segunda-feira, agosto 29, 2011

Capitalismo de esquerda.

Se eu tiver de projectar as minhas opiniões políticas numa só linha, fico claramente na “esquerda”. No entanto, sou ideologicamente capitalista, o que complica qualquer discussão que tenha acerca disto. É no que dá tentar reduzir a uma dimensão algo que é multi-dimensional.

Considero que a liberdade de cada um seguir os seus objectivos é um valor fundamental e, por isso, exijo que a sociedade só imponha aquelas restrições que promovam essa liberdade. Proibir o homicídio e a violação ou obrigar à educação das crianças são exemplos de restrições que resultam em mais liberdade do haveria sem elas. A propriedade privada também serve este propósito. Não com músicas ou algoritmos, de que todos podem usufruir sem impedir o usufruto a terceiros, mas com cotonetes e tractores é útil ter regras claras acerca de quem pode usar o quê. No entanto, devem ser as pessoas envolvidas a decidir se gerem essa propriedade de forma individual ou colectiva. Não deve ser a sociedade a impor isto. Isto torna-me um defensor do capitalismo, enquanto ideologia, porque não aceito que se proíba a propriedade privada dos meios de produção. Se permitirmos às pessoas ter tractores, alugá-los e contratar gente para os operar, temos capitalismo.

No entanto, “capitalismo” também designa outras coisas, com as quais não concordo tanto. Uma delas é um conjunto de modelos económicos assentes na premissa de que, num mercado livre com propriedade privada, cada pessoa age de forma a maximizar o seu capital. Isto era uma boa aproximação no tempo de Adam Smith, e permite criar modelos quantitativos detalhados de um sistema complexo. No entanto, hoje em dia a margem de erro é muito maior, porque outras motivações, como as condições de trabalho e lazer, têm uma influência maior na economia. A acumulação de capital, apesar de ser uma medida quantitativa conveniente, já não é tão fiável para prever o comportamento dos agentes económicos.

E sou especialmente contra o capitalismo quando o termo refere implementações como a dos EUA, exemplo paradigmático daquilo que o capitalismo se torna se não temos cuidado. A corrupção da democracia, uma terrível desigualdade social, a criminalização da pobreza, a promiscuidade entre o sector público e o privado são consequências práticas da implementação do capitalismo, mas que me parece que podem ser evitadas sem deitar fora a liberdade de cada um usar, alugar ou vender as suas coisas e o seu trabalho.

O que me põe à esquerda é não considerar a propriedade privada um valor fundamental. É apenas uma ferramenta para promover a liberdade, e para se usar somente na medida em que cumpra esse objectivo. Não me apoquenta que a taxa mais alta do IRS passe para 90%. À direita dirão que é um roubo, uma violação dos direitos de propriedade sobre o rendimento, mas os direitos de propriedade são o que quisermos. Se eu ganhar um milhão de euros por mês, ficar só com cem mil depois dos impostos tem um custo pequeno para a minha liberdade. Há muito pouco que eu possa fazer com um milhão de euros por mês que não possa fazer quase tão bem com uns meros cem mil. E se, com isso, se aumente em mil euros o rendimento de novecentas pessoas quem só ganhem umas poucas centenas, o ganho de liberdade dessas pessoas compensa amplamente a modesta restrição que me impõem.

É por isto que, apesar de ser capitalista, também defendo que o Estado deve redistribuir riqueza de forma eficaz, apropriando-se do que for necessário para optimizar a liberdade individual de todos. Qualquer um deve ter a possibilidade de ser rico e de ter muitas coisas, mas ninguém deve ser forçado à miséria. No entanto, para complicar ainda mais, sou contra muitas medidas concretas que a esquerda defende. Ordenados mínimos, limites ao arrendamento, subsídio de desemprego, rendimento de inserção e essas coisas.

Eu defendo que o Estado deve garantir, de forma universal e gratuita, aquilo que é importante demais para deixar ao sabor dos mercados. A educação, a justiça, a saúde, e também transportes, comunicações e outras necessidades básicas. Não é preciso ser de luxo, mas todos devem ter um acesso mínimo a estes serviços fundamentais. Defendo também que o Estado nunca deve manipular preços. Além de estupidez, é uma restrição às liberdades individuais sem nada que a compense. Ninguém deve ser proibido de vender o seu trabalho ao preço que quer, por muito pouco que seja, nem deve ser proibido de alugar uma casa pelo preço que quiser, por muito que queira pagar. E defendo que as prestações sociais devem ser desligadas da burocracia, do estigma e da humilhação que agora carregam os subsídios de desemprego, de inserção social e essas coisas. A redistribuição deve ser equitativa e transparente, com todos a receber, por igual, a parte a que têm direito, e sem burocratas a fiscalizar o coitadinhismo de cada um para subsidiar em conformidade.

Basicamente, e talvez devesse ter reduzido o post a isto, o que me importa é a liberdade. Por isso rejeito as restrições comunistas, defendendo que cada um deve ser livre de comprar, vender e acumular como quiser, mas exijo uma redistribuição agressiva, capaz de garantir que a liberdade é para todos e não apenas para os filhos de alguns.

54 comentários:

  1. Ludwig:

    Pessoalmente identifico-me muito com este texto. Queria, no entanto, fazer duas observações:

    a) mantenho que o ideal é referires-te a «economia de mercado» em vez de «capitalismo» que reduz os males entendidos.

    b) hoje, tendo uma posição semelhante à tua, sinto-me, no que diz respeito à distribuição da propriedade, claramente à esquerda. Votei BE nas últimas, e já votei tantas vezes BE como PS, e mais um voto ou outro na CDU e no PCTP-MRPP.
    No entanto, esta posição não é de esquerda. A conjuntura actual é que a torna de esquerda.
    No pós 25 de Abril até o PSD votou a favor de uma constituição que apontava para uma economia planificada como objectivo último das políticas seguidas pelos governos. A nossa posição seria a do CDS que, como o nome indicava era «de centro» (vejam o símbolo do partido). O PSD era «social-democrata» que é a ideologia de esquerda que hoje é advogada pelo BE e PCP. O PS diz que é «social-democrata» mas todos reconhecem que está à direita disso.
    Ou seja, se no PREC eu seria visto como de direita (extremista, quase) caso advogasse uma posição que defende a existência de uma economia de mercado, hoje sou visto como de esquerda (extremista, quase) por me parecer que um voto no BE é mais justificável que em qualquer dos partidos cúmplices com esta promiscuidade entre os grandes grupos económicos e o poder legislativo.
    O que acontece é que desde há uns anos para cá, o delírio é total... Na Europa e nos EUA o espectro político e as políticas estão cada vez mais à direita, e e como tal nestes países ricos as desigualdades estão a aumentar significativamente, com grandes prejuízos para a qualidade de vida de quase todos. Falta algum... equilíbrio.

    c) Mas se no que diz respeito à distribuição/defesa da propriedade privada eu estou ao centro e a conjuntura é que me coloca à esquerda, a verdade é que o termo «esquerda» não se refere apenas à distribuição da propriedade.
    As lutas feministas, a luta pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo, a luta pelo fim da monarquia absoluta, etc, tudo isso são lutas que foram herança da esquerda. Sendo «liberal» no que diz respeito a quase tudo, e estando ao centro no que diz respeito à distribuição/defesa da propriedade privada, sou de esquerda.

    Mais aqui:

    http://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/07/esquerda-e-mais-liberal-que-direita.html

    http://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/07/esquerda-e-mais-liberal-que-direita_02.html

    http://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/07/esquerda-e-mais-liberal-que-direita_03.html

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  2. Continuo a não concordar com esta formulação. Não existe capitalismo de esquerda (nem nunca ouvi falar de tal expressão) mas sim libertarianismo de esquerda... O Google comprova-o ;)

    "left capitalism" About 8,670 results

    "left wing capitalism" About 11,900 results

    "left libertarianism" About 92,900 results

    "left libertarism" ou "left libertarian" About 140,000 results

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  3. Um quiz muito interessante embora extremamente longo para determinar o posicionamento ideológico de uma pessoa é o do Center for a Stateless Society (C4SS)

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  4. João Vasco,

    Prefiro dizer que defendo a ideologia do capitalismo do que o mercado livre. Isto porque é mais fundamental o direito de cada um a ter propriedade privada, mesmo que de meios de produção, do que aquilo que, em conjunto, depois tentam organizar.

    Por exemplo, a ideologia capitalista que defendo é perfeitamente compatível com as pessoas se juntarem em cooperativas, serem proprietários em conjunto dos meios de produção e, em colaboração com outras pessoas, decidirem o que vão produzir e como o vão distribuir sem ligarem nada ao mercado livre. O mercado livre é apenas uma forma de usar os direitos que este ideal capitalista confere às pessoas, mas compete às pessoas escolher se o fazem assim ou de outra maneira. Por isso considero incorrecto dizer que defendo o mercado livre porque o que eu defendo é a liberdade de terem o mercado como quiserem e porem no mercado o que quiserem. Desde que reconheçam aos outros liberdade idêntica, tudo bem.

    Quanto ao resto, estou de acordo. Há muitos factores que me colocam à “esquerda” quando projectados numa linha, e o que se chama esquerda hoje é muito diferente do que era antes. Esta última é consequência, em grande parte, da corrupção da democracia devido à acumulação de poder económico e à facilidade de o converter em poder político. Mas estes males penso que podiam ser evitados se o eleitorado fosse menos clubista e mais participativo. O problema é mesmo que muita gente que vota agora no PSD e CDS porque já votava nesse lado há trinta anos está a votar em algo completamente diferente daquilo que julga.

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  5. Miguel Caetano,

    O argumento de que não me posso considerar um capitalista de esquerda porque isso só tem 11900 hits no google parece-me demasiado fraquito para levar a sério :)

    Se «Capitalism is an economic system in which the means of production are privately owned and operated for profit, usually in competitive markets» eu sou capitalista porque defendo com afinco que a sociedade deve permitir isto a quem o desejar.

    Se «Communism is a sociopolitical movement that aims for a classless and stateless society structured upon common ownership of the means of production, free access to articles of consumption, and the end of wage labour and private property in the means of production and real estate» então sou contra o comunismo porque isto são coisas que devem ficar ao critério de cada pessoa ou grupo de pessoas, para decidirem voluntariamente, e não deve ser imposto pela maioria mesmo a quem não o deseje.

    Se «Classical liberalism is a philosophy committed to the ideal of limited government, constitutionalism, rule of law, due process, and liberty of individuals including freedom of religion, speech, press, assembly, and free markets.», então também sou isto. Parece-me bem.

    Se «Libertarianism is the political philosophy that holds individual liberty as the organizing principle of society», também lá estou, mas se «Libertarianism includes diverse beliefs, all advocating minimization of the state» então vou-me embora disto porque se dá jeito minimizar ou maximizar o Estado é algo para decidir em função dos resultados e não como uma questão de princípio. O Estado é uma ferramenta; deve ter o tamanho que for preciso, nem mais nem menos.

    Se o anarquismo é «the political philosophy which considers the state undesirable, unnecessary, and harmful, and instead promotes a stateless society» então não contem comigo para isso, porque acho um verdadeiro disparate.

    Assim fica mais claro?

    (Parece que já resolveste o problema dos comentários. Chegaste a perceber o que era, ou é um daqueles mistérios da Internet?)

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  6. Miguel Caetano,

    Quanto ao Quiz:
    56% Economic Leftist (Economic Leftist / Economic Rightist)

    19% Statist (Anarchist / Statist)

    39% Anti-Militarist (Anti-Militarist / Militarist)

    80% Socio-Cultural Liberal (Socio-Cultural Liberal / Socio-Cultural Conservative)

    67% Civil Libertarian (Civil Libertarian / Civil Authoritarian)

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  7. Mas nota que o problema mantém-se: esse quiz projecta a complexidade da economia numa só linha, esquerda-direita. Esses 56% para a esquerda que me deram são reflexo do meu capitalismo de esquerda :)

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  8. Ludwig:

    «r exemplo, a ideologia capitalista que defendo é perfeitamente compatível com as pessoas se juntarem em cooperativas, serem proprietários em conjunto dos meios de produção e, em colaboração com outras pessoas, decidirem o que vão produzir e como o vão distribuir sem ligarem nada ao mercado livre. O mercado livre é apenas uma forma de usar os direitos que este ideal capitalista confere às pessoas, mas compete às pessoas escolher se o fazem assim ou de outra maneira. »

    Que grande confusão!

    Eu falei em economia de mercado, e tu respondes com «mercado livre» que é uma abstracção económica completamente diferente.

    Economia de mercado significa precisamente aquilo que atribuis à palavra «capitalismo».

    Com a diferença de que «economia de mercado» não tem um conjunto de definições diferentes, e por isso não provoca tanta ambiguidade.

    Como te disse num texto anterior, existe quem defina capitalismo - nota que escrevi «defina» e não «descreva» - de uma forma diferente, e não existe uma definição que seja superior à outra. Definições são convenções aceites pelos intervenientes, mas no que diz respeito à palavra «capitalismo» isso não existe, pelo que deve ser evitada.

    Se alguém define capitalismo indo à origem etimológica da palavra «o poder vem do capital», tu podes contrapor que outros definem de outra forma, mas não podes alegar que uns definem «melhor» que outros, porque as palavras são convenções, e neste caso não existe um uso generalizado que vá mais num sentido do que noutro.

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  9. O argumento de que não me posso considerar um capitalista de esquerda porque isso só tem 11900 hits no google parece-me demasiado fraquito para levar a sério :)

    Muito pelo contrário. Precisamente porque como o João Vasco refere, as palavras são convenções, e neste caso não existe um uso generalizado que vá mais num sentido do que noutro. Estes dados apenas demonstram que a tua acepção de capitalismo não se enquadra na convenção fixada pela esquerda dita liberal :) Como eu disse, existe uma importante parte da esquerda que não é contra o funcionamento dos mercados, sendo que alguns mais anarquistas ou libertários consideram até que o Estado devia reduzir ao máximo todas as intervenções económicas diretas ou indiretas de forma a assegurar o funcionamento de um mercado "realmente livre" de monopólios e oligopólios, tal e qual como nos mercados de feira onde todos os feirantes têm direito a expor e a vender directamente os seus produtos aos consumidores nas mesmas condições sem que existam uns que por meio de negociatas com a autarquia conseguem obter condições mais favoráveis.

    a ideologia capitalista que defendo é perfeitamente compatível com as pessoas se juntarem em cooperativas, serem proprietários em conjunto dos meios de produção e, em colaboração com outras pessoas, decidirem o que vão produzir e como o vão distribuir sem ligarem nada ao mercado livre. O mercado livre é apenas uma forma de usar os direitos que este ideal capitalista confere às pessoas, mas compete às pessoas escolher se o fazem assim ou de outra maneira.

    Primeiro que tudo, volto a repetir que historicamente o conceito de capitalismo surge sobretudo associado a um modo de organização da produção económica. Admito que com o tempo podem ter surgido significados diferentes mas esta acepção tem precedência sobre as demais :)

    Depois, qualquer mutualista, cooperativista ou anarco-libertário que se preze quase que se envergonharia de escândalo por dizer que o capitalismo é perfeitamente compatível com a liberdade das pessoas se juntarem em cooperativas. Teoricamente é possível, mas as possibilidades dessas cooperativas prosperarem é quase táo grande como a de uma videira subsistir quando se encontra rodeada por euclaliptos de todos os lados. Porque até agora o ecossistema jurídico, económico e tecnológico bem como as políticas públicas não favorecem em nada a existència de cooperativas sustentáveis a longo prazo. Prontos, aqui e ali podemos encontrar casos como a espanhola Mondragón mas são casos raríssimos... Mais, até hoje nunca conheci alguém que se assumisse como capitalista a defender que as cooperativas devem ser apoiadas de forma a terem um peso maior na economia. Pelo contrário, o discurso centra-se sempre no papel do empreendedor enquanto "self-made man" individualista e egoísta que actua como salvador da economia ao gerar empregos. O que este discurso oculta são sempre questões mais delicadas como o endividamento, a necessidade de gerar receita a curto prazo a que este obriga e, consequentemente, a exploração da mão-de-obra, a mais-valia, a desumanização e a impessoalidade do trabalho a que a relação convencional capitalista-trabalhador assalariado obriga, a cada vez maior falta de vínculos a longo prazo e confiança mútua decorrente da obsessão pela produtividade, etc.

    A minha convicção é que a Internet, o software open-source, a partilha de ficheiros e a impressão 3D transportam em si o potencial de impor lentamente um novo modelo de organização económica baseado na auto-gestão e na valorização dos bens comuns. Mas é evidente que isso não é suficiente para estancar os prejuízos sociais e culturais que o capitalismo enquanto modelo económico gerou. É necessário que os Estados alterem radicalmente as suas políticas.

    Em relação aos comentários, desconfio que o Google introduziu recentemente no blogger um limite ao número de comentários possíveis por comentador após um determinado período ;)

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  10. Economic Leftist 76% Anarchist 31% Anti-Militarist 79% Socio-Cultural Liberal 74% Civil Libertarian 63% :-)

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  11. Miguel Caetano,

    «a tua acepção de capitalismo não se enquadra na convenção fixada pela esquerda dita liberal»

    O capitalismo que eu defendo é aquela ideologia política que considera um direito ter meios de produção como propriedade privada e comerciar num mercado livre com o objectivo de obter mais capital. Penso que ninguém disputa que isso é capitalismo. É óbvio que não defendo que as pessoas sejam forçadas a isso, mas penso ser consensual que, no capitalismo, as pessoas também podem comprar um tractor a meias ou dizer que se lixe o lucro, agora vou é de férias. E tive o cuidado de distinguir este significado de outros usos que também se dá ao termo. Por isso não me parece que eu esteja a deturpar a palavra.

    «existe uma importante parte da esquerda que não é contra o funcionamento dos mercados»

    Tudo bem. Se defenderem o capitalismo – i.e. o direito de ser dono de propriedade privada e de comprar e vender bens e trabalho com intuito de ter lucro – então são como eu, capitalistas e de esquerda.

    «Primeiro que tudo, volto a repetir que historicamente o conceito de capitalismo surge sobretudo associado a um modo de organização da produção económica. »

    Também não vejo isso como problema. Eu defendo que toda a gente tem o direito de participar na economia dessa forma, seguindo esse modo de organização da produção económica. É por isso que digo que sou um defensor do capitalismo, exactamente da mesma forma com que defendo o casamento homossexual. Não como uma obrigação, mas como um direito.

    E sou a favor do comunismo como direito – quem quiser partilhar as suas coisas e planear a sua produção por outros critérios que não o lucro deve poder fazê-lo – mas sou contra o comunismo como imposição social, proibindo a propriedade privada de meios de produção e o mercado livre de bens e serviços.

    E esta é a grande diferença entre estas duas ideologias. No capitalismo cada coisa é do seu dono e cada um faz como entender. Se quer dar, dá. Se quer vender, vende. No comunismo é tudo de todos e todos têm de fazer como “a sociedade” decidir. Eu estou completamente do lado da primeira, nisto.

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  12. «Teoricamente é possível, mas as possibilidades dessas cooperativas prosperarem é quase táo grande como a de uma videira subsistir quando se encontra rodeada por euclaliptos de todos os lados. »

    Isso é uma desculpa da treta. É perfeitamente possível ter um regime comunista num grupo de pessoas dentro de uma sociedade capitalista, e qualquer família demonstra isso. Aqui em casa é o comunismo total. Planeamos a gestão dos nossos recursos, alocamo-los conforme necessário, cada um faz o que pode de acordo com o que nos parece mais justo, etc. Não pagamos aos miúdos para ajudar a levantar a mesa nem lhes cobramos renda pelo aluguer do quarto.

    O problema que têm as cooperativas é que, tendo as pessoas o direito legal de fazer um manguito aos outros, o mais certo é que muitas o farão, pela simples razão que têm interesses divergentes e só mesmo obrigadas é que aturam as manias de estranhos.

    «até hoje nunca conheci alguém que se assumisse como capitalista a defender que as cooperativas devem ser apoiadas de forma a terem um peso maior na economia.»

    Eu certamente não proponho tal coisa. As cooperativas devem ser uma opção para quem quiser, mas não deve ser nada que se tenha de privilegiar. Isso compete às pessoas decidir.

    Uma cooperativa de pessoas que partilhem tudo e colaboram na perfeição tem uma enorme vantagem sobre qualquer outro empreendimento. O único problema é que é raro reunir um grupo de pessoas que queira mesmo fazer isso, e quanto maior for o grupo mais difícil será que todos partilhem, e colaborem para, os mesmos objectivos. Mas isso não se justifica forçar as pessoas a fazê-lo.

    «A minha convicção é que a Internet, o software open-source, a partilha de ficheiros e a impressão 3D transportam em si o potencial de impor lentamente um novo modelo de organização económica baseado na auto-gestão e na valorização dos bens comuns. Mas é evidente que isso não é suficiente para estancar os prejuízos sociais e culturais que o capitalismo enquanto modelo económico gerou. É necessário que os Estados alterem radicalmente as suas políticas. »

    Não. Eu partilho da tua convicção, e acho que a par da tecnologia vão surgindo formas de facilitar a formação desses tais grupos de pessoas que partilhem objectivos e colaborem de forma eficiente e voluntária. E.g. Wikipedia. Mas sou absolutamente contra que seja o Estado a forçar isso. O Estado deve garantir apenas que as pessoas têm o direito de fazer as coisas assim, ou de outra forma que prefiram. Não podemos dar à burocracia estatal o poder de andar a decidir como é que vamos colaborar. A desculpa da videira e dos eucaliptos é pura treta, e temos de admitir que a razão pela qual as cooperativas não funcionam é porque as pessoas são muito selectivas acerca de com quem querem colaborar.

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  13. Miguel Caetano,

    «Em relação aos comentários, desconfio que o Google introduziu recentemente no blogger um limite ao número de comentários possíveis por comentador após um determinado período ;) »

    Isso explicaria porque é que anda por aqui um jabba naga blabla sempre a mudar de perfil para mandar rajadas de comentários.

    Mas notei outra coisa. O blogger deixou de avisar quando o comentário é grande demais. Simplesmente não faz nada quando carrego no botão e só "entra" se o partir em dois. Terá sido isso que te bloqueou o outro?

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  14. Ludwig,

    Pq vc não usa o Wordpress? É bem melhor.

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  15. Muito do aqui escrito é constantemente contido num plano fundamentalmente teórico. Na minha opinião, esta opção (consciente ou inconsciente) acarreta pesadas dificuldades no desenvolver de uma discussão sobre a realidade histórica do homem. Em Du principe Fédératif, Proudhon afirma contundentemente que "A realidade é complexa por natureza, o simples não sai do ideal, não chega ao concreto".

    Nomeadamente quando o Ludwig Krippahl acompanha capitalismo com o sentido de liberdade do indivíduo. Em teoria, o sentido de liberdade do indivíduo empregado pode parecer lógico e correcto, no entanto, o transporte destas ideias para a realidade (para o plano prático) não se têm apresentado revestidas do mesmo sentido lógico. Nas ideias ao nível teórico exististe uma unidade, uma harmonia espontânea latentes entre os todos os indivíduos, que claramente nunca se encontrou na história do capitalismo.

    As relações naturais e humanas são antagónicas e contraditórias. E neste ponto encontrámos, por exemplo, a obra de Nietzche.

    Com isto não pretendo difamar qualquer fundamento puramente teórico, mas apenas frizar a importância do papel do real. Os factos têm primazia sobre as ideias e que toda a história intelectual é em si reflexo da história das acções do homem.

    O conhecimento do homem é particularmente árduo em virtude da complexidade do seu objecto de estudo, ele próprio e a sua realidade (a natureza em que vive inserido e que nunca poderá transcender).

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  16. Eu certamente não proponho tal coisa. As cooperativas devem ser uma opção para quem quiser, mas não deve ser nada que se tenha de privilegiar. Isso compete às pessoas decidir.
    (...)
    O Estado deve garantir apenas que as pessoas têm o direito de fazer as coisas assim, ou de outra forma que prefiram. Não podemos dar à burocracia estatal o poder de andar a decidir como é que vamos colaborar. A desculpa da videira e dos eucaliptos é pura treta, e temos de admitir que a razão pela qual as cooperativas não funcionam é porque as pessoas são muito selectivas acerca de com quem querem colaborar.


    Não me parece de todo realista esperar que o modelo do cooperativismo tenha o mesmo grau de atracção para as pessoas que o modelo da firma enquanto sociedade anónima. Isso seria pura e simplesmente ignorar que ao longo das últimas três décadas os Estados Ocidentais elevaram a figura jurídica da firma a ponto de nos EUA serem hoje dotadas de personalidade. Também me parece um tanto ou quanto desonesto esperar que as cooperativas singrem por si próprias quando os Estados têm ao mesmo tempo subsidiado a torto e a direito actividades em sectores económicos que exigem elevados graus de investimento e oferecem um elevado retorno financeiro ao beneficiado sem que os contribuintes sejam beneficiados. Pelo contrário, saem até a perder... Veja-se o caso das auto-estradas.

    Quando eu afirmo que o Estado deve proporcionar condições favoráveis ao cooperativismo, não estou a dizer que o Estado deve dar dinheiro às cooperativas, como fez no caso das grandes empresas. Refiro apenas que deve travar a formação de monopólios e oligopólios que constituem um obstáculo ao funcionamento mais livre do mercado. Por exemplo, desmantelando aquelas empresas com uma quota de mercado superior a 20 por cento e permitir que grupos de trabalhadores e clientes adquirem em conjunto as novas unidades que surgirem.

    Outro exemplo: cobrando mais impostos a empresas que proporcionam piores condições laborais (estado das unidades de produçáo, etc.) e de trabalho (vínculo versus recibos verdes) aos seus funcionários, que tenham um rácio mais negativo em termos de lucros vs número de trabalhadores.

    Enfim, penso que acabar com as patentes e instituir concursos públicos para a descoberta de novos medicamentos e invenções ou ainda liberalizar a utilização não autorizada de obras protegidas por copyright para fins não comerciais também seriam medidas que ajudariam. Assim como, é claro, acabar com todos os subsídios directos a actividades económicas e culturais e implementar em seu lugar um rendimento univeraal garantido.

    Em suma: não me parece lá muito honesto dizer que não se deve adoptar políticas públicas que favoreçam um modelo económico que dados empíricos começam a demonstrar ser mais resiliente, sustentável e equilibrado que o modelo capitalista quando até agora as poucas políticas públicas que foram sendo adoptadas no plano económico foram todas favoráveis a esse modelo capitalista :)

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  17. Um comentário muito rápido: há que ter em conta que um país não é economicamente um sistema fechado, e isso implica que tenhamos que ter atenção a uma palavra que tem caído em desuso - o "imperialismo" - mas nem por isso tem deixado de ter importância à escala global.

    Ser-se capitalista de esquerda e querer educação e saúde "grátis" é mais possível num país rico do que num país pobre, tendo em conta que o país rico utilizará medidas proteccionistas para permitir uma maior acumulação de capital do que um país pobre. Breve exemplo: os EUA gastaram e gastam rios de dinheiro na "defesa" que usam para "ataque" em países sub-desenvolvidos onde implantam governos fantoche, para garantirem monopólios na extracção de matérias-primas que beneficiam mais a classe trabalhadora americana do que os países em que se implantam.

    De resto, os comentários dos social-democratas do esquerda republicana são a coisa mais naïf que tenho lido. É por isso que o reformismo tem um pulso muito mais mole do que o status quo corporativo-capitalista. O capitalismo permite a criação de cooperativas sim, mas sem se mexer na legislação sobre a propriedade nunca essas cooperativas trarão socialismo ou algo que se pareça.

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  18. joaonmelo,

    «Muito do aqui escrito é constantemente contido num plano fundamentalmente teórico.»

    Quanto a mim, o que defendo não é um modelo teórico descritivo mas um modelo normativo. Um modelo normativo será sempre teórico no sentido em que o que deve ser nunca é algo real que exista na natureza, mas sempre algo conceptual que existe na nossa mente.

    E o que defendo é que o valor da liberdade de alguém poder ser dono de algo como um tractor e de poder vender livremente o seu trabalho e o que produz num mercado aberto a todos é tão grande que os problemas que essa liberdade acarrete na prática – os tais defeitos do capitalismo – devem ser mitigados sem atentar contra essa liberdade, porque senão estamos a deitar fora valores maiores em protecção de coisas menos importantes.

    «Em teoria, o sentido de liberdade do indivíduo empregado pode parecer lógico e correcto, no entanto, o transporte destas ideias para a realidade (para o plano prático) não se têm apresentado revestidas do mesmo sentido lógico.»

    Seja. Em teoria, é uma boa norma dizer que as pessoas têm a liberdade de pensar o que quiserem e de dizerem o que pensam. Na prática, isso dá algumas chatices. Mas, quando pesamos os valores, antes as chatices do que privar as pessoas desses direitos. O que eu estou a defender como capitalismo de esquerda é que os direitos fundamentais do capitalismo têm um valor intrínseco alto, mesmo apesar de causarem problemas práticos.

    «Os factos têm primazia sobre as ideias»

    Num modelo descritivo – acerca do que é – estou 100% de acordo. Mas num modelo normativo isso não faz sentido. Não podemos refutar a norma que diz ser errado bater em crianças com o facto de haver quem bata em crianças.

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  19. Miguel Caetano,

    «Não me parece de todo realista esperar que o modelo do cooperativismo tenha o mesmo grau de atracção para as pessoas que o modelo da firma enquanto sociedade anónima.»

    Tanto não tem, que não o preferem. Mas só há duas opções aqui. Ou dás liberdades às pessoas e aí tens de aceitar que elas façam o que preferem, mesmo que fiques triste por isso, ou então obrigas as pessoas a fazer o que tu achas melhor mas, para isso, tens de lhes tirar liberdades.

    Eu não defendo necessariamente a sociedade anónima como pessoa jurídica. Penso que isso tem problemas graves que deviam ser corrigidos. Mas, generalizando o teu ponto, o que defendo é que se deve dar às pessoas o direito de decidir como se organizam mesmo que isso faça com que elas não se organizem como nós queremos. E este é o ponto fundamental: a única razão pela qual uma sociedade democrática e capitalista como a nossa não se torna espontaneamente num comunismo voluntário, sem ninguém ser obrigado a isso, é porque as pessoas não querem. E se não querem, acho mal obrigá-las só por ideologia.

    Portanto, se tu defendes que seria bom que todos se comportassem de certa maneira, até posso concordar contigo. Mas se defendes que o Estado deve alterar as leis para que as pessoas se passem a comportar assim, até me dás arrepios na espinha... :)

    Mas se são essas medidas que propões, não permitir monopólios, reformar as patentes, penalizar fiscalmente empresas que não cumpram certos requisitos de segurança e qualidade, etc, isso estou de acordo. São as tais restrições que acabam por criar mais liberdade. Mas isso não te dá comunismo. Continuas a ter capitalismo. Aliás, por nivelares mais o mercado e o tornares mais livre até acabas por ter mais capitalismo.

    É por isso que me parece que a partilha de ficheiros é mais capitalista, e que e a sua regulação legal para, supostamente, incentivar a criatividade é uma ideia mais comunista.

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  20. nando,

    «Ser-se capitalista de esquerda e querer educação e saúde "grátis" é mais possível num país rico do que num país pobre»

    Tudo é mais fácil num país rico do que num país pobre. Até Marx reconheceu isso, prevendo que o comunismo iria surgir mais facilmente nos países ricos e industrializados.

    Mas um país não precisa ser imperialista para ser um país rico e decente, onde se viva bem. Luxemburgo, Suécia, Suíça, Finlândia, Austrália, etc...

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  21. Mas se são essas medidas que propões, não permitir monopólios, reformar as patentes, penalizar fiscalmente empresas que não cumpram certos requisitos de segurança e qualidade, etc, isso estou de acordo. São as tais restrições que acabam por criar mais liberdade. Mas isso não te dá comunismo. Continuas a ter capitalismo. Aliás, por nivelares mais o mercado e o tornares mais livre até acabas por ter mais capitalismo.

    Náo resulta quer em comunismo QUER em capitalismo. E é esse o meu ponto: usar conceitos estafados para fomentar ou mesmo sequer descrever cenários socioeconómicos em evolução resulta em disparate. É o mesmo problema que as receitas da treta que os actuais economistas sugerem: ou escolhes a via do Keynesianismo em que mais investimento público é a solução para todos os males ou enveredas pela via de mais desregulamentação, menos supervisão e intensificação das privatizações que é o caminho que parece que aqui em Portugal vamos seguir.

    A questão aqui é que as medidas que indiquei constituem já à partida um grande caminho para além do modelo capitalista tradicional do crescimento a todo o custo, do outsourcing globalizado e do endividamento generalizado. Ainda para mais se acrescentarmos a isso algo como um rendimento universal e a implementação de um sistema bancário semelhante ao islâmico em que não são cobrados juros. Ora, nenhum capitalista que se preze defende a adopção de um rendimento universal garantido a quem não consegue encontrar trabalho ou quer criar o seu próprio posto de trabalho sem recorrer ao crédito. Porque isto estaria inevitavelmente a constranger bastante os potenciais lucros dessa pequena elite de capitalistas por detrás dos monopólios e oligopólios. Logo, não podemos assumir que uma sociedade que adoptasse esse tipo de medidas pudesse continuar a ser considerada totalmente capitalista no sentido em que o lucro é o princípio fundamental e absoluto. Não quer dizer que o lucro desaparecesse mas apenas que deixaria de ter uma taxa de crescimento tão elevada.

    Isto vem a propósito também de outra coisa que eu esqueci-me de apontar anteriormente: é que a defesa e valorização da propriedade privada não é um factor distintivo do capitalismo - quer como ideologia, quer como modo de organização da produção económica. Por exemplo, é um facto assente que a propriedade privada já remonta à Grécia e Roma antigas. Logo, também aí essa associação entre propriedade privada e capitalismo me parece um bocado forçada... Isto sem contar com o facto de existirem muitos anti-capitalistas que defendem e prezam a existência da propriedade privada, em particular anarquistas e libertários de esquerda ;)

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  22. Miguel Caetano,

    «A questão aqui é que as medidas que indiquei constituem já à partida um grande caminho para além do modelo capitalista tradicional do crescimento a todo o custo, do outsourcing globalizado e do endividamento generalizado.»

    No post, eu tive o cuidado de distinguir esses usos do termo. O que eu defendo não é o “ modelo capitalista tradicional do crescimento a todo o custo”, tal como muitos comunistas não defendem o modelo implementado na URSS, ou na China, ou na Coreia do Norte. O que eu defendo é o fundamento ideológico ao qual se chama capitalismo: não excluir os meios de produção dos direitos de propriedade privada e permitir a venda, compra e aluguer de bens e trabalho num mercado livre.

    Se tu defendes que esse capitalismo é bom mas as implementações têm sido más, concordo.

    Se defendes que eu não posso chamar capitalismo à ideologia porque as implementações têm sido más, acho que estás enganado.

    « Ainda para mais se acrescentarmos a isso algo como um rendimento universal»

    Um rendimento universal é perfeitamente compatível com o capitalismo. O Milton Friedman, por exemplo, defendia uma taxa negativa de IRS, o que é essencialmente o mesmo. E acho difícil encontrar economista mais capitalista do que ele...

    «e a implementação de um sistema bancário semelhante ao islâmico em que não são cobrados juros.»

    A questão aqui é se esse sistema bancário é opcional ou obrigatório. Se for obrigatório, concordo que é contrário ao capitalismo, cujo fundamento é a liberdade das pessoas decidirem as suas transacções. Mas se for opcional é perfeitamente compatível com o capitalismo. Se eu faço um contrato contigo em que te dou dinheiro agora e tu me devolves mais tarde, o capitalismo não dita quanto dinheiro me tens de devolver, se é mais, menos ou o mesmo. Isso, no capitalismo, é connosco. Por isso é que mesmo em países capitalistas os muçulmanos implementam o seu sistema bancário sem problemas.

    « Ora, nenhum capitalista que se preze defende a adopção de um rendimento universal garantido a quem não consegue encontrar trabalho ou quer criar o seu próprio posto de trabalho sem recorrer ao crédito.»

    É uma afirmação que tens de justificar. Assim só por dizer não me parece aceitável. De qualquer forma, eu apenas me considero um capitalista, e não um capitalista “que se preze”, que me parece já estar a cair na falácia do verdadeiro escocês :)

    «não podemos assumir que uma sociedade que adoptasse esse tipo de medidas pudesse continuar a ser considerada totalmente capitalista no sentido em que o lucro é o princípio fundamental e absoluto.»

    Tudo bem. Seja como for, o sentido de “capitalismo” que eu uso é o de propriedade privada de meios de produção e mercado livre, não o de “o lucro é o princípio fundamental e absoluto”, que me parece não ser o sentido consensual.

    «a defesa e valorização da propriedade privada não é um factor distintivo do capitalismo»

    O termo “capitalismo” foi criado para designar um sistema que já existia na altura em que inventaram a palavra. Não foi criado para descrever uma coisa nova radicalmente diferente de tudo o que vinha antes. E o propósito foi até distinguir esse sistema de uma alternativa em que a propriedade dos meios de produção era colectiva. E a distinção essencial que se quer fazer aqui é essa: se as pessoas podem (se quiserem) ser proprietárias individuais de meios de produção ou se isso é proibido.

    E concordo que há libertários de esquerda que defendem o fundamento do capitalismo e se opõem ao comunismo. É até por isso que me considero um capitalista de esquerda.

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  23. Ludwig,

    Creio que estás a poluir uma interessante discussão política com uma discussão semântica acessória.

    Queres impor uma entre várias definições de capitalismo como a adequada para a palavra, em vez de usares outra palavra que designa inequivocamente esse conceito sem gerar tanta confusão.

    Quando te alertei para o facto de teres confundido «economia de mercado» com «mercado livre», não respondeste mais, mas creio que o uso da expressão economia de mercado te permitiria centrar a discussão nos aspectos políticos e não semânticos.

    Ironicamente centrei todo este comentário nos aspectos semânticos, mas acho que é uma «separação das águas» esclarecedora.

    No aspecto político concordo com a tua posição.

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  24. O que eu defendo não é o “ modelo capitalista tradicional do
    crescimento a todo o custo” tal como muitos comunistas não defendem o
    modelo implementado na URSS, ou na China, ou na Coreia do Norte.


    Pois deixa-me que te diga que ambos os sistemas são bastante
    imperfeitos no que diz respeito a pelo menos estes dois pontos:

    1) exploração dos recursos humanos e naturais sem ter em conta as
    implicações a longo prazo a nível das comunidades humanas e do
    ecossistema mais vasto no caso do capitalismo;

    2) planeamento centralizado de toda a actividade económica que tem
    como consequência a burocratização da sociedade e um aumento
    generalizado da ineficácia no caso do comunismo.

    No entanto, apesar de criticar o comunismo assumo-me plenamente como
    marxista. Porquê? porque o diagnóstico e mesmo o prognóstico que Marx
    fez do modo capitalista de organização da produção económico é
    extremamente arguto e certeiro. Onde eu discordo completamente é na
    receita. Mas isso é outra questão. É por isso que querer reduzir
    discussões sobre políticas públicas a soluções capitalistas ou
    comunistas parece-me demasiado grosseiro. Há que evitar continuar a
    aplicar as mesmas receitas que falharam já por repetidas vezes (no
    caso do capitalismo, 1929, 1973, 2000, 2008 e 2011) para resolver
    novos e velhos problemas. É como voltar a usar um sistema operativo
    que está cheio de bugs apenas porque não existe outro completo melhor.
    Mas o que nós temos que fazer é aproveitar as partes que prestam dos
    sistemas que existem e combiná-las com os componentes de outros
    sistemas que poderão eventualmente ser úteis mas que por serem
    demasiado ambiciosos ainda não foram concluídos.

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  25. João Vasco,

    Concordo que a minha discussão com o Miguel Caetano é semântica. No que toca a medidas concretas, estamos de acordo praticamente em tudo. A única divergência é que o Miguel insiste que eu não posso chamar capitalista ao princípio de permitir a propriedade privada de meios de produção e o comércio livre de trabalho e bens.

    Nota que eu não insisto que isto seja o único significado do termo capitalista. Apenas reivindico que é um uso legítimo do termo. É isso que o Miguel não aceita, e é aí que discordo dele.

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  26. Ludwig,

    A questão aqui é se esse sistema bancário é opcional ou
    obrigatório. Se for obrigatório, concordo que é contrário ao
    capitalismo, cujo fundamento é a liberdade das pessoas decidirem as
    suas transacções. Mas se for opcional é perfeitamente compatível com o
    capitalismo.


    Pessoalmente, acho que devia ser obrigatório. Primeiro porque já há
    muita coisa na regulação financeira que devia ser permitida mas que
    não é e vice-versa. Por exemplo, o crowdfunding penso que é
    severamente limitado a nível da União Europeia.

    É uma afirmação que tens de justificar. Assim só por dizer não me
    parece aceitável. De qualquer forma, eu apenas me considero um
    capitalista, e não um capitalista “que se preze”, que me parece já
    estar a cair na falácia do verdadeiro escocês :)


    Fácil: quais os países que são considerados os maiores exemplos de
    economistas capitalistas a nível mundial? Qual o número desses países
    que implementou um rendimento universal sem qualquer tipo de
    condições? E não, o exemplo do Milton Friedman não serve precisamente
    porque é uma voz isolada ou faz parte de uma pequena minoria :)

    Seja como for, o sentido de “capitalismo” que eu uso é o de
    propriedade privada de meios de produção e mercado livre, não o de “o
    lucro é o princípio fundamental e absoluto”, que me parece não ser o
    sentido consensual.


    Lamento mas para seres tido pelos outros como coerente não podes
    escolher apenas as partes de um conceito que mais te convêm. Caso
    contrário, eu também me assumiria como comunista uma vez que a
    Ditadura do Proletariado seria apenas um pequeno pormenor, um meio
    para atingir um fim supostamente bondoso que é o de uma sociedade sem
    classes ;)

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  27. «1) exploração dos recursos humanos e naturais sem ter em conta as
    implicações a longo prazo a nível das comunidades humanas e do
    ecossistema mais vasto no caso do capitalismo;»

    Isto não me parece um problema que derive quer da economia de mercado, quer do sistema de distribuição de propriedade entre as pessoas.

    Depende sim da consciência ecológica dos cidadãos, e daquilo que estes estão dispostos a abdicar no presente, em termos de conforto e qualidade de vida, em nome das gerações futuras, de um sistema de produção sustentável.

    Num sistema de economia de mercado podemos ter internalização de externalidades que tornem a sustentabilidade ambiental no melhor negócio ao alcance dos investidores, com inovação científica e tecnológica nesse sentido. Ou podemos ter a irresponsabilidade que existe actualmente.
    Num sistema de economia planificada também é possível ter atenção ao meio ambiente, ou cometer os crimes ambientais como os que a URSS cometeu.

    A única maneira de, num sistema democrático onde muitos cidadãos não querem saber da sustentabilidade ambiental, o sistema económico não reflectir essa atitude irresponsável, é o poder das pessoas sobre a natureza ser tão reduzida (como muito antes da revolução industrial, com todas as implicações negativas para a qualidade de vida dos seres humanos) que o ser humano nem sequer tem poder de degradar a natureza, mesmo que não se preocupe com o seu impacto ambiental. Note-se que nesta situação teriam de existir inúmeras mortes, porque sem o modelo «industrial» actual seria impossível tantos milhões de seres humanos subsistirem - aí o impacto ambiental seria certamente menor.

    portanto a solução - e o problema - para os impactos ambientais excessivos não está no sistema económico. Está:

    a) no crescimento populacional elevadíssimo. Por isso é que o facto de no mundo desenvolvido a população estar estável não nos devia preocupar em termos de querer incentivar o aumento das taxas de natalidade, pelo contrário, é óptimo que eles estejam a um nível sustentável. Uma população envelhecida é uma população que vive muito tempo e não está a aumentar de forma insustentada.

    b) na falta de consciência ambiental. É necessário conscencializar as pessoas, denunciar as mentiras de toda a propaganda contra o efeito de estufa, etc..
    É necessário defender políticas que tenham mérito económico, tais como a existência de taxas por emissões de CO2, etc.. Pesam-nos no bolso, a nós e aos industriais, mas reflectem o sacrifício que devemos fazer para termos um consumo ambientalmente responsável.

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  28. João Vasco:

    A respeito dos impactos ambientais: Isto não me parece um problema que derive quer da economia de mercado, quer do sistema de distribuição de propriedade entre as pessoas.

    Concordo, mas não concordo é que não seja um problema para o capitalismo ;) Aliás, nota que eu não referi economia de mercado. Porque fundamentalmente considero que o mercado é uma instituição económica básica perfeitamente válida. A questão é que até hoje nunca existiram mercados sem regulação. O que actualmente se vive no mundo ocidental é um sistema em que todas as unidades alternativas tanto em termos económicos (cooperativas) como sociais (família, movimentos voluntários puramente sem fins lucrativos) são discriminadas face ao deus todo-o-poderoso mercado e à firma na forma de sociedade anónima com fins lucrativos. Isso é bem patente no caso da partilha de ficheiros em que uma esfera social é perseguida simplesmente por não se enquadrar nas regras do mercado. Mas isso seria volta à mesma discussão semântica.

    O que eu discordo é que os impactos ambientais não seja um problema de economia política. Pelo contrário, tem tudo a ver com os incentivos e sanções que o Estado enquanto instituição que, quer queiramos quer não, regula todo o tipo de intercâmbio nas entre os seus cidadãos. Portanto, a solução para os impactos ambientais passa também por refrear o crescimento populacional elevadíssimo e na falta de consciência ambiental. Mas isso olvida o principal que é qual o papel do Estado no meio disso em termos de inputs e outputs no sentido de recompensar as empresas bem-comportadas e castigar as mal-comportadas. Caso contrário, deixa de existir política e passamos a ser exclusivamente regidos pela economia. Mas isso é afinal também o significado último do Capitalismo contemporâneo globalizado em que os Estados se revelam completamente impotentes para travar ou mandar o que quer que seja.

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  29. «O que eu discordo é que os impactos ambientais não seja um problema de economia política. »

    Aí não podes discordar porque a posição que exprimi é que os impactos ambientais SÂO um problema de economia política (até falei em internalizar externalidades, e mencionei a importância da consciência ambiental num contexto democrático).

    Mas não é uma questão de distribuição da propriedade entre ricos e pobres, ou proletários e capitalistas, etc.. Diversas soluções de distribuição da riqueza entre diferentes pessoas são compatíveis com uma economia ambientalmente sustentável ou ambientalmente insustentável.

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  30. "Aí não podes discordar porque a posição que exprimi é que os impactos ambientais SÂO um problema de economia política..."

    OK, aceito. O erro de interpretação foi meu :)

    "Mas não é uma questão de distribuição da propriedade entre ricos e pobres, ou proletários e capitalistas, etc.. Diversas soluções de distribuição da riqueza entre diferentes pessoas são compatíveis com uma economia ambientalmente sustentável ou ambientalmente insustentável."

    Sim, mas atenção que quando usamos a palavra "Capitalismo" também estamos inconscientemente a trazer ao barulho por arrastamento a deterioração do meio-ambiente, o esgotamento dos recursos naturais, o aquecimento global, a poluição, os OGMs, etc. E é isto que o Ludwig não se dá conta. A primazia do lucro é uma característica única do Capitalismo. Lutas de classes sempre houve. O que nunca como hoje houve foi um regime de acumulação irrestrita e desenfreada como o que se tem verificado desde o início dos anos 70. Quando os sinais dados pelo poder político são de que a acumulação é sempre boa mesmo que seja à custa do desperdício de recursos em termos sociais, energéticos e ecológicos, é inevitável que a maioria dos cidadãos se passe a comportar como se o crescimento seja de facto ilimitado. Porque o grau de acumulação que se regista gera não só mais desigualdade entre as pessoas - embora se verifique de facto um aumento do nível médio de rendimentos em todas as classes - mas é também incomportável a médio-longo prazo se ampliado à escala de todo o planeta. Por exemplo, se todos os chineses, indianos e brasileiros passarem a ter hábitos de consumo semelhantes aos de um norte-americano...

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  31. Miguel Caetano,

    «Pessoalmente, acho que devia ser obrigatório.»

    É por isso que eu digo que eu sou capitalista, ao contrário de ti, que obviamente não és.

    Eu acho que a liberdade de vender, comprar, alugar, emprestar e afins é algo que tem um valor intrínseco. Ou seja, mesmo que me convencesses de que o teu sistema tem consequências melhores, e mesmo que conseguisses proibir que as pessoas emprestassem dinheiro a juros sem causares qualquer sofrimento (com cadeias, polícia, etc), mesmo assim teríamos de contabilizar a perda de liberdade como um valor negativo considerável.

    «quais os países que são considerados os maiores exemplos de
    economistas capitalistas a nível mundial?»


    Queres dizer que o capitalismo exige também que se fale uma língua germânica (a maioria dos maiores capitalismos têm o inglês e o alemão como língua)? Ou que o capitalismo precisa de uma população principalmente branca?

    Eu acho que o teu esforço para impedir que “capitalismo” se refira simplesmente a um sistema com propriedade privada sobre meios de produção e mercado livre não faz sentido, excepto para tornar tautológica a tua posição de que o capitalismo é mau.

    Imagina um país onde uma pessoa podia ser dona do seu terreno, vender as batatas que lá cultiva, usar parte do dinheiro para comprar um tractor, usar o tractor para produzir mais batatas, ganhar mais dinheiro, comprar o terreno do vizinho, contratar o vizinho para conduzir o tractor, comprar mais um tractor, contratar outro vizinho e com isso vender mais batatas e acumular capital. Mais, imagina que nesse país isso era permitido mas não era obrigatório. Consideras ou não que esse país é capitalista? Eu diria que pela definição consensual do termo, isso é capitalismo...

    «Lamento mas para seres tido pelos outros como coerente não podes
    escolher apenas as partes de um conceito que mais te convêm.»


    Não estou a fazer isso. O capitalismo é definido pelas normas que permitem a propriedade privada sobre meios de produção e um mercado livre que permite a venda, compra e aluguer de bens e trabalho. Nesse sistema, é normal que muita gente depois procure o lucro, acumule capital e assim por diante, mas isso não faz parte das normas. Isso é o pessoal que faz porque quer. Normativamente, o capitalismo precisa apenas desses dois componentes: propriedade privada sobre meios de produção e mercado livre. Que mais falta aqui como regra? Que mais leis é preciso para que um país seja capitalista?

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  32. Ludwig:

    «Nota que eu não insisto que isto seja o único significado do termo capitalista. Apenas reivindico que é um uso legítimo do termo.»

    Tu comunicas como se fosse o uso do termo que todas as partes usam.

    Se o Miguel estiver a considerar a definição marxista de acordo com a qual «capitalismo» é «poder vindo do capital» que significa que existe uma classe social que «na prática» detém o poder político, e que portanto faz as leis de acordo com o que mais lhes convém (mas cria o artifício de uma democracia, que na prática é manipulada pelos meios de comunicação social que os capitalistas controlam), então já não faz sentido o teu exemplo dos tractores.

    Os marxistas podem acreditar que uma economia de mercado sem restrições leva ao capitalismo, mas encaram os dois termos como distintos.
    Uma economia de mercado, por si, não é capitalista (no sentido marxista do termo). Pode é ser insustentável enquanto tal. Daí geralmente quando existe uma, no ver deles, existe a outra.

    Tu estás a discutir indiferente a este segundo significado da palavra, e daí decorre uma conversa de surdos.

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  33. Para dar um bom exemplo, olha para o salazarismo.

    Era uma ditadura algo dirigista da economia, que aplicava uma série de restrições à actividade económica.

    Mas, do ponto de vista marxista, o sistema económico em Portugal era capitalista.

    Porque do ponto de vista marxista a classe social que detinha o poder era a classe capitalista.

    O capitalismo distingue-se do feudalismo (de acordo com a análise marxista), porque no feudalismo são os nobres a classe dominante, e não a burguesia.
    Assim as revolução francesa e as revoluções liberais foram «verdadeiras» revoluções, mas o 25 de Abril não tanto, na medida em que mudou o regime político (para melhor, de um ponto de vista marxista), mas a classe dominante, quem «na prática» detém o poder político, continua a ser a mesma, as mesmas famílias, o mesmo sector social, etc..

    Nota que eu não estou a concordar com a análise, apenas a mostrar-te como essa palavra pode ser usada num sentido absolutamente diferente, e ignorar esse outro uso leva a uma série de males entendidos.

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  34. Outro exemplo:

    Imagina que o sr Alves tem uma fábrica e os seus empregados fazem greve.

    Numa economia de mercado «pura» o governo não tem nada com isso. Não se espera do governo que vá mandar a polícia bater nos empregados por não quererem trabalhar. Isso é problema do sr Alves.

    Mas aquilo que um marxista esperaria de um sistema capitalista «puro» seria o oposto: o governo encontraria uma desculpa qualquer para mandar a polícia pôr fim à greve, visto que o sr Alves tem um poder político elevado e irá usá-lo em benefício do seu interesse.


    Percebes como as definições podem ser diferentes daquelas que apresentas?

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  35. João Vasco:

    Os marxistas podem acreditar que uma economia de mercado sem restrições leva ao capitalismo, mas encaram os dois termos como distintos.
    Uma economia de mercado, por si, não é capitalista (no sentido marxista do termo). Pode é ser insustentável enquanto tal. Daí geralmente quando existe uma, no ver deles, existe a outra.


    Acertadíssimo :) Por exemplo, apesar de ser caracterizado por economia de mercado, existe muita gente que duvida que o Brasil seja hoje em dia um país capitalista. Ainda mais exemplificativo: países como a Finlândia, Noruega e Suẽcia não são geralmente considerados capitalistas no mesmo sentido que os Estados Unidos, o Reino Unido ou mesmo a China.

    Pois se até um sujeito inteligente como o Julian Assange da Wikileaks faz questão de distinguir entre os dois conceitos! Será que também ele é um perigoso comunista? ;)

    "Would you call yourself a free market proponent? Absolutely. I have mixed attitudes towards capitalism, but I love markets. Having lived and worked in many countries, I can see the tremendous vibrancy in, say, the Malaysian telecom sector compared to U.S. sector. In the U.S. everything is vertically integrated and sewn up, so you don’t have a free market. In Malaysia, you have a broad spectrum of players, and you can see the benefits for all as a result.

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  36. Queres dizer que o capitalismo exige também que se fale uma língua germânica (a maioria dos maiores capitalismos têm o inglês e o alemão como língua)? Ou que o capitalismo precisa de uma população principalmente branca?

    Bem, se começamos a estabelecer comparações entre coisas totalmente distintas umas das outras então nunca mais saímos disto. Em primeiro lugar, o rendimento universal garantido é um medida económica que tem enormes implicações no sistema capitalista global ao passo que o idioma ou a raça dos países tidos por capitalistas é uma característica que não define em nada a essência do sistema. Até porque o país mais capitalista do mundo é neste momento a China ;)

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  37. Normativamente, o capitalismo precisa apenas desses dois componentes: propriedade privada sobre meios de produção e mercado livre. Que mais falta aqui como regra? Que mais leis é preciso para que um país seja capitalista?

    Aqui estás a incorrer novamente na confusão entre capitalismo e mercado livre. Isto porque o capitalismo é tudo menos um mercado livre. E ao incorreres nesta confusão estás a ser politicamente ingénuo, como aliás o João Vasco já o evidenciou. Porque ignoras a existência de um aparelho estatal que está constantemente a mexer por detrás os cordelinhos, favorecendo deteminados agentes do mercado e prejudicando outros. Fá-lo quer através das forças de autoridade e do exército quer através do Direito. Num mercado completamente livre, o Estado abster-se-ia totalmente de intervir. Mas na verdade o capitalismo pode ser melhor caracterizado como um anti-mercado do que um mercado, como realçaram Braudel e Manuel De Landa que não podem ser propriamente acusados de serem marxistas:

    Capitalism was, from its beginnings in the Italy of the thirteenth century, always monopolistic and oligopolistic. That is to say, the power of capitalism has always been associated with large enterprises, large that is, relative to the size of the markets where they operate.
    (...)
    Also, it has always been associated with the ability to plan economic strategies and to control market dynamics, and therefore, with a certain degree of centralization and hierarchy.
    (...)
    First of all, if capitalism has always relied on non-competitive practices, if the prices for its commodities have never been objectively set by demand/supply dynamics, but imposed from above by powerful economic decision-makers, then capitalism and the market have always been different entities. To use a term introduced by Braudel, capitalism has always been an "antimarket".

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  38. Miguel Caetano,

    «Sim, mas atenção que quando usamos a palavra "Capitalismo" também estamos inconscientemente a trazer ao barulho por arrastamento a deterioração do meio-ambiente, o esgotamento dos recursos naturais, o aquecimento global, a poluição, os OGMs, etc. E é isto que o Ludwig não se dá conta. »

    Tanto dou conta que é precisamente esse disparate que estou a criticar. Se alguém disser que não quer qualquer tipo de comunismo porque também “traz ao barulho” os gulags, a Stasi, a censura e a tortura de dissidentes políticos eu diria que essa pessoa estava a confundir o fundamento do comunismo com algumas implementações. É errado definir “capitalismo” como “o terrível e injusto sistema de escravatura do proletariado que só serve para destruir o ambiente e todos os nossos recursos na procura desenfreada do lucro”.

    «Bem, se começamos a estabelecer comparações entre coisas totalmente distintas umas das outras então nunca mais saímos disto»

    Exacto. É por isso que eu proponho que consideremos capitalismo como referindo «private ownership of the means of production, creation of goods or services for profit in a market, and prices and wages» e não como referindo destruição do meio ambiente, espancamento de grevistas, corrupção e violação de menores, ou o que mais queiras aí pôr :)

    «na verdade o capitalismo pode ser melhor caracterizado como um anti-mercado do que um mercado,»

    Não. Algumas coisas que alguns chamaram de capitalismo não tinham mercado livre, etc. Mas dizer que a ideia de capitalismo é “um sistema em que uns têm tudo, os outros não têm nada, e os que têm mandam em toda a gente” é como dizer que o comunismo é “um sistema em que o Estado proibe as pessoas de ter ideias diferentes, prende quem protesta, e só os membros do comité central é que vivem bem”. Estas críticas podem estar correctas em relação a algumas tentativas de implementação mas não correspondem às ideias fundamentais destes sistemas.

    Quando eu digo que defendo o capitalismo estou a dizer simplesmente que defendo isto: «private ownership of the means of production, creation of goods or services for profit in a market, and prices and wages». Se me disseres que o capitalismo não é nada disto, então gostava de ouvir a tua definição e que me justificasses porque é que a tua é a mais correcta.

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  39. João Vasco,

    Segundo a wikipedia, «There is no consensus on the precise definition of capitalism, nor on how the term should be used as a historical category. There is, however, little controversy that private ownership of the means of production, creation of goods or services for profit in a market, and prices and wages are elements of capitalism».

    É disto que eu estou a falar. Marx criticou a corrupção do sistema político pela acumulação de capital, e isso também eu oponho, mas isso não é um requisito do capitalismo. Quanto à economia de mercado, é ortogonal às leis de propriedade privada. Tu podes excluir os meios de produção da propriedade privada e ter à mesma uma economia de mercado livre no resto, onde as pessoas podem comprar e vender palitos e roupa interior mas não fábricas nem tractores.

    Eu considero-me capitalista porque me oponho a restrições que visem eliminar estes elementos de propriedade de meios de produção, mercado livre, preços, lucro, ordenados, etc.

    Os elementos adicionais que o Miguel invoca, de destruir o meio ambiente, esgotar recursos, corromper a democracia, etc, são problemas de implementação que devem ser resolvidos mas não fazem parte da definição consensual de capitalismo.

    «Para dar um bom exemplo, olha para o salazarismo.

    Era uma ditadura algo dirigista da economia, que aplicava uma série de restrições à actividade económica. Mas, do ponto de vista marxista, o sistema económico em Portugal era capitalista.»


    Do ponto de vista marxista, suspeito que tudo o que seja mau seja capitalista :)

    Mas, pela definição do termo, Portugal era capitalista. Havia propriedade privada de meios de produção, havia preços, ordenados, lucro e um mercado livre. Não era totalmente livre, mas nunca o mercado é totalmente livre. Em geral, dentro de Portugal as pessoas podiam comprar e vender coisas umas às outras.

    «aquilo que um marxista esperaria de um sistema capitalista «puro» seria o oposto: o governo encontraria uma desculpa qualquer para mandar a polícia pôr fim à greve»

    Isso é uma crítica razoável a algumas implementações do capitalismo mas não é correcto assumir que quando alguém se diz capitalista tem necessariamente de ser a favor da repressão policial das greves. É isso que eu estou a criticar.

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  40. Miguel Caetano e João Vasco,

    Para focar o ponto mais importante desta conversa, uma pergunta. Se eu disser que o “capitalismo”, no sentido que eu o defendo, refere um sistema politico e económico que tem «private ownership of the means of production, creation of goods or services for profit in a market, and prices and wages», eu estou a usar este termo num sentido aceitável ou o capitalismo não é nada disso?

    ResponderEliminar
  41. Ludwig,

    «Para focar o ponto mais importante desta conversa, uma pergunta. Se eu disser que o “capitalismo”, no sentido que eu o defendo, refere um sistema politico e económico que tem «private ownership of the means of production, creation of goods or services for profit in a market, and prices and wages», eu estou a usar este termo num sentido aceitável ou o capitalismo não é nada disso? »

    Aquilo que tenho estado a dizer desde o início da conversa é que é má ideia usares a palavra nesse sentido, porque não é inequívoco que seja esse o significado da palavra.


    «Marx criticou a corrupção do sistema político pela acumulação de capital, e isso também eu oponho, mas isso não é um requisito do capitalismo»

    De acordo com a definição que apresentas não é. De acordo com a definição que ele apresentou - que é diferente - é.


    «Do ponto de vista marxista, suspeito que tudo o que seja mau seja capitalista :)»

    Mas estás enganado.

    Para o marxismo o capitalismo é uma evolução muito positiva do sistema anterior que era o feudalismo.

    Nota que do ponto de vista marxista não são as leis relativas à propriedade que definem o sistema. A perspectiva é a de que estas podem ser facilmente alteradas, manipuladas, aplicadas de forma muito diferente. O que é relevante para definir o sistema é o sector social que na prática detém o poder - a diferença entre o capitalismo e o feudalismo está aí.


    «Isso é uma crítica razoável a algumas implementações do capitalismo mas não é correcto assumir que quando alguém se diz capitalista tem necessariamente de ser a favor da repressão policial das greves. É isso que eu estou a criticar.»

    Mas essa crítica não faz sentido. Só faria sentido se assumisses que a definição que adoptas é a única, mas o meu argumento é precisamente o de que estás equivocado e ignoras que existem outras.

    E nisto de convenções, nem faz grande sentido dizeres «a minha é melhor que a tua». Ambas as definições têm coerência interna, são operacionais, são muito utilizadas na linguagem corrente. A existência de várias definições para a mesma palavra faz com que ela seja uma fonte de males entendidos. Para comunicar evitando equívocos, o melhor é evitar a palavra.


    «There is no consensus on the precise definition of capitalism, nor on how the term should be used as a historical category. There is, however, little controversy that private ownership of the means of production, creation of goods or services for profit in a market, and prices and wages are elements of capitalism»

    Nota a diferença entre «são elementos» e «definem». Na procura de encontrar algo que fosse comum às diversas definições, tiveram de «enumerar» elementos comuns - logo aí entendes que o termo deve ser fértil em males entendidos.


    «Tu podes excluir os meios de produção da propriedade privada e ter à mesma uma economia de mercado livre no resto, onde as pessoas podem comprar e vender palitos e roupa interior mas não fábricas nem tractores.»

    Se falares em «economia de mercado» sem mais estás a opor o conceito ao de «economia planificada». Na economia de mercado os meios de produção são propriedade privada.

    «Economia de mercado» é um termo que se refere a tudo aquilo que atribuis a «capitalismo», com a vantagem de não existir um sector significativo da população que entende outra coisa quando confrontado com a palavra.

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  42. João Vasco,

    «Aquilo que tenho estado a dizer desde o início da conversa é que é má ideia usares a palavra nesse sentido, porque não é inequívoco que seja esse o significado da palavra.»

    E se eu escrever um post inteiro a explicar que é esse o sentido com que estou a usar a palavra e se, além disso, acrescentar mais uma carrada de comentário a dizer que é esse o sentido que lhe dou e a mostrar que, pelo menos o pessoal que contribuiu para a wikipedia, acha que dos vários sentidos que dão esse é o núcleo consensual do sentido de “capitalismo”.

    Continuo a não ter justificação para usar o termo neste sentido? O que falta ainda fazer?

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  43. João Vasco,

    Já agora, duas perguntas.

    Primeiro, qual é a definição de Marx? Tanto quanto pude apurar, é de que uma sociedade é capitalista quando a maior parte dos bens é produzida por assalariados com as fábricas e os bens que estes produzem propriedade dos tais capitalistas. É uma definição diferente, puramente descritiva e sem carácter normativo, mas que também não parece implicar as desgraças todas que o Miguel associa ao termo “capitalismo”

    Segundo, porque é que não é legítimo usar o termo “capitalismo” sem ser segundo a definição de Marx?

    «Mas essa crítica não faz sentido. Só faria sentido se assumisses que a definição que adoptas é a única»

    Não. Se eu deixo bem claro qual é a definição que estou a usar, é perfeitamente legítimo criticar aqueles que dizem que eu estou a defender algo que eu já deixei claro não estar a defender só porque a definição deles difere.

    Por exemplo, se eu definir “partilha” como “o roubo injusto e cobarde de coisas que tanto custa aos outros criar”, será legítimo que o Miguel me critique se eu, sempre que ele defende a partilha, o acusar de defender um roubo injusto e cobarde. Pode bem ser que alguém defina a partilha dessa forma, mas se o Miguel deixar claro que está a usar o termo de outra forma, igualmente legítima, mas que não implica o roubo injusto e cobarde, é correcto da parte dele criticar-me por estar a deturpar o que ele defende.

    É isso que proponho se passa aqui. A definição que eu uso do termo “capitalismo” é uma definição legítima e bastante usada. É até aquela que a wikipedia diz ser a consensual. E eu deixei amplamente claro que é essa a definição que eu uso. Por isso parece-me legítimo criticar quem queira deturpar a minha posição associando a essa definição elementos que eu, explicitamente, rejeitei.

    « Na procura de encontrar algo que fosse comum às diversas definições, tiveram de «enumerar» elementos comuns - logo aí entendes que o termo deve ser fértil em males entendidos.»

    E, para evitar esses mal entendidos, eu uso o termo como querendo dizer apenas aquilo que todos consensualmente concordam fazer parte do seu significado, e nada do que possa causar mal entendidos por não ser consensual. Por isso, para mim, “capitalismo” quer dizer apenas que tem «private ownership of the means of production, creation of goods or services for profit in a market, and prices and wages». O resto pode dar confusão, por isso tem de ser usado com cuidado e não se pode assumir que faça parte da definição do termo.

    Mais ainda, já deixei bem claro que é assim que eu estou a considerar o termo e rejeitei explicitamente todos os outros elementos que não dão confusão. Penso que só se justifica alguém alegar que está baralhado no que respeita ao meu uso do termo se não leu nada do que eu escrevi :)

    «Se falares em «economia de mercado» sem mais estás a opor o conceito ao de «economia planificada». Na economia de mercado os meios de produção são propriedade privada.»

    Não é isso que percebo da definição, que é, basicamente, «A market economy is an economy in which the prices of goods and services are determined in a free price system». Isto não tem qualquer implicação sobre direitos de propriedade. Por exemplo, não diz se podes ser proprietário privado de elementos radioactivos, de armas de fogo, de agentes patogénicos ou de meios de produção. Diz apenas que aquilo que é comercializado tem um preço determinado pelo mercado e não por uma entidade central.

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  44. Ludwig,

    É absolutamente falso que estejas a usar a definição que a wikipedia diz ser consensual. O que a wikipedia diz é que tal definição consensual não existe, que é o que tenho defendido. Enumerar elementos de um conceito não é definir uma palavra, aliás é por isso mesmo que a parte que citaste está logo a seguir a: «There is no consensus on the precise definition of capitalism, nor on how the term should be used as a historical category.[2]»


    «Segundo, porque é que não é legítimo usar o termo “capitalismo” sem ser segundo a definição de Marx?»

    Eu não uso o termo de acordo com a definição de Marx. Já tive esta mesma discussão com marxistas, que acreditam que a sua definição de capitalismo é a única correcta.
    Eles sempre têm a raiz etimológica da palavra a seu favor.

    Eu prefiro evitar usar uma palavra fértil em ambiguidades.



    «Se eu deixo bem claro qual é a definição que estou a usar, é perfeitamente legítimo criticar aqueles que dizem que eu estou a defender algo que eu já deixei claro não estar a defender só porque a definição deles difere.»

    Mas eu não disse que estás a defender isto ou aquilo, eu já expliquei que no plano político concordo contigo.

    O que me parece é que estás a ignorar a existência de outras definições da palavra. Nem sequer estás a dizer que escolheste usar a palavra com este significado, estás a repetir que esse é o significado certo. Ora isso é absurdo.


    «E, para evitar esses mal entendidos, eu uso o termo como querendo dizer apenas aquilo que todos consensualmente concordam fazer parte do seu significado»

    Não.

    Nota bem que já defendes o contrário. Tu alegaste que num sistema capitalista podes ter toda a sociedade a funcionar por cooperativas se as pessoas assim desejarem, e que seria possível hipoteticamente que ninguém procurasse o lucro. Isso contraria um elemento que alegas ser consensual «creation of goods or services for profit». Afinal em que é que ficamos? Defines capitalismo pela presença de elementos que geralmente se associam aos sistemas capitalistas, ou defines pela possibilidade de ser proprietário dos meios de produção?


    «Penso que só se justifica alguém alegar que está baralhado no que respeita ao meu uso do termo se não leu nada do que eu escrevi»


    O problema é que tu não dizes «escolho definir o termo desta forma», dizes «o termo tem este significado».

    Isto pede confusão. Para perceberes, imagina que tinhas lido um texto de um marxista, que definia capitalismo do ponto de vista marxista como se essa fosse a definição correcta.

    Logo aí irias esclarece-lo de que ele está equivocado, que capitalismo não é isso. E existiria uma confusão entre questões descritivas, políticas e semânticas.

    Mas existe uma boa solução, a expressão «economia de mercado» ao contrário do que dizes tem implicações ao nível dos direitos de propriedade.

    Dizer que tens «economia de mercado» sem que os meios de produção possam ser detidos por privados é como chamar «capitalismo de estado» ao que se passava na URSS, como muitos chamam. Dessa possibilidade não te livras qualquer que seja a palavra.

    Mas se falares em economia de mercado exprimirás o que queres exprimir e verás que originas menos equívocos.


    E por fim..

    «Primeiro, qual é a definição de Marx?»

    Uma sociedade capitalista é aquela em que a classe social que detém o poder político «na prática» é a classe que detém «capital» (a burguesia).

    Como em «democracia» seria poder vindo do povo; «capitalismo» seria poder vindo do capital.

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  45. João Vasco,

    «O que me parece é que estás a ignorar a existência de outras definições da palavra.»

    Depois de perder tanto tempo a explicar exactamente qual a definição que estou a usar, parece-me pouco razoável acusar-me de ignorar que haja outras definições que possam causar confusão se não explicar em que sentido uso o termo.

    «Eu prefiro evitar usar uma palavra fértil em ambiguidades.»

    “Fértil”? Estás a querer dizer uma palavra com nutrientes? Uma palavra onde possam crescer plantas? Vais plantar coisas em palavras? Que raio de conversa é essa? ;)

    Não me parece um objectivo realista. Acho que, na prática, o melhor que se pode fazer é, sempre que uma palavra suscita dúvidas, tentar esclarecer e ter esperança que haja um pouco de boa vontade do outro lado...

    «Tu alegaste que num sistema capitalista podes ter toda a sociedade a funcionar por cooperativas se as pessoas assim desejarem»

    Certo. É por isso que já mencionei várias vezes que o capitalismo que defendo não é um modelo descritivo. É um modelo normativo. Ou seja, defino uma sociedade como capitalista se tem um conjunto de normas que aceitem como legítima a propriedade sobre meios de produção, um mercado livre com preços, salários, a procura do lucro, etc. Isto não quer dizer que as pessoas tenham forçosamente de se comportar assim, pelo que a descrição do que realmente fazem em sociedade é diferente.

    O que, se pensares bem, é a única coisa que faz sentido quando se defende algo. Não faz sentido defender uma descrição como sendo a que eu prefiro, porque a descrição ou está correcta ou incorrecta. Não é uma questão de preferência. Só a norma é que pode ser um objecto razoável de preferência.

    Por isso, considero que uma sociedade é livre se as pessoas puderem, por exemplo, defender publicamente que a Lua é feita de queijo sem que vão presas por isso. Isto não quer dizer que a descrição de uma sociedade livre seja, para mim “uma sociedade onde se defende que a Lua é feita de queijo”.

    E logo no post deixei clara, julgo eu, esta distinção entre o capitalismo como uma norma que permite aquelas coisas (propriedade privada, etc) e um modelo económico que descreve um certo estado de uma sociedade que se regule por essas normas.

    «O problema é que tu não dizes «escolho definir o termo desta forma», dizes «o termo tem este significado».»

    Não me parece que seja a melhor forma de interpretar a minha frase «No entanto, “capitalismo” também designa outras coisas, com as quais não concordo tanto.»

    A questão fundamental, que gostava que vocês respondessem, justificando, e se eu, desde que o deixe claro, posso usar “capitalismo” para designar uma sociedade tal que permita a propriedade privada de meios de produção, preços, salários e comércio livre. Ou se, pelo contrário, é ilegítimo usar o termo “capitalismo” para isto apesar de serem aqueles elementos que consensualmente se considera parte do capitalismo.

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  46. Este comentário foi removido pelo autor.

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  47. Ludwig:

    "Se eu disser que o “capitalismo”, no sentido que eu o defendo, refere um sistema politico e económico que tem «private ownership of the means of production, creation of goods or services for profit in a market, and prices and wages», eu estou a usar este termo num sentido aceitável ou o capitalismo não é nada disso?"

    Em primeiro lugar, a palavra importante aí é "profit". Logo aqui o lucro é colocado em primazia sobre tudo o resto: bem-estar individual e colectivo, felicidade, meio-ambiente, acesso livre à educação e ao conhecimento. valores morais ou familiares, honra, confiança, etc. E não podes alegar que embora não sejam referidos, são à mesma tidos em conta. Na prática, não importa: é como se não existissem. E como não existem, serão sempre menosprezados num país que se oriente segundo os princípios capitalistas. E isso é o que diferencia um país apenas com uma economia de mercado como o Brasil ou a Dinamarca ou a Finlândia de um país capitalista como os EUA, Reino Unido ou mesmo Portugal. Dito de outra forma: o capitalismo representa um estádio ulterior de uma economia de mercado em que o mercado e o seu princípio fundamental o lucro acabam por se sobrepor completamente a todas as outras esferas: a família, a comunidade, o bairro, etc. Numa economia de mercado, o mercado tem apenas o domínio da economia. No capitalismo, o mercado domina a economia, a sociedade, a cultura, a política e a religião.

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  48. Miguel Caetano,

    «Em primeiro lugar, a palavra importante aí é "profit". Logo aqui o lucro é colocado em primazia sobre tudo o resto: bem-estar individual e colectivo, felicidade, meio-ambiente, acesso livre à educação e ao conhecimento.»

    É essa deturpação tendenciosa que eu rejeito. Não vejo justificação objectiva para eu não poder usar o termo “capitalismo” para referir aquele conjunto de normas que permitem propriedade privada, etc, sem ter de dar primazia ao lucro. Isso é uma premissa tua que eu explicitamente rejeito e que não se aplica ao significado com que eu uso o termo “capitalismo”. E não me parece que eu seja a única pessoa no mundo que considera que “capitalismo” não exige considerar o lucro como mais importante que o bem estar. Senão seria anti-capitalista que um detentor de capital alguma vez tirasse férias...

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  49. «Estás a querer dizer uma palavra com nutrientes?»

    Essa é a diferença entre uma confusão bizarra, com uma confusão natural e espectável.


    «tentar esclarecer e ter esperança que haja um pouco de boa vontade do outro lado...»

    Isso é como a outra conversa sobre os erros ortográficos.
    Eu consigo compreender o que escreveste, mas faço-te este aviso, porque sei que desta forma dificultas a compreensão.


    « É por isso que já mencionei várias vezes que o capitalismo que defendo não é um modelo descritivo. É um modelo normativo. Ou seja, defino uma sociedade como capitalista se tem um conjunto de normas que aceitem como legítima a propriedade sobre meios de produção, um mercado livre com preços, salários, a procura do lucro, etc. Isto não quer dizer que as pessoas tenham forçosamente de se comportar assim, pelo que a descrição do que realmente fazem em sociedade é diferente.»

    Eu percebi que é essa a tua posição. Mas isso colide com a enumeração dos elementos presentes no capitalismo enquanto definição «mínimo denominador comum» do termo.

    Aquilo que quis mostrar é que na wikipedia quando se enumeram alguns conceitos presentes num sistema capitalista não estavam a definir o termo capitalismo, porque o próprio texto diz que não existe definição consensual. Se isso fosse uma definição, então sem lucro não terias capitalismo, e isso não é o que defendes.



    «A questão fundamental, que gostava que vocês respondessem, justificando, e se eu, desde que o deixe claro, posso usar “capitalismo” para designar uma sociedade tal que permita a propriedade privada de meios de produção, preços, salários e comércio livre. Ou se, pelo contrário, é ilegítimo usar o termo “capitalismo” para isto apesar de serem aqueles elementos que consensualmente se considera parte do capitalismo. »

    Legítimo é, sem dúvida, que eu não te quero prender :p

    Mas creio que se o fizeres vais ter mais dificuldade em centrar a discussão no ponto que importa - os conceitos.

    E nem sequer vai ser óbvia a separação. É bem possível que incorras em verdadeiras «conversas de surdos» em que a pessoa sente que não estás a responder ao seu argumento, e tu sentes o mesmo.

    Em teoria eu posso fazer um argumento definido Deus como Amor, e depois alegando que Deus existe e há várias provas da sua existência.
    Formalmente tenho razão: o Amor existe, e eu defini Deus dessa forma («Deus é Amor»).
    Pode ser que alguém identifique logo o «truque» e diga que em Deus «definido desta forma» acredita, não acredita é naquilo que se designa como Deus, um ser criador do Universo, etc e tudo mais.
    Mas o mais provável é gerar-se uma conversa de surdos, porque o conceito associado a Deus vai ser aquele que geralmente será associado à palavra, e não a definição que acabei de estabelecer. Em termos de comunicação ajuda utilizarmos definições que já são aquelas que as pessoas usam. E evitarmos termos que para umas pessoas têm uma definição e para outras têm outras.


    E repito o que disse, na definição de economia de mercado não existe distinção entre «meios de produção» e outros bens, por isso uma economia de mercado em que a propriedade dos bens de produção não pode ser negociada livremente entre privados é algo que faz precisamente o mesmo sentido que chamar «capitalismo de estado à URSS».
    Na prática, causa menos males entendidos.

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  50. "Não vejo justificação objectiva para eu não poder usar o termo “capitalismo” para referir aquele conjunto de normas que permitem propriedade privada, etc, sem ter de dar primazia ao lucro."

    Mas faz parte da definição da Wikipedia ;) Um país ao adoptar uma política económica orientada pelo princípio de que toda a criação de bens e serviços se destina à venda no mercado com o intuito de obter lucro, está ao mesmo tempo a emitir sinais para o exterior - frequentemente sob a forma de leis ou de políticas públicas - de que o fornecimento de serviços como cuidados de saúde e educação ou de bens como a água seja sempre orientado pelo lucro.

    Como todos os "-ismos", o capitalismo remete para um conjunto de linhas orientadoras que para serem implementadas na prática necessitam de ser adoptadas pelo aparelho estatal. Caso contrário, são estéreis, não servem para o propósito para que foram criadas: transformar a realidade num ou noutro sentido. Da mesma forma que os fundamentalistas islâmicos querem tomar o poder de um país para impor uma república islâmica regida pelos princípios da Sharia. Da mesma forma que os comunistas querem tomar o poder de um país para impor uma ditadura do proletariado e adoptar o planeamento centralizado da actividade económica. Não importa que esse processo de tomada de poder seja feito de forma democrática ou à força. Importa sim é tomar e manter o poder. Caso contrário, deixam de ser exequíveis.

    "Senão seria anti-capitalista que um detentor de capital alguma vez tirasse férias"

    Não necessariamente. Esse detentor de capital pode se identificar com as ideias normalmente associadas ao socialismo. Apesar de ter uma actividade lucrativa, pode achar que existem esferas da sociedade que não se devem submeter ao desígnio do lucro.

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  51. Miguel e João Vasco,

    Acho que isto vai ter de ir a post, que aqui já andamos às voltas. Stay tuned :)

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  52. "implementar em seu lugar um rendimento univeraal [sic] garantido"

    Felizmente que o capital facilita a coisa a este nível. Em termos nominais é fácil garantir um rendimento de X unidades da moeda "reles" a todas as pessoas.

    Será que alguém que tenha propriedade sobre comida, aceitará livremente transaccionar a comida por uma certa quantidade de moeda "reles"? Ou melhor, é certo que têm de aceitar por lei essa forma de pagamento (na zona monetária dessa moeda; senão não seria uma moeda), mas os vendedores têm a liberdade de, no limite, pôr o preço de um pão igual a um montante de moeda que não está em circulação -- o preço é livre. Sendo assim, a moeda reles tornar-se-á rapidamente em má moeda ;) Viva à má moeda! Viva! Brutais rendimentos em má moeda, brutais utilidades nulas dessa má moeda.

    Para reflexão deixo o seguinte apontamento. A maior parte do trabalho aparenta não ter as características que os trabalhos criativos ou intelectuais têm: as pessoas não gostam de o desempenhar e se dada a hipótese de escolher entre continuar a trabalhar ou deixar de trabalhar e auferir dum rendimento de utilidade equivalente à gerada pelo trabalho, optariam peremptoriamente pela segunda opção.

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  53. Me encontrei. Sou estudante de RI, e quando fui classificado como 'capitalista de esquerda' me deparei com uma esfera diferenciada. E tenho estudado a finco no assunto. Tudo escrito pelo autor de fato, coincide com meus pensamentos e pontos de Vista. Parabéns!

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  54. Me encontrei. Sou estudante de RI, e quando fui classificado como 'capitalista de esquerda' me deparei com uma esfera diferenciada. E tenho estudado a finco no assunto. Tudo escrito pelo autor de fato, coincide com meus pensamentos e pontos de Vista. Parabéns!

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