quarta-feira, janeiro 09, 2008

Ciência e as outras coisas.

Nesta discussão com o Desidério concordamos numa coisa importante, mas como interessava mais discutir o que discordamos isto ficou para trás:

«há uma acepção de “ciência”, que é até prévia à revolução científica e que corresponde ao sentido de “episteme” usado pelos gregos, segundo a qual a filosofia, a história e outras disciplinas deste género são tão científicas quanto a física ou a matemática.»(1)

Os comentários do António e do Francisco Saraiva de Sousa (2) trazem-me de volta a este ponto para explicar o que me motiva a discutir isto (além do prazer de discordar). Isto não é apenas uma acepção de “ciência”. Isto é o fundamental, ao contrário do que escreve o Desidério a seguir: «Não concordo com a ideia de que isto invalide distinções iluminantes entre diferentes ciências».

Não há ciências. Há ciência. Dizer que a química é uma ciência e a astronomia ou filosofia outra ciência é como dizer que a base é uma pizza, a cobertura é outra pizza e cada fatia é uma pizza. Estas disciplinas são partes da ciência, colaboram na procura sistemática do conhecimento e têm em comum a forma cíclica de observação e manipulação de conceitos que caracteriza a ciência. A física, a matemática, a psicologia e até parte da filosofia são formalmente idênticas neste aspecto. Dentro de cada uma e entre todas adquire-se informação por observação e usa-se essa informação para criar modelos conceptuais.

Há quem considere a matemática uma excepção porque demonstrar teoremas não exige observação, mas é um erro. Há uns séculos os matemáticos calculavam tabelas de logaritmos, resolviam equações à mão, fartavam-se de fazer contas. Hoje é o computador que faz contas, que não tem nada que saber. Demonstrar teoremas é mais complexo, mas também não passa de aplicar regras para substituir símbolos, e isso os computadores fazem cada vez melhor. Em breve os matemáticos farão tantas demonstrações à mão como hoje fazem contas de dividir, e poderão dedicar mais tempo a compreender o significado do que demonstram e como isso corresponde à realidade. Porque isso é que interessa, e nisso a matemática é como qualquer outra parte da ciência.

A unidade da ciência também é evidente no conteúdo. Todo o conhecimento está interligado. A filosofia não pode contradizer a física nem a matemática contrariar a biologia. Se o biólogo diz que um rebanho mais um rebanho dá um rebanho e o matemático diz que não pode ser porque um mais um é sempre dois temos um problema que tem que ser resolvido. O matemático George Boole inventou uma álgebra em que um mais um dá um. Não é usada para contar rebanhos mas é importante na lógica e fundamental na informática.

Interessa-me focar este aspecto porque ajuda a separar a ciência (e o conhecimento) de outras coisas. Como a ética, estética e política, por exemplo, que também dependem de conhecimento mas vão além deste, incluindo escolhas, actos e expressões. O que sabemos e o que fazemos são coisas diferentes.

Mas especialmente porque compreender a coesão do conhecimento e da forma de o obter revela logo muita da treta que há por aí. A teologia, que diz conhecer pela fé; as “ciências ocultas”, que se apoiam na intuição; as inúmeras patetices da nova era, cada uma com o seu “método”. Nada disso serve. Não é assim que se obtém conhecimento. E, ao contrário do que acontece entre as partes da ciência, estes não se importam com contradições. Os homeopatas não se incomodam se a sua doutrina contradiz a acupunctura. A medicina tradicional chinesa, o tarot da Maia e a reflexologia podem contradizer-se à vontade. Os astrólogos até têm orgulho nas várias astrologias incompatíveis entre si. E as religiões é o que se vê...

A ideia que há várias formas de conhecer, como a ideia que há várias realidades, é errada e enganadora. Para conhecer algo temos que o examinar e pensar racionalmente acerca do que observamos. Não adianta ficar a olhar para o umbigo, ajoelhado a rezar ou sentado na poltrona com o cachimbo no canto da boca.

1- Desidério Murcho, 27-12-07, “Ciência” na acepção ampla
2- 6-1-08, Conhecimento

31 comentários:

  1. Ludwig,

    Três pontos de destaque:

    1- A filosofia não pode ser colocada no mesmo patamar dos outros ramos do conhecimento porque ela é um campo livre para pensar exatamente o pensamento.

    Aliás, o que você batiza autoritariamente de "conhecimento científico" nada mais é que o pensamento sistêmico definido inicialmente pela filosofia para colocar ordem no desenvolvimento do conhecimento.

    Mesmo assim, a filosofia permite desenvolver diferentes mecanismos de pensamento (é para isso que ela serve) e, alguns deles, podem ser distintos ou complementares ao pensamento sistêmico que você simplificadamente resume em "ciência".

    2- Existem milhares de contradicões no corpus do conhecimento atual. Não apenas extra-ramos mas inclusive intra-ramos. Principalmente se descermos para os temas indigestos, pouco estudados ou que estão na fronteira do conhecimento atual.

    Claro que, olhando de forma simplista e superficial, o conhecimento humano parece harmonioso mas não o é.

    Dentro da estatística por exemplo há quem não concorde com o mecanismo de inferência de Bayes; em informática há toda uma escola contra o pensamento MVC e em NLP há quem critique árvores ontológicas. Só para comecar.

    E aqui as "críticas" não são apenas conversinhas de bar. Estamos falando de estudos, papéis publicados e comprovacões científicas (pelo princípio da razão sistêmica).

    Esse conhecimento da incongruência que o corpus do conhecimento tem não invalida a importância da ciência - de forma alguma - mas, assumir uma "perfeicão" e "unidade absoluta" como você assume é perigoso por dar a falsa impressão de algo infalível o que, eu e você, sabemos ser absolutamente inválido (assim espero).

    3- O pensamento religioso não pode sobrepôr o conhecimento científico como você dá a entender. O pensamento religioso deve se posicionar junto com a ética, a política, a estética, as artes, etc.

    Exemplo disso é quando eu citei, num comentário antigo que, se a evolucão for comprovada, esse fato não invalida minha fé no ato criador de Deus.

    São duas coisas distintas mas que se tocam - uma é o pensamento sistêmico que provou uma teoria científica - evolucionismo - e outra, totalmente distinta - assim como quem prefere amarelo ou preto - é a minha fé num Deus amoroso e criador da vida - que continua filosoficamente e totalmente válida mesmo com a prova sistêmica.

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  2. Tenho pouco tempo para escrever isto de forma clara. Correndo o risco de ser muito superficial aqui vai.

    Fiquei um pouco intrigado com a sua posição a respeito da matemática. Num post anterior creio que referiu que iria fazer um post explicando porque é que a matemática não é uma ciência, posição com a qual concordo, mas agora saiu o contrário.

    Naturalmente que a matemática se alicerça no método da ciência e permite através do seu formalismo e simbologia, resolver problemas, por si só. Mas na verdade é essencialmente uma linguagem que permite traduzir os fenómenos e deduzir novas implicações. Diria mesmo que é só a linguagem. Numa visão simplista, porque há camadas dentro de cada disciplina diria que, se a ciência fosse uma cebola, teríamos a Física no centro, como a explicação mais elementar para a qual todas as disciplinas tendem, a química a seguir, depois a biologia/geologia e outras com o mesmo grau de análise, depois a medicina, embora cada vez mais se aproxime da camada anterior e finalmente a psicologia, a sociologia e afins.

    A filosofia, para mim está à parte, numa lógica de epistemologia e a matemática é a codificação de tudo isto. Para ser mais rigoroso, a própria simbologia da matemática, não faz verdadeiramente parte da matemática, porque poderíamos convencionar outra, mas ainda assim é talvez a simbologia mais mundial que há. Não é à toa que, creio que as sondas Viking’s levam uma mensagem, para hipotéticas civilizações extraterrestres que encontrem a sonda, formulada em simbologia matemática (mas numa lógica de cifra e não no sentido actual simbólico da matemática). Isto além de levarem também representações gráficas, amostras das várias línguas, música, etc.

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  3. Ludwig,

    Apesar de concordar com muito do que escreve (a analogia do rebanho está óptima), pasmo sempre com a forma como opta por achincalhar a Teologia.

    É que é um pouco como cuspir no seu pé.

    Grosso modo, o cartesianismo pegou nos conceitos escolásticos de causalidade (causa final, causa formal, causa material, causa eficiente), e fez uma redução à realidade.

    Assim nasce a ciência moderna.
    Um exemplo: a maçã.
    A causa material da maçã está nas moléculas e elementos que a compõem. A causa eficiente nos processos bioquímicos que regem o seu crescimento e maturação. A causa formal está na "forma" da maçã, naquilo que nos faz olhar para uma maçã e dizer "é uma maçã", a causa final da maçã está, entre outras coisas, na sua utilidade alimentar e ecológica.

    A ciência moderna cortou a direito, logo após a invenção cartesiana de separar os "objectos da mente" dos "objectos reais". Essa invenção cartesiana deitou fora o conceito escolástico de que o nosso intelecto se adaptava à forma da maçã, para trazer a novidade de que a maçã tinha duas existências: uma na realidade e outra na nossa mente. Com isto, a forma da maçã, e a sua causa formal, foram para o lixo.

    Com Darwin, vem a ideia de deitar fora a finalidade: olhar para a contingência na evolução natural e deduzir que não há finalidade em absoluto. Assim, hoje em dia, continuamos a achar que uma maçã é alimentícia e tem outras utilidades, mas achamos que isso aconteceu por acaso (em absoluto). Deste modo, a causa final da Escolástica foi para o lixo.

    Este corte radical marca a ciência moderna. O Ludwig, partidário e operante desta ciência moderna, herda da Escolástica (na parte da causa material e eficiente), e herda a opção pós-cartesiana do deitar fora as causas formal e final.

    Mas herda tudo isto.
    Nós somos também o que somos pelas opções dos nossos antepassados. Para todos os efeitos, a teologia e a filosofia cristãs (sobretudo a escolástica), moldaram o pensamento científico na Idade Média e foram a base e ponto de partida para a ciência moderna. Descartes baseou-se em conceitos escolásticos, mesmo que depois optasse por os desprezar ou distorcer. Poucos se lembram ou sabem que Descartes, depois da brilhante tirada do "cogito" conclui "a posteriori" o que deveria ter assumido "a priori", isto é, que a fé em Deus é que é importante (sim, isto está lá escrito - basta ir lá ler).

    Claro que os cartesianos seguiram Descartes no "cogito" e na sua ideia da separação ontológica entre "res extensa" e "res cogitans" (a tal opção que matou a "forma" das coisas), mas não o seguiram na sua fé em Deus. Foi pena...

    É certo que o Ludwig é ateu, e é certo que não gosta de Teologia, mas fica muito mal tentar renegar o passado, tentar ignorar que a Ciência que hoje em dia defende de forma tão valente é filha de grandes pensadores e de grandes ideias. Hoje em dia, parece-lhe giro colocar essa grande teologia e essa grande filosofia de inspiração cristã ao mesmo nível das crenças supersticiosas, ao mesmo nível do "oculto".

    Esta atitude, desculpe que lhe diga, é "obscurantista". O próprio Descartes nunca foi tão obscurantista ao ponto de equiparar a grandeza intelectual da teologia e da filosofia cristãs a qualquer "ciência oculta". Ele sabia bem que tinha que respeitar as ideias que se preparava para comentar e criticar.

    Mais uma vez, a importância de se ter memória, de recordar o passado, de saber de onde vêm as pessoas e as ideias, é essencial para se evitarem posições obscurantistas.

    Um abraço

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  4. Tiago,

    A neuropsicologia também pensa acerca do pensamento. E melhor que muitos filósofos...

    Existem contradições nos modelos científicos, mas essas são vistas como exigindo que se altere os modelos. As contradições nas várias superstições são vistas como razão para encolher os ombros ou matarem-se uns aos outros, mas não como justificando mudar de ideias.

    O pensamento religioso é acerca de quê? Se for acerca de que era bom que houvessem deuses, discordo do pensamento mas concordo com o que o Tiago propõe. Não tem nada a ver com ciência. Mas se o pensamento religioso assume que existem deuses de facto, então está-se a meter no conhecimento da realidade. Ai não há desculpas para seguir crenças e ignorar observações.

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  5. João,

    Não acho que a matemática seja uma ciência, mas acho que é parte da ciência. É esta distinção que julgo importante (mas não garanto que tenha sempre dito isto... às vezes o que pensamos muda de forma quando o escrevemos, e mesmo que não isto de ter ideias é sempre work in progress :)

    Concordo que se considerarmos apenas o aspecto formal da matemática, como linguagem, então por si só não tem nada de científico. Podemos usá-la para dizer que 1+1=2 ou 1+1=1 e, dependendo do caso, o que exprimimos nessa linguagem pode ser tão disparatado como o que se exprime com qualquer outra.

    Mas a matemática visa não só exprimir o que calhar mas também adequar aquilo que exprime à modelação da realidade. E nisso adopta a forma de ciência.

    Mas não acho boa ideia dizer que é uma ciência como se houvesse várias. Pode ser mal interpretado e dar confusão.

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  6. Bernardo,

    Para ser maçã, a maçã precisa do processo que a formou, da forma que tem e da matéria de que é composta. Mas se a comem ou não é irrelevante. É maçã à mesma.

    O machado, para ser machado, precisa do processo que o formou, a forma que tem, a matéria de que é feito e é preciso que quem o fez o tenha feito para cortar coisas à machadada.

    A finalidade é tão científica como o resto. A arqueologia e a biologia são ambas científicas. A diferença é que a maçã não foi feita para servir um propósito e o machado foi. Nem todas as coisas têm causa final.

    Eu não sou contra o diálogo racional, a lógica, o conhecimento, e tantas outras coisas que a teologia defendeu e ainda defende. Classifico a teologia de treta porque apesar de ser evidente que as suas premissas são erradas e que todo o programa da teologia é improdutivo continuam a bater com a cabeça na parede porque acreditam. Pode ser divertido, para quem gosta, mas como caminho para o conhecimento é completamente inutil.

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  7. Ludwig,

    A neuropsicologia no cérebro e no seu funcionamento relacionando-o com comportamentos psicológicos.

    A filosofia por outro lado, está livre destas amarracões.

    São dois ramos distintos do conhecimento humano. Tanto é que podemos pensar assim: sem a neuropsicologia não entendemos quais regiões do cérebro causam comportamentos psicóticos; sem a filosofia, por outro lado, não temos as bases para o desenvolvimento e questionamento científico. Worlds apart ;)

    Sinto, lá no fundo, que assim como não gosta dos pensamentos religiosos, tem uma pontinha de dificuldade com o pensamento filosófico.

    Citas: "Mas se o pensamento religioso assume que existem deuses de facto, então está-se a meter no conhecimento da realidade. Ai não há desculpas para seguir crenças e ignorar observações."

    Aí se engana por dois motivos:

    1- seus textos sempre se limitam à definicão da realidade segundo a visão cartesiana. Argumentar aqui com você requeriria que abrisse sua mente para outras abordagens filosóficas mais modernas (e menos cartesianas - sorry).

    2- voltamos aqui à eterna discussão do "Deus existe X não-existe" mas gostei que citaste "observacões". Por acaso existem observacões da não-existência de Deus? Se não estou enganado a tendência por estas bandas é falar "o princípio da prova recai sobre os crentes". Mas aí quando cita "observacões", fico bem curioso!!

    Mande-as por favor.

    Abracos!

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  8. Tiago,

    «Pensamento filosófico» há um por filósofo. Mas aqueles que pensam de forma produtiva pensam como parte da ciência.

    Quanto á pergunta « Por acaso existem observacões da não-existência de Deus?», a resposta é sim. Tal como existem para o Pai Natal, o monstro de Loch Ness, e o Homem Aranha.

    A ciência moderna tornou os deuses numa hipótese desnecessária. E muito do que observamos é incompatível com a existência de um ser que tudo pode, tudo sabe e nos amam infinitamente.

    Tiago, se você fosse omnipotente e omnisciente, quantas crianças seriam violadas?

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  9. Ludwig,

    Releia sua frase e perceba como ela carrega a fé (no sentido semântico de uma certeza - infundada ou não).

    "A ciência moderna tornou os deuses numa hipótese desnecessária. E muito do que observamos é incompatível com a existência de um ser que tudo pode, tudo sabe e nos amam infinitamente."

    Perceba como ela poderia muito bem ser refraseada por um fanático da seguinte forma contendo o mesmo conteúdo "vazio":

    "A ciência moderna tornou os deuses numa hipótese fundamental. E muito do que observamos é incompatível com a não-existência de um ser que tudo pode, tudo sabe e nos amam infinitamente."

    Ambas as frases acrescentam pouco.

    E respondendo a sua pergunta ("se você fosse omnipotente e omnisciente, quantas crianças seriam violadas?") vemos aqui a tradicional má-interpretacão de Deus que merece até um post a respeito:

    Tiago não é Deus

    Deus não é uma babá-controladora que fica cutucando a sua criacão. Se o fosse, deixaria de ser amoroso porque o amor não reside em impor limites forcosamente mas sim em estabelecer limites.

    Esse conceito lhe falta em grande escala - ou não levantaria essa questão da onipotência, onipresenca e onisciência de forma tão simplista.

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  10. Tiago:

    Um Deus Omnipotente e Bom não conseguiu criar um mundo com Liberdade e sem Mal?
    Isso não contraria o próprio conceito de Omnipotência?


    Vamos assumir que não. Vamos pensar numa definição "fraca" de omnipotência assumindo que Omnipotente é aquele consegue tudo aquilo que seria logicamente possível.
    Vamos assumir que a Liberdade humana implica a existência de Mal de uma maneira tão intrínseca, que mesmo um ser Omnipotente não poderia eliminar o Mal sem eliminar a Liberdade. Isso não seria conceptualmente possível, sequer.

    Se assim fosse, isso implicaria que no Paraíso, ou existe Mal, ou não existe Liberdade. Qual delas é?
    Estou curioso.

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  11. João Vasco,

    Esta é outra concepcão errada (infelizmente compartilhada por muitos crentes): que bem e mau são opostos.

    Deus está acima do bem e do mau. Fato é que, assim como criou o bem, ele criou também o mau. Partindo deste princípio, Deus possui poder sobre o mau (assim como também o temos - podemos sempre escolher entre fazer o mau ou o bem).

    Isso deixa o conceito da onipotência ainda mais forte (e não fraco como sugere).

    No paraíso, o mau deixará de existir como influência externa (doencas, dores e afins) mas continuará totalmente possível dentro dos nossos coracões (mantendo nossa liberdade). O que acontece é que as pessoas que entrarem no paraíso não escolherão o mau por livre e espontânea vontade.

    Já as que forem para o inferno sofrerão com o mau externo independentemente de suas escolhas. Aí sim, sem a liberdade.

    Agora é claro, Deus poderia ter criado as coisas de qualquer outra forma. Não o fez porque deve ter lá suas razões das quais, infelizmente, vemos apenas uma parcialidade até chegarmos ao céu.

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  12. Tiago:

    Qual é a sua posição mesmo? Deus não é bom nem mau (por estar acima de ambos) ou é bom e mau (por ter criado ambos)?

    Se acredita em qualquer destas hipóteses, o Deus em que acredita é realmente muito mais plausível que aquele Deus em que 99% dos cristãos acreditam: um Deus que é Bom e não é Mau.

    Posto isto, é fácil mostrar que a observação contraria a existência do Deus em que acredita. O Tiago acredita num Deus que é capaz de fazer uma pedra deslocar-se acima da velocidade da Luz, caso o queira. A observação mostra que é impossível que uma pedra possa deslocar-se acima da velocidade da luz.

    ---

    Por fim, acho curiosa a afirmação final. "Realmente não parece fazer lá muito sentido que Deus tenha criado o mundo assim, mas Ele lá deve ter as Suas razões, e não sou ninguém para as questionar".
    Isto é o oposto da forma de pensar de um cientista, ou de um amante do conhecimento, que DEVE questionar TUDO. Um cientista deve pensar assim: "se A não faz muito sentido, não será que A é falso?".
    Parece mero bom senso, mas a influência perniciosa da religião foi tal, que às vezes nem isso basta...

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  13. João Vasco,

    "Deus não é bom nem mau (por estar acima de ambos) ou é bom e mau (por ter criado ambos)?"

    Caímos no "Ich bin". Deus simplesmente é. Ele é a fonte tanto do bem quanto do mau mas simplificar em "não é bom nem mau" ou "é bom e mau" é insuficiente.

    "Isto é o oposto da forma de pensar de um cientista, ou de um amante do conhecimento, que DEVE questionar TUDO."

    Tem razão. Esbarrei, na pressa, numa limitacão minha.

    Pessoalmente (e veja você, apenas pessoalmente) aceitei que existe um limite ao que pode ser inquirido dentro do que nos é feito disponível. Certas coisas não estão disponíveis ainda.

    Uma delas é "por que Deus criou assim?"

    Por isso que larguei a ciência inquiridora do mundo e abracei aquela que dá dinheiro.

    Mas isso é extremamente pessoal. Tem toda razão no seu comentário.

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  14. Não percebo esta polémica em torno de Deus. Devem ser muito teístas! :)

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  15. Quem se preocupa com o racismo deve também certamente ser racista...

    Não me parece...

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  16. Tiago,

    No seu post refere que:

    «Um Deus que destrói o violador de uma criança não é um Deus de amor.»

    OK, Deus não destroi o violador, "destruindo" o bem-estar da criança violada. No mínimo é injusto, para não dizer coisa pior.

    «se ele destruir o violador está automaticamente reflectindo que ama mais a criança do que o violador.»

    Falso, se ele destruir o violador está a ser injusto, Deus é justiça, certo? Cristo defendeu Maria Madalena, mas no seu ponto de vista deveria deixa-la a levar com basaltos na cabeça para mostrar o seu amor a ambos os intervenientes. Ele não o fez, foi justo e defendeu-a - Cristo, o homem. Dualidade de critérios? Só quando interessa?

    «Por isso ele nos dá liberdade - à exemplo da Sua liberdade que herdamos “à imagem e semelhança”. Tanto violador como criança podem realizar as melhores escolhas pré e pós a violência. Deus está interessado em operar aí e não na violência (nessa, ele normalmente não toma parte).»

    Para Deus, que é Omnisciente, ele saberá todas as escolhas do violador, se se regenera ou não. Logo essa liberdade, do ponto de vista de Deus, não há, ele já sabe tudo. Logo Deus não estará à espera de "ver no que vai dar", esperando que o violador se regenere ou não. Deus não está interessado em operar (operar = intervir) em algo que ele já sabe exactamente como ocorrerá é que não poderá mudar porque sabe exactamente como será, e se conseguir mudar então não é Omnisciente, pois mudou o que sabia com "certeza absoluta", e se não conseguir mudar o que sabe com toda a certeza, então não é Omnipotente.

    Uma banhada pegada...

    ****************


    Só um ponto:

    «Isso deixa o conceito da onipotência ainda mais forte»

    Deus não consegue criar um objecto indestrutível, pois se o cria, perde a Omnipotência, porque não o pode destruir. Ou simplesmente não o consegue criar porque o destrói, não podendo TUDO. Logo em termos de Omnipotência a coisa parece mal encaminhada.

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  17. Comento algumas afirmações dispersas pelo post e pelos comentários, sem as identificar com os seus autores.

    É claro que há diversas partes da ciência; sendo una a ciência, estas diversas partes são os seus diversos ramos. Nestes diversos ramos, a ciência não é diferente nos seus objectivos de conhecer a realidade; o seu objectivo continua o mesmo, o que muda é o seu objecto. E, consoante o seu objecto, as metodologias concretas adaptadas ao conhecimento do objecto podem ser diversas, pelo que pode haver diversas formas concretas de produzir o conhecimento.

    O que acontece frequentemente é confundirmos as formas de produzirmos o conhecimento acerca do objecto com o que ele é de facto ou poderá ser. E, neste campo, estamos ainda muito limitados, não ultrapassámos a infância do que poderão vir a ser as formas de produzir o conhecimento acerca de um objecto.

    Se virmos bem, a lógica, o principal instrumento que usamos para pensarmos acerca dos objectos que observamos ou que imaginamos, é apenas um instrumento do pensamento consistente, o qual usamos para que os termos de uma proposição ou os conceitos que com ela exprimimos não sejam contraditórios ou que um termo não ultrapasse a extensão que atribuímos ao outro, ou que as inferências que fazemos entre as proposições não sofram dos mesmos males; é, portanto, um instrumento que usamos para discursar bem. Ela está dependente das classificações que estabelecemos, e estas estão dependentes das observações e das definições que fazemos dos objectos quanto às suas qualidades, estados, etc. É, digamos, uma pescadinha de rabo na boca: tudo depende do que achamos relevante para definir os objectos e para os distinguir entre si e das classificações que deles fazemos.

    A nossa primeira limitação é a de ainda não termos tido a capacidade de pensar de forma mais realista acerca da realidade; frequentemente, reduzirmo-la a uma realidade única, quando os factos mais corriqueiros da vida nos demonstram, sem necessidade de qualquer sofisticação, que existem diversas realidades ou, pelo menos, diversas dimensões do que podemos designar por realidade. É a realidade redutível à realidade empírica, aquilo que existe fora da nossa mente? A simples observação mostra que não é. A mais elementar constatação permite-nos ter consciência de que a realidade tal qual é não existe na nossa mente. A realidade existe, pelo menos, sob três formas distintas: tal como é, tal como nos é representada pelos sentidos e tal como a reconstituímos na mente de forma um pouco mais elaborada. E, depois, a realidade empírica também não é redutível à realidade empírica natural, porque está povoada de objectos empíricos artificiais, que produzimos por transformação de objectos empíricos naturais ou por reconstituição empírica de objectos meramente imaginários (aquilo que correntemente designamos por realidade virtual, ou seja, a reconstituição empírica de objectos que nela não existem e que foram criados na nossa mente). As ferramentas, os utensílios, os jogos, etc., tudo o que inventamos, no fundo, ilustra a capacidade humana de transformar a realidade empírica, pelo menos a que lhe é mais acessível, criando novos objectos empíricos, através da criação de objectos não empíricos, que apenas existem na sua imaginação, e de os transformar em objectos empíricos artificiais, assim como a sua capacidade de criar objectos não empíricos que não ultrapassam esta qualidade. Deste modo, a principal dificuldade da produção do conhecimento reside nas nossas limitações para arranjarmos instrumentos de observação adequados e para usarmos instrumentos de pensamento também mais adequados. Não é uma dificuldade intransponível, mas é a dificuldade com que permanentemente nos debatemos e que temos vindo a ultrapassar através de pequenos passos.

    O problema da existência de deus é talvez o mais representativo das nossas incapacidades actuais para conhecer a realidade. Explico-me. Negamos frequentemente a existência dessa entidade, sem tenhamos em que nos apoiar. Antes de mais, porque alguns de nós não a observamos, nem na realidade empírica, nem na realidade não empírica das nossas mentes. Daí, partimos para a negação de que outros a possam ter observado, não na realidade empírica, mas na realidade não empírica das suas mentes. Deste modo, negamos a possibilidade de que alguns, algures, possam ter tido a revelação da sua existência, e ridicularizamos outros, que embora não tendo tido a graça da revelação, foram bafejados com a graça da fé, e negamos-lhes o direito de acreditarem no que os iluminados terão recebido como conhecimento por revelação divina. Não temos qualquer prova de que os iluminados não o foram, mas mesmo assim chamamo-los de charlatães; não temos qualquer direito de negar a crença dos que acreditam pela fé, mas mesmo assim classificamo-los de palermas.

    E, afinal, de que instrumentos nos servimos para nos arrogarmos tais direitos? Apenas dos nossos imperfeitos instrumentos classificatórios, em função dos quais, por exemplo, concebemos que algo não pode ser ele próprio e a sua negação, não pode ser isto, o seu oposto ou mais que isto. A partir dessa imperfeita compreensão da realidade, não admitimos que a entidade deus possa ter qualidades, ou assumir estados, que escapem a qualquer classificação, o nosso instrumento primordial para pensar de forma consistente. Poderá lá existir algo que simultaneamente seja algo e o seu contrário, seja algo e mais do que algo? Esta mera possibilidade escapa à nossa capacidade de compreensão e ao cómodo instrumento que inventámos para pensar de forma económica e não contraditória: a classificação. A realidade já nos acenou com objectos, qualidades e estados contraditórios; a nossa incapacidade para pensá-los e admiti-los como tal ainda não nos permitiu conhecê-los como eles realmente são. Haveremos de lá chegar, certamente, mas a actualidade mostra não ser ainda o tempo certo.

    Por estas nossas limitações, o problema da realidade e das suas dimensões constitui ainda um problema intransponível. É por isso que o problema da existência dessa entidade que alguns designam por deus constitui alvo de tanta polémica. É claro que podemos combater as características empíricas que os crentes na entidade lhe atribuem, cuja qualidade deveria possibilitar que o comum dos mortais pudesse constatar a sua existência; que podemos, inclusivamente, combater o conhecimento como tal revelado aos iluminados, e que os crentes aceitam, por crença pela fé, como conhecimento verdadeiro, certo e total, tais são a sua incompletude e inverosimilhança com o que acontece e para cuja causalidade já nos é possível arranjar explicações de origens mais prosaicas; que podemos, enfim, negar os atributos éticos tão contraditórios que os crentes lhe conferem; há uma coisa, porém, que não podemos negar: que essa entidade, que assume formas e significados tão variados nas diferentes culturas, possa existir na realidade não empírica das mentes dos crentes. Pura e simplesmente não temos forma de observar as suas mentes, nem o que nelas existe, e, por isso, não temos qualquer direito de os classificar de embusteiros, a eles ou aos iluminados que afirmaram ter tido as revelações, nem de os ridicularizar. Poderemos, quanto muito, afirmar que o misticismo e as revelações divinas são fruto de estados disfuncionais ou patológicos do cérebro, originando visões de entidades não empíricas dotadas de poderes mágicos, já que a mente, sabemo-lo, é dotada de capacidades imaginativas infinitas; e de atribuirmos aos crentes a qualificação de comodistas, incapazes de questionarem a sua fé e de procurarem o conhecimento em vez de aceitarem a pura revelação; mas não podemos, por exemplo, negar as suas explicações para a origem do que existe, porque as nossas próprias explicações, por enquanto, são muito pouco satisfatórias, e algumas são mesmo contraditórias com as regras que adoptamos para formularmos discursos consistentes. Falta-nos, portanto, para conhecermos a realidade como ela é, arranjarmos a capacidade de a compreender como algo muito mais complexo que não é redutível às classificações imperfeitas em que nos vamos baseando para formularmos pensamentos consistentes com essas classificações.

    Há uma dimensão em que podemos criticar os crentes: o seu comodismo em não questionarem as suas próprias crenças. Mas esta é a mesma dimensão em que eles podem criticar os cientistas. O lema da produção do conhecimento deveria, portanto, ser o questionamento contínuo do conhecimento parcial e imperfeito que vamos produzindo. Só com a suspeição metódica, sem a aceitação de verdades inquestionáveis, poderemos caminhar na senda do que a nossa condição de seres pensantes nos permite: a de alcançar cada vez maiores níveis de compreensão de tudo o que existe tal como existe. Isto implica a ciência, o estudo rigoroso dos objectos reais com o objectivo de conhecê-los, incluindo o instrumento que usamos para conhecer: a nossa mente.

    JC (o tal que não é o Cristo, nem tem crista e embirra com cristalizados, mas que por restrição do número de caracteres teve de assinar abreviado).

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  18. Como num comentário anterior falei na Maria Madalena, aqui vai:

    Maria Madalena versão Herman SIC.

    E já agora este, que é um clássico do Herman, escrito por Nuno Markl.

    Herman Enciclopédia - Pai Natal ou Menino Jesus - Juiz Decide.

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  19. jc:

    Creio que os seus argumentos são disparatados. Basta imaginar aplicá-los a quem acredita em sereias ou dragões e logo se percebe o disparate.

    Enquanto o bispo Edir Macedo vai pedindo 10% do salário aos fiéis da IURD, nós não devemos criticar esta instituição pois "não sabemos" se eles não foram de facto iluminados pela graça do Senhor.

    Nem os Mórmones que acreditam que os Negros são inferiores aos brancos (por razões religiosas), ou os cientologistas, ou tantos outros.

    Em vez de usar o bom senso, acreditar nas hipóteses mais plausíveis face aos dados que se têm, e assim descartar Tarots, bruxarias, superstições e religiões (sim, está tudo no mesmo saco), podemos sempre dizer que em última análise "não podemos saber tudo". O que é engraçado é que este cepticismo não serve para duvidar que o tabaco faça mal à saúde, ou que o ar tenha azoto e oxigénio, serve sempre para sustentar a superstição/religião favorita.
    Mesmo quando cientificamente temos todas as razões para acreditar que nenhum corpo com massa pode andar à velocidade da luz, coisa que todas as religiões com um Deus omnipotente contrariam.

    Isto para já não falar no paradoxo do mal. O Tiago foi a primeira pessoa que encontrei a dar-lhe uma resposta válida. Segundo ele Deus não é "Bom". A única resposta com sentido que vi para este paradoxo

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  20. Parece-me que o seu comentário revela ter percebido pouco do que eu disse, mas tal não tem grande importância, porque não pretendo vender qualquer banha da cobra.

    Não é com opiniões que se produz o conhecimento; elas apenas servem para criticar outras opiniões. E, mesmo assim, é muito discutível o direito de criticar opiniões alheias, sobretudo quando elas fundamentam decisões que apenas implicam quem as toma.

    Poderá você negar que eu vejo a Santa da Ladeira a judar o Belenenses? Não pode. Poderá você negar que eu considero o Belenenses o melhor clube do mundo? Não pode. Terá você o direito de criticar as minhas visões e as minhas opiniões? É duvidoso, nomeadamente, porque desnecessário e infrutífero. Poderá impedir-me de pagar as quotas de associado? Não pode nem deve.

    Ainda que você ache todas estas minhas visões, opiniões e decisões disparatadas, isso apenas é um disparate seu. E, disparate por disparate, não faz de mim nem mais estúpido, nem mais nem menos inteligente do que você, nem menos nem mais conhecedor do que quer que seja. Ao menos eu não me preocupo com as suas fantasias.

    O tabaco faz mal à saúde, o lume queima, a chuva molha, o ar tem oxigénio ou lá o que seja que permite viver, enfim, tudo isto são observações que não exigem grande esforço ou capacidade para que os fenómenos sejam compreendidos e as suas relações conhecidas, nem são alvo de controvérsia. E inventar situações que pela negativa sirvam de corroborações do que temos por conhecimento, também não é muito relevante. Será tão relevante quanto saber se as sereias, os dragões ou os deuses existem fora da mente de quem os cria.

    O que já não é assim tão pouco relevante é alguém achar que criticar a afirmação da existência de tais entidades, seja nas mentes, ou mesmo fora das mentes, de quem as cria, ou os poderes que os seus criadores lhes atribuem, ou o conhecimento que elas lhes revelem, é actividade relevante. A relevância atribuída a tais actividades críticas é, no mínimo, insólita. Na maioria dos casos é apenas futilidade não muito diferente da que pretende criticar. Salvo se em nome desse conhecimento os seus detentores quiserem esturricar na fogueira os incréus que deles discordem ou duvidem.

    Como vê, a realidade vai um pouco para além do que você pensa que ela é.

    Tenha um bom resto de noite.

    JC (o tal que não é o Cristo, nem tem crista e embirra com cristalizados, mas que por restrição do número de caracteres teve de assinar abreviado).

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  21. Caro JC,

    Se por «realidade não empírica das mentes dos crentes» quer dizer o que vulgarmente se designa por «fantasia» ou «imaginação» estou de acordo consigo. Mesmo assim, penso que chamar a isto realidade é um pouco enganador.

    Mas se quer sugerir que algo ser conceptualmente possível e ser imaginado indica que é real, então penso que se engana. E há muitos exemplos que ilustram a diferença entre algo existir e algo ser imaginável como possibilidade.

    É possível que na sua cozinha esteja um mortífero tigre transcendental cujas propriedades estão para além da nossa compreensão mas que vai matar qualquer pessoa que se aproxime dele.

    Vai deixar de tomar o pequeno almoço por causa desta possibilidade?

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  22. «E, mesmo assim, é muito discutível o direito de criticar opiniões alheias»

    Discordo. Mas deve ser por defender a liberdade de expressão...


    «Terá você o direito de criticar as minhas visões e as minhas opiniões? É duvidoso, nomeadamente, porque desnecessário e infrutífero.»

    Mas seria que nós tivessemos apenas o direito de fazer aquilo que é necessário e frutífero.
    Mas creio que é frutífera a crítica e discussão a respeito de diferentes visões da realidade.
    Muito frutífera.


    «Ainda que você ache todas estas minhas visões, opiniões e decisões disparatadas, isso apenas é um disparate seu.»

    Por essa lógica, é apenas um disparate seu que ache disparatado que me pareçam disparatadas essas visões.
    Eh!Eh!Eh!

    «O tabaco faz mal à saúde, o lume queima, a chuva molha, o ar tem oxigénio ou lá o que seja que permite viver, enfim, tudo isto são observações que não exigem grande esforço ou capacidade para que os fenómenos sejam compreendidos e as suas relações conhecidas, nem são alvo de controvérsia.»

    Que o tabaco faz mal à saúde ou que o ar tem oxigénio não são «observações que não exigem grande esforço ou capacidade para que os fenómenos sejam compreendidos e as suas relações conhecidas». Na verdade isso é bastante disparatado.
    Ambas essas observações exigem estudos elaborados, um conhecimento integrado bastante complexo, conclusões inseguras - como todas as conclusões da ciência.

    Por outro lado acho curiosa a sua referência à polémica. Nem faço comentários...



    «O que já não é assim tão pouco relevante é alguém achar que criticar a afirmação da existência de tais entidades, seja nas mentes, ou mesmo fora das mentes, de quem as cria, ou os poderes que os seus criadores lhes atribuem, ou o conhecimento que elas lhes revelem, é actividade relevante. »

    Eu não duvido da existência de "Deus" dentro das mentes dos crentes, da mesma forma como não duvido da existência do "Pai Natal" dentro das mentes de certas crianças. Fora das mentes é que eu duvido dessa existência.


    «Na maioria dos casos é apenas futilidade não muito diferente da que pretende criticar. Salvo se em nome desse conhecimento os seus detentores quiserem esturricar na fogueira os incréus que deles discordem ou duvidem.»

    Há certas ideias que eu considerava serem aceites por qualquer pessoa civilizada. Que é bom discutir com argumentos e ideias, mesmo que não se consiga convencer ninguém, porque as diferentes partes pensam nos argumentos e perspectivas das partes opostas, etc...

    Mas há certas pessoas que não concebem qualquer discussão longe da ideia de que são irrelevantes os argumentos e apenas interessa o resultado. A discussão é encarada como um mero jogo de poder, um ataque sobre quem pensa A para que pense B.
    Estas pessoas tendem assim imaginar que quem critica a religião apenas não usa a fogueira contra os crentes, porque não pode. Conhecem bem a história do clero e das religiões e sabem que o inverso é verdade, mas não se preocupem. A esmagadora maioria dos que criticam a religião também nisso são diferentes do clero...

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  23. o vasco:

    Você retira frases do contexto, faz extrapolações abusivas das minhas palavras e a aparente lógica que usa não passa de sofisma. Disparate seria continuar trocando galhardetes.


    ludwig krippahl:

    Mas, afinal, o imaginado existe ou não existe? Se não existe, será apenas treta de mentirosos empedernidos que dizem imaginar sem que tenham algo imaginado; se não se tratar de mera mentira é porque existirá. Você também já imaginou realmente ou ainda não teve essa graça?

    A matemática (isto é, os muitos algoritmos matemáticos imaginados) existe ou não existe? Pela sua ordem de ideias, não existe. Mas, olhe que existe, e não faz parte da realidade empírica. E mais, tem sido a imaginada matemática, criada na mente e usando relações e entidades meramente imaginárias, que tem possibilitado escapar das peias da lógica a que a racionalidade tem estado presa. Introduzindo relações necessárias e outras meramente aleatórias, concebendo a realidade como a regra e a excepção, o observado e o observador, é ela que nos tem proporcionado uma melhor aproximação do que poderá ser a própria realidade empírica a que você reduz a realidade.

    É claro que esta realidade não empírica, produto da matéria viva, não determina, por si só, a realidade empírica, enquanto esta facilmente determina e, em muitos casos, interfere na realidade não empírica. Apesar disso, vão sendo conhecidas algumas capacidades da mente para influenciar, pouco que seja, o próprio corpo que a produz. O que está em causa, porém, não é a capacidade de determinação mútua das diferentes dimensões da realidade; o que nos interessa é saber se algo que não exista pode constituir um instrumento que nos ajuda a compreender, a explicar e a prever o que exista; é saber se a nossa mente, o produto do nosso cérebro empírico, é redutível a ele e às ligações bioquímicas que nele têm lugar. Que está dele dependente para existir, sabemos; que os objectos que produz ou a que se reduz estejam dependentes apenas de qualquer programa genético, podemos duvidar, porque todos, tendo o mesmo ADN, um cérebro muito semelhante e moléculas do mesmo tipo a efectuar ligações, produzimos mentes e produtos mentais diferentes. Ou a pintura do artista sai apenas das suas mãos manejando o pincel e as tintas? Ou apenas uns tipos de imaginados, os estéticos, por exemplo, têm existência?

    Você cai numa flagrante contradição negando ao imaginado a condição de existente só porque o imaginado pode não existir na realidade empírica, fora da mente. Mas, afinal, mesmo que apenas na mente, o imaginado existe ou não existe? É que se não existe escusamos de falar dele. E, contudo, apesar da negação, o certo é que existimos pensando e imaginando. Ou apenas estaremos imaginando que pensamos e que existimos e, como o imaginado não existe, não existimos?

    Muitos dos repetidos exemplos fantasmagóricos com que ilustra os seus posts são meras falácias, como este do tigre. Pelo facto do tigre existente na mente não passar a existir na minha cozinha não é prova de que o meu imaginado tigre não exista. Também um tigre empírico que estacionasse na cozinha (por azar meu, está visto), não passaria a existir na minha mente, continuaria apenas e só a existir na cozinha; o que sucederia, neste caso, é que a mente reconstituiria nela o tigre da cozinha e associaria o reconstituído a consequências conhecidas ou imaginadas, condição suficiente para me precaver e dar às de Vila Diogo. Mas não ter a capacidade de reconstituir na cozinha o tigre que imaginei não é prova de que o imaginado não exista; é apenas prova de que à mente falta a capacidade de criar algo que passe a existir para além dela.

    Tenha um óptimo almoço, sem tigres empíricos ou imaginados.

    JC (o tal que não é o Cristo, nem tem crista e embirra com cristalizados, mas que por restrição do número de caracteres teve de assinar abreviado).

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  24. JC,

    «Mas, afinal, o imaginado existe ou não existe? »

    Algum sim, outro não. O conhecimento é precisamente a capacidade de os distinguir.

    «A matemática (isto é, os muitos algoritmos matemáticos imaginados) existe ou não existe?»

    Sim e não. A designação «conjunto de todos os conjuntos que não são elementos deles próprios» existe. O designado por esta designação não existe. Confundir a designação com o designado é um erro comum nos defensores de muita treta...

    Outro problema é assumir que a realidade empírica está sempre fora da mente. Não está.

    Se tenho medo do bicho papão o medo existe. É real, está na minha mente, e sei que ele existe porque o sinto. É empírico.

    É claro que isto não diz nada acerca da existência do bicho papão. Apenas acerca do meu medo. Outra confusão...

    Resumindo, o seu problema principal é este:

    «Você cai numa flagrante contradição negando ao imaginado a condição de existente só porque o imaginado pode não existir na realidade empírica»

    Eu não nego que o Stan Lee inventou o Home Aranha, nem existe a ideia desse personagem fictício. O que nego é a ideia que as propriedades de ser meio humano meio aranha, chamar-se Peter Parker, trepar paredes e assim por diante estejam de facto instanciadas num ser real.

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  25. jc:

    Talvez tenha razão quando diz que seria disparatado continuar «trocando galhardetes».

    Quando se passa com essa facilidade da argumentação para o insulto, o diálogo descamba.

    E se realmente nos seus textos li os exemplos mais acabados de sofismas, parece foi essa a sua leitura dos meus.

    Eu diria que "é a conversar que a gente se entende" e que se eu vejo sofismas nas suas palavras, e o jc vê sofismas nas minhas, talvez uma conversa civilizada solucione o problema e possamos alterar a nossa opinião, ou compreender o mal entendido, ou manter as nossas divergências respeitosamente.

    Mas depois lembro-me que o jc me nega o direito de criticar as suas opiniões.

    «Terá você o direito de criticar as minhas visões e as minhas opiniões? É duvidoso, nomeadamente, porque desnecessário e infrutífero.»

    Fora do contexto? Não me parece. E a sua reacção, insultando-me e terminando o diálogo em vez de esclarecer caso fosse essa a sutuação.

    Respondendo à letra aos seus insultos, abstenho-me de continuar o diálogo, a menos que o jc o faça. Seja para argumentar, seja para insultar, poderei responder na mesma moeda.
    Não responderei a argumentos com insultos como fez, disso pode estar descansado.

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  26. A ideia que há várias formas de conhecer, como a ideia que há várias realidades, é errada e enganadora. Para conhecer algo temos que o examinar e pensar racionalmente acerca do que observamos.


    No way, man! :) Será que é assim tão difícil compreender que o tipo de conhecimento racional que essa afirmação implica é apenas parte do conhecimento total?!

    Há um conhecimento bem mais directo e imediato que implica apenas o sentir, desde a simples sensação física até um tipo de sentimento muitíssimo mais íntimo e intenso.

    Logo, esse raciocínio pode aplicar-se à observação do mundo exterior e mesmo de muitos fenómenos da psique humana, mas não tem simplesmente lugar quando falamos daquele que é o Conhecimento por excelência: what I do feel I do know!!!

    Claro que o exemplo clássico é o do sentimento máximo e último, o Amor. E sim, é certo que o podemos examinar e raciocinar sobre ele e escrever os inúmeros tratados que por aí existem desde há séculos, sem nunca esgotar o tema - same for God, sure! Mas isso NADA acrescenta àquilo que eu já sei, porque o sinto! Pode apenas dar outra dimensão discursiva a esse conhecimento, tornando-o explicável a terceiros, por exemplo, mas no fundo é inútil para o próprio que o sabe porque o experimenta vividamente em si.

    Logo, há pelo menos 2 formas de conhecer: o pensar e o sentir. Sendo que esta última é incomparavelmente superior à primeira, porque é o único saber imediato e indesmentível, que não necessita de qualquer prova ou argumento: sei que sei, porque sinto e sentirei!

    So plain to see... and feel what is real! :)


    Not-knowing is true knowledge.
    Presuming to know is a disease.
    First realize that you are sick;
    then you can move toward health.

    The Master is her own physician.
    She has healed herself of all knowing.
    Thus she is truly whole.


    Tao Te Ching, 71

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  27. o vasco:

    Mais uma vez, faz extrapolações abusivas das minhas palavras. Não vejo onde o possa ter insultado. Mas, se assim julga, resta-me apresentar-lhe o meu pedido de desculpas. Foi, de certeza, involuntariamente.

    Argumentar, mesmo argumentar bem, é insuficiente para produzir conhecimento. Pode ser necessário para a retórica, para exprimir correctamente os pensamentos, etc. Falta-lhe, porém, um requisito essencial para que o argumento válido exprima conhecimento ou valor de verdade: que as premissas sejam verdadeiras. Esgrimir opiniões contra opiniões é desnecessário, porque infrutífero. É pedantismo bastante pensar que as nossas opiniões (e não o nosso conhecimento) tenham qualquer valor de supremacia sobre as opiniões alheias. Esgrimir opiniões pode ser uma entretenha interessante, mas apenas para quem assim o entenda.

    É claro que não lhe nego o direito de criticar as minhas opiniões; quem sou eu para ter tal pretensão. Apenas invoquei o não direito de criticar opiniões alheias no sentido de desnecessário e infrutífero, sobretudo quando elas fundamentam decisões que apenas implicam quem as toma (e esta foi uma das partes que você truncou das minhas frases).

    Na minha opinião, o Belenenses, o clube da minha paixão desde garoto, é o melhor clube do mundo (até a jogar futebol, veja-se!). Poderá você negar que eu penso isto? Não pode. Uma tal afirmação minha não é fundada em qualquer conhecimento; é apenas o meu convencimento. E mesmo que você tivesse qualquer conhecimento sobre os melhores do mundo, continuaria impotente para negar que eu penso que o Belenenses é o melhor do mundo. Porque penso mesmo!

    Por fim, continuo pensando que você não compreendeu o que eu escrevi. Isso não é defeito seu, mas meu, que de há muito não me exprimo com suficiente clareza. Como costumo dizer aos amigos: ando a falar grego exprimindo-me em português escorreito.

    ludwig krippahl:

    Afinal, pelo menos uma parte do imaginado existe? Bem, já não é mau de todo, é sinal de que existe. Nem todo o imaginado que existe é conhecimento? Pois, também ninguém disse o contrário. Discordávamos apenas em relação à sua qualidade de existente, de real.

    Alguma matemática também existe? Ainda bem, também já não é mau de todo, porque a matemática, nem que seja alguma, existe. Confundir as coisas conduz a erros? É apenas sinal de que os erros também existem. E, contudo, os erros que existem, a matemática que existe e o imaginado que existe não existem na realidade empírica!

    E o medo do bicho papão existe? Existe porque existe na mente, mas porque é empírico, ainda que o bicho papão não exista, diz você. Será a existência na mente que confere ao medo a qualidade de empírico ou será a sua existência fora da mente, no corpo, que lhe confere essa qualidade empírica? Que se saiba, tanto aonde chega o nosso conhecimento actual, a mente não sente, é onde existem os pensamentos e o imaginado, mas o corpo é que sente (como o velho ditado, quando a cabeça não pensa, o corpo é que paga; neste caso, é sempre o corpo que paga, que sente). Dizem, até, que o próprio cérebro, um órgão sem sombra de dúvida empírico, não sente muitas das coisas que faz sentir ao resto do corpo. Mas, o mais extraordinário seria o medo ser empírico, porque existente na mente, e o bicho papão, também apenas existente na mente, não ser empírico. Afinal, em que ficamos: na mente existem coisas empíricas e não empíricas, podendo as primeiras ser provocadas pelas não empíricas? Não deixa de ser extraordinário tamanho sortilégio. Só faltará mesmo é a minha mente reconstituir o meu imaginado tigre na realidade empírica da minha cozinha!

    Agora, em jeito de amigável provocação: que impedirá, então, que essa entidade não empírica designada por deus produza na mente realidades empíricas (a sensação da sua existência, da sua omnipotência e omnisciência e dos restantes atributos que os crentes lhe conferem)? É poder apenas reservado a essa outra realidade não empírica chamada bicho papão?

    Julgo ser de toda a conveniência a clarificação das ideias, principalmente das ideias feitas acerca da realidade. E, também, acerca da produção do conhecimento e da ciência.

    JC (o tal que não é o Cristo, nem tem crista e embirra com cristalizados, mas que por restrição do número de caracteres teve de assinar abreviado).

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  28. JC:

    Creio ter sido insultado sim, mas se apresenta as suas desculpas fico satisfeito e aceito-as. Agradavelmente surpreendido, até :)

    Posto isto, eu posso realmente negar que alguém sinta aquilo que diz sentir, ou acredite naquilo que diz acvreditar.
    E há situações em que é razoável fazê-lo.
    Não apenas porque há quem minta deliberadamente face ao que diz acreditar e sentir, mas também porque há quem acredite sentir algo diferente daquilo que sente, ou acredite acreditar em algo diferente daquilo que acredita - às vezes a mente pode pregar estas partidas.

    Um exemplo conhecido é a alegação de Daniel Dennet segundo a qual poucos acreditam em Deus: a maioria acredita na importância de acreditar. O senhor estudou e reflectu muito e chegou a esta conclusão, que talvez não seja disparatada de todo.



    Mas tudo isto é um "fait diver". Porque eu raramente faço essa acusação. Não porque ache que tal acusação não pode ser feita, mas por outras razões.


    O Ludwig por outro lado, até vai mais longe. Não só não costuma fazer essa acusação, como já escreveu que Deus existe. Mas apenas na cabeça e nas acções dos crentes (tipo 11 de setembro).

    Para mim a discussão acerca da existência de Deus dentro da cabeça dos crentes tem a mesma importância que a discussão acerca da existência da Fada dos dentes dentro da cabeça do meu primo de 8 anos.
    Aquilo que alego é a semelhança entre ambas as crenças: podem existir dentro da cabeça de várias pessoas, e até nas suas acções e comportamentos. Não existem fora desse domínio, ao contrário do que os crentes alegam.

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  29. Ludwig Krippahl,
    «Mas se quer sugerir que algo ser conceptualmente possível e ser imaginado indica que é real, então penso que se engana. E há muitos exemplos que ilustram a diferença entre algo existir e algo ser imaginável como possibilidade.»

    Acho que até foi um religioso católico (terá sido Tomás de Aquino?) que distinguiu a essência da existência.
    O unicórnio é um equinio branco com um único corno na cabeça, e pode ser persuadido a revelar-se com uma virgem. Isso é a essência do unicórnio. Mas existe? Não. Pelo menos não me parece que tenham vistam algum. No "Nome da Rosa" fala-se sobre o assunto: talvez alguém tenha visto um rinoceronte, e com o tempo as descrições foram mudando, com um conto-que-conta-um-conta...

    Podemos imaginar papões, fadas, no Pai Natal, e até descrevê-los e passar informação com detalhe como cultura (o Pai Natal é gordo de brancas, etc.), mas não quer dizer que existam. O ónus da prova e a navalha de Occam (outra ideia de um religioso) podem ter certa utilidade em algumas coisas que têm discutido...

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  30. Pedro Amaral Couto,

    «O unicórnio é um equinio branco com um único corno na cabeça, e pode ser persuadido a revelar-se com uma virgem. Isso é a essência do unicórnio. Mas existe? Não.»

    Exacto. A essência é o conjunto de propriedades que definem o unicórnio. A existência não é uma propriedade. O unicórnio é unicórnio quer exista quer não.

    Se existe ou não depende da instanciação dessas propriedades.

    E podemos considerar dois unicórnios diferentes na sua essencia. Um tem massa, vive nas florestas, etc. Esse não existe. O outro é representando nas histórias, é um personagem ou figurante. Esse já existe.

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