quarta-feira, dezembro 20, 2006

Agnosticismo: possível, mas difícil

Todos somos agnósticos em relação a alguma coisa. E podemos ser agnósticos em relação a tudo. O que determina o agnosticismo é a confiança que exigimos para aceitar algo como verdadeiro. Como não há certezas, e como podemos exigir o nível de confiança que quisermos, não há nada que possa escapar ao agnosticismo.

Imaginem que temos resultados que indicam que o chocolate faz bem ao coração, com uma confiança de 80%, e que o tabaco faz mal aos pulmões, com uma confiança de 95%. Se decidirmos aceitar como verdadeiro apenas aquilo em que se tenha mais que 99% de confiança, somos agnósticos em relação a ambos. Se pomos a fasquia nos 90% aceitamos apenas os malefícios do tabaco, e se somos pouco exigentes podemos acreditar em ambas as proposições.

Mas é incoerente aceitar que o chocolate faz bem e permanecer agnóstico acerca dos malefícios do tabaco, pois isso só com duas fasquias diferentes. Mesmo sem valores concretos, isto é válido: não é coerente rejeitar uma hipótese mais bem fundamentada quando aceitamos uma com menos fundamento. Esse é o problema dos que são agnósticos em relação a deuses e coisas sobrenaturais.

A teoria da relatividade é talvez a teoria mais bem fundamentada que temos hoje. Não deve haver algo que se saiba com mais confiança que ser impossível levar uma laranja da Terra a Marte em menos de um minuto (contado na Terra). Mas podemos ser agnósticos em relação a um deus omnipotente que possa pegar numa laranja e leva-la para Marte a uma velocidade superior à da luz. Basta exigir ainda mais evidência que aquela que apoia a teoria da relatividade.

O problema é a micose. Temos muita confiança que o clotrimazol ajuda a curar infecções por fungos, mas muito menos confiança na sua eficácia que temos na teoria da relatividade. Um agnóstico coerente não pode aceitar o conselho do médico se rejeita as conclusões de Einstein. Uma escapatória comum é que um ser sobrenatural não está sujeito à teoria de Einstein, mas isto revela um mal entendido. A teoria da relatividade não obriga; descreve. E o que descreve é ser impossível acelerar laranjas para além da velocidade da luz, seja quem for que as empurre. Não há excepções para seres que se intitulem sobrenaturais, nem evidências que indiquem que um ser sobrenatural seja imune à relatividade. Nem resolve a micose. O agnóstico coerente terá que considerar como pelo menos igualmente provável um fungo sobrenatural escapar ao clotrimazol. Isto não permite que se rejeite a relatividade e se aceite os antibióticos com coerência.

Regra simples para avaliar a coerência de um agnóstico: observem-no por uns momentos. Se não se coçar, ou é incoerente ou teve muita sorte.

8 comentários:

  1. E lembrem-se: quando forem a uma convenção de cépticos, não apertem a mão a ninguém. Nunca se sabe quem pode ser agnóstico coerente.

    ResponderEliminar
  2. Eu costumo dizer que sou ateu relativamente à existência de deuses, e agnóstico relativamente à existência de vida extra-terrestre... ;)

    ResponderEliminar
  3. Ludwig,

    já alguma vez pensaste em escrever um livro religioso? Segundo me consta, esse tipo de literatura é bastante fértil em metáforas e parábolas ;)

    Em relação ao agnosticismo, a minha ideia é que um agnóstico é alguem que toma uma atitude de "não confirmo nem desminto" em relação à religião, e tomar esse tipo de atitude em relação à ciência, pode ser bastante útil (afinal a ciência está constantemente a rever-se a si própria). É claro que para viver com alguma sanidade mental é necessário uma pessoa colocar a si própria as tais fasquias de tolerância de certeza que referes no post.
    Ex.: Eu acredito com uma certeza de 80% que não existem deuses ou qq outro tipo de entidade semelhante, acredito com uma certeza de 50% que não existem extraterrestres, acredito com uma certeza de 95% que o remédio para as micoses resulta e acredito com uma certeza de 99,9% que o F.C.P. vai ganhar o campeonato esta época.
    Estarei a ser incoerente?

    ResponderEliminar
  4. Caro MD,

    Face a uma proposição, podemos:

    1-Rejeitá-la, com mais ou menos confiança.

    2-Aceitá-la, com mais ou menos confiança.

    3-Não formar uma opinião por não ter dados suficientes a favor ou contra. Esta é a posição de agnóstico.

    Atribuir a proposições diferentes graus de confiança diferente é perfeitamente razoável e coerente. O que não é coerente é aceitar uma proposição à qual atribuimos menos confiança que outra em relação à qual somos agnósticos.

    Por exemplo: o horário diz que o comboio parte às 14:05. O sr. X avalia que o horário é suficientemente fiável para tomar a posição 2 e aceitar que vai partir a essa hora (se bem que esteja disposto a mudar de opinião caso se revele falso). O sr. X considera também que a física moderna é mais fiável que o horário do comboio, e implica que não pode haver processamento de informação sem um suporte material, energia, e aumento global de entropia.

    Se o sr. X decidir ser agnóstico em relação às almas imateriais conscientes está a ser incoerente, pois recusa-se formar uma opinião mesmo admitindo ter mais informação que noutro caso em que forma uma opinião.

    No teu caso estarias a ser incoerente se, com esses graus de confiança, aceitasses o remédio para a micose mas não apostasses no FCP.

    ResponderEliminar
  5. Já agora, como o Ricardo, também tenho posições diferentes em relação a coisas diferentes, e mesmo a deuses diferentes. Se uns tipos apontam para um vulcão e dizem que é o deus deles, eu aceito facilmente que o deus deles existe.

    Mas já sou ateu quando dizem que o deus deles é um só que são três, um dos quais nasceu de uma virgem, ressuscitou, e sacrificou-se para que todos nós pudessemos ir para perto do outro que também é ele. Aí penso que é razoável rejeitar a proposição.

    ResponderEliminar
  6. Será mesmo tão importante avaliar as concepções agnosticas? Parece-me em muitas vezes quando tenta-se encontrar alguma postura padronizadas de alguem adepto agnosticismo, tenta-se encontrar algum furo que se possa criar um defeito que possibilite uma postura preconceituosa. Seria como alguem com algum fundamento religioso fazer a critica em relação a um ateu por não ter as respostas para algumas questões existencias humanas, de do lado ateu atribuir o ateismo argumentando que a visões teistas colocam uma força desconhecida da ciencia que é chamada de deus como núcleo existencial de nossas vidas. Não seria o agnosticismo uma ferramente interessante tanto para teistas e ateistas lidarem um com o outro em discuções que possam contribuir para o relacionamento humano para além da existencia ou não de deus?

    ResponderEliminar
  7. Eu sou agnóstico, e não vejo incoerência nenhuma em não afirmar ou negar algo que são se tenha tanta certeza.

    o grande problema do agnosticismo é que de fato se pode ser agnóstico sobre qualquer coisa, mas por que isso seria errado? Uma posição de incerteza é totalmente necessária aceitável. Quanto a questão de Deus seu um ateísta-agnóstico, baseado nos fatos do mundo e o que sabemos sobre ele concluo não existir um Deus, porém, é possivel que eu possa estar errado. Então a posição seria de uma atual descrença, e se alguma forma for evidenciado a existência de um Deus mudo a minha opinião. o Agnosticismo para mim, mais deixa aberta a questão de Deus por desconhecer alguma possibilidade de sua existência.

    Outro problema de ser agnóstico, assim também como ser religioso é como foi você disse


    "e como podemos exigir o nível de confiança que quisermos, não há nada que possa escapar ao agnosticismo."

    Exatamente isso, acho que é o preço a se pagar pela posição, não vejo nada de errado nisso.

    Embora tanto um Ateu quanto um Agnóstico dadas evidências de um Deus certamente mudará de opinião e no final das contas isso foi apenas um rótulo. Mas do ponto de vista ateu a descrença em Deus parece ser mais inflexivel do que do ponto de vista agnóstico. Com essa inflexibilidade parece mais uma convicção de que sua postura é inalterável, já o agnóstico mantem uma certeza mutável, sendo possivel muda-la a qualquer momento. Claro que assim como eu disse, isso é apenas rótulo, na prática tanto o ateu quanto um agnóstico, cético ou qualquer outra postura muda sua visão assim que apresentado evidencias sobre algum assunto que exista dúvida.

    ResponderEliminar
  8. Caro Anónimo,

    Penso que há ai um problema na terminologia. O agnóstico não deve ser aquele que tem dúvidas, ou a quem falta a certeza absoluta. Isso também se aplica ao ateu.

    A diferença fundamental é que à pergunta "O deus X existe", quem é ateu responde não, quem é crente responde sim, e quem é agnóstico responde não sei.

    Como o nível de certeza a partir do qual passamos do não sei para o não ou sim é arbitrário, é sempre possível justificar o agnosticismo. A dificuldade é em ser coerente. É que alguém que exija tanta certeza para responder "não sei" à existência de um deus capaz de saber neste momento o que se passa aqui e em Marte tem necessariamente que responder "não sei" à questão da relatividade estar correcta, bem como o resto da física e grande parte da ciência moderna...

    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.