Produtores, consumidores e colaboradores.
No dia 6 de Outubro vou falar na conferência “Cultura Pirata na Sociedade da Informação”(1), onde tenciono abordar a terminologia que é usada para deturpar os problemas. Entretanto, vou escrevendo aqui um esboço dos argumentos, começando, neste, pela alegada relação de produtores e consumidores no contexto da criatividade, arte e cultura.
A distinção principal entre um produtor e um consumidor é que o primeiro gera valor com o seu esforço, que depois o segundo degrada para proveito próprio. O agricultor e o fabricante são produtores. As batatas, couves, guarda-chuvas e automóveis que produzem têm valor para quem os vai consumir. Por sua vez, os consumidores reduzem o valor destes bens pelo seu uso. A batata vale menos depois de comida.
Com os chamados bens culturais acontece algo diferente. Quem escreve, encena ou actua numa peça de teatro está a gerar valor com o seu esforço, mas quem assiste na plateia não degrada esse valor cultural gerado por quem produziu a peça. Pelo contrário. Uma actuação perante uma sala vazia tem menos valor, até para quem actua, do que perante uma audiência interessada. Coisas como histórias, músicas, poemas, ciência, filosofia, matemática, receitas culinárias e até regras de jogos têm mais valor quanto mais pessoas usufruírem dessas ideias. Escrever, compor e encenar criam valor, mas ler, ouvir e assistir também contribuem para o valor final da obra. Quem aprecia a cultura, a divulga e partilha, não é um consumidor mas sim um colaborador na produção desse valor cultural.
Isto deve-se, principalmente, a três factores. Primeiro, os bens culturais não se gastam com o uso. O livro vai-se estragando mas o texto pode ser preservado copiando-o para outro suporte. Em segundo lugar, o objectivo principal do criador é, em geral, comunicar. Há casos em que quererá manter privado, ou secreto, aquilo que criou, e esse direito deve ser garantido. Mas se decide publicar a sua obra é porque quer que outros a conheçam e, nesses casos, a partilha é em um valor acrescido não só para o público mas para o autor também. E, finalmente, porque o maior valor das melhores obras não é imediato. Surge a longo prazo, conforme serve de substrato para criações futuras. As obras de Shakespeare tiveram um grande valor no seu tempo. No entanto, tiveram ainda mais nos séculos que se seguiram, e até hoje. Apesar de já poucos apreciarem os originais, a sua obra continua a ter um enorme impacto na poesia, na literatura e até no cinema. E se considerarmos que cultura não é apenas arte, mas também ética, filosofia, política e ciência, é óbvio que o valor de uma ideia, a longo prazo, está principalmente naquilo que inspira.
A quem defende os monopólios sobre a cópia interessa pintar a cultura como algo que uns produzem e que outros consomem, acusando a partilha gratuita de consumismo e de destruir valor cultural sem compensar o “consumo”. No entanto, quando consideramos a cultura, em vez do mero negócio de vender cópias, isto nem sequer é verdade para cada obra individualmente. Nenhuma obra se degrada pela partilha, e a obra ganha pela divulgação. Além disso, a cultura é muito mais do que a soma das obras originais. É todo o contexto no qual são apreciadas, todas as experiências e ideias que inspiram e todas as transformações que alimentam a criatividade das gerações seguintes. Os suportes materiais, como livros e discos – cada vez menos necessários para distribuir bens culturais – são produzidos por uns e consumidos por outros. Mas o valor das obras, e da cultura, vem da colaboração de todos, desde o compositor ao admirador que faz um remix, empresta o CD a um amigo, ou põe o teledisco no YouTube. Mesmo que isto reduza o lucro dos distribuidores, aumenta o valor cultural da obra, que fica assim mais acessível e mais integrada no meio cultural em que é apreciada.
Os consumidores de cultura, naquela acepção negativa de quem destrói valor em proveito próprio, são os detentores dos monopólios sobre a cópia. Estes é que ganham dinheiro reduzindo o valor cultural das obras por restringirem a transformação, a partilha e o acesso.
1- Cultura Pirata 2011
E se considerarmos que cultura não é apenas arte, mas também ética, filosofia, política e ciência.....
ResponderEliminarculturfa sã todos os mores humanos
falta todo o resto desto da culinária à técnica...
e num esquecer da mais importante de toda a produção cultural: os MITOS
e oviamente toda a religião
logo tou completamente d'acordo
cheap (cultural) drugs now.....