sexta-feira, dezembro 03, 2010

Deus e a não-ingerência.

A minha posição pró-NATO (1) levou a várias conversas, aqui e noutros lugares, sobre a moralidade de um país se ingerir nos assuntos de outro. Várias pessoas me apontaram esta coisa da não-ingerência como sendo um critério importante para avaliar acções como a da NATO no Afeganistão. E ocorreu-me que, nisto, a não-ingerência é muito semelhante a Deus.

Como fundamento ético, nenhum dos dois serve. É fácil de ver que, se uma coisa é moralmente condenável – como roubar, matar, torturar ou violar – não passa a ser moralmente louvável só porque Deus manda. Tem-se investido um número enorme de teólogo-horas na reinterpretação do Antigo Testamento só por causa deste problema. E se uma coisa é moralmente louvável também não se torna condenável só por causa de Deus. O mesmo se passa com a não-ingerência que, no fundo, é apenas uma divisão arbitrária entre “nós” e “eles”, geralmente sem nada que ver com a ética. Se alguém está prestes a ser agredido é moralmente louvável acudir seja qual for a etnia ou nacionalidade dos envolvidos.

Há quem sugira que a não-ingerência não é um valor ético em si mas, por se correlacionar com eventuais valores, por especificar, é uma ferramenta moral útil. Se convencermos as pessoas a acreditar nesta regra, defendem, comportar-se-hão melhor. É como a crença em Deus, que muitos dizem tornar as pessoas melhores independentemente de ser verdadeira ou falsa. Isto não funciona, porque é óbvia a facilidade com que ambas são descartadas sempre que se tal revela conveniente, tanto a crença nos alegados preceitos divinos como no suposto princípio da não-ingerência. A história mostra bem que, nestas coisas, há mais excepções do que regra.

Uma desculpa é que as regras são boas mas, infelizmente, pouco usadas. Esta desculpa não serve. Serviria se tivessem um valor ético intrínseco, que seria o mesmo fossem ou não usadas. Mas se são ferramentas só têm mérito pelo seu efeito prático. E, na prática, Deus e a não-ingerência são tão úteis como um martelo de gelatina ou brocas de algodão doce.

Pior que isso, são prejudiciais. A crença num deus serve para fingir serem legítimos muitos actos condenáveis, desde a discriminação das mulheres até aos atentados bombistas. E da não-ingerência à indiferença vão apenas algumas letras. O princípio fundamental da não-ingerência é que os problemas de uns não devem ser resolvidos pelos outros. Por este princípio tolera-se que os ciganos tirem as raparigas da escola aos doze e as casem aos quinze, ou que os países mais desenvolvidos dediquem apenas três milésimas do seu PIB em auxílio aos países em desenvolvimento (2).

Dizem que a não-ingerência é importante para evitar guerras e conflitos e para proteger os direitos dos povos. Mas há mil milhões de pessoas subnutridas no mundo. Enquanto a Segunda Guerra Mundial matou sessenta milhões de pessoas em seis anos (3), a fome mata setenta milhões a cada dois (4). Hoje, a não-ingerência é o perigo maior.

Admito que, em teoria, haja uma diferença entre ajudar quem quer auxílio e interferir nos assuntos de quem não o quer. Mas, na prática, esta diferença é difícil de ver. Porque quando se trata de milhões de pessoas é difícil dizer a quem nos referimos quando dizemos que “o país” quer ou não quer algo. Quando dizem que o Afeganistão não quer lá europeus e americanos não é claro se falam dos milhares de afegãos armados ou dos milhões que ficarão à sua mercê se ninguém os ajudar. Além disso, muitas vezes é difícil saber sequer o que cada pessoa quer. Não é fácil distinguir entre as mulheres muçulmanas que andam andam de burka porque querem e as que apenas dizem querê-lo por hábito, medo ou doutrinação. Finalmente, e acima de tudo, porque o fundamento é o mesmo. É “nós” tratarmos dos nossos problemas, “eles” traterem dos deles e ninguém se meter nos assuntos dos outros. Esta regra alinha tão bem com o comodismo que quaisquer outras considerações acabam por passar despercebidas.

Em suma, se disserem que há problemas em intervenções como a do Afeganistão, Iraque, Bósnia e afins, concordo plenamente. Se defendem que é preciso mais transparência, menos corrupção e mais responsabilidade nessas coisas, assino por baixo. Mas condenar uma acção destas só por causa da não-ingerência é treta. É como dizer que não se deve mandar preservativos para África porque o menino Jesus fica triste.

1- Treta da semana: contra a NATO, pela paz.
2- Wikipedia, Official Development Assistance
3- Wikipedia, World War II
4- Wikipedia, Starvation

103 comentários:

  1. É fácil de ver que, se uma coisa é moralmente condenável, um conceito nebuloso há culturas em que o roubo fora do clã não só é moralmente aceitável como um imperativo moral, idem caçar cabeças, matar como rito de passagem, torturar ou violar sabinas (ligeiramente diferente das sabrinas)– os códigos atribuídos pelo homem a deuses ou a tradições com necessidade de continuação sejam praxes militares ou académicas, ou ritos iniciáticos de sociedades secretas (trolhas incluídos)são a expressão máxima da alma humana
    reprimir a animalidade primordial no macaco nu dá maus resultados
    já lá dizia o Desmond Morris há 50 anos e o Freud há quasi o dobrão

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  2. dos milhares de afegãos armados ou dos milhões...não há milhares de afgãos armados havia cerca de 3 milhões de AK 47 ou cópias dela em 1979 e mais de 10 milhões delas em 88 quando a guerra terminou, tal como em Portugal haviam 600mil caçadeiras há uns anitos

    logo é demagogia pensar que milhões ficam à mercê de milhares se nunca tal aconteceu antes, IBn Khaldun acreditava que cada dinastia trazia consigo a semente de seu declínio, pois os comendadores dos crentes degeneravam em tiranos ou eram corrompidos pela vida fácil (as virtudes e a vida simples dos líderes dos nómadas que foi recuperada por muitos líderes religiosos neo-salazaristas é apelativa ao povo).
    a Fé no Islão pura e a Lei, justiça para todos aplicada sem favores
    poder-se-ia dizer que os afgãos são populistas e gun's lovers

    o direito de porte de armas e o nacionalismo/ tribalismo ferrenho
    aproxima-os muito dos americanos
    compreender a cultura de um povo ou mesmo de um subgrupo cultural é algo ...enfim pregar aos ateus não resulta

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  3. Ludwig,

    Creio que o teu argumento não colhe, por não ter respondido à razão essencial pela qual acredito que esse princípio deve ser respeitado, que não é a "correlação" (???) com "eventuais valores".

    Para te explicar aquilo que defendi vou recorrer à tua analogia com a religião. Imagina que eu acredito que devido à crença em Deus existe menos morte, menos opressão, menos sofrimento, mais felicidade. Nesse caso poderei concluir que espalhar a fé é bom, e desacreditá-la é mau.

    Para mostrares que estou errado não vale a pena insistir que Deus não existe, ou fazer argumentos éticos abstractos acerca de como era bonito que as pessoas fizessem o bem por generosidade pura e não por vontade de serem recompensadas com o paraíso. Essa abstracção é pouco útil neste caso, para rebater esse argumento tens mesmo de olhar para o "mundo real".

    Para rebater a opinião inicial tens de mostrar que, no mundo real, a religião não traz mais felicidade, menos sofrimento e morte que a sua ausência. Tens de falar na natureza humana, na tendência que a falsidade tem para gerar consequências perversas, na importância do espírito crítico para a manutenção de sociedades democráticas abertas e como ao ser prejudicial à religião esta tende a inibi-lo, a forma como as instituições religiosas tendem a associar-se ao poder instituído prejudicando todos, etc...
    O ponto essencial é que o foco da discussão não pode ser exclusivamente abstracto, ou temos uma mera conversa de surdos.

    O foco dessa discussão não pode ser a ética em abstracto, mas sim as consequências da crença religiosa em concreto.


    Por isso, de forma análoga te digo que o cumprimento do princípio de não ingerência leva a menos violência, leva a um mundo mais pacífico, e por essa razão mais livre, democrático, e melhor. A democracia e os direitos humanos fazem menos atalhos, mas não se perdem pelo caminho.

    Quando esse princípio começa a ser desrespeitado em vez de mais democracia aquilo que se vê é o imperialismo a avançar com menos obstáculos.

    Se queres obstar a isto, fala no mundo concreto. O mundo que eu conheço é um mundo em que "democratizar" é um pretexto para pilhar ou intimidar. Não é nada por acaso que entre o Sudão, Angola e o Iraque, foi o país que decidiu transaccionar petróleo em euros que apanhou com o ataque dos EUA. Não é nada por acaso que entre o Darfur, o Tibete e o Kosovo os EUA tenham preferido intervir neste último. O princípio de não ingerência não impediu a intervenção na Somália ou no Sudão - foi a indisponibilidade de despender meios e esforços nesse sentido. Mas realmente serve um pouco de freio às super-potências militares evitando que intimidem e façam o que querem, principalmente se forem democracias e existir um eleitorado atento. Mais atento estivesse, mais prezasse esse princípio, e viveríamos num mundo melhor.

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  4. João Vasco,

    Aquilo que chamas “ética em abstracto” são, na realidade, as tais consequências que importam. Como explicas, para decidirmos acerca da religião temos de considerar não a regra de “acreditar em Deus” mas sim as consequências para a felicidade, liberdade, etc. Ou seja, as consequências para aquilo que é eticamente relevante. É isso também que defendo.

    Sempre que alguém está aflito, seja com fome, oprimido, torturado ou a afogar-se num rio, não interferir é pior que ajudar. Sempre. É claro que interferir não é necessariamente bom, mas a questão será então como interferir de forma benéfica. Simplesmente decidir não se meter no assunto é um erro.

    Admito que se as pessoas vivem felizes e satisfeitas, entrar por lá a dentro com tanques e mandar tudo para campos de concentração é muito mau. Nesse caso sim, é melhor a não-ingerência. Mas graças a organizações como o NATO, ONU, UE e afins, e, principalmente, graças à democracia nos países desenvolvidos, esse risco é hoje muito reduzido. Não precisamos de defender um princípio de indiferença ao sofrimento dos outros só para evitar que os americanos nos invadam.

    É por isso que descarto a não-ingerência como heurística. É uma má heurística. Era útil no final do século XVII, para acabar com a guerra dos 30 anos, e teria sido útil nos séculos seguintes se alguém lhe tivesse ligado. Mas hoje em dia é apenas um empecilho à resolução de problemas humanitários graves.

    «Por isso, de forma análoga te digo que o cumprimento do princípio de não ingerência leva a menos violência, leva a um mundo mais pacífico, e por essa razão mais livre, democrático, e melhor.»

    Isso é falso. Era verdade nos tempos em que a maior parte do conflito armado era entre países. Nesse caso podíamos apelar para uma regra que dizia “nenhum país se mete nos assuntos dos outros” para reduzir esse conflito. Mas hoje em dia a maior parte do conflito armado – e da violência, opressão, tortura e afins – é dentro dos países. É afegãos contra afegãos, jugoslavos contra jugoslavos, iraquianos contra iraquianos, etc. E a maior parte do sofrimento vem da má distribuição de recursos, da corrupção, das ditaduras e, basicamente, da estupidez, e não de guerras entre nações.

    Por isso essa regra da não-ingerência é um anacronismo. Hoje em dia empata muito mais do que ajuda.

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  5. Mas, Ludi, quantos exemplos conheces tu de intervenções por motivos puramente humanitários (nem na Somália, onde os americanos intervieram tragicamente apenas por pressão dos média em tempos de eleições)? E quantos exemplos de intervenção por razões políticas, estratégicas e económicas? E como é que as intervenções podem ser legitimadas pelo clube exclusivo de «arranjinho de interesses» que dá pelo nome de Conselho de Segurança das Nações Unidas?
    Repara, não defendo a não-ingerência, muito pelo contrário. Duvido é que ela praticada como é actualmente tenha ponta por onde se pegue. E aí pergunto-me se o João Vasco não tem razão, e não será melhor ficar quieto (afinal é a solução preferida até por Deus ;-))

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  6. Cristy

    Não conheço exemplos de intervenções destas por motivos puramente humanitárias. São sempre por motivos políticos, económicos, etc. E concordo que muitas são mal planeadas, mal geridas e até com efeitos nefastos.

    Mas o que se conclui daqui é que temos de ser mais exigentes acerca de como se intervém. Não segue que se deva excluir a intervenção. Se descobrirmos que os nadadores-salvadores só salvam as pessoas porque lhes interessa fama e o ordenado, então temos de usar isso para melhorar o serviço em vez de acabar com os nadadores-salvadores. Se descobrirmos que, afinal, as pessoas não pagam impostos voluntariamente por consciência social, então temos de arranjar alguma forma de as obrigar a pagar. Não vamos acabar com o sistema. Etc...

    «E aí pergunto-me se o João Vasco não tem razão, e não será melhor ficar quieto»

    Estatisticamente, parece-me evidente que não. Por exemplo, a guerra civil no Iraque matou cerca de 100,000 pessoas nos últimos 7 anos. Em proporção à população do país, isto dá cerca de 150% da mortalidade rodoviária em Portugal. E parece-me ingénuo julgar que se os americanos tivessem saído de lá os sunitas e xiitas iam abraçar-se, fazer uma festa com os curdos e viver todos em paz. Acho que o Ruanda dá uma estimativa realista do que podemos esperar do não-intervencionismo. Não só isso, mas o número de mortes no Ruanda devido à não-ingerência, cerca de um milhão, ultrapassa largamente o número combinado de mortes no Iraque, Bósnia e Afeganistão. Mesmo assim, não chega a 3% do número de pessoas que morre de fome por ano. E isto contando apenas morte. Se contares com a qualidade de vida em sítios como a Coreia do Norte, o problema é ainda maior...

    É claro que os americanos fizeram muita asneira no Iraque, e sou totalmente a favor de regras rigorosas para estas intervenções para evitar os erros piores. Mas parece-me que não fazer nada é tão pior, por várias ordens de magnitude, que não vejo como o João Vasco possa ter razão.

    O problema é a distorção na percepção do que se passa. Um milhão de pessoas mortas em cem dias no Ruanda é “lá com eles”. Trinta e seis milhões de mortos por ano à fome é “paciência, não se pode fazer nada”. São aqueles casos pontuais dos soldados mortos ou da bomba que cai onde não deve que faz exigir a não-ingerência.

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  7. «É isso também que defendo.»

    Mas só nesta mensagem que me dirigiste, e não no texto que comentei, é que começaste a dirigir-te ao ponto que me parece essencial.



    Começo por comentar este parágrafo, que denota a meu ver enorme ingenuidade:


    «Admito que se as pessoas vivem felizes e satisfeitas, entrar por lá a dentro com tanques e mandar tudo para campos de concentração é muito mau. Nesse caso sim, é melhor a não-ingerência. Mas graças a organizações como o NATO, ONU, UE e afins, e, principalmente, graças à democracia nos países desenvolvidos, esse risco é hoje muito reduzido. Não precisamos de defender um princípio de indiferença ao sofrimento dos outros só para evitar que os americanos nos invadam.»

    Satisfeitas e felizes, as pessoas todas de um país, nunca andam. Há sempre insatisfação e revolta. Em todos os países do mundo. Com um bocadinho de propaganda podes atacar quem quiseres alegando que as pessoas estão revoltadas. Só precisas da máquina de propaganda certa.


    «Mas graças a organizações como o NATO, ONU, UE e afins, e, principalmente, graças à democracia nos países desenvolvidos, esse risco é hoje muito reduzido.»

    Pelo contrário. Esse risco é tão elevado que organizações como a ONU, UE e afins defendem precisamente os princípios a que me referi, os princípios do direito internacional.


    «Mas hoje em dia é apenas um empecilho à resolução de problemas humanitários graves.»

    Não é empecilho nenhum. O empecilho é a falta de vontade.

    A propagação da democracia é um mero pretexto quando existem interesses estratégicos, como no caso do Iraque.
    Se realmente existir vontade de intervir onde é prioritário com razões meramente humanitárias, como no Darfur, o mandato internacional é fácil de obter.
    Não encontro nenhum caso em que tivesse havido vontade de intervir por razões fundamentalmente humanitárias e o mandato tivesse sido negado.


    «Mas hoje em dia a maior parte do conflito armado – e da violência, opressão, tortura e afins – é dentro dos países.»

    Já reparaste que o princípio da não ingerência pode ter algo a ver com isso? A verdade é que hoje vivemos num mundo menos violento, mas se esquecemos este princípio voltamos depressa ao "antigamente" quando os conflitos entre países eram tantos e tão graves que suplantavam em larga escala os conflitos internos.

    Aí os países têm de gastar consideravelmente mais recursos para se protegerem uns dos outros, e a democracia e os direitos humanos são as primeiras vítimas.

    ---

    Olha para a américa do Sul e para américa central durante a guerra fria, Chile, Nicarágua, S. Salvador, e tudo o mais. Os EUA eram uma democracia, mas não foi esse facto que impediu o porem a realpolitik acima dos valores da democracia e da defesa dos direitos humanos.
    E isto para não falar no imperialismo soviético, que se rejeitas esse princípio para todos dás bem mais legitimidade a todas as outras potências para "libertar as pessoas" (neste segundo caso da "opressão do capitalismo").


    O princípio da não ingerência é um princípio que advém de um cepticismo - que pelos vistos não tens - em relação às anunciadas intenções das diferentes potências militares. Se dificulta a intervenção externa, dificulta pouco, porque ela não é comum de qualquer das formas - nas diferentes democracias as pessoas estão geralmente mais preocupadas com o seu bem estar, não digo que isto seja correcto, mas é assim que as coisas são. Mas lá que dificulta e evita o conflito externo, lá isso dificulta. Oxalá fosse levado mais a sério, e dificultasse ainda mais.

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  8. correcção:

    O princípio da não ingerência é um princípio que advém de um cepticismo - que pelos vistos não tens - em relação às anunciadas intenções das diferentes potências militares. Se dificulta a intervenção externa COM FINS HUMANITÁROS, dificulta pouco, porque ela não é comum de qualquer das formas - nas diferentes democracias as pessoas estão geralmente mais preocupadas com o seu bem estar, não digo que isto seja correcto, mas é assim que as coisas são. Mas lá que dificulta e evita o conflito externo, lá isso dificulta. Oxalá fosse levado mais a sério, e dificultasse ainda mais.

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  9. Ludwig,

    Não há paralelo nenhum entre Deus (o verdadeiro) e a não-ingerência. Não nos moldes em que o tentas apresentar.

    "É fácil de ver que, se uma coisa é moralmente condenável – como roubar, matar, torturar ou violar – não passa a ser moralmente louvável só porque Deus manda."

    Se estás a falar, por exemplo, de Huitzilopochtli (deus da guerra Asteca), então a não ser que os Astecas tenham mal interpretado a vontade deste deus, tens aqui um exemplo que contraria o que escreveste em cima. Mas se há o Deus verdadeiro, o teu texto seria óbvio a qualquer pessoa inteligente. Roubar, matar, torturar ou violar também não passam a ser moralmente louváveis só porque tu, eu, o povo Português ou até a população mundial, mandam. Aliás, leio este blog regularmente e ainda não encontrei aqui uma explicação cabal para a questão dos valores de moral e ética.

    "Tem-se investido um número enorme de teólogo-horas na reinterpretação do Antigo Testamento só por causa deste problema."

    É possível, não tenho aqui nenhuma estatística. Mas eu próprio já li o Antigo Testamento duma ponta à outra e não perdi muito tempo a reinterpretar seja o que for à volta deste tema. Para mim, muitos dos textos dos livros do AT são bastante óbvios, principalmente no que toca a essa matéria. As leis de Moisés, por exemplo, não são nenhumas runas indecifráveis.

    "E se uma coisa é moralmente louvável também não se torna condenável só por causa de Deus."

    Depende do "Deus" que estás a considerar outra vez. Se for o Deus verdadeiro, também acho que é assim. Deve ser por isso que não encontro nenhum exemplo em que isto falhe.

    "É como a crença em Deus, que muitos dizem tornar as pessoas melhores independentemente de ser verdadeira ou falsa. Isto não funciona, porque é óbvia a facilidade com que ambas são descartadas sempre que se tal revela conveniente, tanto a crença nos alegados preceitos divinos como no suposto princípio da não-ingerência."

    O paralelismo aqui é crença/não-ingerência e não Deus/não-ingerência.

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  10. Dr. anacoreta:

    Dizer que Deus é bom ou é uma tautologia ou é uma descrição.

    Se é uma tautologia, definimos bom como sendo aquilo que Deus quer, e então o Ludwig não tem razão quando diz que uma coisa é boa ou má independentemente da vontade de Deus. Mas aí temos de admitir que um Deus que tirasse prazer no sofrimento da sua criação e por isso a fizesse sofrer seria um Deus bom, o que é absurdo.

    Se é uma descrição, então o Ludwig está correcto. Existe um bem e um mal, que tem uma definição alheia a Deus (relacionada com a felicidade e o sofrimento), e descrevemos as acções de Deus como boas.

    Nesse caso uma coisa já era louvável/condenável independentemente da vontade de Deus, e ao dizer que Deus é bom dizemos que Deus prefere as louváveis e pretere as condenáveis - por oposição à tautologia de dizer que prefere aquelas que prefere e pretere aquelas que pretere.

    Ou seja, o problema de ter de definir bem e mal acaba por existir mesmo para quem acredita em Deus, a menos que esse alguém acredite no absurdo acima mencionado - que um Deus que tirasse prazer no sofrimento e o promovesse seria um Deus bom.

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  11. "Mas se são ferramentas só têm mérito pelo seu efeito prático. E, na prática, Deus e a não-ingerência são tão úteis como um martelo de gelatina ou brocas de algodão doce."

    Não concordo nada com esta tua opinião. Os códigos de boas práticas são úteis, mesmo que o seu efeito benéfico só se "materialize" se as pessoas os cumprirem. Tenta ver a palavra de Deus como um mero código de boas práticas. (talvez um grande número de crentes nas várias religiões não vá na realidade além disso...)

    O AT terá sido bastante útil ao povo Hebraico naquele tempo. Aquilo que para nós é hoje em dia muito óbvio, podia não o ser naquele tempo. Já a vontade de divindades como o Huitzilopochtli, que mencionei anteriormente, interpretado pelos sacerdotes, terá sido, prejudicial ao povo Asteca. (conforme sugeres a seguir)

    "Pior que isso, são prejudiciais. A crença num deus serve para fingir serem legítimos muitos actos condenáveis, desde a discriminação das mulheres até aos atentados bombistas. E da não-ingerência à indiferença vão apenas algumas letras."

    O paralelo aqui é a crença/não-ingerência. O problema que aqui apontas é um problema da crença e dos "crentes", e não do Deus verdadeiro. Mas se pensares no caso Asteca podes ter alguma razão: se foi Huitzilopochtli que mandou (assumindo que foi correctamente interpretado), então sobra-te outra questão:

    Como saber que afinal o que este deus manda fazer é bom ou mau? Porque razão havia de duvidar um Asteca crente que cortar a cabeça a prisioneiros de guerra é mau? (muitas razões, suspeito, mas em teoria, é uma questão que se coloca).

    O Asteca ateu pensaria: não é bom, ou mau, só porque deus manda...

    Se pensar no conceito de Deus verdadeiro, isto não se coloca. É infalível.

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  12. João Vasco,

    Obrigado pelo comentário. É pertinente e denoto que és dos poucos que aqui comentam que não é mal-criado e javardo a confrontar as pessoas.

    "Se é uma tautologia, definimos bom como sendo aquilo que Deus quer, e então o Ludwig não tem razão quando diz que uma coisa é boa ou má independentemente da vontade de Deus. Mas aí temos de admitir que um Deus que tirasse prazer no sofrimento da sua criação e por isso a fizesse sofrer seria um Deus bom, o que é absurdo."

    Não sou perito em Teologia mas parece-me que é tautológico. Mas o problema que descreves resolve-se se Deus criou a Humanidade à sua imagem e semelhança. Nesse caso Ele é bom (ele é o Bem) e o que é bom para ele é-o para a Humanidade (que é uma coisa boa).

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  13. João Vasco,

    Com a segunda guerra mundial recém acabada e a guerra fria a começar, era natural que a ONU desse muita importância a isso da não-ingerência, apesar de claramente não ter tido grande efeito nos trezentos anos anteriores, durante os quais foi aceite como princípio no direito internacional.

    Mas entretanto as coisas mudaram. Há muito mais (e cada vez mais) democracias, principalmente entre os países mais poderosos, e alianças como a NATO e a UE. O risco de uma invasão semelhante à da Alemanha na Polónia ou do Império Austro-Hungaro na Sérvia é hoje muito reduzido, mais reduzido que nunca. O problema principal passou a ser os problemas internos dos países com regimes mais opressivos e as ocasionais invasões perpetradas por ditadores.

    Por isso, a partir de 1988, o Direito Internacional passou a reconhecer oficialmente o princípio da Ingerência Humanitária, que diz essencialmente o contrário do princípio da não-ingerência.

    Esta situação, em que temos os dois princípios – de não interferir e de interferir – parece-me demonstrar bem que esses princípios são treta, e que aquilo que se deve considerar de facto é o efeito das várias alternativas, ignorando estas regras arbitrárias.

    Por exemplo, se fosse possível unificar a Coreia com uma intervenção armada rápida e poucas baixas, e se houvesse boas hipóteses de, em poucas décadas, elevar o norte da Coreia ao nível de vida do Sul, isso seria claramente desejável, porque há milhões de pessoas a viver num regime miserável e opressivo, claramente necessitadas de ajuda. No entanto, o mais provável é que tal intervenção desse um resultado atroz, com milhões de mortos, anos de guerra, etc. Nesse caso não é boa ideia tentar. Mas nestas considerações a “não-ingerência” vale zero. Não é nada disso que importa. O que importa é unicamente o que acontece às pessoas, e não a questão arbitrária de decidir se a Coreia do Norte é um país independente ou apenas uma data de coreanos reféns de uma cambada de doidos.

    A questão dos interesse é uma falsa questão. Há cirurgiões que vão para o meio do mato ajudar pessoas pobres e sem ganhar nada com isso. Mas esses são raros. A maioria opera porque ganha bem, tem um trabalho de prestígio e consegue engatar moças mais facilmente. O motorista do autocarro não me leva para a faculdade por caridade ou simpatia, mas para ganhar o dele. E o polícia não é um herói. É um trabalhador. Nada disso justifica despedi-los a todos.

    Por isso, se 300 milhões de americanos tendem, em média, a favorecer uma intervenção no Iraque ou no Afeganistão, é de esperar que uns o façam porque acham que vão lucrar, outros porque querem ver os muçulmanos levar no coco, outros porque vão ganhar votos, outros pelo preço do petróleo, medo das armas de destruição maciça ou o que calhe. Em 300 milhões há de haver muita coisa diferente. E concordo que seria desejável corrigir as atitudes erradas e esclarecer os equívocos.

    No entanto, esclarecer e corrigir não se consegue pregando uma treta. E essa da não-ingerência é treta, porque depende fundamentalmente da nacionalidade, que deve ser um factor eticamente irrelevante. E, seja como for, para avaliarmos se concordamos com a acção ou não temos de considerar acima de tudo os seus efeitos. Se fazem o bem por razões más podemos defender que não será moralmente louvável mas não faz sentido defender que não o devem fazer.

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  14. João Vasco,

    (parte II)

    «Aí os países têm de gastar consideravelmente mais recursos para se protegerem uns dos outros, e a democracia e os direitos humanos são as primeiras vítimas.»

    Discordo que seja o princípio da não-ingerência que tenha trazido esta mudança que vemos desde 1945. Discordo porque esse princípio vigora na lei internacional desde o século XVII, e foi consensual durante toda a primeira e segunda guerras mundiais. Como qualquer princípio legal, não tem força se não tiver força por trás. Mas, ao contrário dos outros, esse é o único que anula a possibilidade de ser imposto a quem não o quer aceitar. Não podes impor nada sem ingerência.

    Mas o problema fundamental, e a raiz da nossa divergência, é que continuas a pensar a nível de países. Isso é errado. Os países não são entidades eticamente relevantes. O que interessa são as pessoas. Por isso, o que devemos considerar é o problema das pessoas se protegerem uns dos outros.

    Por exemplo, há quinze milhões de mulheres e raparigas no Afeganistão que têm muito mais a temer dos Taliban do que dos soldados britânicos e americanos. Se soldados europeus tivessem ocupado o Ruanda poderiam ter protegido um milhão de pessoas de serem mortas à catanada. Etc.

    Hoje em dia não temos nada a temer dos soldados franceses, espanhóis ou britânicos. Nem sequer dos alemães, que quando querem lebensraum compram casas em Tavira, que é muito mais prático. E a razão para isso é termos sociedades mais abertas, em que o povo e território não são propriedade de um chefe que joga com os exércitos a ver se ganha aos outros.

    E se pensares no problema fundamental, que é dos direitos de cada pessoa, verás que esse princípio da não-ingerência é arbitrário e irrelevante. Se um grupo de pessoas armadas subjuga e maltrata outro grupo desarmado, é razoável recorrer a um terceiro grupo armado para acabar com isso. Tanto faz se são soldados belgas a proteger hutus dos tutsis no Ruanda ou se são soldados do norte a atacar os soldados da Confederação para libertar os escravos.

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  15. Estatisticamente, a guerra civil no Iraque matou directamente cerca de 100,000 pessoas nos últimos 7 anos.

    O embargo norte-americano de 10 anos que retirou milhares de toneladas de medicamentos e alguns centos de quilos de radio-isótopos diminuiu a esperança de vida aumentou 3 a 5 vezes a mortalidade infantil e potencialmente a de 10 por mil para 30 ou 50 por mil nados-vivos representa um acréscimo mínimo de 20 x 300= 6000 mortos por ano até aos 5 anos
    Cerca de 8000 mortos de acréscimo por ano acima dos 65 anos embargo limitou as divisas e a compra de equipamentos Bassorá tinha 12 centros de diálise em 91 e comprava cerca de 6 milhões de £ de equipamentos no pós guerra decresceu para as 60 mil libras mensais
    entre Maio e Junho de 92 e o nº de centros reduziu-se a 7

    mais ou menos o que um director hospitalar de Coimbra preconizou para os velhotes e toxicodependentes em Portugal cada um custa 518 euros/semana em diálise 2000 por mês 24000por ano no Iraque a solução foi fácil


    Em proporção à população do país, isto dá cerca de 150% da mortalidade rodoviária em Portugal(a 1000 por ano (nos anos 70 morriam 2000 dá somente 7000 mortos ou se esqueceu de um 0
    1500% (de ~6000 para 100mil)


    E parece-me ingénuo julgar que se os americanos tivessem saído de lá os sunitas e xiitas iam abraçar-se, fazer uma festa com os curdos e viver todos em paz.
    Quando sairem o problema persistirá
    Não há ocupações eternas

    enquanto ódios velhos com 500 anos há muitos

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  16. Hirodito,

    Um embargo pode ser bem pior que uma acção militar.

    Quanto aos números, deviam ser 8 anos e não 7. Em 8 anos em Portugal morrem entre 16000 a 24000 pessoas, dependendo do período (nos anos 90 eram cerca de 3000 por ano), em acidentes rodoviários. Multiplicando por 3, para ajustar a população, dá entre 48000 e 75000, pelo que as mortes pela guerra são algo entre 130% e 200% dos acidentes de viação em Portugal. Seja como for, anda na mesma ordem de grandeza (nota que os 100 mil mortos no Iraque foi o total do início de 2003 ao fim de 2010).

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  17. Há números que apontam mais para valores entre 600 mil e um milhão de iraquianos mortos devido à guerra. Nesse caso, estamos perante um aumento da ordem de grandeza...

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  18. Anacoreta:

    O ser humano tem um lado a que chamamos bom, e um lado a que chamamos mau.

    Se Deus é bom por definição, o lado a que chamamos bom no ser humano é aquele que é semelhante a Deus, e o lado que chamamos mau é o lado que é distinto.

    Mas se Bom é por definição aquilo que Deus quer, então se Deus for egoísta e ganancioso é no egoísmo e na ganância que está o bem, e o nosso lado generoso e altruísta é que é mau.

    Mas não creio que os cristãos, quando afirmam que o seu Deus é bom, acreditem que estão a dizer uma tautologia. Isto mostra que existe uma assunção implícita de que o bem e o mal são definidos independentemente de Deus, e por isso é que dizer que Deus é bom traz informação adicional. É um elogio a Deus e não uma afirmação circular.

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  19. Não existe problema lógico nenhum em assumir a tautologia, João Vasco. Reconhecemos o bom porque "fomos feitos à imagem de deus", e deus é bom. Fruto do conhecimento do bem e do mal, etc. Dirás, mas isto é problemático porque então o reconhecermos que X é bom é apenas porque um tipo de barbas assim nos fez e se ele achasse a violação uma "coisa porreira" então assim nós a acharíamos. Mas este raciocínio só é possível porque assumimos por um instante que *não* somos feitos à sua imagem e ousamos julgar as suas decisões. Num universo onde a violação é uma coisa porreira porque deus assim o acha, logo toda a gente assim o acha, será de muito mau gosto dizer que não é uma coisa porreira. Tal como dizer neste universo que o altruísmo é péssimo (embora alguns palermas o tenham dito.... enfim).

    Portanto a tautologia é sempre consistente. O teu último parágrafo não é verdade. "Bom" pode ser definido como "Aquilo que Deus quer ou acha que deve ser feito", Deus é, por conseguinte, bom, pois tenta ou faz aquilo que acha que deus acha que deve ser feito. A moral é, então, basicamente aquilo que deus ditar, e não há cá nada de "independentes de". Tal como tivemos de estudar os planetas para compreendermos leis universais do movimento, teríamos de nos adaptar socialmente uns aos outros para compreendermos melhor "a moral objectiva e absoluta" de deus. Deus não obedece às leis da física, ele dita-as. Deus não obedece às morais, ele dita-as.

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  20. Ludwig:

    «O risco de uma invasão semelhante à da Alemanha na Polónia ou do Império Austro-Hungaro na Sérvia é hoje muito reduzido, mais reduzido que nunca. O problema principal passou a ser os problemas internos dos países com regimes mais opressivos e as ocasionais invasões perpetradas por ditadores.»

    Se calhar tenho de me repetir, mas acredito que o problema passou a ser esse precisamente porque o princípio de não ingerência começou a ser respeitado.

    E não fales na ingerência humanitária como sendo um princípio oposto ao da não ingerência pois desde o início que deixei claro que me referia ao binómio "não ingerência por defeito - ingerência humanitária com mandato" como aliás é muito claro nas mensagens anteriores. Falo no princípio de não ingerência para abreviar.



    «Por isso, se 300 milhões de americanos tendem, em média, a favorecer uma intervenção no Iraque ou no Afeganistão, é de esperar que uns o façam porque acham que vão lucrar, outros porque querem ver os muçulmanos levar no coco, outros porque vão ganhar votos, outros pelo preço do petróleo, medo das armas de destruição maciça ou o que calhe. »

    Porque no mundo real é assim: os americanos juntam-se todos num fórum alargado e uns querem ir para a Somália enquanto outros querem ir para o Kosovo. Eles só não vão para a Somália salvar vidas por causa do princípio de não ingerência, e só vão para o Kosovo porque estão ligeiramente equivocados.


    Tu insistes em centrar a discussão em torno de questões abstractas nas quais não estamos em desacordo - e ainda acreditares que sim quando aposto que os outros leitores já perceberam que não não está a abonar a teu favor. Creio que todos já entenderam que não é por sacralizar o estado que "penso em termos de países e não de pessoas". É óbvio que os governos com as suas máquinas diplomáticas têm muito peso naquilo que é feito, e por isso é perfeitamente razoável que por simplicidade me referir a eles como os actores que decidem que guerras existem ou não existem. E se estivesses minimamente atento não virias falar em abstracções do género "o polícia pode fazer o que faz por interesse e mesmo assim não deve ser despedido". A sério? Essa é nova. Não é aí que está a nossa divergência.

    A nossa divergência está em termos noções diferentes da realidade tal como ela é.

    A nossa divergência não é normativa mas descritiva. A mim parece-me que a tua visão de como as pessoas e os governos se comportam é tão escandalosamente ingénua que esta foi das maiores surpresas que tive em discussões contigo.

    Como se com a ausência desse princípio o passo seguinte fosse libertar as pessoas em regimes opressivo pela força das armas.

    Bem mais plausível era acontecer o seguinte: "senhor ditador, quer vender os seus recursos às empresas do nosso país, ou quer que o seu povo seja liberto pelos nossos tanques?".
    E se achas que o maná acabava assim que a democracia fosse instaurada peço-te que olhes para o Iraque ou para o Afeganistão - é fácil chegar lá, implementar a democracia, e mesmo assim por magia ela não existir.
    Eu acredito que muito disto já acontece. Mas sem a convicção mundial de que o princípio da não ingerência fosse para respeitar, voltávamos rapidamente aos tempos onde dizes - e bem - que para aquela situação política este princípio justificar-se-ia perfeitamente como um bom princípio.
    Hoje não mudamos assim tanto. Ou aliás, uma das mudanças mais importantes foi precisamente algum - lamentavelmente pouco - respeito por esse princípio.

    E já agora, no Iraque os mortos (que subestimaste) são apenas uma pequena parte das consequências desastrosas da invasão. Desde a quantidade de feridos e mutilados, várias vezes superior à de mortos, até à criação de inimizades, destruição de tolerância religiosa que ainda existia, refugiados, destruição de infra-estruturas, destruição da economia, e por aí fora. E nem ganharam democracia e respeito pelos direitos humanos no processo.

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  21. João Vasco,

    "...Mas se Bom é por definição aquilo que Deus quer, então se Deus for egoísta e ganancioso é no egoísmo e na ganância que está o bem, e o nosso lado generoso e altruísta é que é mau."

    Mas o egoísmo e a ganância são, no sentido lato, claramente maus para a Humanidade plena. Isso é fácil de verificar, até por métodos científicos. Se são maus para a Humanidade, são maus para Deus e portanto é fácil distinguir. Aliás, isso deve servir para afastar a crença em falsos deuses.

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  22. e isso dos exércitos serem inócuos para as afgãs, o nº de drogadas e prostitutas (e prostitutos) subiu em Kabul para nºs nunca vistos desde o período de Barbak Karmal
    ao menos durante o período Taliban não se jogavam as mulheres em jogos de cartas ou não se transacionavam por opiáceos
    há sempre draw-back's


    É como dizer que não se deve mandar preservativos para África porque o menino Jesus fica triste e fica sem a SIDA a áfrica tinha chegado acima do bilião assi graças a deus fica nos 900milhões




    ou do Império Austro-Hungaro na Sérvia é hoje muito reduzido, mais reduzido que nunca é esquecer a intervenção dos idos de 90
    nem os russos invadiram o titismo desgovernado

    o problema é que sem a bipolaridade da guerra fria
    surgiu uma multipolaridade


    . O problema principal passou a ser os problemas internos dos países com regimes mais opressivos e as ocasionais invasões perpetradas por ditadores

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  23. Ludwig, completamente de acordo consigo. Por muitas reviravoltas mentais que dermos, interferir pode ser um imperativo moral em determinadas circunstâncias. E nada, nem na história nem no presente, nos assegura que não-interferir conduz a um mundo melhor.

    O que é um deus verdadeiro?

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  24. passou a ser os problemas


    pois pois agora além do lapso linguistico

    os regimes mais opressivos andam em todo o lado

    aparentemente até Chavez ou os peronistas e socialistas sul-americanos

    são opressivos

    estranhamente o general Videla Noriega e tantos outros eram progressistas

    até deixarem de ser necessários

    o Irão petrolífero é repressivo

    a Arábia Saudita é um regime santo e progressista

    e mais umas 20 ditaduras desde a pseudo-democracia militar da Argélia até.....Angola ou a Nigéria

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  25. João Vasco,

    «Se calhar tenho de me repetir, mas acredito que o problema passou a ser esse precisamente porque o princípio de não ingerência começou a ser respeitado.»

    Pois eu diria que é precisamente o contrário. A NATO, a ONU e a União Europeia, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e uma data de outras coisas afins, contribuíram para a paz entre as nações mais desenvolvidas, e foram todos criados à custa do princípio da não-ingerência. Neste momento os alemães mandam nos nossos impostos, a NATO no nosso exército, a DUDH na nossa Constituição, e assim por diante. No fundo, “a expansão do círculo”, para usar o termo do Peter Singer, passa pelo enfraquecimento dos nacionalismos, do “nós contra eles”, e pela aceitação da ingerência de uns nos assuntos dos outros. Por exemplo, na UE temos direito de votar e ser eleitos nas eleições autárquicas do país onde residimos independentemente da nossa nacionalidade. Mais ingerência que isso é difícil.

    Reiterando, a mim parece-me que a nossa paz e prosperidade neste canto, em comparação aos séculos que precederam 1945, deve-se precisamente ao enfraquecimento gradual do princípio da não-ingerência, substituindo-o pelo princípio eticamente muito mais louvável de assumir que somos todos pessoas por igual, seja qual for a nacionalidade de cada um. E essa é uma razão forte para nos livrarmos desse empecilho, condição necessária para podermos, eventualmente, ter a coragem política de admitir que uma pessoa morrer à fome em Angola ou na Birmânia é tão relevante como se fosse na Amadora ou em Beja.

    «Tu insistes em centrar a discussão em torno de questões abstractas nas quais não estamos em desacordo»

    Não. Eu quero centrar a discussão em torno de uma questão concreta e, infelizmente, bastante frequente. O grupo A de pessoas não tem armas, está à mercê do grupo B que lhes faz a vida negrae há um grupo C, armado, que pode intervir para desarmar B e dar uma hipótese a que A e B resolvam o problema. Nesta situação, a menos que haja problemas concretos (muitas baixas, guerra prolongada, etc), eu sou a favor de que o grupo C intervenha.

    Tu que estás a desviar a discussão para abstracções irrelevantes como a virtuosidade das motivações dos elementos do grupo C e a nacionalidade de cada grupo. Porque o princípio da não-ingerência é exclusivamente um critério de nacionalidade e, ao defenderes o respeito por esse alegado princípio, estás a dizer que, mesmo que tudo o resto seja absolutamente igual (situação e resultado), pode ser ou não ser legítimo que C intervenha exclusivamente em função da nacionalidade deste grupo. Isso é absurdo.

    Em suma, eu diria que a paz se tem conquistado, finalmente, abdicando da não-ingerência. Eliminando fronteiras, eliminando restrições de mobilidade e trabalho, admitindo que há direitos fundamentais que se devem aplicar a todos seja em que país estiverem, obrigando os governos a trabalhar em conjunto, no interesse de mais gente que apenas os do seu país, etc. E só temos a ganhar continuando isso. Milhares de anos de história demonstram cabalmente que a ideia de cada um ficar no seu canto e não ligar aos outros é extremamente frágil e susceptível de ataque por parte de quem, inevitavelmente, desrespeite esse princípio.

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  26. João Vasco,

    Isto mostra que existe uma assunção implícita de que o bem e o mal são definidos independentemente de Deus


    Boa sorte com isso!

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  27. Ludwig:

    Esta discussão poderia ser interessante, e sabes que muitas vezes tenho discordado de ti, e discutido pacificamente. Mas estás a discutir como o Perspectiva: obrigas-me a repetir as coisas várias vezes e parece que me interpretas com má fé. Não entendo o que se passa.

    A mim não me interessam - repeti-o praticamente em cada mensagem que escrevi sobre este assunto - homilias sobre como o estado é uma construção social e o que interessa são as pessoas. Insultas-me cada vez que repetes isto como se eu não tivesse sido ainda suficientemente claro. Por favor, lê o que escrevo. Eu não me explico tão mal que se justifique ainda não teres entendido.

    Tu queres acreditar que a nossa discordância nasce de determinadas crenças que tu tens e eu não. Eu explico-te que não é o caso, que a nossa divergência é no concreto e não no abstracto, e tu como não queres discutir o concreto voltas a fingir que tens de me dar lições sobre o abstracto.

    Ora eu não quero discutir contigo se devemos privilegiar uma acção com consequências positivas mesmo que na sua origem esteja uma má intenção, ou vice-versa; eu não quero discutir se o estado deve ter algum estatuto metafísico ou é uma mera construção social; se a ética deve ser consequencialista ou o contrário. Se queres discutir isso haverás de encontrar IMENSA gente com quem o fazer. Como já disse antes, aposto que 95% das pessoas que te rodeiam discorda de ti em pelo menos uma destas coisas. Mas tu à força queres discutir comigo isto e não o concreto.

    O problema na tua visão, a meu ver, não acreditares que é bom que consideremos importante o cidadão e não o estado.

    E a prova que me podes poupar a todas essas homilias no abstracto, é que tu próprio disseste há algumas mensagens atrás, que haveriam contextos políticos e sociais nos quais o princípio de não ingerência fazia sentido.
    E por favor não me fales na UE, porque é bastante claro pelo contexto aquilo que me referia com o princípio de não ingerência. Não me obrigues a explicar porque é que não considero que a UE não viola aquilo a que me refiro, como se fosses idiota. Creio que nenhum leitor que segue este debate precisa que isso seja explicado. E desafio qualquer outro leitor que acredite que esta justificação deve ser dada a pronunciar-se.
    Tal como expliquei que abreviei a expressão para não dizer de cada vez "princípio de não ingerência à excepção da ingerência humanitária com mandato internacional" resumo agora para a expressão "respeito pelo princípio de não ingerência enquadrado no respeito pelo direito internacional". Suponho que não consideres que a UE violou o direito internacional. É neste quadro que tenho argumentado.

    Voltando ao que dizia a prova que me podes poupar a todas essas homilias no abstracto, é que tu próprio disseste há algumas mensagens atrás, que haveriam contextos políticos e sociais nos quais o princípio de não ingerência fazia sentido.

    (continua)

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  28. Portanto, entendes que aqui o problema não está nos conceitos abstractos. Está na leitura da situação política e social. Eu sempre te considerei uma pessoa sensata, e não imaginei que poderias fazer tal leitura, a meu ver tão naif, da situação internacional - o ponto fundamental é que fazemos uma leitura diferente. É nesta leitura que nasce a nossa discórdia, entende isso.

    Se o fim do respeito pelo princípio de não ingerência significasse que agora se faziam meia dúzia de guerras que levavam a democracia e os direitos humanos a outros povos, mesmo que a motivação de tais guerras fosse a ganância (não importa a intenção), e tirando um acelerar da democratização do mundo e meia dúzia de mortes tudo continuava na mesma, eu seria a favor do fim do respeito por esse princípio.

    Mas não é o caso.

    O fim do respeito por esse princípio significa mais facilidade em atacar, o que significa mais facilidade em intimidar, em fazer ameaças credíveis, o que significa que para cada país é mais importante ter um exército forte para se proteger de agressões ou intimações exteriores, que a corrupção externa é mais fácil. E quando a ameaça exterior é mais credível, a primeira vítima é a democracia e o respeito pelos direitos humanos. No fim, o desrespeito por esse princípio traz mais violência, mais mortes e mais guerras, mas também traz mais opressão e menos democracia. Não digo neste caso ou naquele. Digo no geral.

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  29. O fim desse princípio, que foi respeitado irregularmente nos últimos 60 anos pressupunha a manutenção de um dado status quo entre as duas super-potências de antanho

    se significa mais facilidade em atacar,implica mais gastos em equipamentos militares

    o que significa (raciocínio semântico repetitivo) mais facilidade
    na ocorrência de conflitos pontuais internos ou externos

    a américa do sul desde a guerra do chaco que nunca tinha tido exércitos nacionais em confronto

    obviamente a militarização trará mais opressão e menos liberdade individual (ou pseudo-democracia)

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  30. «Mas o egoísmo e a ganância são, no sentido lato, claramente maus para a Humanidade plena. Isso é fácil de verificar, até por métodos científicos. Se são maus para a Humanidade, são maus para Deus e portanto é fácil distinguir. Aliás, isso deve servir para afastar a crença em falsos deuses.»

    Se o bem fosse definido como sendo a vontade de Deus, e Deus gostasse do egoísmo e ganância (por exemplo sendo egoísta, ganancioso e gostando de ver tais características em acção na sua criação) então o egoísmo e a ganância seriam bons para a humanidade, mesmo causando sofrimento e destruição. Pois seria essa a vontade de Deus, e por definição isso seria o bem.

    O que isto mostra é que ninguém assume que a vontade de Deus define o bem, é o contrário: dizer que a vontade de Deus é o bem caracteriza-a. Se fosse outro o Deus criador, poderia ter uma vontade má, mas tem uma vontade boa - alegadamente. Então bem e mal são definidos de forma exterior.

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  31. Ludi,
    não concordo que a motivação para a ingerência seja relevante, desde que produza resultados positivos. Primeiro, porque qualquer ingerência produz sempre resultados positivos e negativos. Veja-se o Iraque: livaraarm-se do regime homicida de Hussein para o substituirem por uma guerra civil. O desfecho desta está em aberto e atrevo-me a prever que ainda vamos ter notícias tristes daquele canto por muitos e longos anos.
    Segundo, porque a motivação é determinante para os resultados. Os americanos tinham objectivos económicos e estratégicos claramente definifos no Iraque. Conseguiram o que pretendiam e agora vão-se embora alegremente, deixando o país na violência e no caos. Ou seja, nem se dão ao trabalho de varrer os cacos antes de se pirarem? Não agiroam decerto assim, se a defesa da população tivesse jogado algum papel, por mais ínfimo que fosse, no meio disto tudo.

    Se a ingerência fosse determinada unicamente por considerações humanitárias, eu não teria qualquer dúvida em ser a primeira a gritar: força. Mas aí não teria havido o Ruanda, pois não?

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  32. P.S.
    «Deus verdadeiro» é absolutamente delicioso :-)

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  33. corrijo:

    não concordo que a motivação para a ingerência seja irrelevante,

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  34. Cristy:

    Suponho que neste ponto estamos os três de acordo.

    Simplesmente se imaginássemos que uma invasão traria resultados positivos mesmo que a intenção inicial fosse a ganância, então a motivação não seria razão para considerá-la má. Mas suponho que também estamos de acordo que quando a motivação é má, a probabilidade de trazer resultados positivos é bem mais baixa.

    Aliás, foi precisamente essa a razão pela qual referi a motivação no meu texto inicial. Eu não me referia a um hipotético problema ético abstracto de fazer bem com má intenção, mas sim ao problema concreto das intenções influenciarem as consequências prováveis das nossas acções.

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  35. João Vasco,

    Não sei o que queres dizer com as homilias e isso do abstracto. Tenho tentado sempre falar em casos concretos, insistindo até em ir ao que é eticamente relevante (e que não inclui a nacionalidade). Mas a ver se consigo ser mais concreto ainda.

    Um princípio é algo básico, fundamental, e claro. O princípio da não-ingerência, se é princípio, deve ser algo como “os habitantes de um país não devem interferir nos assuntos dos habitantes dos outros países”. Se propões algo como “o princípio da não-ingerência excepto em casos humanitários sob mandato obtido por votação de 2/3 em sede do conselho da ONU, ou por acordo entre governos de países, com ou sem o consenso das populações, no sentido de eliminar fronteiras, aliar exércitos, coordenar a economia e política fiscal...” e assim por diante não tens um princípio. Tens uma confusão.

    Seja como for, daqui podemos concluir facilmente que o princípio de “estes não devem fazer algo porque não são da nacionalidade dos outros” é um mau princípio. Se fosse um bom princípio não era preciso toda a bagagem adicional. Em contraste, o princípio de “a nacionalidade não tem nada que ver com a ética” é um excelente princípio. Podes aplicar sempre sem mas, nos entantos ou conquantos de qualquer espécies.

    Tu defendes que o “respeito pelo princípio da não-ingerência” tem sido importante para dificultar ataques. Isso é que me parece ingénuo. Pelo que sei de história, tem sido precisamente o contrário: a dificuldade do ataque é que leva ao “respeito” por esse princípio, que não safou a Polónia em 1939 mas que safou a Europa Ocidental nos anos 50, com uma aliança militar que encorajou na URSS esse “respeito”.

    O mais importante que aqui estamos a discutir é precisamente os princípios. E há dois, mutuamente exclusivos. Um é o princípio de que os “nossos” assuntos são nossos e devem ter prioridade, enquanto os assuntos dos “outros” são lá com eles e não nos devemos meter nisso. Isto é o princípio da não-ingerência, que nestes moldes se tem aplicado entre culturas, países, bairros ou até lados da mesma família. E este parece-me um mau princípio, que fomenta a injustiça e o egoísmo.

    O outro é precisamente o contrário. É o princípio de que todos somos igualmente importantes, que a fome é um mal igualmente grave seja na minha rua seja na Birmânia. É a expansão do círculo ético. E é esse que está por trás dos grandes avanços políticos nos últimos cinquenta anos. As alianças entre democracias, a redução de barreiras à mobilidade geográfica e ao comércio, os direitos humanos como algo universal, a ajuda humanitária internacional, a cooperação para a segurança, a liberdade de consciência e expressão e assim por diante. Tudo isso vem de ignorar diferenças que sejam eticamente irrelevantes.

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  36. (continuação)

    Em suma, se queres concreto, aqui vai:

    1- O princípio da não-ingerência sempre foi respeitado ou desrespeitado por regimes autoritários em função das conveniências práticas no momento, e nunca foi determinante para coisa nenhuma.

    2- A democratização e a cooperação internacional entre democracias foi conseguida sempre sacrificando esse princípio da não-ingerência, criando excepções até ficar a confusão que tu defendes agora, na qual resta muito pouco da regra no meio de tanta excepção.

    3- O princípio da não-ingerência é eticamente condenável como tal. Defender que não se faça algo de moralmente bom só por causa da nacionalidade dos envolvidos é, em si, imoral.

    4- O princípio da não-ingerência, se fosse respeitado (que, felizmente, não é, excepto quando dá jeito à realpolitik) seria um obstáculo enorme à resolução de problemas muito graves, desde a violação de direitos humanos em regimes opressivos a problemas globais como a conservação de reservas de pesca, protecção de ecossistemas e alterações climáticas.

    Por estes aspectos concretos, eu ergo o punho e grito “Abaixo a não-ingerência! Viva o tratamento de todos como humanos e não como súbditos deste ou daquele país!”, acrescentando por baixo, em letras mais pequenas, a legenda “incluindo também não-humanos com capacidades cognitivas e perceptivas suficientes para que a sua situação seja eticamente relevante”.

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  37. Cristy,

    Concordo, mas lê bem o que escreveste. Dizes que a motivação é relevante porque pode haver vários resultados e porque a motivação determina os resultados. Portanto, a motivação é relevante apenas pelos seus resultados.

    É precisamente por isso que eu digo que devemos ignorar a motivação e olhar para os resultados. Porque se a motivação for boa e os resultados uma bosta também devemos considerar que não é desejável essa alternativa.

    Já agora, nota que estamos a considerar duas coisas diferentes. Uma é se é desejável que alguém faça certa coisa, outra é se é moralmente louvável que o faça.

    Por exemplo, num assalto é desejável que um assaltante, ao tentar bater com o taco de baseball na vítima, acerte em vez disso no seu cúmplice e comecem os dois à batatada acabando por ser presos e deixando a vítima ilesa. No entanto, dada a motivação, podemos dizer que tentar dar uma tacada na vítima era imoral.

    Neste caso, para esclarecer, considero o princípio da não-ingerência como imoral porque fecha, intencionalmente, o círculo moral e excluindo de consideração outros que a mereceriam. O João Vasco propõe resolver isto listando um comboio de excepções, mas eu acho mais razoável reconhecer logo que o princípio está errado. E considero que a intenção é relevante para avaliar a moralidade de um acto, pois a moralidade é algo que exige intencionalidade, mas é irrelevante, por si, para avaliar se um acto é desejável.

    Isto, admito, resulta na conclusão desconfortável de ter de considerar desejáveis actos que me parecem imorais. Mas esse é o preço da viagem entre a teoria e a prática :)

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  38. Cristy e João Vasco,

    Há também outro factor importante que não devemos descurar. Que é o que está ao alcance da nossa decisão. Por exemplo, eu posso decidir se apoio ou se condeno a intervenção da NATO no Afeganistão. Mas não posso decidir quais são as motivações do Karazai, do Obama, ou de milhões de pessoas envolvidas nestas coisas. Essas são constantes de fundo sobre as quais tomo a minha decisão.

    É outra razão concreta pela qual descarto o tal princípio da não-ingerência. Mesmo que fosse melhor para todos que o Obama e companhia decidissem rejeitá-lo, e não me parece nada que seja, o facto é que não é isso que posso decidir. E para a minha decisão de criticar ou apoiar esse princípio não faz sentido nenhum.

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  39. Ooops... " Obama e companhia decidissem rejeitá-lo" devia ter sido " Obama e companhia decidissem respeitá-lo"

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  40. "Mas não posso decidir quais são as motivações do Karazai, do Obama, ou de milhões de pessoas envolvidas nestas coisas."

    Quanto ao Karzai dou-te uma dica: $$$
    A sério: quando falo de motivação, é evidente que não me estou a referir a motivações de individuos envolvidos, mas de interesses nacionais, e esses não são assim tão difíceis de descortinar. Aliás, é por exisitirem esses interesses e serem tratados de modo prioritário por quem intervém, que o problema da ingerência é tão grande.

    Repito, também não sou a favor do princípio da não-ingerência, basta ver o que isso teria significado na Europa se os Estados Unidos e a Inglaterra o tivessem aplicado aqui há uns aninhos. Mas a forma como as decisões de intervenção «humanitária» são tomadas neste momento só se pode caracterizar por cinismo e hipocrisia. Continua a ser a lei do mais forte e daquele que tem melhores armas (caros Perspectivas, Mats e companhias limitadas que por acaso leiam esta frase: a teoria da evolução NÃO é a lei do mais forte). O princípio teórico de intervenção humanitária, por mais moral e correcto que seja, presentemente não resiste à realidade.

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  41. João Vasco,
    sim, também me parece que concordamos os três na questão apontada. Parace-me que discordamos com o Ludi porque insistimos (limitadamente, talvez) em ver apenas como a coisa funciona na realidade, e não se é moral ou não, porque, como dizia Brecht, «primeiro vem o estômago e depois a moral» ;-)

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  42. Cristy,

    «Quanto ao Karzai dou-te uma dica: $$$»

    O que eu queria dizer não era decidir a opinião que vou formar acerca das suas motivações, mas sim não poder decidir que tenham outras motivações em vez destas.

    Quanto à minha posição, não é apenas moral. É sobretudo prática porque, aliás, é esse também o foco da moral (excepto para os kantianos, mas esses são doidos :)

    A hipocrisia de que falas vem precisamente da invocação de princípios vácuos, vagos e sem fundamento. O princípio da segurança nacional, da soberania das nações, dos interesses nacionais, do patriotismo e tretas que tais. Entre eles o da não-ingerência. Na verdade, o da não-ingerência parece-me bastante hipócrita pelo grande número de excepções que se tem de lhe fazer, além de ser incompatível com a declaração universal dos direitos humanos (se é universal, há ingerência).

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  43. Ludwig:

    «Não sei o que queres dizer com as homilias e isso do abstracto. Tenho tentado sempre falar em casos concretos, insistindo até em ir ao que é eticamente relevante (e que não inclui a nacionalidade). Mas a ver se consigo ser mais concreto ainda.»

    Não, não conseguiste e voltaste às homilias.

    Deixa-me a mim ver se te explico o que quero dizer com homilias e "fugas".

    É homilia quando dás à Cristy a explicação «Portanto, a motivação é relevante apenas pelos seus resultados.» sem sequer teres entendido - por mias que tenha repetido - que era precisamente dos resultados esperados que eu estava a falar.

    É homilia quando voltas a falar sobre como somos todos cidadãos do mundo, não importa a nacionalidade. Confesso que me irrita ler isso. Porque será que me irrita ler algo com o qual eu concordo? Será porque já repetiste isso mais de dez vezes? Será porque de ti espero mais que do Perspectiva? Que realmente leias aquilo que escrevo e reajas ao que escrevo? Que não ignores? Cada vez que escreves isso é como se eu nunca tivesse escrito que estou de acordo, que a questão nunca foi essa.

    E fugas é quando te pões a discutir coisas sem importância. É como alguém defender que a propriedade é roubo, e eu dizer que acho bem o quadro legal actual no que diz respeito à punição do furto. E no meio da discussão digo que roubar é errado, para abreviar, e ele diz que numa situação em que seja necessário roubar para salvar vidas é indecente que eu diga que isso é errado. Dá vontade de lançar as mãos à testa "sim, sim. Roubar nesse caso pode ser correcto, mas não é disso que estou a falar. Disse 'roubar é errado' para abreviar"

    Sim, sim, podem existir excepções ao princípio de não ingerência. Sempre foi evidente que falei na importância desse princípio no quadro do direito internacional, tal como defendo que o roubo deve ser punido no quadro da actual lei. Não deve ser SEMPRE, por alguma razão metafísica. Existirá um comboio de excepções, e certamente existe quem viole essa lei. Mas existem menos roubos por existir tal lei, e creio que isso é bom.

    «não tens um princípio. Tens uma confusão»

    As leis são confusas. 'Bora aboli-las. É pouco ético que alguém as faça aplicar...


    «Tu defendes que o “respeito pelo princípio da não-ingerência” tem sido importante para dificultar ataques. Isso é que me parece ingénuo. Pelo que sei de história, tem sido precisamente o contrário: a dificuldade do ataque é que leva ao “respeito” por esse princípio»

    Mas a aceitação desse princípio por parte dos cidadãos das democracias torna os ataques mais difíceis.

    Se não fosse isso, os ataques não tinham ficado mais difíceis - ficaram foi mais fáceis. Muito mais fáceis.


    «Um é o princípio de que os “nossos” assuntos são nossos e devem ter prioridade, enquanto os assuntos dos “outros” são lá com eles e não nos devemos meter nisso.»

    Se eu tivesse justificado assim a importância deste princípio, concordo que existia contradição.

    Mas creio que a minha justificação foi diferente. Aliás, há uma prova de que entendeste isso - o teres dito que em certo contexto político-militar esta "heurística" teria sido útil.

    A minha justificação foi que o respeito por esse princípio é melhor para todos. Para nós, e para os outros. E expliquei porquê: porque a minha leitura política do mundo em que vivemos é que o desrespeito por esse princípio não leva a que comecem a surgir mais guerras para as pessoas de uns países ajudarem as dos outros. Leva a que comecem a surgir mais guerras para que os governos dos países militarmente mais poderosos ponham o seu poder militar a render. A democracia e os direitos humanos sofrem por tabela.

    Podes discordar que isto aconteça, mas sugiro que comeces a discutir ISTO em vez das homilias sobre como a fome na Birmânia vale o mesmo que cá. Guarda-a para quem não tiver dito dezenas de vezes que concorda contigo nesse ponto, que não vale a pena insistires nele. Não faltará gente.

    (continua)

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  44. Quanto aos números:

    1- Acho que é absolutamente falso o que escreveste, mas essa já é uma discussão que interessa. Aí é um desacordo genuíno, e não uma holilia sobre algo que já concordo.

    2- É falso, e nem sei onde foste buscar esta ideia. Mas acrescento novamente que a UE não violou qualquer princípio da não ingerência do direito internacional. Lembra-te que é esse o contexto a que me refiro.

    3- Isso é como dizer que o princípio da honestidade é mau. Claro que há casos hipotéticos em que a mentira pode ter consequências melhores que a verdade, e podias dizer que seria pouco ético impedir tais mentiras visto que a nossa hipótese assume que elas teriam melhores consequências. Mas estatisticamente o princípio da honestidade traz melhores consequências que a sua ausência, visto que geralmente a violação do princípio da honestidade tem consequências más.

    4- Tenho mesmo de me repetir. Ainda há pouco falaste sobre a ingerência humanitária e disseste que eram princípios contraditórios. Ignoraste a minha resposta, ou que parte é que não entendeste?

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  45. «Viva o tratamento de todos como humanos e não como súbditos deste ou daquele país!”, acrescentando por baixo, em letras mais pequenas, a legenda “incluindo também não-humanos com capacidades cognitivas e perceptivas suficientes para que a sua situação seja eticamente relevante”.»

    Mais uma homilia...

    Se eu em cada mensagem te criticasse por não preferires o consequencialismo, e por mais que tu explicasses defender uma ética consequencialista eu ignorasse, escrevendo louvores à ética consequencialista e a dizer mal de quem não a defende, como se te estivesse a tentar convencer a aderir à ética consequencialista.

    À 10ª que fizesse isto não sentirias surpresa (e desilusão, espero) por eu me estar a comportar como o Mats?

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  46. João Vasco,

    "Se o bem fosse definido como sendo a vontade de Deus, e Deus gostasse do egoísmo e ganância (por exemplo sendo egoísta, ganancioso e gostando de ver tais características em acção na sua criação) então o egoísmo e a ganância seriam bons para a humanidade, mesmo causando sofrimento e destruição. Pois seria essa a vontade de Deus, e por definição isso seria o bem."

    Eu nunca acreditaria em tal "Deus". E tu?

    "O que isto mostra é que ninguém assume que a vontade de Deus define o bem, é o contrário: dizer que a vontade de Deus é o bem caracteriza-a. Se fosse outro o Deus criador, poderia ter uma vontade má, mas tem uma vontade boa - alegadamente. Então bem e mal são definidos de forma exterior."

    Não concordo. Parece-me que a vontade de Deus é precisamente o bem (e vice-versa).

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  47. Dr. Anacoreta:

    «Eu nunca acreditaria em tal "Deus". E tu?»

    Eu acreditaria em qualquer Deus para o qual tivesse boas razões para acreditar, fosse ele um Deus que gostasse de ver os seres humanos felizes (A), ou um Deus que gostasse de ver os seres humanos sofrerem (B).

    Mas creio que faz mais sentido dizer que o hipotético Deus A é bom, e o hipotético Deus B é mau, do que dizer que seriam ambos bons caso conseguissem concretizar a sua vontade (pois esta em ambos os casos definiria o "Bem").


    « Parece-me que a vontade de Deus é precisamente o bem (e vice-versa). »

    No que diz respeito às definições o vice versa não faz sentido. Ou definimos a expressão "azul" como sendo uma determinada cor; e depois caracterizamos o céu durante o dia como azul; ou então chamamos definimos azul como sendo a cor que o céu tem durante o dia, e aí dizer o céu de dia é azul torna-se uma tautologia. Neste caso absurdo, se noutro planeta o céu fosse da cor do sangue, a cor do sangue seria azul. Ora isto é idiota. Mesmo com a cor "rosa" que tem precisamente o nome "cor de rosa" isto não acontece - não é a cor que é definida pela cor da flor (como o nome sugere), mas a cor da flor que é caracterizada pela cor. Tanto é que podemos falar em rosas vermelhas, ou rosas cor de rosa. Se existisse uma laranja violeta, não diríamos que o violeta é cor de laranja - diríamos que esta laranja não é "cor de laranja". Não há contradição porque "cor de laranja" não é definido pelas laranjas. Há uma definição exterior. Nesse sentido, a ordem importa e muito.

    Dizer que Deus é bom, seria como dizer que uma rosa A, a única que estamos a ver, é cor de rosa. Tal como podemos conceber um Deus mau, podemos conceber uma rosa violeta, mesmo que por hipótese não acreditemos que nenhuma assim existe. O que mostra que a cor não é definida pela rosa, pelo contrário caracteriza-a. Dá informação adicional sobre as suas características.

    Um hipotético ou real Deus bom é diferente de um hipotético ou real Deus mau, pelo que o bem tem necessariamente de ser definido de uma forma independente.

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  48. João Vasco,

    Vamos então tentar avançar nisto por partes. Vou focar apenas as duas mais fundamentais, que temos de esclarecer antes de passar ao resto. Primeiro, dizes que

    «É homilia quando voltas a falar sobre como somos todos cidadãos do mundo, não importa a nacionalidade. Confesso que me irrita ler isso. Porque será que me irrita ler algo com o qual eu concordo?»

    Este é um problema porque te contradizes. Se não importa a nacionalidade, então o tal princípio da não-ingerência deixa de fazer sentido, porque em qualquer situação a avaliação será a mesma quer sejam todos da mesma nacionalidade quer sejam de nacionalidade diferente.

    Eu insisto neste ponto porque tu dizes uma coisa e logo a seguir exactamente o contrário: dizes que não interessa a nacionalidade das pessoas mas que é fundamental a regra de que os de uma nacionalidade não se metam nos assuntos daqueles que têm nacionalidade diferente.

    Podemos avaliar a intervenção da NATO no Afeganistão ignorando a nacionalidade dos intervenientes? Ou não? E porquê?

    O outro ponto é que dizes que a não-ingerência é um princípio, mas depois justificas ser muito complicado porque «As leis são confusas.» Mas as leis não são os princípios. São o final de um processo longo e complexo de tentar governar vários princípios e manipular os comportamentos das pessoas de forma a tentar, na prática, obter algo próximo do que os princípios indicariam ter mais valor. É por isso que são confusas.

    Portanto o que propões é uma lei, ou um princípio? Aqui também acabo por ter de insistir nas mesmas coisas porque uma vez dizes que é uma coisa, um princípio fundamental (princípio é o ponto de partida) e outras vezes dizes que é a regra que vem no fim de considerar os vários princípios, e ando aqui a tentar perceber afinal qual dos dois é.

    A minha posição é que, eticamente, a nacionalidade não conta, e que a ética está no princípio deste processo de avaliação. Podemos depois complicar as coisas com questões práticas, mas nos princípios não haverá nada que tenha que ver com nacionalidade. Por isso a não-ingerência não pode ser um princípio, e tem de ser uma regra justificada com base em princípios éticos ou, pelo menos, alguma utilidade prática.

    Utilidade não tem, porque as regras não impedem invasões. Mas esse é o tal aspecto factual que poderemos continuar depois. E é contrária ao princípio ético de expandir o círculo, de considerar todos por igual e reconhecer direitos universais.

    Mas se agora me vais dizer que eticamente somos todos iguais, que a nacionalidade não importa, mas que é um princípio básico os de uma nacionalidade não intervirem onde poderiam intervir se tivessem outra nacionalidade, então vamos voltar ao início...

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  49. Ludwig:

    «O outro ponto é que dizes que a não-ingerência é um princípio, mas depois justificas ser muito complicado porque «As leis são confusas.» Mas as leis não são os princípios.»

    Este não é "outro ponto" é o ponto fundamental que demonstra que não tens prestado atenção a nada daquilo que escrevo.
    Espero que depois desta mensagem entendas finalmente a minha frustração.

    Eu chamo «princípio de não ingerência» ao «princípio de não ingerência» porque é esse o nome dele.
    Tal como chamo «lei da gravitação universal», e para resumir até posso falar em «leis da física» não porque acredite que são leis do código civil, mas sim porque é esse o nome que lhes damos.

    Por isso chamo "princípio" ao "princípio de não ingerência" mesmo depois de já te ter dito explicitamente que não me estava a referir a um princípio ético fundamental. Expliquei que é uma heurística válida e útil neste contexto político-militar.

    Expliquei isto tantas vezes e de tantas maneiras diferentes, que é impressionante ter de explicar outra vez.



    «Por isso a não-ingerência não pode ser um princípio, e tem de ser uma regra justificada com base em princípios éticos ou, pelo menos, alguma utilidade prática.



    Fantástico! Dir-se-ia que nesse caso, se não pode ser um princípio, dever-se-ia falar na utilidade prática dessa regra.
    Deveríamos estar a discutir o concreto, o ponto onde discordamos, se essa regra deve ser seguida nesta conjuntura, e não o abstracto, onde o problema não se coloca.
    Se eu não tivesse pedido umas dezenas de vezes para falarmos nas questões práticas até se compreendia teres escrito isto.


    «Utilidade não tem, porque as regras não impedem invasões. Mas esse é o tal aspecto factual que poderemos continuar depois.»

    Desde início deveria ser isto que devíamos estar a discutir...



    Esclarecendo:

    «Portanto o que propões é uma lei, ou um princípio?»

    Proponho que, no actual contexto político-militar, o respeito pelo direito internacional, no qual o princípio de não ingerência é uma pedra basilar, é bom.


    Não existe aqui nenhuma contradição com a ideia de cidadania universal, pois a minha justificação para esta afirmação baseou-se nas consequências para todos os cidadãos e não apenas para os de uma ou outra nacionalidade, e nunca invocou nenhuma espécie de meta-física da nacionalidade.

    Na verdade, se contradição houvesse, tu ter-te-ias contradito, visto que reconheceste que este princípio seria uma boa heurística noutros contextos político militares.
    De onde se torna claro que o princípio apesar do nome não o é. E onde se torna claro que a divergência é no concreto e não no abstracto. Repito-me mas passaste por cima disto: se acreditas que em certos contextos o princípio era uma heurística útil, a nossa divergência não é nas abstracções éticas, mas sim na leitura política da situação actual.

    Onde eu vejo uma situação que está na categoria - que reconheceste implicitamente existir - daquelas em que este princípio é uma boa heurística, tu não. É uma diferença na leitura política. Descritiva e concreta. Não normativa e abstracta.

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  50. João Vasco,

    Vamos deixar a tua hipótese de que o princípio da não-ingerência protege países de invasões para depois, porque pode até ser supérfluo discutir isso.

    Tu defendes o respeito pelo direito internacional. Se bem percebo, defendes que haja legislação decidida pelo consenso dos países e que obrigue todos os países. Se for isso concordo. Por exemplo, eu acho que os direitos fundamentais das pessoas deviam ser codificados numa legislação internacional com uma implementação eficaz que obrigasse todos a cumprir.

    Mas isto é o contrário da não-ingerência. Se partes do princípio que dentro das fronteiras de um país os outros não se podem ingerir, e esse é um princípio fundamental, deixas de ter lei internacional. Passas apenas a ter tratados entre países, que eles honrarão ou quebrarão como quiserem sem que os outros tenham nada que ver com isso.

    Outro problema é saber o que estamos a discutir. Eu estou a discutir algo normativo, porque isto começou por eu (tentar) explicar porque é que avalio como boa a existência da NATO e a intervenção militar em casos como o Afeganistão. Não estou a prescrever nenhuma regra de comportamento nem estou apenas a descrever o que se passa, se bem que a descrição seja também importante. Estou a dizer como avalio: partindo do princípio que somos todos pessoas e que se lixe a nacionalidade, não me importa que sejam americanos e britânicos a impedir que os taliban façam das suas.

    Tu pareces propor outra coisa. Dizes que é útil que toda a gente julgue que a não-ingerência é boa para diminuir as invasões, mesmo que isso seja só uma forma, no fundo, de enganar o pessoal e levá-los a fazer uma coisa menos má. Isso parece ser um plano de acção sobre a cultura e psicologia mundial que, além de estar fora do nosso alcance, não tem nada que ver com a minha avaliação das intervenções da NATO. Mesmo que seja verdade que, por razões práticas, convém convencer o pessoal a aplaudir a não-ingerência, eu não quero ser um dos enganados e prefiro conseguir avaliar as coisas pelos fundamentos certos.

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  51. Ludwig:

    O Joaquim está a discutir com o Diogo. Depois do Diogo ter dito "a propriedade é um roubo", o Joaquim afirmou que é errado roubar, mas rapidamente esclareceu que basicamente acredita que é bom respeitar as leis no que diz respeito ao respeito pela propriedade privada, justificando a sua posição recorrendo a vários argumentos económicos que vão desde o esforço que não se tem de investir a proteger os bens pessoais, até à cooperação que se torna possível, às instituições e ferramentas que esta cooperação possibilita, à violência que é evitada, à gestão dos recursos, etc...

    O Diogo insiste que a propriedade é uma construção social, uma convenção sem nada de meta-físico que o justifique.
    O Joaquim repete várias vezes que está de acordo com isso, mas esclarece que, tal como os seres humanos funcionam, uma sociedade onde as leis sobre a propriedade tais como as que temos são respeitadas funciona melhor do que uma onde o furto não é ilegal.

    Mas o Diogo continua a insistir que a propriedade é uma mera construção social. Fala de uma situação hipotética em que alguém é forçado a roubar para salvar vidas e como nessa situação roubar seria heróico.

    O Joaquim esclarece que a questão não é essa. Nessa situação roubar seria heroico, mas como as coisas funcionam não punir geralmente quem rouba não levaria a mais actos heroicos como o descrito, mas sim a que todos gastem mais recursos a proteger os seus bens. Os tribunais poderiam considerar a excepção e não condenar aquele que roubou para salvar vidas, mas no geral é bom que se respeite as leis que protegem a propriedade privada.


    O Diogo volta a insistir que a propriedade é uma mera construção social, e que princípio "roubar é errado" não é um bom princípio ético fundamental porque senão não existiriam várias excepções a esse princípio. O Joaquim esclarece que nunca defendeu isso - defendeu apenas que, tal como os seres humanos funcionam actualmente, o respeito pelas leis que protegem a propriedade privada tal como existem na Europa ou em Portugal, é melhor que o seu desrespeito.

    O Diogo também alega não existe utilidade prática em defender a propriedade, visto que quando alguém quer roubar consegue-o apesar de ser ilegal.
    O Joaquim contrapõe que que existem menos furtos dos que existiriam se o furto não fosse ilegal, mas rapidamente o Diogo desvia a conversa para considerações abstractas sobre como a propriedade é uma mera construção social.
    O Joaquim exaspera e mostra de forma inequívoca que nunca disse o contrário, que nunca foi isso que esteve em discussão.

    Se no fim, o Diogo disser que a forma como o Joaquim defende a sua posição ASSUME que a propriedade não é sagrada mas sim uma mera construção social, o Joaquim ficará frustrado porque já tem dito isso desde início.

    Por fim o Diogo dá o seu argumento final "ah! Tu não acreditas que roubar é errado por nenhuma razão metafisica, nem porque seja um princípio fundamental da moral. Tu apenas acreditas que esse valor é um plano de acção sobre a psicologia e cultura colectiva que claramente não está ao alcance de nenhuma instituição, para evitar o furto egoísta e trazer uma série de vantagens práticas. Mas mesmo que seja verdade que por razões práticas convém que o pessoal respeite a propriedade alheia, eu não quero ser um dos enganados e prefiro conseguir avaliar as coisas pelos fundamentos certos.»

    Ia... E lá se vai o consequencialismo pelo cano abaixo.

    O Diogo poderia ter boas razões para contrapor ao Joaquim: os tais "argumentos económicos que vão desde o esforço que não se tem de investir a proteger os bens pessoais, até à cooperação que se torna possível, às instituições e ferramentas que esta cooperação possibilita, à violência que é evitada, à gestão dos recursos, etc..." podem estar errados.

    Mas discutir a metafísica da propriedade não vai adientar de nada.

    Neste caso hipotético concordas comigo?

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  52. João Vasco,

    “Roubo” designa um acto ilegal, imoral e que priva alguém da sua propriedade. Ou seja, já inclui o tal juízo de valor, o aspecto normativo, que aqui estamos a discutir. Por exemplo, já exclui a cobrança de impostos, que se bem que seja a apropriação coerciva da propriedade alheia, consideramos ser legal e moralmente aceitável. Por isso proponho que a tua analogia não serve de grande coisa, porque escolhes à partida um termo que já inclui, por definição, a condição de ser imoral e condenável.

    Mais importante, essa história não esclarece o problema que apontei, que é a contradição entre querer leis que se apliquem a todos os países, quer queiram quer não e, ao mesmo tempo, defender o princípio de que nenhum país se possa ingerir nos assuntos dos outros. Como legislação, com uma carrada de excepções, condições de aplicabilidade e detalhes de implementação, até se pode conciliar. Mas como princípios parecem-me claramente contraditórios.

    Por isso proponho que percas menos tempo a tentar arranjar analogias e que tentes esclarecer este primeiro problema. A minha posição é que a lei, seja nacional seja internacional, deve servir para proteger os direitos de todas as pessoas, e contando todas as pessoas como iguais. Sendo assim, nenhuma regra de não-ingerência deve impedir a lei de defender os direitos de todos, por igual, mesmo quando os dirigentes desses países não querem.

    Admito que quando um país quer atacar outro para conquistar território e escravizar pessoas isso é imoral. Mas é imoral pelo mesmo princípio de se dever respeitar os direitos das pessoas, por igual. Não é imoral por causa de qualquer regra abstracta inventada por conveniência.

    Finalmente, defendo que o que se deve respeitar são os direitos das pessoas. A regra da não-ingerência é um truque pouco desejável, ineficaz, e contrário ao princípio de ter uma lei justa que proteja igualmente os direitos de todos.

    Antes de dizeres que sempre concordaste com tudo isto, que este comentário é apenas uma homilia, que não interessa nada o que estou a escrever e que não leio o que tu escreves, peço-te que vás directo ao assunto e me expliques como é que compatibilizas estes dois princípios:

    1- Todos têm os mesmos direitos fundamentais, seja qual for o país em que vivem, e a lei internacional serve para garantir que esses direitos são respeitados em todos os países.
    2- Nenhum país se deve ingerir nos assuntos de outro país.

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  53. João Vasco,

    Acho que percebo o que escreves. Mas eu não tenho nenhum problema com tautologia e "vice-versas". Não encaro a redundância como uma coisa negativa per se. Nem tudo é um concurso de técnicas de argumentação.

    "Eu acreditaria em qualquer Deus para o qual tivesse boas razões para acreditar, fosse ele um Deus que gostasse de ver os seres humanos felizes (A), ou um Deus que gostasse de ver os seres humanos sofrerem (B)."

    Eu não. Uma boa razão para não acreditar num deus que gostasse de ver os ser humanos sofrerem é precisamente essa.

    "Mas creio que faz mais sentido dizer que o hipotético Deus A é bom, e o hipotético Deus B é mau, do que dizer que seriam ambos bons caso conseguissem concretizar a sua vontade (pois esta em ambos os casos definiria o "Bem")."

    De facto. Nesse caso eu classifico o deus B de mau, porque tenho o Deus A como termo de comparação. E como classifico o deus B de mau, excluo que seja sequer Deus.

    Concordo com a tua análise relativamente às cores e suas definições. Mas o que defendo é que isso não tem paralelo para o conceito de Bem e de Deus. Bem é uma e uma só coisa. O que não for, não vem de Deus. É só isso.

    O conceito de deus mau é que é um absurdo porque mau não é de Deus.

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  54. João Vasco,

    ainda,

    "No que diz respeito às definições o vice versa não faz sentido. Ou definimos a expressão "azul" como sendo uma determinada cor; e depois caracterizamos o céu durante o dia como azul; ou então chamamos definimos azul como sendo a cor que o céu tem durante o dia, e aí dizer o céu de dia é azul torna-se uma tautologia. Neste caso absurdo, se noutro planeta o céu fosse da cor do sangue, a cor do sangue seria azul. Ora isto é idiota."

    Seria ambíguo, não idiota. Só porque se dá um erro, não significa que se é idiota. Ficavas com duas cores diferentes para a mesma designação ou designações diferentes para a mesma cor.

    Mas para o Bem, não há paralelo.

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  55. Compreendo a discussão entre o João Vasco e o Ludwig, e diria que há aqui equívocos, e que o grande equivocado aqui é o JV, AFAICS. O dilema que o Ludwig é simples, se a não-ingerência é uma boa heurística, então como é que sequer poderemos falar em "leis internacionais", já que não existe nenhum ser deste mundo que não seja de uma nacionalidade em particular?

    Tu não respondeste a este dilema, que me parece basilar. Por um lado pareces-me dizer que o respeito pela não-ingerência deve prevalecer, por

    A analogia para com os indivíduos dentro de um estado de direito não se aplica, pois nesse caso existe um "estado" que supervisiona os cidadãos, e uma "autoridade" que é constituída por... indivíduos. Não é uma espécie de paraíso libertariano segundo o qual são os indivíduos que por sua auto-organização vão definir o que é um "roubo", etc. É uma sociedade que prevê a gerência de um país por seres humanos, i.e., a gestão de seres humanos por outros seres humanos, através do "contracto social", que é feito logo a partir do momento em que nasces. É uma relação coerciva. Por isso é que a analogia falha, pois se levada a sério, chegaríamos exactamente ao inverso do que propões, e à criação de um estado internacional com uma lei planetária, e uma autoridade única e superior.

    Por outro lado, gostaria de adicionar à discussão um elemento. Este princípio ou heurística emergente da "não-ingerência" parece-me mais um elemento de um liberalismo ocidental que atenta a uma espécie de auto-flagelação, à auto-destruição de qualquer poder, qualquer força na voz, qualquer autoridade. Parece-me uma tendência que não deve ser posta em liberdade total. Deve ser moderada. Não existe tolerância sem existir intolerância à própria intolerância. Muitos paradoxos liberais encontram-se aqui por desbravar, e acho que a discussão rodeia um pouco estas ideologias vagas.

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  56. Desculpa houve ali um parágrafo que desapareceu. Continuo:


    Tu não respondeste a este dilema, que me parece basilar. Por um lado pareces-me dizer que o respeito pela não-ingerência deve prevalecer, por outro pareces indicar a importância da existência de regras internacionais. Estes dois princípios ou heurísticas, ou whatever, são incompatíveis.

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  57. Barba,

    Eu penso que um problema é que o João Vasco vê "não-ingerência" como querendo dizer não invadir os outros, quando o conceito é bastante mais vasto e reconhecido como anacrónico desde a segunda guerra mundial.

    Até porque o papel original da não-ingerência era proteger a soberania dos Estados numa altura em que os Estados não se assumiam como um contrato entre pessoas iguais mas se consideravam como a propriedade legítima de um soberano. A não-ingerência servia assim para que o soberano pudesse fazer o que queria em "sua casa".

    Mas é melhor não tentar explicar já isto porque senão o João Vasco ainda me acusa de ser padre :)

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  58. Ludwig:

    Se a palavra "roubo" te faz confusão pelas razões que referiste, volta a ler a mensagem anteror substituindo-a sempre por "furto".


    «Admito que quando um país quer atacar outro para conquistar território e escravizar pessoas isso é imoral. Mas é imoral pelo mesmo princípio de se dever respeitar os direitos das pessoas, por igual. Não é imoral por causa de qualquer regra abstracta inventada por conveniência.»

    «Admito que furtar em certos casos pode ser imoral. Mas é imoral pelas consequências que nesse caso podem advir desse furto em particular. Não é imoral por causa de qualquer regra abstracta inventada por conveniência a dizer que o furto é errado»

    Pois, só que o problema é que respeitar as leis actuais no que diz respeito a não furtar é melhor do que não as respeitar.

    A história, que fiquei sem saber que entendes porque paraste pela palavra roubo em vez de te centrares no conteúdo daquilo que tinha escrito, é perfeitamente análoga. Porque para fazer respeitar as regras que impedem o furto é preciso uma polícia e tribunais pagas por todos, impostos, e por consequência não encarar a propriedade privada como um valor absoluto e inviolável. Mas não existe nenhuma contradição entre isso e considerar que é bom respeitar a proibição do furto, desde que essa opinião não assuma nenhuma sacralização da propriedade privada.
    Ou seja, dizer que é bom que se respeite a proibição do furto vem a posteriori e não a priori.

    O mesmo acontece com o princípio de não ingerência. Como é uma regra prática (como a proibição do furto) e não uma sacralização das fronteiras nacionais, não existe qualquer contradição entre considerá-lo útil e saber que isso tira liberdade a cada governo para fazer o que quer - aliás, a ideia é mesmo essa!

    Dizer que existe contradição entre acreditar em regras internacionais e alegar que essas regras devem impedir que um país ataque militarmente outro sem um mandato internacional justificado por razões humanitárias é como dizer que existe contradição entre acreditar que a lei deve impedir agressões físicas, mas aceitar que a polícia possa em último recurso agredir alguém para implementar a lei.
    Se explicarem porque é que no segundo caso pode não existe contradição (já agora deixo o desafio) entenderão logo porque é que não existe qualquer contradição no primeiro.

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  59. «Dizer que existe contradição entre acreditar em regras internacionais e alegar que essas regras devem impedir que um país ataque militarmente outro sem um mandato internacional justificado por razões humanitárias é como dizer que existe contradição entre acreditar que a lei deve impedir agressões físicas, mas aceitar que a polícia possa em último recurso agredir alguém para implementar a lei. »

    para fazer aplicar a lei, aliás.

    É bastante claro pelo contexto, mas pelos vistos tenho de ter muito cuidado..

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  60. João Vasco,

    «Se a palavra "roubo" te faz confusão pelas razões que referiste, volta a ler a mensagem anteror substituindo-a sempre por "furto".»

    Não adianta; tem o mesmo problema. Mas imagina que propunhas o princípio da “não apropriação”, pelo qual ninguém deve tornar seu aquilo que originalmente não era seu. Ou o princípio da inviolabilidade da propriedade privada, pelo qual ninguém poderia entrar em propriedade alheia. Penso que facilmente verás que, como princípios, são uma bela porcaria. Não são princípios (são conclusões) e só às vezes se aplicam.

    «Dizer que existe contradição entre acreditar em regras internacionais e alegar que essas regras devem impedir que um país ataque militarmente outro sem um mandato internacional justificado por razões humanitárias»

    Aí não há contradição nenhuma. Há regras, essas regras estipulam o que cada país pode ou não pode fazer, e quem as violar leva com os exércitos dos outros em cima. Por exemplo, eu sou a favor de uma lei internacional que proíba a qualquer país a violação dos direitos humanos. E penso que nisso estamos de acordo.

    Mas só podes ter um sistema desses se abdicares do princípio de nenhum país interferir no que fazem os outros, e abraçares o princípio contrário de que os países devem defender em conjunto os direitos das pessoas e punir qualquer país que tente violá-los. A contradição só surge por defenderes este sistema e a não-ingerência ao mesmo tempo.

    É claro que pode não haver contradição se, por “não-ingerência”, quiseres dizer “não invadir os outros sem uma justificação moral que torne essa invasão desejável para prevenir males piores”. Nesse caso, sim, o termo fica análogo a “furto” e “roubo”, pressupondo uma avaliação normativa prévia para determinar que o termo se aplica.

    Mas nesse caso é um conceito completamente inútil para avaliar uma intervenção como a do Afeganistão, porque antes de saberes se o termos e aplica tens de avaliá-la primeiro.

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  61. «Compreendo a discussão entre o João Vasco e o Ludwig, e diria que há aqui equívocos, e que o grande equivocado aqui é o JV, AFAICS.»

    Estou equivocado com o que quer dizer AFAICS. Mas depois de ter respondido a uma pergunta que o Ludwig me fez que mostrava que ele não tinha entendido algo que já tinha repetido dezenas de vezes mostrou o contrário.
    Felizmente na mensagem de «06/12/10 02:19» fui tão claro que espero ter ultrapassado o problema principal.

    Com a tua mensagem vens lançar um pouco mais de confusão ao debate, mas vou tentar explicar-me:


    «se a não-ingerência é uma boa heurística, então como é que sequer poderemos falar em "leis internacionais", já que não existe nenhum ser deste mundo que não seja de uma nacionalidade em particular»

    Esse nunca foi o dilema do Ludwig, visto que o Ludwig começa logo por considerar que a nacionalidade "não interessa", como já repetiu dezenas de vezes. Mais ainda do que aquelas que eu repeti que estava de acordo com isso.

    Na verdade nem percebo que raio de dilema é esse. Sinceramente não vejo onde está o dilema. Os governos dos diferentes países, negociando, chegaram a determinadas "leis internacionais". Isto é a parte factual.

    Essas leis podem ser boas ou más. São boas se a sua existência traz boas consequências, e vice versa. Devem ser respeitadas se o respeito por elas traz boas consequências e vice versa. Aqui eu e o Ludwig estamos de acordo.

    Eu acredito que o fundamental destas leis, princípio de não ingerência, ingerência humanitária, etc... deve ser respeitado, pois na actual situação político-militar isso traz boas consequências. o Ludwig não.

    Nada neste dilema ou discórdia se refere à nacioanlidade de quem fez a lei.
    Se desde o início foi esse o argumento do Ludwig admito que tens razão e que eu estava muito equivocado. Aí tem de ser o Ludwig a responder.


    «Por um lado pareces-me dizer que o respeito pela não-ingerência deve prevalecer, por outro pareces indicar a importância da existência de regras internacionais. Estes dois princípios ou heurísticas, ou whatever, são incompatíveis. »

    Esse é o argumento do Ludwig. Mas parece-me risível.

    Já expliquei que o meu problema com o desrepeito pelo princípio de não ingerência (como no caso do furto) não é "a priori" mas sim "a posteriori".
    Ou seja, "a priori" não existe nada de errado com a ingerência em si. Daí a discussão não se dever colocar no abstracto. É como com o furto, visto que a prpopriedade é uma construção social.
    E por isso não existe nada de errado em acreditar que leis internacioanis possam, por hipótese, ser boas.

    As actuais leis internacionais, que têm o princípio de não ingerência como pedra basilar, são boas, a meu ver. É bom respeitar essas leis.
    Não "a priori", mas sim "a posteriori". Porque a actual conjuntura político-militar é tal que o seu desrespeito teria consequêcias desastrosas.

    Percebo que discordem deste ponto. Mas por favor não me façam ter de contar as vezes que eu repeti que o meu argumento é "a posteriori".

    Logo aí fica claro que a contradição que ambos apontaram não existe. É só lerem aquilo que escrevi.

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  62. "suspiro"

    Eu pensei que já não iria ter de repetir isto.

    «Penso que facilmente verás que, como princípios, são uma bela porcaria. Não são princípios (são conclusões) e só às vezes se aplicam.»

    Iá! E se os alunos de direito tivessem chamado "princípio do respeito pela propriedade" à proibição do furto?? Essa convenção mudava a tua opinião?
    Quantas vezes eu teria de dizer que concordo com esse "princípio" mas não o considero um "princípio ético abstracto" mas sim uma lei útil que deve ser respeitada até deixares de alegar que "enquanto princípio ético abstracto o respeito pela propriedade é um mau princípio"??


    «Aí não há contradição nenhuma»

    Exactamente. Era esse o meu ponto.



    «furto» não pressupõe nenhuma avaliação moral prévia. Falo em furto referindo-me à figura legal, sem qualquer carga moral.
    Podemos discutir a moralidade do furto.


    Eu acredito que é positivo respeitar a lei que proibe o furto.

    Isso é diferente de dizer que acho errado furtar nos casos em que isso traz consequeências negativas. Isso seria tautológico.

    Não impede que eu não considere a hipótese de existir uma situação em que o furto seria louvável. Pois não considero que o mal do furto seja um princípio ético fundamental.

    Mas acredito que impedir o furto tem consequências positivas.

    Permitir o furto apenas porque hipoteticamente poderiam haver furtos louváveis, deixando de respeitar as leis que proibem o furto com base na ideia de que cada apropriação poderia ter cosnequências positivas ou negativas e deveria ser avaliada caso-a-caso, seria uma asneira que apenas alguém a meu ver muito ingénuo poderia defender.


    Vejamos agora:




    Eu acredito que é positivo respeitar o "princípio de não ingerência".

    Isso é diferente de dizer que acho errado "invadir um país" nos casos em que isso traz consequeências negativas. Isso seria tautológico.

    Não impede que eu não considere a hipótese de existir uma situação em que a invasão de um país contra o direito internacional seria louvável. Pois não considero que o mal do desrespeito pela lei internacional seja um princípio ético fundamental.

    Mas acredito que o respeito pelo direito internacional tem consequências positivas, e o desrespeito negativas.

    Não respeitar o "princípio de não ingerência" apenas porque hipoteticamente poderiam existir invasões louváveis, deixando de respeitar o direito internacional com base na ideia de que cada invasão poderia ter cosnequências positivas ou negativas e deveria ser avaliada caso-a-caso, seria uma asneira que apenas alguém a meu ver muito ingénuo poderia defender.

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  63. AFAICS: As Far As I Can See.

    «Esse nunca foi o dilema do Ludwig, visto que o Ludwig começa logo por considerar que a nacionalidade "não interessa", como já repetiu dezenas de vezes»

    Aí é que te enganas. Quando uma nação faz algo reprovável aos seus ou a outros cidadãos, e se um bando de nações responsáveis vai e tenta "corrigir" o problema, mesmo tendo o mandato da ONU para o fazer, está a gerir os problemas dessa mesma nação. Isto é impossível ou pelo menos contraditório com a heurística da "não-ingerência", segundo a qual só os países directamente envolvidos se devem importar com aquilo que se passa lá dentro. Obviamente que são nestes confrontos que se deve julgar a eficácia de tal heurística, e não "quando tudo tá bué bem".

    «Os governos dos diferentes países, negociando, chegaram a determinadas "leis internacionais". Isto é a parte factual.»

    Ou por outras palavras, cederam o direito da autonomia total sobre as suas decisões governamentais, criando excepções para essa gestão, i.e., criando regras para a intervenção estrangeira quando é necessária.

    «Já expliquei que o meu problema com o desrepeito pelo princípio de não ingerência (como no caso do furto) não é "a priori" mas sim "a posteriori". »

    Isto é-me totalmente irrelevante, se é a priori ou a posteriori. Importante é perceber se faz sentido ou não.

    «Não "a priori", mas sim "a posteriori". Porque a actual conjuntura político-militar é tal que o seu desrespeito teria consequêcias desastrosas. »

    Muito pelo contrário. Vejo que actualmente os EUA estão totalmente impotentes para fazer qualquer acção militar em países beligerantes e desastrosos para com as suas populações, como na Coreia do Norte, no Darfur, e quiçá, no Irão. E isto não vejo como sendo algo positivo. Talvez devêssemos perguntar aos norte-coreanos como é que vêem a ideia de viverem o 1984 durante mais 50 anos...

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  64. Barba:

    « Isto é impossível ou pelo menos contraditório com a heurística da "não-ingerência", segundo a qual só os países directamente envolvidos»

    Esse era o teu segundo argumento e não o primeiro...


    A esse segundo argumento já respondi, mas tu ingoraste a resposta porque não queres saber o que é a priori ou posteriori, por isso decides ignorar a explicação que te dei para porque é que a aparente contradição que apontas não é contradição nenhuma.

    Mas é genial. É como dizer que não faz sentido proibir agressões entre indivíduos, se para aplicar essa lei a polícia teria de agredir os agressores, o que seria contraditório.


    Quanto à ideia de "seria óptimo os EUA invadirem a Coreia" ou coisas do tipo, eu já queria discutir esse assunto desde início.
    Mas para isso convém estarmos de acordo que a nossa divergência é na percepção da situação político-militar actual.

    Aí finalmente começamos a discutir o que interessa.

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  65. João Vasco,

    «Eu acredito que é positivo respeitar o "princípio de não ingerência".»

    Há duas maneiras de interpretar isto. Não é claro qual queres dizer, mas não faz mal porque rejeito ambas :)

    Uma é normativa. Ou seja, tu propões que a não-ingerência é um indicador que permite aferir se um acto é bom ou mau. Se há ingerência, é mau, se não há é bom. Eu proponho que a não-ingerência não serve para isto porque para qualquer caso em que seja mau intervir há outro em que é bom intervir nos assuntos internos de um país. A não-ingerência é critério pouco fiável para avaliar intervenções internacionais.

    A Outra é prescritiva. Talvez tu estejas a defender isto como uma regra que todos os países devem respeitar. Aí tens uma contradição. Considera o problema geral de obrigar todos os países a respeitar a regra X. A única forma de fazer isso é impondo a regra X à força se um país a violar. Mas se a regra X é “nenhuma regra pode ser imposta à força a qualquer país que não a queira”, tens uma contradição.

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  66. «A Outra é prescritiva. Talvez tu estejas a defender isto como uma regra que todos os países devem respeitar. Aí tens uma contradição. Considera o problema geral de obrigar todos os países a respeitar a regra X. A única forma de fazer isso é impondo a regra X à força se um país a violar. Mas se a regra X é “nenhuma regra pode ser imposta à força a qualquer país que não a queira”, tens uma contradição.»

    É como o problema de fazer respeitar a regra segundo a qual as pessoas não devem agredir as outras.
    Não deveríamos respeitar a lei que impede a agressão física. É uma lei contraditória.

    ...

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  67. «Mas é genial. É como dizer que não faz sentido proibir agressões entre indivíduos, se para aplicar essa lei a polícia teria de agredir os agressores, o que seria contraditório.»

    O teu problema JV, é que no caso das nações, a "polícia" é constituída por nações. Não existe uma instituição "supra-nacional" que tenha suficiente legitimidade no seu poder (eu não voto para as NU) que tenha capacidade, por seu lado, para "agredir" os "agressores". Quando as NU chegam a uma conclusão desse tipo, têm sempre de apelar à "generosidade" das nações particulares, que têm sempre os seus próprios interesses à mistura. A fraqueza das NU, e o relativismo moral que enferma a instituição não são garante de valores que tu e eu temos como fundamentais para a humanidade. A única alternativa é fazermos nós a diferença no mundo.

    «A Outra é prescritiva. Talvez tu estejas a defender isto como uma regra que todos os países devem respeitar. Aí tens uma contradição. Considera o problema geral de obrigar todos os países a respeitar a regra X. A única forma de fazer isso é impondo a regra X à força se um país a violar. Mas se a regra X é “nenhuma regra pode ser imposta à força a qualquer país que não a queira”, tens uma contradição.»

    Exactamente o que eu disse, e exactamente aquilo que o JV dizia que "não era o que o ludwig estava a defender"... enfim é só equívocos.

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  68. «É como o problema de fazer respeitar a regra segundo a qual as pessoas não devem agredir as outras.»

    Enfim desconversamos. O princípio da não-ingerência tenta responder precisamente aos problemas alheios através da realpolitik, de ignorá-los. Se queres fazer uma analogia, porque não sobre os abusos e maus-tratos na violência doméstica, e como qualquer cidadão tem o dever de se intrometer na vida alheia quando vê este tipo de problemas a decorrer?

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  69. João Vasco,

    «É como o problema de fazer respeitar a regra segundo a qual as pessoas não devem agredir as outras.»

    Sim, é mais ou menos como isso. Por isso é que, se queres resumir numa regra simplificada os princípios morais e as leis que prescrevem a nossa conduta, a melhor regra será "só se deve agredir os outros para evitar um mal maior, e apenas no que for necessário para o fazer." Assim já incluis a acção da polícia, a legítima defesa do próprio ou de terceiros, se for preciso empurrar um bêbado para fora da estrada para o safar de um carro, etc.

    Mas "as pessoas não devem agredir as outras" é uma regra parva. É uma norma má porque não contempla os muitos casos em que é melhor agredir. E é uma prescrição má porque não se consegue usar para impedir ninguém de bater nos outros.

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  70. Barba:

    Escreveste numa mensagem isto.

    «se a não-ingerência é uma boa heurística, então como é que sequer poderemos falar em "leis internacionais", já que não existe nenhum ser deste mundo que não seja de uma nacionalidade em particular»

    Eu acho que isso é um problema que o Ludwig nunca apontou.

    Logo a seguir apontaste OUTRO problema, ao qual respondi. Esse era o problema que o Ludwig apontou:

    «Por um lado pareces-me dizer que o respeito pela não-ingerência deve prevalecer, por outro pareces indicar a importância da existência de regras internacionais. Estes dois princípios ou heurísticas, ou whatever, são incompatíveis.»

    Eu respondi a esse problema umas dezenas de vezes.
    A tua resposta À minha resposta foi:

    «Enfim desconversamos.»

    Lá está. Eu respondo e tu ignoras. Ou não te interessa se é princípio ou heurística, ou não te interessa se é a priori ou posteriori, ou então não te interessa essa analogia e queres outra.

    Mas a analogia é perfeita. Tal como não existe contradição em defender que seja ilegal agredir outros fisicamente, mesmo que se admita a agressão para fazer aplicar essa lei; não existe contradição em defender que possam existir leis internacionais que defendam que não se deve atacar militarmente outro país sem estar a responder a um ataque nem ter mandato internacional.

    «O princípio da não-ingerência tenta responder precisamente aos problemas alheios através da realpolitik, de ignorá-los. Se queres fazer uma analogia, porque não sobre os abusos e maus-tratos na violência doméstica, e como qualquer cidadão tem o dever de se intrometer na vida alheia quando vê este tipo de problemas a decorrer?»

    Porque essa analogia não explica porque é que a aparente contradição que ambos apontaram é ridícula, que é o que mostrei com a analogia anterior.

    Essa analogia basicamente diz que há casos em que nos devemos meter. A sério? Mas como não queres saber da parte do "a priori" / "posteriori" nem percebes porque é que esse argumento não colhe.

    Sim, há casos em que violar a não ingerência pode ser bom, tal como pode haver casos em que furtar seja bom.

    Mas é bom respeitar o princípio da não ingerência e respeitar a lei que impede o furto.

    Mas o que é que ainda não entenderam??

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  71. Este comentário foi removido pelo autor.

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  72. João Vasco,

    «Eu acho que isso é um problema que o Ludwig nunca apontou.»

    Este é o problema que eu tenho sempre apontado, desde o início. Não podes garantir que todos os países respeitam os direitos humanos se, ao mesmo tempo, respeitas a regra de nenhum país se meter nos assuntos dos outros países.

    Há poucos dias, num comentário ali em cima, escrevi precisamente que o grande progresso político recente foi pago cedendo esse princípio da não-ingerência.

    «Pois eu diria que é precisamente o contrário. A NATO, a ONU e a União Europeia, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e uma data de outras coisas afins, contribuíram para a paz entre as nações mais desenvolvidas, e foram todos criados à custa do princípio da não-ingerência. Neste momento os alemães mandam nos nossos impostos, a NATO no nosso exército, a DUDH na nossa Constituição, e assim por diante. No fundo, “a expansão do círculo”, para usar o termo do Peter Singer, passa pelo enfraquecimento dos nacionalismos, do “nós contra eles”, e pela aceitação da ingerência de uns nos assuntos dos outros. Por exemplo, na UE temos direito de votar e ser eleitos nas eleições autárquicas do país onde residimos independentemente da nossa nacionalidade. Mais ingerência que isso é difícil.»

    A razão pela qual Espanha não invade Portugal não é a veneração que o Zapatero tenha pelo princípio da não-ingerência. É precisamente o contrário. A ingerência é tanta que não há qualquer razão para invadir Portugal. Isso seria quase como o Algarve invadir o Alentejo.

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  73. «Este é o problema que eu tenho sempre apontado, desde o início. Não podes garantir que todos os países respeitam os direitos humanos se, ao mesmo tempo, respeitas a regra de nenhum país se meter nos assuntos dos outros países.»

    Mea culpa.
    Eu pensei que esse era a SEGUNDA objecção do Barbas.
    Se leste a primeira como querendo dizer isso, então realmente não percebi.

    Mas não tem problema: já respondi repetidamente a essa questão.
    Não existe qualquer contradição, conforme já expliquei.

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  74. «Mas "as pessoas não devem agredir as outras" é uma regra parva.»

    É engraçado. Fizeste precisamente o mesmo erro.

    Eu falo-te em respeitar as regra legal segundo a qual as pessoas estão proibidas de agredir outras.

    Esta regra tem obviamente um contexto. Um quadro legal. E é nesse contexto que eu digo que é bom respeitar a lei no que diz respeito a esse assunto.

    Agora pergunto-te. Não entendeste isso, ou entendeste?


    Se não entendeste, peço-te que o digas desde já.

    E acrescento outra pergunta: achas bom que se respeite a lei portuguesa no que diz respeito à agressão física?

    Sim ou não?

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  75. «Eu respondi a esse problema umas dezenas de vezes.
    A tua resposta À minha resposta foi:

    «Enfim desconversamos.»

    Lá está. Eu respondo e tu ignoras.»


    Ridículo. Já te disse, tanto me faz se é a priori ou a posteriori, o que quero saber é se é uma heurística ou uma regra geral que faça sentido ou não. O facto de que não compreendes esta simples asserção frustra-me. Leva a taça dizendo que é a posteriori, isso não nos esclarece minimamente se é uma boa regra ou não, simplesmente esclarece-nos que tu "chegaste a essa conclusão através de exemplos". Tudo bem. Eu não.

    «Mas a analogia é perfeita.»

    É ridícula porque faz a equivalência entre nações e pessoas - coisa ridícula em si - , simplesmente ignorámos este ponto óbvio "for the sake of argument", mas já que insistes no brilhantismo da analogia, tenho de te furar esse balão. (Nações não sofrem, pessoas sim)

    «Sim, há casos em que violar a não ingerência pode ser bom, tal como pode haver casos em que furtar seja bom.»

    Ah, ok, o teu argumento é tautológico. O princípio deve ser respeitado excepto quando não deve. Mas que ridículo! Isto não é nem princípio nem heurística nem conclusão nem nada! É algo vazio, que não nos informa minimamente sobre o que devemos ou não fazer!

    «Mas o que é que ainda não entenderam?»

    Eu cá já entendi tudo...

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  76. «É engraçado. Fizeste precisamente o mesmo erro.

    Eu falo-te em respeitar as regra legal segundo a qual as pessoas estão proibidas de agredir outras.»


    Mas isto é ridículo, porque a questão da não ingerência não é se os países podem ou não armar-se em malucos e começar a invadir tudo e mais alguém, mas sim se os países podem ou não intervir noutros quando existem graves falhas por parte desses países ora para com as suas próprias populações, ora pondo em perigo as nações intervencionistas.

    Esta discussão é clara. Tu é que estás praí a dizer que se não concordamos com a tua versão das coisas é porque concordamos que as pessoas deverão poder roubar umas às outras e etc.

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  77. João Vasco,

    O problema não é de compreensão. É discordar. É factualmente errado resumir a nossa prática legal, no que toca a agressões, à regra «não se deve agredir os outros». É claro que podes alegar contextos, excepções e assim, mas às tantas mais vale admitir que a regra não é essa.

    Especialmente se, em vez de mera descrição, estiveres a propor como norma ou prescrição que se siga o princípio de não agredir os outros. Isso pode ser uma coisa boa para ensinar aos miúdos no jardim infantil, mas entre adultos é melhor ignorar essa simplificação grosseira e considerar o que interessa.

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  78. Barba:

    «Mas isto é ridículo, porque a questão da não ingerência não é se os países podem ou não armar-se em malucos e começar a invadir tudo e mais alguém, mas sim se os países podem ou não intervir noutros quando existem graves falhas por parte desses países ora para com as suas próprias populações, ora pondo em perigo as nações intervencionistas.»

    Não é uma coisa nem outra.

    Tu podes acreditar que se legalizares o furto as pessoas só vão furtar quando for bom.

    Outro pode acreditar que só vão furtar quando for mau.

    E outro pode acreditar que vão furtar em casos em que é mau e em casos que é bom, mas que o balanço geral vai ser negativo.

    É essa a minha visão.

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  79. João, só faz sentido "ilegalizar" o furto se houver quem fiscalize e puna esse "furto". Se essa autoridade não existir, é bom que hajam alternativas. E a NATO, não sendo uma alternativa perfeita, é tudo menos isso, pelo menos é um grande garante da nossa defesa e liberdade perante tendências totalitárias no mundo, mesmo quando é necessário intervir em países medievais para ter essa garantia.

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  80. Ludwig:

    A sério?

    Não és capaz de responder à pergunta: «achas bom que se respeite a lei portuguesa no que diz respeito à agressão física? »

    É mesmo isso que me estás a dizer?

    «Ha, o caso é complexo e coiso. Como tal não respondo.»

    Queres discutir num blogue se devemos respeitar o princípio de não ingerência. Mas não és capaz de responder quanto à proibição da agressão física no quadro da nossa lei.

    Olha, eu acho muito bem que seja proibida a agressão física. Não me parece uma coisa terrivelmente complexa.

    E se tens de fazer da moralidade de fazer respeitar a lei portuguesa no que diz respeito à agressão física um bicho de sete cabeças acho que já sabes que não tens razão, só não o reconheces.

    Caramba, se não estamos imediatamente de acordo no caso da proibição da agressão no quadro da nossa lei, nem vale a pena estar a falar nos problemas terrivelmente complexos do direito internacional.

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  81. Barba:

    «João, só faz sentido "ilegalizar" o furto se houver quem fiscalize e puna esse "furto".»

    O exemplo do furto era para te mostrar como não existe contradição naquilo em que disseste que havia.

    Repara: o Ludwig já entrou em contradição. Se o problema no "princípio de não ingerência" é a contradição que existe entre ter de ser violado para ser aplicado (como no caso da agressão, esse quebra-cabeças que pelos vistos passou ao lado de toda a gente...) então em nenhuma conjuntura político-militar ele poderia ser uma heurística útil.
    Mas o Ludwig já escreveu que noutros tempos e conjunturas esta heurística poderia ter sido útil. QED

    Na verdade não existe contradição alguma. Só existiria contradição se fosse um princípio "a priori".
    Se Deus fica zanganado com as agressões, então não faz sentido estabelecer uma piolícia que agride as pessoas para impedir agressões.

    Mas se estamos simplesmente a avaliar as consequência sem leis metafísicas, então podemos dizer que uma lei que impede a agressão em X casos, e uma polícia que faz aplicar essa lei tornam o mundo melhor.
    A analogia está no facto de a aparente contradição inicial já não existir. Não no processo concreto que faz com que ela não exista.

    Explicando em relação à não ingerência, e repetindo-me, não é que existam umas tabuletas douradas a dizer "não ingerirás noutra nação", e o problema de violar este princío seja desobedecer Às tabuletas. Coisa que o direito internacional a defender tal princíio faria. Aí tinhas contradição.

    É que à partida, em termos metaf-físicos, não exista mal na ingerência em si, e por isso não veja problema com a existêmcia de lei inernacional. Mas depois, sou da opinião que se essa lei impedir ataques miliares sem um mandato internacional que o autorize, fazer respeitar essa lei tem um impacto positivo no mundo. Podes discordar deste segundo ponto, mas isto é uma leitura político-miliar do mundo em que vivemos, não é uma discussão sobre as abstracções da ética.

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  82. «Mas o Ludwig já escreveu que noutros tempos e conjunturas esta heurística poderia ter sido útil. QED»

    Útil sim, quando defines uma nação enquanto "propriedade de um soberano". Aí é útil. A não ser que concordes com essa definição, não tens nada aqui com que te pavonear.

    «É que à partida, em termos metaf-físicos, não exista mal na ingerência em si, e por isso não veja problema com a existêmcia de lei inernacional. Mas depois, sou da opinião que se essa lei impedir ataques miliares sem um mandato internacional que o autorize, fazer respeitar essa lei tem um impacto positivo no mundo. Podes discordar deste segundo ponto, mas isto é uma leitura político-miliar do mundo em que vivemos, não é uma discussão sobre as abstracções da ética.»

    É um princípio "bonito" que depende muito dos valores dessa mesma organização mundial. NO entanto, uma organização que promulgue a blasfémia como algo que deve ser ilegalizado, uma organização que avança com todo o tipo de ataques aos direitos básicos da humanidade, uma organização que é tão boa quanto a maioria dos países a deixarem ser (e lembremo-nos que a maior parte dos países são ditaduras, teocracias, etc.), não me é garante de nada.

    Esse tipo de regras são "interessantes" apenas assumindo a priori que todos os países partilham dos mesmos valores humanistas, que todos os países respeitarão essas mesmas regras pois existem penas para quem não as cumpra, etc.

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  83. «É um princípio "bonito" que depende muito dos valores dessa mesma organização mundial. NO entanto, uma organização que promulgue a blasfémia como algo que deve ser ilegalizado, uma organização que avança com todo o tipo de ataques aos direitos básicos da humanidade, uma organização que é tão boa quanto a maioria dos países a deixarem ser (e lembremo-nos que a maior parte dos países são ditaduras, teocracias, etc.), não me é garante de nada.»

    Mas nesse caso já começas a discutir os pontos que interessam discutir: o panorama político-militar actual.

    Eu estou desejoso (na verdade, menos, porque a discussão inútil anterior cansou-me) de passar a essa discussão, mas é preciso fazer-me entender que essa é a discussão que importa. Até agora tem estado difícil.

    Mas - aparentemente - já entendeste.

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  84. «Mas - aparentemente - já entendeste.»

    Ouve lá uma coisa. Nada do que eu disse foi descontextualizado em relação ao panorama político actual. Pior, já que tu próprio definiste a não-ingerência como sendo uma conclusão a posteriori contextualizada dentro do panorama político actual, é somente natural que a minha crítica e cepticismo tenham esse contexto enquanto realidade a debater. É por isso que eu invoquei os paradoxos que invoquei, porque precisamente não existe um "Governo Mundial" que tenha autoridade sobre as diversas nações, não existem uma série de coisas imprescindíveis de existirem *antes* do teu princípio (ou fim, ou whatever) fizer sentido.


    Enquanto o "panorama mundial" não for dominado por uma ideologia liberal de reconhecimento dos direitos humanos, do direito à liberdade de expressão, da blasfémia, da liberdade feminina, da liberdade religiosa, etc.,etc., isto é tudo impossível. Prostrar os nossos países à não-intervenção não me parece aconselhável, e nisto concordo em parte com Jefferson... e com Hitchens ( e de certa maneira com os neo-cons...) Enquanto houver ditaduras no mundo não estamos safos.

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  85. Barba:

    «Nada do que eu disse foi descontextualizado em relação ao panorama político actual. »

    Ainda bem.

    Caso não tenhas entendido, a posição do Ludwig é que eu estou errado INDEPENDENTMENTE da leitura que se faça do panorama político actual.

    Se discordas, e se todos os teus argumentos se refrem ao contexto político actual, parabéns. Podemos começar a discutir o que interessa.



    « já que tu próprio definiste a não-ingerência como sendo uma conclusão a posteriori contextualizada dentro do panorama político actual, é somente natural que a minha crítica e cepticismo tenham esse contexto enquanto realidade a debater.»

    Exacto.
    Também me parece, para não ter de repetir as coisas quinhentas vezes.


    Portanto, estamos de acordo que, dado aquilo que ambos defendemos, não faz sentido discutir isto independentemente do contexto internacional. É no contexto internacional actual que a discussão deve ter lugar.

    Aquilo em que divergimos é na leitura política da actualidade, e é por isso que uma regra que consideras má eu considero boa.

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  86. «Aquilo em que divergimos é na leitura política da actualidade, e é por isso que uma regra que consideras má eu considero boa.»

    É sobretudo uma regra metafísica. Como dizer qualquer coisa do tipo "Seria óptimo se ninguém se masturbasse". Tudo bem, mas mesmo que "fosse óptimo", é uma regra que não faz sentido nenhum tentar sequer aplicar, dado o contexto social, tecnológico, etc. actual.

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  87. João Vasco,

    «Não és capaz de responder à pergunta: «achas bom que se respeite a lei portuguesa no que diz respeito à agressão física? »

    É mesmo isso que me estás a dizer?»


    Não. Eu acho bem que se respeite a lei portuguesa, em geral, se bem que acho que algumas coisas na lei portuguesa estão mal e devem ser corrigidas. Mas o que eu escrevi não foi acerca disso.

    O que eu escrevi foi «É factualmente errado resumir a nossa prática legal, no que toca a agressões, à regra «não se deve agredir os outros».» A nossa prática legal é muito mais complexa do que isso porque “não se deve agredir os outros” não é nenhum princípio básico, nem tem valor normativo ou prescritivo em geral. É apenas uma generalização grosseira e pouco útil.

    É precisamente essa a crítica que dirijo ao princípio da não-ingerência. É uma generalização grosseira e prejudicial por ignorar a complexidade das situações, na prática, e os princípios éticos, na teoria.

    «Olha, eu acho muito bem que seja proibida a agressão física. Não me parece uma coisa terrivelmente complexa.»

    Mas é muito mais complexo do que simplesmente “é proibida a agressão física”. Senão bastava ter isso na lei. Só que se as pessoas entram em pânico no cinema a arder e se empurram a tentar sair não vamos prender toda gente. Se um pai bate no tipo que lhe estava a violar a filha dizemos que é legítima defesa. Se a polícia tem de prender o ladrão não vão poder fazê-lo só com conversa. E assim por diante.

    No caso da não-ingerência este problema é ainda mais saliente. É que não bater nos outros, por si só, é sempre melhor que bater, se todas os outros factores forem constantes. Em contraste, não se ingerir nos assuntos dos outros países, por si só, é completamente neutro. Não é nem bom nem mau porque, como concordamos desde o início, a nacionalidade é irrelevante para avaliar estes valores.

    Ou seja, enquanto que com a regra da não-agressão tens uma simplificação grosseira de um problema complexo mas que, pelo menos, é uma regra com algum valor em si, com a regra da não-ingerência estás a reduzir um problema ainda mais complexo a uma simplificação ainda mais vaga e grosseira e que nem tem o mérito de ter algum valor por si. Daí que a rejeito. Não por homilia, não por não te compreender, nem sequer por não ter lido nada do que escreves, mas porque é uma simplificação que distorce o problema e faz mais mal que bem.

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  88. JJoão Vasco,

    «Se o problema no "princípio de não ingerência" é a contradição que existe entre ter de ser violado para ser aplicado (como no caso da agressão, esse quebra-cabeças que pelos vistos passou ao lado de toda a gente...) então em nenhuma conjuntura político-militar ele poderia ser uma heurística útil.»

    O problema principal desse princípio, como já disse e repeti, é focar algo irrelevante (a nacionalidade dos envolvidos) em detrimento do que interessa (os direitos dos envolvidos). Ao menos a regra do não bater sempre evita essa parte, mesmo sendo uma simplificação enganadora.

    Esse princípio é uma heurística que pode ser útil, pelo menos a quem esteja no poder, no caso de não haver uma lei internacional e cada país estiver por sua conta. Nesse caso é perfeitamente viável que cada um decida não se meter nos assuntos dos outros. É claro que, apesar de viável, é também extremamente instável porque qualquer um pode ignorar essa regra a qualquer momento, como se vê repetidamente ao longo da história. Pode ser uma heurística útil para fechar os olhos ao que não se quer ver, mas é demasiado frágil para ser grande fonte de estabilidade.

    Numa conjuntura político-militar em que se aceite obrigações de todos os regimes para com o seu povo e direitos a todas as pessoas seja qual for a nacionalidade, aí é que esse princípio se torna contraditório. Nos casos em que tudo corre bem é desnecessário. E nos casos em que as coisas correm mal é um empecilho.

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  89. «O que eu escrevi foi «É factualmente errado resumir a nossa prática legal, no que toca a agressões, à regra «não se deve agredir os outros».» A nossa prática legal é muito mais complexa do que isso porque “não se deve agredir os outros” não é nenhum princípio básico, nem tem valor normativo ou prescritivo em geral. É apenas uma generalização grosseira e pouco útil.»

    Isso foi o que escreveste.

    O que NÃO foi, foi a resposta à pergunta que te fiz.

    Eu perguntei «achas bom que se respeite a lei portuguesa no que diz respeito à agressão física? »

    Queres discutir direito internacional sem seres claro quanto a algo tão simples?

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  90. Barba:

    «É sobretudo uma regra metafísica.»

    Hãa???


    «Como dizer qualquer coisa do tipo "Seria óptimo se ninguém se masturbasse". Tudo bem, mas mesmo que "fosse óptimo", é uma regra que não faz sentido nenhum tentar sequer aplicar, dado o contexto social, tecnológico, etc. actual.»

    É ao contrário.

    No teu exemplo falas num pricípio que eu acharia bom aplicar num mundo ideal, mas que no mundo real a sua aplicação não faria sentido.

    Mas acontece o oposto. Eu falo de um princípio que num mundo ideal não deveria existir, mas que no mundo real deve ser aplicado.

    Se estamos todos de acordo que esse princípio não devia existir num mundo ideal, temos de discutir quais as vantagens de aplicá-lo ou não no mundo real.


    Não é "seria óptimo não atacar os outros sem mandato internacional". Não, num mundo ideal era como o Ludwig diz - interferíamos quando os outros estavam em problemas e as intervenções eram mais boas que más, e a lei internacional inútil.

    Como o mundo em que o furto não tem de ser proibido porque grande parte dos furtos acontece por razões moralmente louváveis, e favorece toda a gente.

    Se tu achas que só faz sentido discutir este assunto no contexto político-militar actual, então estamos de acordo e vamos a isso.

    Se não é o caso explica porquê.

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  91. João Vasco,

    A analogia do furto, roubo, agressão física e assim não funciona bem porque todas essas coisas têm uma conotação negativa logo à partida. Quando dizes:

    «Eu falo de um princípio que num mundo ideal não deveria existir, mas que no mundo real deve ser aplicado.»

    isto parece soar bem com o furto e afins. Mas pensa assim:

    «Nenhum país deve interferir naquilo que se faz noutros países»

    Isto é um princípio que num mundo ideal não teria mal nenhum (nem bem, sendo um mundo ideal), mas que no mundo real em que vivemos é um péssimo princípio. É contrário às quotas de pesca, ao comércio internacional, à conservação do ambiente, à ONU, à UE, à Internet, à assistência humanitária, à mediação de conflitos e à protecção dos direitos humanos.

    É claro que podes dizer que o princípio da não-ingerência apenas se aplica quando as consequências^da ingerência são más e não deve ser aplicado quando as consequências são boas. Mas isso equivale a olhar para as consequências caso a caso e ignorar o tal princípio inútil...

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  92. «A analogia do furto, roubo, agressão física e assim não funciona bem porque todas essas coisas têm uma conotação negativa logo à partida.»

    Sim, e a analogia com sereias não funciona porque todos sabem que elas não existem.



    ««Nenhum país deve interferir naquilo que se faz noutros países»»

    Ia, pensei que nesta altura já estávamos a falar do princípio de não ingerência, aquele do mundo real que se refere a ataques militares. Aquele que UE nunca violou. Quele que tu evitas constamente discutir para discutir uma coisa que já te disse não ter interesse nenhum em discutir.

    Eu falo de algo concreto. Como as leis que impedem a agressão física.

    Não de algo abstracto como o princípio que quiseste criticar do "não se pode NUNCA agredir ninguém". Ok, com isso estou de acordo. Mas responder se achas bem que se respeitem as leis que impedem a agressão, já não és capaz.

    Queres fingir que eu tenho uma opinião diferente daquela que tenho, e então refutá-la.
    É a única explicação que consigo encontrar para a minha necessidade de explicar pela centésima nona vez que estou a falar de algo concreto.

    A minha posição não é "nunca se interfira em caso algum" é "respeite-se a lei internacional inclusivamente no que diz respeito ao princípio de não ingerência".

    Como poderia dizer "respeite-se a lei portuguesa, inclusivamente no que diz respeito às agressões".



    «É claro que podes dizer que o princípio da não-ingerência apenas se aplica quando as consequências^da ingerência são más e não deve ser aplicado quando as consequências são boas. Mas isso equivale a olhar para as consequências caso a caso e ignorar o tal princípio inútil... »

    Só que eu nunca disse isso.

    Eu até disse isto:


    "Tu podes acreditar que se legalizares o furto as pessoas só vão furtar quando for bom.

    Outro pode acreditar que só vão furtar quando for mau.

    E outro pode acreditar que vão furtar em casos em que é mau e em casos que é bom, mas que o balanço geral vai ser negativo.

    É essa a minha visão."

    Não é que não se deve furtar quando é mau. Isso é tautológico.

    É que se deve respeitar a lei portuguesa no que diz respeito ao furto, porque de outra forma haverão mais furtos "maus" que "bons" e por isso estaremos numa situação pior.

    E repito a pergunta:

    «É bom respeitar a lei portuguesa no que diz respeito às agressões físicas?»

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  93. João Vasco,

    ««A analogia do furto, roubo, agressão física e assim não funciona bem porque todas essas coisas têm uma conotação negativa logo à partida.»

    Sim, e a analogia com sereias não funciona porque todos sabem que elas não existem.»


    A analogia da sereia funciona porque há a mesma evidência em favor da existência de sereias que de deuses. A analogia como o roubo não funciona tão bem porque "roubo" presume já que o acto é condenável enquanto que "ingerência" é um termo neutro, sinónimo de intervenção.

    «Ia, pensei que nesta altura já estávamos a falar do princípio de não ingerência, aquele do mundo real que se refere a ataques militares.»

    Se consultares o dicionário verás que ingerência é sinónimo de intervenção, e não de ataque militar. Em Inglês, por exemplo, chama-se "non intervention". Se queres propôr o princípio da não-agressão militar, então podemos discutir esse. Tem os problemas do princípio da não-agressão, mas pelo menos nesse caso já a analogia é melhor.

    «É a única explicação que consigo encontrar para a minha necessidade de explicar pela centésima nona vez que estou a falar de algo concreto.»

    Eu sei que estás a falar de algo concreto. E é por isso que acho, concretamente, que estás enganado. Quer acerca do significado da não ingerência (viste o link para a wikipedia?) quer acerca disso ser um bom princípio. Em concreto.

    «E repito a pergunta:

    «É bom respeitar a lei portuguesa no que diz respeito às agressões físicas?»»


    Penso que é uma boa lei, a que temos, por isso sim. Mas se alguma parte estiver mal deve ser corrigida. Mas não é boa ideia respeitar a regra "não se deve agredir ninguém", pois há muitas excepções que devem ser consideradas, e essa regra simplifica demasiado um problema complexo.

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  94. «A analogia da sereia funciona porque há a mesma evidência em favor da existência de sereias que de deuses. A analogia como o roubo não funciona tão bem porque "roubo" presume já que o acto é condenável enquanto que "ingerência" é um termo neutro, sinónimo de intervenção»

    Furto é um termo jurídico não uma avaliação ética.
    Agressão física, como tu próprio referiste, pode ser eticamente louvável.

    E escolheres a palavra "Roubo" apenas mostra como ignoras o que escrevo. Como eu reagi ao teu argumento sugeri que substituisses roubo por furto já que para ti essa era uma questão importante.
    Como passas por cima do que escrevo, não o fizeste, e voltaste a falar em roubo.


    «Se consultares o dicionário verás que ingerência é sinónimo de intervenção, e não de ataque militar.»

    Não sei se entendeste isto, mas nós estamos a falar em lei internacional. Naquilo que é o princípio da não ingerência no quadro da lei internacional. Aquela que não é violada pela formação da UE, se é que me entendes...




    «Penso que é uma boa lei, a que temos, por isso sim. Mas se alguma parte estiver mal deve ser corrigida. Mas não é boa ideia respeitar a regra "não se deve agredir ninguém", pois há muitas excepções que devem ser consideradas, e essa regra simplifica demasiado um problema complexo.»

    Cool.
    Então, quando te falar no princípio de não ingerência, falo-te em direito internacional. Em leis.
    Não te falo na regra "não se deve invadir ninguém" a não ser para resumir todo um quadro legal. Como em relação à agressão física.

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  95. Ludwig,

    Pelos vistos estive enganado este tempo todo. Eu insistia contigo que devíamos estar a discutir coisas concretas, quando na verdade tornou-se claro que as abstractas ainda estão muito aquém de serem totalmente esclarecidas, até porque nem sequer as esclareci várias dezenas de vezes. Peço-te desculpa desde já, e tento esclarecer-te novamente pela centésima sexta. Sei que é desta:

    1 - quando me refiro a princípio de não-ingerência, estou a referir-me a questões militares (como pensei que tinha tornado claro muitos posts acima, mas que de facto ainda não devo ter explicado com todas as palavras);

    2 - as leis têm nomes resumidos, e também têm muitas alíneas complexas que prevêem casos específicos e excepções (sei que concordas, apesar de agires como se discordasses) - e as duas coisas não são contraditórias nem se anulam. Quando me refiro a uma lei/princípio pelo seu nome, refiro-me a tudo o que ela inclui (aquilo a que te referes em diferentes posts como "confusão" ou "complexidade" - aqui já há mais contradição...)

    3 - princípios éticos/fundamentais é diferente de princípios legais/leis. Nesta discussão, refiro-me ao princípio legal da não ingerência. Falo no direito internacional.

    4 - o ponto fulcral da nossa discordância é básico: tu consideras que o respeito pelo princípio da não-ingerência, por si só, mantendo-se todos os factores constantes, não seria necessariamente bom nem mau, seria neutro. Eu considero que, estatisticamente, seria bom.

    5 - Aproveito para esclarecer mais um termo, não vá criar em ti (contra todas as minhas expectativas) mais confusão: por "estatisticamente", quero dizer que haverá certamente casos em que se revelará mau (no balanço das consequências), outros em que se revelará bom, e que os últimos serão em número significativamente maior que os primeiros. Para clarificar: O conjunto das mortes, morbidez, traumas físicos e psicológicos, etc (i.e. consequências más) derivadas de invasões militares não internacionais restringidas por essa lei (da não-ingerência) será maior do que as negligências em termos de protecção militar internacional dos direitos humanos.

    6 - por último, tento desvanecer a sacra-confusão: porquê defender uma lei que condena a invasão militar entre países diferentes, silenciando qualquer referência a opressões militares intra-país? Pareceria arbitrário? Na tua visão parece que sim. Aqui naturalmente discordamos, nem que seja pelo pequeno pormenor de que os exércitos não são compostos (como quase parece cada vez que falas neste assunto) de milícias de cidadãos preocupados e independentes, mas antes de unidades de soldados financiados e comandados por um conjunto de líderes políticos ou máquinas burocráticas com uma filiação restrita a um determinado colectivo de cidadãos e aos interesses que estes (pelo menos numa democracia eficaz) partilharão em comum - e que serão em certas medida diferentes dos de outros colectivos de cidadãos. Reforço a ideia, no caso de ainda não estar clara: teria todo o prazer em discutir contigo sobre o que teria lugar num mundo ideal, mas nesta discussão estou a referir-me ao mundo real (com as suas instituições, grupos, interesses e lealdades). E neste mundo real, os exércitos e forças militares estão na maior parte dos casos ao serviço daquilo que as pessoas/sociedades constroem como "o seu" Estado. Por isso é que, para resumir, às vezes personifico os estados. É só para facilitar, não é porque acredite que eles são pessoas.

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  96. João Vasco,

    «furtar - Conjugar
    v. tr.
    1. Subtrair fraudulentamente, sem violência.
    2. Apresentar como de própria lavra (o que é de lavra alheia).»


    Parece-me que esta palavra tem uma forte conotação moral negativa.

    «quando me refiro a princípio de não-ingerência, estou a referir-me a questões militares»

    Então não uses esse termo, porque esse termo tem um sentido diferente. Seja como for, a regra "nenhum país deve usar os seus exércitos no território dos outros" é também uma simplificação demasiado grosseira para que seja útil quer como prescrição quer como norma.

    «Quando me refiro a uma lei/princípio pelo seu nome»

    Se te queres referir a uma lei indica qual é a lei. Se te referes à legislação internacional vigente chamando-lhe “principio da não-ingerência” não é de admirar que haja confusão porque esse não é o nome da lei, nem uma referência à lei, e é um princípio que anda por aí há trezentos e tal anos numa data de leis e tratados diferentes.

    «tu consideras que o respeito pelo princípio da não-ingerência, por si só, mantendo-se todos os factores constantes, não seria necessariamente bom nem mau, seria neutro. Eu considero que, estatisticamente, seria bom.»

    Neste momento, posso identificar vários problemas. Um é perceber o que queres dizer com “princípio da não-ingerência”, que já percebi não é o princípio da não-ingerência mas que pode ser ou o princípio de não haver ataques militares ou o conjunto das resoluções da ONU. Sugiro que tentes resolver este problema primeiro especificando o que queres defender.

    Se o que queres dizer é “nenhum país deve usar tropas em território alheio”, então a minha posição é que, eticamente, isso não tem qualquer valor porque a nacionalidade é irrelevante. E nisso penso que estamos de acordo. Nenhuma questão ética terá resposta diferente em função apenas da nacionalidade dos envolvidos. Portanto, para avaliar problemas morais esta regra faz tanto sentido como “nenhum país deve usar tropas no seu território”. É uma simplificação demasiado grosseira.

    Quanto ao efeito prático do eleitorado de democracias prósperas acreditar que não se deve levar tropas para o estrangeiro, é negativo. O risco de invasão por parte de uma democracia próspera é mínimo (e nunca aconteceu historicamente) porque nem os líderes têm a ganhar com isso (Churchill ganhou a guerra mas perdeu as eleições em 1945) nem a população tem interesse em invadir. A razão pela qual o Zapatero não invade Portugal não é o respeito pela tua regra. É não ter interesse nenhum em fazer isso.

    Por outro lado, a necessidade de intervir é muito grande, porque há muitas pessoas a sofrer terrivelmente a opressão injusta, e eticamente inadmissível, dos seus governantes. Nota que o princípio da não-ingerência surgiu quando se tinha a ideia de que os governados eram propriedade dos governantes, e acabou por ir sendo revisto com base na noção de um contrato social, que legitima a intervenção exterior se for quebrado.

    «E neste mundo real, os exércitos e forças militares estão na maior parte dos casos ao serviço daquilo que as pessoas/sociedades constroem como "o seu" Estado.»

    O que justifica considerar, em cada caso, as opiniões e valores das pessoas envolvidas. Mas não justifica simplificar grosseiramente para todos os casos a regra “estatisticamente boa” da não-intervenção militar. Porque além de não ser estatisticamente boa, é um erro crasso, em problemas desta magnitude, tentar aplicar a mesma regra grosseira a todos os casos por igual.

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  97. Ludwig:

    PArece-te que "furtar" tem uma "forte conotação moral negativa". Mas para isso não uses o dicionário.

    O segundo sentido da palavra diz precisamente aquilo a que me refiro por furtar: «Apresentar como de própria lavra (o que é de lavra alheia)». Melhor ainda é o terceiro, que omitiste "desviar".

    A definição não suporta nada o teu caso. Se furtar tem uma conotação moral negativa é porque geralmente o furto é mau. Tal como a agressão.

    Mas como tu próprio explicaste a agressão não é necessariamente má. O furto pode ser heroico.

    Por isso tu dizes que uma regra ética que diga "o furto é mau" é uma má regra. O mesmo para a "agressão é má".

    Estamos de acordo nisto. Por isso, nunca foi isto que esteve em discussão.

    Mas tu dizes que é bom que se proiba a agressão. Ou aliás, já que tem de se explicar tudo, que se proiba a agressão no quadro de fazer aplicar a nossa lei naquilo que à agressão diz respeito. E acrescento "agressão física" não vás mostrar-me que no dicionário agressão é um termo mais geral...

    Então estamos de acordo que:

    a) a agresssão física não é necessariamente má, em abstracto

    b) é bom respeitar a lei no que diz respeito à agressão física


    O que é engraçado é que tu podes concordar com a afirmação b) sem precisar que eu te cite a alínea do código penal em que essa proibição está plasmada.


    No que diz respeito à ingerência existe uma situação semelhante. Ambos concordamos com a afirmação análoga a). Podem existir casos hipotéticos em que a ingerência é boa. Uma regra ÉTICA que diga que a ingerência é sempre má é uma má regra.
    Isto surpreeende-te?

    A nossa discordância é no ponto b). Eu acredito que deve ser respeitado o direito internacional no que diz respeito ao princípio de não ingerência.

    Tal como no caso da agressão, não existe qualquer contradição entre defender ambas. É por isso que o furto e a agressão são bons exemplos para mostrar esta distinção.

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  98. João Vasco,

    «PArece-te que "furtar" tem uma "forte conotação moral negativa".»

    Discutir se "furtar" tem ou não essa conotação é perda de tempo. Basta que concordes que é má a analogia entre a expressão "não-ingerência", que é moralmente neutra, e outra qualquer que não o seja, visto que o que está em causa é uma avaliação dos actos, que inclui questões morais.

    E se usares uma expressão neutra, vês que a regra faz pouco sentido. Por exemplo, "ninguém deve tornar propriedade sua aquilo que não for já seu" ou "ninguém deve interferir na vida dos outros". Isso são regras que se aplicam em alguns casos, mas não se aplicam noutros e não são bons princípios porque simplificam demais detalhes importantes.

    «a) a agresssão física não é necessariamente má, em abstracto

    b) é bom respeitar a lei no que diz respeito à agressão física»


    Certo. Falta-te considera o ponto c) que é onde discordamos:

    c) a lei não pode ser correctamente resumida a um princípio como "não se deve agredir ninguém" porque esse princípio ignora muitos factores importantes que a lei tem de considerar.

    «A nossa discordância é no ponto b). Eu acredito que deve ser respeitado o direito internacional no que diz respeito ao princípio de não ingerência.»

    Não. A nossa discordância não é em relação ao direito internacional. A nossa discordância é em relação à tua proposta que o direito internacional se deve basear no principio da não-ingerência ou, possivelmente, pelo que tu queres dizer com "não-ingerência", que não é necessariamente o mesmo que o resto das pessoas querem dizer quando usam esse termo.

    A minha posição é que há situações em que é razoável a lei internacional proibir o uso de tropas contra outros países, há situações em que a lei internacional devia proibir o uso de tropas no próprio país, e há situações em que a lei internacional devia obrigar o uso de tropas noutro país para impedir violações de direitos fundamentais. Como tal, visto que a decisão de ser legítimo, ilegítimo ou obrigatório o uso de forças militares dentro ou fora do país depende das circunstâncias em cada caso e não desse teu princípio, eu rejeito que esse teu princípio tenha alguma utilidade aqui. Em suma, defendo que a lei internacional se deva basear nos direitos das pessoas e não num princípio arbitrário e eticamente injustificável de proibir que os exércitos de um país entrem noutro país.

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  99. «c) a lei não pode ser correctamente resumida a um princípio como "não se deve agredir ninguém" porque esse princípio ignora muitos factores importantes que a lei tem de considerar.»

    E se os alunos de direito e juristas em geral falam no "princípio de não agressão" para se referirem a todo um quadro legal (como o nosso) que proibe e pune as agressões?

    Nesse caso já posso dizer sou favorável a esse princípio?

    Já posso dizer que é bom respeitar esse princípio? (Legal, não ético)


    E se alguém tiver violado flagrantemente este princípio repetidas vezes (entenda-se agredir fisicamente alguém em violação da lei portuguesa a esse respeito)?

    E se uma instituição contribuir para que as pessoas respeitem menos este princípio (entenda-se agredir fisicamente alguém em violação da lei portuguesa a este respeito)?

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  100. João Vasco,

    Se os juristas usam “princípio da não agressão” para se referir à lei, acho que estão a usar um termo enganador para quem esteja de fora, mas se o usam entre eles sem confusão tudo bem.

    Se um jurista defender que a nossa lei se deve basear no princípio da não agressão então direi que ele está enganado, porque isso nem é um princípio nem é algo em que se possa basear a lei, porque em muitos casos teremos de ir contra essa regra. Mas, ao menos, tem o factor mitigante de se opôr à agressão, que é sempre um mal moral, mesmo que cometa o erro de ignorar que muitas vezes alguma agressão pode ser um mal menor e necessário.

    Se um jurista defender que a nossa lei se deve basear no princípio da não ingerência, pelo qual é ilegítimo a qualquer pessoa interferir na vida de outra, digo que isso é uma parvoíce, porque com isso nem sequer lei poderíamos ter.

    Assim, transpondo para o que nos interessa, se usas “não-ingerência” como sinónimo de “lei internacional”, proponho que passes a usar “lei internacional” para evitar muita confusão desnecessária. Se defendes que a lei internacional se deve basear no princípio de que nenhum país deve entrar em guerra noutro país, então discordo por achar demasiado ingénuo, mas pelo menos concedo o ponto de que a guerra é sempre uma coisa má, mesmo que muitas vezes seja um mal necessário para evitar um mal maior. E se propões que a base da lei internacional deve ser a não-ingerência, no sentido normal de que nenhum país deve interferir nos assuntos dos outros, então acho que defendes um disparate.

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  101. «Assim, transpondo para o que nos interessa, se usas “não-ingerência” como sinónimo de “lei internacional”, proponho que passes a usar “lei internacional” para evitar muita confusão desnecessária.»

    Não.

    No geral, defendo que se respeite a lei internacional.

    Mas neste caso concreto estava a falar na lei internacional no que diz respeito à não ingerência.


    No geral, defendo que se respeite a lei portuguesa.
    Mas num caso concreto posso defender que se respeite a lei portuguesa no que diz respeito à proibição das agressões.


    No primeiro caso, com foco nas invasões militares, e no segundo caso com foco nas agressões físicas.


    Dizes que a agressão é sempre um mal, mas pode ser um mal menor. E aí, defendes, a analogia não se aplica porque a ingerência não é um mal.
    Mas isso para mim não é muito relevante. Eu sou a favor de se respeitar a lei no que diz respeito à agressão porque isso tem consequências melhores que não o fazer. Não foi importante classificar uma agressão individual como um mal ou um bem. O que para mim é importante é o efeito (as consequencias) colectivo do respeito pela lei em discussão. Não é se cada agressão é má ou boa, mas se respeitar as proibições das agressões é mau ou bom.

    Por isso, espero que compreendas que aquilo que deve ser discutido é o efeito do respeito/desrespeito pelo princípio LEGAL em questão neste contexto político-militar.

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  102. João Vasco,

    «No geral, defendo que se respeite a lei internacional.»

    No geral, eu também, excepto nos casos em que considero que a lei está errada. Mas como percebo pouco de lei internacional, não posso dar nenhum exemplo em concreto.

    «Mas neste caso concreto estava a falar na lei internacional no que diz respeito à não ingerência.»

    Idem.

    «Eu sou a favor de se respeitar a lei no que diz respeito à agressão porque isso tem consequências melhores que não o fazer.»

    Eu sou a favor de se respeitar a lei desde que a lei seja tal que traga consequências melhores do que não ter essa lei. Mas penso que nisto estamos de acordo.

    «Por isso, espero que compreendas que aquilo que deve ser discutido é o efeito do respeito/desrespeito pelo princípio LEGAL em questão neste contexto político-militar.»

    Mais importante que isso, visto que o valor da lei é função das suas consequências, o que temos de avaliar é, em cada caso, se é melhor que um país intervenha nos assuntos do outro ou se é melhor que não intervenha. Porque no caso da lei indicar uma coisa mas as consequências melhores estiverem na direcção contrária, isso apenas demonstra a necessidade de ajustar a lei. Por isso, não nos podemos basear apenas na legislação por si.

    Nota que quando falamos de guerras isto é muito mais importante do que quando falamos, por exemplo, de excesso de velocidade na auto-estrada. Neste último caso há boas razões para fazer uma lei igual para todos e descurar a análise detalhada das circunstâncias em cada caso, pela pouca relevância de cada caso pontual e pelo grande número de casos a tratar. Com a guerra é o contrário. A aplicação de regras de algibeira ou aproximações grosseiras é um erro crasso nesse caso.

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  103. «Nota que quando falamos de guerras isto é muito mais importante do que quando falamos, por exemplo, de excesso de velocidade na auto-estrada. Neste último caso há boas razões para fazer uma lei igual para todos e descurar a análise detalhada das circunstâncias em cada caso, pela pouca relevância de cada caso pontual e pelo grande número de casos a tratar. Com a guerra é o contrário.»

    A razão para ser bom fazer uma lei igual para todos, como no caso das agressões ou da velocidade na auto-estrada, ou fazer uma análise detalhada caso a caso, não está relacionada com a "complexidade" ou "importância" em si.

    Está relacionada com as consequências. Se és consequencialista concordarás que é preciso avaliar as consequências de

    a) criar uma lei que proibe a agressão em vários casos estitulados

    b) não proibir a agressão, pois poderão sempre existir casos em que uma agressão ilegal é louvável, e a proibição poderia limitar o número de agressões louváveis

    O que importa é olhar para as consequências da lei, para saber se ela deve existir ou não.

    O respeito por esta lei tem consequências melhores ou piores que o seu desrespeito?

    São estas consequências que merecem ser avaliadas.

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