quinta-feira, dezembro 07, 2006

Por Opção da Mulher.

O sim ao referendo sobre o aborto apresenta-se como opositor da discriminação sexual. Quando se questiona a ética de matar um embrião ou feto porque a mãe quer, alegam que somos machistas, que tratamos a mulher como uma incubadora, e assim por diante. Mas parece-me que é exactamente o contrário, e que estão a pedir excepções para as mulheres só por serem mulheres.

O parecer do CNECV de 97 recomenda:

«É de rejeitar, liminar e frontalmente, a exclusão de ilicitude para o chamado aborto a pedido. A vida humana, mesmo incipiente, é um bem e a grávida não pode dispor livremente desse bem, que não é seu» (1)

Quando Walter Osswald, no Conta Natura (2) defendeu esta recomendação, a Fernanda Câncio no Gloria Fácil (3) deu um exemplo deste tipo de argumentação:

«aliás, se calhar devia-se era nomear uma comissão parlamentar para decidir, em nome do povo, cada direito de decidir de cada grávida. e as audições deviam passar na tv, para 'os portugueses' poderem votar, a 1 euro cada voto, que depois revertia para o enxoval da criança e para os leites em pó»

Alhos e bugalhos. Quando um membro da nossa espécie mata outro é natural que se queira avaliar as razões. Não é uma questão do foro íntimo, que só quem mata tenha direito a decidir. Ao exigir que se avalie porque a mãe quer matar o filho estamos a aplicar os mesmos princípios que aplicamos em todas as outras situações em que a lei intervém. O motivo é muito importante para decidir se se penaliza o acto. O que o sim exige é que se faça uma excepção para as mulheres; essas podem matar à vontade, sem que se pergunte sequer porquê.

Tentando rebater a objecção de canalizar recursos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para os abortos por opção da mulher, a Palmira Silva, no Diário Ateísta (4), falha também o alvo por causa da jogada do machismo. Argumenta que esta objecção penaliza a mulher por um alegado comportamento irresponsável, quando o SNS também tem que usar os seus recursos para mitigar as consequências da irresponsabilidade dos obesos (e dos fumadores, acrescento eu). Mas o problema não tem nada a ver com ser mulher, nem com responsabilidade ou falta dela. O problema é o SNS fornecer este tipo de serviço a pedido do paciente, sem justificação médica. Isto vale para homens, mulheres, responsáveis, e irresponsáveis. Mais uma vez, o sim pede que se faça uma excepção para as mulheres, passando a ser as únicas que podem exigir do SNS exames e intervenção cirúrgica apenas porque querem, sem precisar de justificação médica nem sequer de dizer porquê.

Finalmente, a proposta que é à mulher que compete decidir. Parece-me difícil ser mais machista que engravidar uma mulher e achar que o problema é só dela. A igualdade de responsabilidades familiares é uma das principais armas contra a discriminação, e é importante que a sociedade tente educar todos os cidadãos a ver o pai e a mãe como parceiros de iguais responsabilidades e direitos. Mais uma vez o sim se revela pela discriminação, exigindo que seja só a mulher a decidir pela vida de um filho que é da responsabilidade duma mulher e de um homem.

1- Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, 1997, Relatório-Parecer 19/CNECV/97
2- Santiago, 3-11-06, O referendo que aí vem
3-Fernanda Câncio, 22-11-06 sem pedir autorização ao professor doutor? [...]
4- Palmira Silva, 7-12-06, You Can Leave Your Hat On e You Can Leave Your Hat On II.

4 comentários:

  1. Parabéns pelo excelente post que acaba de publicar.

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  2. Mas não há dúvida nenhuma que é a mulher que tem a palavra final, com ou sem a nossa aprovação.
    A decisão absoluta da mulher não significa um descartar das responsabilidades do potencial pai, mas estas são limitadas pela última e suprema vontade da mulher.
    Concordo que haja uma regulamentação para estabelecer quais são as situações "aceitáveis" para se fazer um aborto ou corremos o risco de banalizar o acto.
    No entanto, a vontade da mãe de o ser, ou não, também tem que ser tomada em consideração. Se assim não for, proponho que se avance para um modelo de sociedade já previsto por Huxley em Paraíso Perdido.
    E finalmente, o conceito de "ser humano" deveria ser definido objectivamente: o que é que define um ser humano? Quando é que este se torna em ser humano na gestação?

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  3. Caro António,

    Obrigado pelo comentário.

    Caro Helder,

    Obrigado também pelo seu, e fico muito feliz em saber que há mais ateus a ver o problema desta maneira (assim já posso dizer à Palmira que somos pelo menos dois :)

    Caro André,

    O problema que aponta, que a mãe tem o poder de decidir quer haja lei quer não, é um problema comum à maioria dos casos. Quem quer roubar, rouba, quem quer matar, mata. Se a mãe quiser matar o recém nascido não é a lei que a vai impedir. Mas isso não justifica acabar com a lei.

    E a sua pergunta de quando é que, na gestação, o organismo da nossa espécie se torna humano pressupõe que alguma vez não o foi. É essa suposição que tem que ser justificada primeiro.

    Eu acho que a resposta é nunca. Nem durante a gestação, nem durante a infância, nem durante a adolescência. Inventamos muitos nomes para as fases da vida, mas são fases da mesma vida, do mesmo ser.

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  4. Erratíssima:
    Peço desculpa pelo referência ao livro de Huxley "admirável mundo novo" que li mas troquei, bazarocamente, por "paraíso perdido".

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