o consumidor, a partilha compensa."
E falso, não podes inferir isto, pois como tu bem afirmas:
"É difícil dizer se é a popularidade que aumenta a partilha ou se é o contrário,"
Isto continua igual, certo?
Estas unicamente a especular
Ludwig,
ResponderEliminarGostava muito de uma resposta.
Obrigado
Miguel,
ResponderEliminarSó te posso dar a resposta que já dei. Há dois cenários possíveis: permitir a partilha ou mover acções legais punitivas contra quem partilha.
Para um artista é preferível que os seus fãs troquem músicas do que sejam presos.
Além disso, o esquema presente de copyright dá aos músicos *menos* direitos sobre o seu trabalho que outros que criam sem a "protecção" de copyright. Por exemplo, todas as aulas que eu dou, slides que preparo, e experiências que faço são minhas e posso fazer delas o que quiser. Não posso proibir outros de as usar, mas também ninguém me pode proibir a mim de o fazer.
Um musico com contrato discográfico precisa da autorização da editora para a maior parte das coisas que queira fazer com a sua música.
Não só punir quem partilha, mas o copyright em si tambem prejudica os artistas (em beneficio do distribuidor).
Ludwig,
ResponderEliminarEstou de acordo no geral, mas no entanto, (sou um chato do catano), não resolveste aquele outro problema conceptual; popularidade/partilha. Era este ponto especifico que em interessava, sobre o qual gostava de ver se tu tinhas resposta, embora eu ache que não há resposta sem termos uma ferramenta de análise metódica e pratica.
No resto, estou de acordo, nem coloquei em causa.
O anónimo, pela forma de escrever, identifica-se...
ResponderEliminarMiguel,
ResponderEliminarPeço desculpa por ter percebido mal. Se entendi agora, queres saber se a partilha aumenta ou não a popularidade.
Eu diria que sim, mas é especulativo, e por isso coloquei a ressalva no texto: não sabemos qual causa qual. Mas parece-me razoável que quanto mais fácil for o acesso à musica de um artista mais fácil é que ele se torne popular.
O teste é difícil de fazer porque a grande maioria dos artistas é controlada por editoras (os independentes são um número crescente mas minoritário) e todas as musicas se partilham. Não conseguimos ver o que é melhor para divulgar, se a máquina publicitária das discográficas ou o livre acesso ao produto.
Mas penso que no global é um problema menor, e faz mais sentido que o artista mais popular seja aquele que mais gente procura que aquele com a campanha publicitária mais dispendiosa...