sexta-feira, agosto 05, 2011

O suporte.

Soube pela Paula Simões que a Bertrand editou obras no domínio público, em formato electrónico, com DRM. Como a Paula apontou, a lei só permite a imposição de restrições digitais com a autorização expressa do autor, difícil de obter no caso de Camões, Almeida Garrett ou Fernando Pessoa (1). O Paulo Gonçalves, representando a Bertrand, tentou justificar a legalidade desta medida invocando que «não podemos confundir o direito do autor da obra (conteúdo) e o direito do autor da fixação da obra», entre outras coisas, mas sem explicar como é que a Bertrand cumpriu o disposto no número 4 do Artº 217 do CDADC: «A aplicação de medidas tecnológicas de controlo de acesso é definida de forma voluntária e opcional pelo detentor dos direitos de reprodução da obra, enquanto tal for expressamente autorizado pelo seu criador intelectual». A justificação legal do Paulo Gonçalves já foi dissecada nos comentários ao post da Paula. Aqui, vou focar mais o fundamento que o Paulo Gonçalves invoca para os direitos que a Bertrand alega ter, e que consequências isso deveria ter para a lei.

Uma alegação do Paulo Gonçalves que, infelizmente, ninguém opôs, foi que o trabalho de edição, «como qualquer trabalho digno e sério, deve e tem de ser recompensado». Isto é falso. Há só uma coisa que determina o dever de recompensar alguém pelo seu trabalho: um acordo prévio prometendo essa recompensa. Se,eu limpar as escadas dos prédios todos da minha rua por iniciativa própria ninguém incorre no dever de me pagar. Esse dever só surge se me contratarem para prestar tal serviço, devendo, nesse caso, compensar o meu trabalho de acordo com o que me tenham prometido. Concordo que a sociedade invista nos autores e os incentive, mas apenas porque – e na medida em que – isso beneficia toda a sociedade. É errado pensar que esta legislação cumpre o dever moral de recompensar um trabalho que ninguém encomendou e que ninguém se comprometeu a recompensar.

Quanto às restrições impostas, o Paulo Gonçalves explica que «estes DRM não visam a proteção da Obra enquanto tal, mas sim o seu acesso ao suporte e ao meio digital em que esta é veiculada» e pergunta «Se a Paula Simões for a uma livraria e encontrar uma edição de “Os Maias” que lhe agrada [...] compra-a ou reclama que, sendo a obra de domínio público, tem direito a levá-la debaixo do braço a preço zero?» No caso do livro tem razão. Enquanto a Paula não pagar, o papel, a cola e a tinta são da Bertrand, e a Bertrand tem o direito de fazer o que quiser com esse livro. Por isso, a Paula não pode simplesmente levar o livro nem ditar à Bertrand o que fazer com esse suporte material da obra. Mas quando se aplica o mesmo princípio ao livro digital, o resultado é o oposto.

O “livro” no formato electrónico é apenas um conjunto abstracto de valores numéricos. Para que possa ser lido tem de estar representado num suporte material, como o computador da Paula. Mas este nunca foi da Bertrand. Os campos magnéticos no disco, as cargas eléctricas na memória RAM, o CPU e o monitor, tudo isto é da Paula, e o “livro” electrónico não é mais do que uma combinação de bits no computador da Paula. Pela mesma razão que a Paula não pode levar o livro que é da Bertrand sem pagar primeiro por esse suporte, a Bertrand também só teria legitimidade de impor restrições ao uso do computador da Paula se lhe comprasse o computador primeiro. Caso contrário, ambos estão a violar os direitos de propriedade do outro.

Se bem que, à partida, a Bertrand tenha o direito de codificar os livros, nos seus computadores, com o formato e as restrições que entender, é legítimo regular as relações comerciais de forma a que se respeite as expectativas dos intervenientes. Eu tenho o direito de guardar areia em pacotes de farinha mas não de vender areia em pacotes de farinha. Isso seria burlar o comprador. O DRM é semelhante a isto, porque quem compra algo conta terminar a sua relação com o vendedor no acto do pagamento, mas o DRM obriga a um contrato perpétuo em que o comprador tem de obter autorizações para usufruir daquilo que comprou e estar para sempre limitado pelas restrições que o vendedor decidir impor. É como comprar um pacote de farinha e só depois descobrir que tem areia.

Mas o que é mais ilegítimo no DRM é que a lei proíba a remoção dessas restrições digitais. Isso é uma violação dos direitos de propriedade do comprador porque, uma vez tendo essa sequência de bytes representada no seu PC, devia ser-lhe permitido alterar os valores como quisesse. Se eu não gostar do prefácio do livro que comprei posso cortá-lo à tesoura. É o meu livro. Que não o possa fazer no meu PC é inaceitável. E este problema não se restringe ao DRM nem ao domínio público. Abrange toda a aplicação destas leis ao conteúdo digital.

Nos formatos analógicos, a legislação regulava a venda e cópia do suporte material mas não da informação em si. No conteúdo digital passa-se o contrário. Quando se descarrega um ficheiro não se copia o suporte. Quando se converte a música do CD para mp3 nem sequer a codificação é a mesma. E a lei proíbe a partilha de ficheiros o a remoção do DRM não está a regular a cópia do suporte material da obra mas a censurar a informação e a impedir que os proprietários do computador, telemóvel ou leitor digital gozem dos seus direitos de propriedade. Esta violação dos direitos de propriedade sobre o suporte é que é análoga à Paula roubar o livro da livraria.

1- Paula Simões, Bertrand/Porto Editora ataca Domínio Público

8 comentários:

  1. Se, krippahl limpar todas as escadas dos prédios de SUA rua
    ou foi porque O despediram

    ou porque Quer perder barriga subindo e descendo escadas

    DRM era Distrito de Recrutamento Militar

    agora deve ser uma loisa qualqué

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  2. Esqueçam a Bertrand, aqui estão os clássicos todos portugueses sem restrições idiotas com argumentos ainda mais idiotas para as ter:
    www.gutenberg.org

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  3. Cristy,

    Infelizmente, o gutenberg tem muito pouco dos clássicos portugueses (acho eu). O que dava um golpe publicitário porreiro para a Bertrand. Em vez de vender os livros com DRM, usavam o trabalho que já fizeram para os livros em papel e punham essas obras que já não têm copyright disponíveis de graça. Talvez até no Gutenberg. O que ganhavam em publicidade provavelmente seria mais do que o que vão ganhar a vender o pdf dos Lusiadas por €15 + DRM (mais publicidade negativa...).

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  4. Para o núnmero que ainda é lido chega ;-) Mas eu não me preocupava muito com a Bertrand. Por estas e por outros disparates bem à portuguesa estão à beira da falência. Por exemplo: quis encomendar dois livros por correio para a Alemanha. Pediram-me (estás sentado?) 32 euros de portes. Alegadamente porque têm que pagar um seguro. Não vão muito longe.

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  5. Eu há anos que deixei de comprar livros em livrarias portuguesas. Quando os livros tinham defeito (faltar páginas ou assim) nunca tinham iguais e só trocavam por outros mais caros, pagando eu a diferença. Quando isso me aconteceu com a Amazon, simplesmente me enviaram outro exemplar, sem defeito, e sem cobrar nada. Como raramente leio em português, ficou o problema resolvido...

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  6. Ludwig Krippahl disse...
    Eu há anos que deixei de comprar livros.....(faltar páginas ou assim) nunca tinham iguais

    pois livros pornográficos nesses dias tinham muita procura

    agora com a internet
    Lowest sea ice extent 1979-2011?

    7,9 million square km....

    median ice edge

    in Labrador ....200 km...

    heat wave nill...i have 23º and a rainy heather outside

    the worst summer ever
    (since 19....something only)
    it's like Praha in the summer

    you will go nuts because AGA is not a series of heat wave's

    works in harsh and soft moody's

    This is 210,000 square kilometers (81,000 square miles) below the previous record low for the month, set in July 2007, and 2.18 million square kilometers (842,000 square miles) below the average for 1979 to 2000.

    On July 31, 2011 Arctic sea ice extent was 6.79 million square kilometers (2.62 million square miles). This was slightly higher than the previous record low for the same day of the year, set in 2007. Sea ice coverage remained below normal everywhere except the East Greenland

    The hot weather was torturing all of Europe and on August 3rd, Prague has received this telegraphic report: "From London, August 3rd. On the battleship Thunderer, a stoker went crazy. He told his comrade: - I will go nuts because of the heat. And right after this sentence, he took a razor and cut his throat."

    A similar report was sent from Frankfurt am Main in Germany, too: "From Frankfurt upon Main, August 3rd. Near Wiesbaden, the son of a gymnasium [high school] professor, the student named Pagenstecher, jumped to the Rhine River and drowned. It seems that he went nuts because of the heat."

    The temperatures in the Czech lands were climbing to 35 °C in the shadow once again. That's why, for example, firemen in steam locomotives had to work in heat that was as high as 70 °C.

    é outro centenário.....melhor que o da GNR

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  7. A 300 gigadólares de perdas ao jour

    A map of ice age for the third week of July, combined with sea ice concentration for July 31, 2011 (Figure 4) shows that in the eastern Beaufort Sea, the ice has essentially melted back to the edge of the multi-year ice cover (ice older than one year). Multi-year ice is more resistant to melting completely in summer, so it is not yet clear how much more ice will melt. Another tongue of old ice extends from near the pole towards the New Siberian Islands.

    Between late March and late July first-year (younger) Arctic sea ice has declined by 30%, multi-year ice has declined by 14%, and the oldest ice, or ice older than 5 years, has declined by 16% . For background information on ice thickness, see the new post on NSIDC's Icelights.
    pró ano que vem os livros ble publisert.

    vão andar a saldo

    e os empregos idem

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  8. Mas o que é mais ilegítimo no DRM é que a lei proíba a remoção dessas restrições digitais. Isso é uma violação dos direitos de propriedade do comprador porque, uma vez tendo essa sequência de bytes representada no seu PC, devia ser-lhe permitido alterar os valores como quisesse. Se eu não gostar do prefácio do livro que comprei posso cortá-lo à tesoura. É o meu livro. Que não o possa fazer no meu PC é inaceitável.

    Mais uma vez na "mouche". Depois desta comparação, qualquer pessoa deveria ser capaz de perceber o absurdo do DRM.

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