Incentivar: o quê, e como.
Tenho desabafado regularmente sobre piratas e partilhas, mas vejo pelos comentários que a minha posição acerca deste sistema de incentivo não é clara. O que é que se quer incentivar, como o fazer, e se ainda é necessário fazê-lo com a tecnologia que temos. Consideremos então as duas formas principais do que se chama «propriedade intelectual»: patentes e copyright.
As patentes aplicam-se à exploração comercial de inovações tecnológicas, o que geralmente exige uma infra-estrutura dispendiosa. Não se pode patentear teoremas, fórmulas matemáticas, ou descobertas científicas, e a patente é um documento público, pelo que a ideia se torna «propriedade» de todos. Por isso a patente não recompensa ideias; o seu papel é proteger o investimento necessário para se tirar proveito da ideia. É para incentivar fábricas e não invenções.
O copyright cobre expressões materiais de uma ideia, também não cobre a ideia em si. Ninguém é dono de uma música ou de um poema. O copyright apenas restringe o direito de criar certas representações da ideia. Restringe o direito de distribuir fotografias do Rato Mickey mas não o direito de desenhar o Rato Mickey. Restringe o direito de vender CDs mas não o direito de cantar no duche. Também aqui o propósito não é proteger a ideia, que se assume ser de todos, mas proteger o investimento necessário à sua divulgação.
As empresas de distribuição vendem o copyright como incentivo à criatividade, mas este sistema tem pouco mais de cem anos e já havia criatividade antes. O copyright não foi inventado para remediar uma falta de inspiração de músicos e escritores do final do século XIX, mas para regular a concorrência entre as editoras que imprimiam e vendiam livros e pautas. Este serviço era importante para todos e era preciso que a sociedade o protegesse.
A coisa começou a dar para o torto nos anos 1910-20 quando os estúdios de cinema aproveitaram a lei de 1909 sobre o trabalho contratado, uma lei que dava ao empregador o direito de autoria sobre a obra do empregado. Tinha sido criada para simplificar a gestão dos direitos sobre jornais e revistas, mas teve um impacto imprevisto ao mudar por completo a noção de «autor». Os estúdios passaram a contratar argumentistas e a ficar com os direitos sobre as suas obras. E a enriquecer. E a pagar aos políticos para dar uns jeitinhos na lei. Hoje em dia os artistas têm muito poucos direitos sobre a arte que criam, o período de exclusividade cresceu de catorze para cento e vinte anos, e a arte parece mais uma competição de vendas que uma expressão de criatividade.
Os direitos de «propriedade intelectual» são restrições que a sociedade se impõe para proteger o investimento que a exploração da criatividade exige. Isto concedeu aos distribuidores o poder de distorcer gradualmente o sistema a seu favor, e em prejuízo da criatividade artística e do consumidor. Mas agora esse modelo de distribuição é obsoleto, e podemos fazer com as músicas e histórias o que fazemos com a matemática, as receitas, ou o design de roupas. Deixemos que os artistas se entendam com o seu público como se entendem professores e alunos, cozinheiros e gourmets, desportistas e adeptos, e tantos outros que criam e apreciam as mais diversas coisas. Porque nenhum poeta deixa de escrever, nenhum pintor deixa de pintar, e nenhum músico deixa de compor só por medo que os fãs partilhem essas obras.