Correlação e causalidade.
A série de posts sobre a Europa e o Cristianismo surgiu da confusão que João César das Neves fez entre correlação e causalidade (1), afirmando que a Europa democrática, capitalista e tecnologicamente desenvolvida surgiu por causa do Cristianismo. É por isso estranhamente apropriado que a crítica do Tiago Luchini assente na mesma confusão:
«Os principais argumentos variam entre “se o Cristianismo não tivesse existido, não teríamos isso” a “se Aristóteles não tivesse existido, não teríamos aquilo”. Nesta brincadeira o mais óbvio é que se eu não tivesse comido repolho, não estaria com gases e que brincar com “se” é simplesmente isso: uma grande e infantil brincadeira.»(2)
O “se” é a diferença entre causa e coincidência. Imaginemos que o Tiago come sempre repolhos no mesmo prato. A correlação entre o prato e os gases seria a mesma que entre os repolhos e os gases. Dizer que a causa dos gases são os repolhos e não o prato é dizer que se não tivesse comido repolhos não teria gases mas se tivesse comido repolhos noutro prato teria gases à mesma. É este “se” que distingue a mera ocorrência conjunta de uma relação entre causa e efeito.
Concordo que «isolar uma ou duas variáveis como fundamentais para o atual mundo ocidental é praticamente impossível.» Até os gases são produto de várias causas. Os repolhos, os intestinos, o tempo de digestão, os microorganismos no intestino, a temperatura do corpo e assim por diante. Não podemos isolar uma. Mas podemos comparar a importância dos factores e até eliminar alguns que são irrelevantes.
A maioria das descobertas científicas nos últimos séculos foi feita por pessoas com bigode e acesso à melhor educação da sua época. Não podemos isolar uma destas como causa única mas podemos perceber que não são igualmente importantes. A física moderna perderia mais se Einstein fosse analfabeto que se ele tivesse rapado o bigode.
É isso que estamos a discutir aqui. É fácil perceber o mecanismo que fez o telescópio ser uma causa da descoberta das luas de Júpiter. Sem telescópio não se vê as luas de Júpiter, por isso se não tivesse telescópio Galileu não as tinha descoberto. A interacção da tecnologia com a ciência, a influência das ideias da antiguidade clássica recuperadas no Renascimento e os efeito sociais das riquezas obtidas nos descobrimentos mostram mecanismos que justificam propor relações causais.
O Cristianismo não dá nada disso. Darwin estudar para padre foi tão relevante na altura como hoje tirar a carta de condução. Adam Smith e Jeremy Bentham se inspiraram no poder redentor de Jesus Cristo, nem a doutrina ou teologia Cristã foi relevante para as revoluções na América e na França. O Cristianismo foi, e é, o grande bigode da história da Europa. Qualquer bigode tem o seu efeito, mas não na democracia, no capitalismo nem no progresso tecnológico.
1- João César das Neves, Como a Igreja criou a Europa
2- Tiago Luchini, 20-1-08, Grécia, Cristianismo e Europa.
Acho que sim que o cristianismo enquanto doutrina não contribuiu para o desenvolvimento do quer que fosse. Todavia o cristianismo foi um pilar da civilização ocidental, na medida em que criou escolas, hospitais, albergues e formou professores e eclesiásticos criou élites portanto. Daí o cristianismo enquanto factor civilizacional acabou por ter um papel de relevo na construção da Europa actual.
ResponderEliminarAntónio,
ResponderEliminarMas o que é que isso tem a ver com ser cristianismo? Todas as religiões têm sacerdotes, templos, mosteiros, escolas, etc. Qualquer outra religião que houvesse na europa teria feito o mesmo.
E muito melhor teria sido se essas instituições fossem mais como a acedamia de Platão ou o liceu de Aristóteles...
É possível fazer uma leitura diferente.
ResponderEliminarTomemos o exemplo de Bentham e Mill e o utilitarismo.
O utilitarismo é doutrina moral, secular, que pode ser sintetizada, grosso modo,no princípio "maior felicidade para o maior número".É uma doutrina que se diz humanista uma vez que uma acção só será boa se favorecer o maior número de pessoas e não uma qualquer elite.
Mas qual o fundamento deste humanismo?
Talvez se possa encontrar esse fundamento no Cristianismo e na ideia de que todos os homens são iguais perante Deus. Se todos somos iguais perante Deus todos somos detentores da mesma dignidade e merecedores que os nossos interesses sejam considerados indistintamente.
Simplismo por simplismo, também este é aceitável.
Para o asilvestre:
ResponderEliminarEntão e que tal um simplismo ainda mais simples: "todos somos iguais, todos somos detentores da mesma dignidade e merecedores que os nossos interesses sejam considerados indistintamente."
Assim a coisa fica mais arrumada, sem partes desnecessárias à ideia base. Respeito, igualdade, sem necessidade de "religiosidades".
ASilvestre,
ResponderEliminarEssa é a leitura politicamente correcta do Cristianismo de hoje. Mas naquela altura o Cristianismo não dizia que todas as pessoas são iguais. Havia reis e pedintes, homens e mulheres, judeus e cristãos, e obviamente Deus não os considerava todos iguais.
O próprio Jesus disse para não dar pérolas a porcos e abençoou especialmente os mais pobres de espírito.
Penso que está a interpretar as alterações do Cristianismo face ao grande sucesso do utilitarismo como se fosse o Cristianismo a causa daquilo que forçou essas mudanças...
Ludwig,
ResponderEliminarContinua na mesma tecla. Um texto com os conceitos invertidos seria tão inútil e irrelevante quanto o seu.
Qualquer texto que afirme que as idéias da antiguidade clássica sejam como o "bigode" dos cientistas tem os mesmos fundamentos que estes últimos seus porém apoiando-se em variáveis distintas.
Parece esquecer, por exemplo, (ou ignora propositalmente) que as idéias de igualdade da antiguidade eram apenas para "os iguais" e não para "os demais".
Esquece também que os princípios da ciência moderna, da busca de um universo com uma ordem celestial é fundamentado no cristianismo.
Esquece das histórias onde o cristianismo revolucionou povos e etinias (talvez nem lembre-se do impacto do cristianismo no reino unido por exemplo).
Na verdade, ignora deliberadamente tantos fatos históricos que cai na falácia de justificar um ponto desnecessariamente injustificável.
A causa de você ignorar o cristianismo é o próprio cristianismo (sem o qual teria que discutir futebol). A coincidência na brincadeira é você ter nascido num ambiente pré-configurado pelo cristianismo. Se tivesse nascido num ambiente muçulmano, humanista ou até utilitarista, estaria a ignorar/criticar estes com mais frequência.
Tiago
Ludwig
ResponderEliminarEsperei pacientemente que o Tiago respondesse ao seu post dado que lho dirigiu directamente. Agora, permita-me um breve apontamento.
Siga este link, por favor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/A_%C3%A9tica_protestante_e_o_esp%C3%ADrito_do_capitalismo
Tiago,
ResponderEliminar«Qualquer texto que afirme que as idéias da antiguidade clássica sejam como o "bigode" dos cientistas tem os mesmos fundamentos que estes últimos seus porém apoiando-se em variáveis distintas.»
Concordo. As ideias específicas dos filosofos da antiguidade têm pouca importancia para a ciência. Como já disse, penso que o factor mais importante para a revolução científica por volta do século XVI foi a ciência e a tecnologia, mais a última, terem chegado ao ponto de começar a interagir sinergisticamente. O flash point, por assim dizer.
Mas havia uma coisa importante dos filosofos da antiguidade clássica que se perdeu na Europa no milénio seguinte. Pensavam em coisas novas em vez de perder o tempo a justificar e reinterpretar coisas antigas. Eventualmente, foi isso que relegou a teologia para o caixote do lixo da ciência e filosofia.
António,
ResponderEliminarRecomendo também este link como alternativa.
Ludwig
ResponderEliminarA teologia não foi para o caixote do lixo. Surgiu a filosofia da religião, como especialização da filosofia e a ciência nunca teve nada a ver com teologia nem tem. Apesar das suas pretensões.
Ludwig
ResponderEliminarO link que me indicou foi como eu estudei história económica em 1978 no ISEG. O que eu lhe procurei mostrar foi um pouco de sociologia da religião, o que é diferente.
O progresso económico da Europa de Norte está muito ligada ao protestantismo. Genebra, por exemplo, é um exemplo vivo da influência do calvinismo no capitalismo. Sugiro-lhe que investigue o assunto.
Se tivesse restringido a sua tese ao catolicismo, aí teria alguma razão embora se consigam encontrar argumentos contrários. Mas ao procurar abranger todo o cristianismo não consegue provar o que afirma.
Ludwig,
ResponderEliminarNão foram só as idéias dos filósofos antigos que ficaram esquecidas na Europa da idade média.
Até coisas práticas como as privadas e o saneamento básico já existiam em partes da Grécia e principalmente em Roma. Tudo isso foi esquecido na Europa e "fazer as necessidades" era algo tão pouco gerenciado que foi uma das causas das pestes.
O cristianismo em sua encarnação católica obscureceu a idade das trevas mas, sua personificação protestante foi um dos combustíveis do capitalismo como o António Parente lembrou (o calvinismo é praticamente o turning-point dessa brincadeira).
Se pensarmos em causa e consequência (que tem sido sua brincadeira): sem o catolicismo, não teríamos protestantismo, que não surgiria um calvinismo que não teríamos o capitalismo ou, mesmo que surgisse, teria outra personificacão (não necessariamente a busca do lucro e do expansionismo - estimulada no calvinismo e condenada no catolicismo).
O capitalismo como manifestacão nas massas tem muito mais a ver com o cristianismo do que com o mercantilismo que pode ser considerado um embrião do capitalismo. O mercantilismo era negócio restrito - das elites. A era do capitalismo e do pensamento calvinista trazia igualdade e direito ao lucro a toda criatura - nada mais europeu!
Tiago
António Parente,
ResponderEliminarUm dado interessante: em uma das diversas cadeiras de Economia que tomei na faculdade fui forçado a ler o "Ética protestante..." de Weber
Era matéria obrigatória.
Tiago
Tiago
ResponderEliminarNo meu caso, tive de estudar a teoria da evolução de Darwin e apanhei com seis volumes do Capital de Karl Marx. Era matéria obrigatória. Weber li-o mais tarde por interesse cultural.
Actualmente estou a estudar a Idade Média para comprovar se é ou não a Idade das Trevas. E, já agora, estou a estudar também o prostetantismo.
"O cristianismo em sua encarnação católica obscureceu a idade das trevas mas, sua personificação protestante foi um dos combustíveis do capitalismo"
ResponderEliminarCaro Tiago,
do ponto de vista historiográfico, a tese é discutível. Assim como podemos debater se o capitalismo é bom ou mau ou nada disso ;-) Esqueceu-se, porém, foi de acrescentar outras "benesses" calvinistas, como a de fornecer a justificação para o sistema de apartheid na África do Sul, para mencionar apenas uma. Não, lamento, mas para onde quer que nos viremos, a religião ou é fundamentalista e detrimental à saúde, ou é tão diluida que não tem papel nenhum. Pessoalmente, se tiver que escolher, escolho a segunda.
Cristy
Caro Ludwig,
ResponderEliminarConcordo plenamente com a sua opinão quando afirma: A física moderna perderia mais se Einstein fosse analfabeto que se ele tivesse rapado o bigode..
Mas contrariamente, a religião cristã foi um dos principais pilares da nossa civilização, e o facto de Darwin ter ido estudar para padre não deixa de ser bastante importante, vejamos até há relativamente pouco tempo (antes do 25 de Abril), a grande parte dos portugueses não tinham acesso a boas escolas e faculdades, então para quem queria ser mais "culto", teria de frequentar seminários (aka estudar para padre), só para assim poderam ter um nivel de instrução mais elevado e fugirem ao analfabetismo.
Sem dúvida que quem frequentou as melhores escolas e teve a melhor educação, pôde trazer inovações a nível tecnologico, politico, financeiro, etc... Mas a história da Europa também é feita de quem não teve posses e lutou por uma melhor instrução, embora com fundamentos cristãos, aprendeu a ler Platão ou mesmo a escrever um livro!
Caro anon,
ResponderEliminarNão disputo o facto de a maioria dos pensadores Europeus ter sido cristã. Também não disputo o facto da maioria ter sido homem.
Mas rejeito a conclusão que a Europa se desenvolveu graças à discriminação sexual e à imposição da religião cristã.
Aqui parece que se discute mais a apanha da batata, do que algo de concreto. Não entendo bem que necessidade é que homem tem de tentar justificar e dissecar o que quer que seja ao máximo, acabando por entrar sempre no campo das suposições. A Europa evolui porque teve possibilidades para isso, não devido ao Cristianismo, porque teve grandes mentes. Se o Cristianismo fosse sinónimo de evolução, então África, era uma potência, e há que ter em conta que na época dos descobrimentos muitas zonas de África, estavam bem mais desenvolvidas que muitos países da europa, e foi após a colonização, missionários, abuso de poder, que entraram em declínio.
ResponderEliminarA europa não evolui devido à descriminação sexual, mas era um "clube em que mulher não entrava", senão quiçá, não estariamos mais desenvolvidos, mas isto mais uma vez é uma suposição...!
Continuo a rejeitar essa afirmação, a Europa evoluiu com a discriminação, tanto sexual como étnica! Não evoluiu foi tão rapidamente como podia ter evoluido.
ResponderEliminarPergunto-lhe Johannes, se certas zonas de África a dada altura estavam bem mais evoluidas que muitos países da Europa, e a Europa evoluiu por ter mentes brilhantes, qual a razão de África actualmente não estar desenvolvida? Povos fracos e burros?
PS: na Europa também houve bastante abuso de poder e África tem petróleo e diamantes.
Johannes,
ResponderEliminarNão obrigo ninguém a supor o que quer que seja. São livres de vir para aqui com suposições, mas só supõe quem quiser. OK?