Baptizados.
Há umas semanas o António Parente honrou-me com o prémio de melhor blog do ano (1). E há uns dias, com uma crítica (2) ao meu post sobre os direitos dos pais (3). Veio mesmo a calhar. Ainda ontem estive a discutir com um amigo o problema de baptizar os filhos. Mas primeiro o António:
«Os pais são livres de dizer muita coisa aos filhos [...] porque necessitam de os educar proporcionando-lhes as melhores condições para o seu desenvolvimento [...]. Os pais têm o direito de educar os filhos de acordo com as suas convicções morais e religiosas, tendo em atenção o ambiente cultural da sociedade em que vivem e como fundamentos o bem estar e a dignidade das crianças.»
Os pais “necessitam” de educar os filhos. Obviamente, não é uma necessidade fisiológica. É uma “necessidade” moral. Ou seja, é um dever. O que o António quer dizer é que os pais têm o dever de zelar pelo desenvolvimento e bem estar das crianças, a bem das crianças. Este dever não é compatível com o direito de educar as crianças como os pais entenderem. Por isso proponho que esse direito não existe. O António continua a confusão:
«Uma educação religiosa dirigida para crianças [...] debruça-se sobre conceitos como amor, amizade, ajuda ao próximo e deve desenvolver uma atitude de não-violência. Nada disto é errado e tem aspectos muito positivos porque permite que a criança se integre harmoniosamente na sociedade em que vive e adquira valores que são comuns a pessoas que não têm educação religiosa.»
É evidente que os valores comuns a pessoas que não são religiosas podem ser transmitidos sem educação religiosa. Nem é preciso a história de um deus torturado até à morte para ensinar amor, amizade, ajuda ao próximo e não-violência. Até porque a melhor maneira de ensinar crianças é pelo exemplo. É amando-as que elas aprendem a amar, ajudando-as que elas aprendem a ajudar, e a receita para filhos que não sejam violentos é simples. Não lhes batam. O pai que castiga aos tabefes o filho que bateu num colega está, no mínimo, a baralhar a criança com a contradição.
E isto traz-me à conversa que tive ontem. Argumentou o meu amigo que baptizar ou não é apenas uma diferença de crença e, seja como for, não faz mal nenhum à criança. Engana-se. Baptizar a criança como hindu, católica, protestante ou muçulmana difere realmente apenas na crença. Mas deixar que a criança decida quando se sentir capaz de o fazer é fundamentalmente diferente.
E faz mal porque é importante ensinar-lhe que todos têm o direito às suas opiniões. Sem aprender que é legítimo os outros discordarem de nós será difícil amar, ter amigos, integrar-se na sociedade e ser uma pessoa decente. E sem aprender que é legítimo ter uma opinião própria, mesmo que discorde dos outros, será difícil aprender a ser uma pessoa autónoma. Como tudo o resto, as crianças têm que aprender isto pelo exemplo.
Marcar um recém-nascido como pertença de um deus ou de uma igreja é um mau exemplo. As palavras dos pais dirão à criança que tem que respeitar a liberdade de consciência dos outros, mas o exemplo diz-lhe que a liberdade de consciência é treta. As palavras dos pais dirão à criança para aprender a pensar por si e ter as suas opiniões, mas este exemplo diz à criança que as opiniões importantes são fornecidas por alguém com mais autoridade. E quando crescer fará o mesmo aos seus filhos. Vai repetir as mesmas palavras, e dar o mesmo exemplo.
É verdade que há rituais religiosos bem piores que deitar água na cabeça. Admito que a minha oposição a baptizar crianças é uma questão de princípio. Mas são os princípios, estes valores fundamentais, que temos que transmitir aos nossos filhos. Pelo exemplo.
1- António Parente, 18-12-07, Blogue do ano: Que Treta! de Ludwig Krippahl
2- António Parente, 3-1-08, Pais, filhos e crenças
3- Eu, 22-12-07, O direito dos pais
Ludwig, acho que estás a dar um acapacidade de compreensão das coisas que não corresponde à realidade. Uma criança não fica baralhada com tais contradições, porque nem as compreende. Quando tiver maturidade (ou capacidade) para ficar baralhada com estas contradições, não é problema ficar baralhada pois já conseguirá desembaralhar-se sozinha.
ResponderEliminarDar umas chapadas como forma de castigo, não é necessáriamente mau. Claro que não é dar a murro, mas umas rabadas não fazem mal a ninguem. Na altura que uma rabada já não fizer efeito, já elas não serão necessárias, pois com palavras não se consegue resolver tudo, principalmente com crianças. Claro que não quero dizer que com chapadas se resolve tudo, mas não posso estar a contar ser bem sucedido em explicar a uma criança que com uma birra nada se resolve, e que ela deve expor a sua situação de forma adulta, e no entanto o problema da birra tem que ser resolvido.
Eu hoje em dia fico muito contente por ter levado exactamente as rabadas que levei quando levei, não levei nem a mais nem a menos.
(este comentário já está muito comprido...)
Bizarro,
ResponderEliminarConcordo que a criança pequena não compreende. Mas é mesmo por isso que aprende principalmente por imitação.
Quando bates na criança estás a tentar condicioná-la a evitar uma situação. Como se faz quando se bate com o jornais no cão, por exemplo. E a situação que ela vai tentar evitar é a que ela compreender como estando associada aquele castigo. Por exemplo, tu descobrires que ela fez algo que tu não gostas. Para a próxima evita que descubras.
Mas, ao contrário do cão, a criança aprende muito imitando os exemplos que lhes dás. Por isso a coisa principal que lhe estás a ensinar é que é legitimo bater. Conforme vai crescendo vai compreendendo que não é legítimo bater em toda a gente, mas quando chega à tua idade ainda tem a ideia que é legítimo bater nos filhos em certas circunstâncias.
QED :)
Tu conheces-me e já viste os meus putos. Não achas que um tipo do meu tamanho bater numa criança de seis anos é uma enorme cobardia e um péssimo exemplo?
Posso dizer que nunca lhes bati, nunca tive problemas com as birras, e o castigo standard tem sido sempre o mesmo: ficam sentados no chão uns segundos, por vezes acompanhado de sermão ou ralhete.
Basta dar-lhes o exemplo do que devem fazer e uma indicação quando fazem o que não devem. Fazer-lhes algo que não se deve fazer para lhes ensinar o que se deve fazer é contraproducente.
Ludwig
ResponderEliminarNão faço ideia de que tamanho sejas, mas mesmo eu de cima do meu miserável metro e 60 faria estragos consideráveis a uma criança de 6 ou 7 anos. Seria de uma injustiça e um abuso inqualificável, mesmo porque o meu miserável tamanhinho não me permite bater em mais que crianças desse tamanho.
Mas como é óbvio, bater numa criança no sentido de a disciplinar não é a doer a sério: é mais a chamada de atenção que a dor em si que é importante. É a disciplina, não a tortura, compreendes? Disciplinar uma criança por um tabefe dado na hora certa e com um propósito não chega a entrar na violência; de outro modo é um caso puro e simples de polícia.
Não sei até que ponto concordo com a tua ideia de que quando a criança cresce ache legítimo bater nas crianças que estão ao seu cargo, embora não seja legítimo usar a violência para resolver questões. Isso vai contra a própria ideia de que a pessoa aprende com o meio que a rodeia.
Por outro lado, não me sinto inteiramente à vontade para discordar completamente de ti neste aspecto: é que nesta questão, como em outras, tudo é incrivelmente mais simples e mais complicado e as variáveis são muitas. Na mesma família tenho exemplos de ambas as coisas.
Dito isto, ser pai não vem com livro de instruções (ser tia também não), pelo que se faz o que se pode e como se pode. Consciente de que se poderia SEMPRE ter feito muito melhor. Quanto ao esconder a acção que se pretende castigar, o tabefe tem que vir com uma explicação. Ou na hora ou mais tarde, com um beijinho. Agora os putos hão-de sempre fazer asneiras e esconder dos pais. Com ou sem tabefes.
Ludwig
ResponderEliminarInsisto que os pais transmitem o que são e o que sabem e o que acreditam. E têm limitações, forçosamente.
A uma amiga minha com o pai católico e a mãe ateia dos quatro costados foi dada a liberdade de decidir ser baptizada quando fez a 1ª comunhão. Grande coisa: com 7 anos o que é que a pessoa sabe? E com 18? E com 33? E com 66?
Podes argumentar que tudo isto é irrelevante (e na volta é mesmo), mas é tão arbitrário como baptizar a criança ao fim de um dia, por medo de ela morrer e não entrar para o céu. Mas repara que um baptismo é um ritual de entrada numa comunidade. A comunidade a que pertencem os pais. Outros rituais são a entrada para a escola, a entrada para um emprego, etc. Ninguém é só ele mesmo e quase nada na vida é liberdade.
No caso do baptismo, não está envolvida mutilação nem algo que ponha em risco a integridade física, moral e psíquica de um ser humano. Daí que pode ser um ritual com significado religioso real... ou lavar mal uma cabeça de uma criança e apanhar com uns óleos na cabeça e ter uns papalvos a ouvir uma ladaínha. A criança mais tarde fará essa escolha, quando para isso tiver capacidade.
Mais uma vez tens ideias pré-concebidas acerca das limitações da fé. Isso ou falta de fé na capacidade crítica das pessoas e da capacidade de a sociedade moldar o indivíduo como ser pensante: só por ser dito a uma criança que o que está certo é ser religioso, isso não faz um adulto religioso.
Os meus pais, por exemplo, deram-me imensos bons conselhos e recomendaram-me sempre que não fosse espalhafatosa... e estás a ver o que saiu (tadinhos: tão boas pessoas!)? Se bem que eu não estou convencida que não seja mutante (o teu irmão acha que eu fui mordida por um Hannibal Lecter radioactivo)!
Não acho que seja cobardia, porque o que está em questão não é mostrar que consegues ganhar uma luta com os teus filhos. Quando digo bater, não é marcar ninguem para a vida, as unicas marcas que fiquei foi que tinha feito mal, e uma marca mais importante foi que tinha feito uma coisa tão ruim que o meu pai teve que me dar uma estalada, coisa que apenas fez umas 3 vezes (e estalada é figura de estilo, levei sim umas rabadas).
ResponderEliminarO meu pai não demonstrou que conseguia bater-me se quisesse, demonstrou sim que era errado andar com um canivete a lascar as quinas dos moveis. Na altura achava aquilo muito divertido, e enquanto ele não descobriu que era eu, eu sabia que ele ficava chateado e não gostava, mas eu gostava muito, quando fui apanhado em flagrante, nunca mais o fiz :)
Abobrinha,
ResponderEliminar«A uma amiga minha com o pai católico e a mãe ateia dos quatro costados foi dada a liberdade de decidir ser baptizada quando fez a 1ª comunhão. Grande coisa: com 7 anos o que é que a pessoa sabe? E com 18? E com 33? E com 66?»
Não é isso que é relevante. A diferença fundamental é entre ser algo que ela decide de uma forma, e que por isso é livre de mudar de ideias mais tarde, e ser algo que lhe é imposto pelos pais, e que se ela mudar de ideias vai sempre sentir que está a trair essa obrigação que lhe deram.
Isto funciona mesmo assim. Os crentes gostam muito de apregoar a liberdade religiosa, mas todas as religiões consideram um pecado se alguém rejeita a religião que os pais lhe impuseram.
Ludwig
ResponderEliminarMmmm... pensei que achavas que os crentes não gostavam de apregoar a liberdade religiosa em primeiro lugar! Adiante!
O teu argumento de que ao renegar um baptismo se está a desiludir os pais não funciona porque se é assim o caso a desilusão é a mesma se o filho escolhe não se baptizar. Suponho que o problema será a expectativa em primeiro lugar.
Do mesmo modo, se um pai tem a expectativa que a criança saia um ateu crente e praticante ficará perfeitamente desiludido se esta chegar a casa com a cabeça molhada e óleos de baptismo. Ou seja, nem ser ateu (o que não é o mesmo que não ter expectativas religiosas) safa um pai.
O mesmo é válido para o pai que sempre sonhou ver o filho médico e ele vai para artes ou Direito ou mesmo para vendedor de imóveis. Mesmo se em qualquer uma dessas áreas se sinta melhor e até ganhe mais dinheiro.
Aí voltamos ao argumento de os filhos não serem pertença dos pais. Nem são a realização dos sonhos que tiveram para eles e não conseguiram concretizar: os filhos são emprestados aos pais para tomarem conta até serem autónomos (ou menos ainda). Se reparares, isto é um tipo de pensamento muito moderno e nem sequer está espalhado pelo mundo todo.
Contudo, insisto que parte da atitude perante os filhos é cultural e não religiosa. Por exemplo, muçulmanos, sikhs e indus da Índia e Paquistão (com quem convivi) educam os filhos (mas especialmente as filhas) para casarem dentro da comunidade, dentro da casta e com o marido que lhes escolherem (que por vezes é o primo direito). Isto tem os resultados mais diversos, mas o desvio a estas directrizes é ser excluída da família.
Imagina veres a tua família como o teu porto seguro e de repente ficares sem nada, só com a tua liberdade (e como é que ela te vai dar de comer?). Isto é cultural: religião nenhuma diz para fazer isto e é comum a uma região mais que a uma religião (na China isto também é comum). É um bocadinho pior que um baptismo. Arriscaria dizer que é pior que uns tabefes.
Bizarro
ResponderEliminarLascar móveis com um canivete????? Francamente!
"A diferença fundamental é entre ser algo que ela decide de uma forma, e que por isso é livre de mudar de ideias mais tarde, e ser algo que lhe é imposto pelos pais, e que se ela mudar de ideias vai sempre sentir que está a trair essa obrigação que lhe deram".
ResponderEliminarA educação primária não será imposta? Porque é que os filhos não podem ter também liberdade de ir estudar ou não?
A educação é imposta. Bem como a alimentação, as vacinas, etc. Mas são condições necessárias à liberdade. A criança só pode decidir por si acerca do que quer que seja se estiver viva, saudável, capaz de pensar e informada acerca do que está a decidir.
ResponderEliminarA filiação política, religiosa, desportiva ou afins não estão na mesma categoria de condições necessárias ao exercicio da autonomia.