Dados e pressupostos.
Supomos que o carro não anda sem combustível. Podíamos supor o contrário, supor que se move a bolachas, a pensamentos positivos ou por obra e graça do espírito santo. Mas embora seja necessário assumir alguma coisa e embora se possa assumir o que quer que seja, o facto é que sem combustível o carro não anda.
“Facto” não implica que seja totalmente objectivo. Extrapolamos que o carro não anda sem combustível baseando-nos na nossa experiência e no que sabemos acerca do carro, o que é quase um raciocínio circular. O comportamento do carro é interpretado assumindo que ele não anda sem combustível e daí se infere que é um facto que ele não anda sem combustível. Mas este raciocínio não é inteiramente circular porque parte do círculo está fora do raciocínio. Está no carro. Se o carro se comportasse de forma diferente o raciocínio seria outro.
O facto também não é definitivo nem irrefutável. É possível que a natureza tenha mudado ou que alguém tenha substituído o motor por um reactor nuclear e o carro agora ande sem combustível. Mas este vestígio de incerteza não elimina a diferença entre as alternativas. Não deixa de haver boas razões para abastecer de vez em quando.
A ciência tem pressupostos destes. Assume que se tem que observar o objecto de estudo, que se tem que quantificar os dados e que as explicações são naturais. Não são pressupostos arbitrários. Inferem-se de experiências passadas. As premissas das próximas iterações são as conclusões das iterações anteriores. Aristóteles tentou fazer uma física qualitativa e não teve sucesso, a especulação sem observação deu sempre mau resultado e o carro do conhecimento anda melhor quando há menos sobrenatural no combustível.
Por ser sempre preciso assumir alguma coisa há quem proponha que é igualmente legítimo partir de outros pressupostos. Enquanto a ciência sabe por observação, defendem, a teologia sabe por outras vias. Enganam-se. Tirar pressupostos do chapéu torna tudo o que se segue num mero reflexo do ponto de partida, torna o raciocínio verdadeiramente circular e torna o alegado conhecimento independente do objecto de estudo.
Isto é evidente quando se considera o que acontece à ciência e à teologia se a realidade não corresponde a uma premissa fundamental. Na ciência isto levou a alterações profundas. Quando se descobriu que a lógica não chegava e era preciso a matemática para quantificar os dados e a estatística para lidar com erros e incertezas. Quando se descobriu que o tempo não é medido da mesma forma em todos os referenciais, que há efeitos sem causa, que não é preciso um criador inteligente nem milagres e assim por diante. A ciência hoje é fundamentalmente diferente da ciência há quinhentos anos atrás e é quase certo que daqui a quinhentos anos seja fundamentalmente diferente da que temos hoje.
A teologia é imune à realidade. Tanto faz se Cristo ressuscitou, se Maria era mesmo virgem ou se existe Deus porque estes pressupostos são tidos como irrefutáveis e não carecendo de justificação. É verdade que os crentes tentam justificá-los apelando à revelação, à fé ou a à experiência pessoal. Dizem ser lógicas diferentes, outras verdades, que Deus é amor e salvação e assim. Mas não são justificações necessárias. À teologia de hoje basta que não se prove a inexistência de Deus, e suspeito que se um dia ficar provado que Deus não existe até desse requisito irão prescindir.
Em suma, a ciência é uma criação intelectual humana. É subjectiva e tem falhas mas gera conhecimento interagindo com os seus objecto de estudo. Os seus pressupostos dependem de como o universo funciona e não reflectem apenas a imaginação humana.
A teologia é uma criação intelectual humana. É subjectiva, também tem falhas mas não interage com o seu presumido objecto de estudo. É auto-contida, circular e arbitrária. Podemos escolher os pressupostos à vontade, mas reconhecer ou ignorar as dicas que o universo nos dá é a diferença entre seguir viagem ou ficar empanado.
Ludwig
ResponderEliminarEstas são as perguntas que te teria feito em Braga se não me importasse de ser descoberta e se tivesse tempo:
1. Como comentas o título da conferência/mesa redonda? Recordo que o Alfredo Dinis a classificou como eu: provocatória.
2. Particularmente, como comentas a expressão que eu anotei do Jónatas Machado "fé naturalista"? Eu digo que é um disparate, mas queria uma resposta mais lógica e com menos mau feitio.
3. Dizes que Einstein refutou Newton... mas isso não é bem assim! Não terá sido antes estender o limite de aplicabilidade? Afinal, a gravitação universal continua válida, embora não descreva tudo!
4. Newton ter interpretado a atração entre corpos como mão de Deus invalida de algum modo as conclusões que ele tirou? Posto de outro modo, se Darwin interpretasse a selecção natural como um processo tão perfeito e lógico que só poderia ser comandado por Deus por intermédio dos seus anjos isso tornaria as suas descobertas menos válidas e menos revolucionárias?
Dizes ainda que "[a Ciência] assume que se tem que observar o objecto de estudo, que se tem que quantificar os dados e que as explicações são naturais." Como pressuposto parece-me razoável, lógico e pacífico. Uma espécie de redução ao mais simples.
Uma pessoa muitíssimo mais competente que eu disse que a Ciência não é uma interpretação da realidade mas uma descrição da realidade. Isto elimina as causas das coisas, a força motriz desta. Elimina o "porque é que acontece" e tem só o "como acontece". Isto sim é tirar Deus da equação. E também a Ciência como sobrepondo-se seja ao que for. Porque não se sobrepõe: descreve. E descobre.
...a Ciência não é uma interpretação da realidade mas uma descrição da realidade.
ResponderEliminarQuase assim, mas na verdade NÃO assim!!!
A ciência e o conhecimento humano da natureza são uma descrição do modo COMO apreendemos ou percebemos a realidade material ou fenomenal, e NUNCA a realidade em si, tal como ela é objectivamente... se é que uma tal objectividade até existe, algo que só por si é muitíssimo duvidoso!!!
De facto, e isto é extraordinariamente significativo, mesmo a chamada realidade exterior ao sujeito pode nem sequer ter existência objectiva FORA da consciência do observador.
Esta é uma das mais surpreendentes mas importantes conclusões ou interpretações da física e mecânica quântica, que abalou profundamente o realismo materialista até então prevalecente no edifício científico, mas que não mais pode ser reconstruído, pelo menos nos moldes ingénuos anteriores.
Depois, a realidade que a ciência investiga é apenas aquela que é exteriormente observável ou apreensível, numa palavra, a que possui uma natureza material. Mas existe um outro nível de realidade subjectiva cuja importância é talvez ainda superior a esse conhecimento dito objectivo: a realidade fenomenológica, ao nível da qual se manifesta o conhecimento dito espiritual.
Uma vez que a própria ciência é uma actividade humana, óbvio, não é simplesmente possível comportimentalizar estes 2 tipos de realidades - objectiva e subjectiva - uma vez que TUDO tem de passar pelo crivo da consciência... there simply is no other way how we can know anything!!!
É por isso que o conhecimento - ou descrição da realidade conforme a apercebemos na mente ou consciência - jamais pode ser uma mera descrição "tout court", já que ele deve ser sempre traduzido e interpretado em termos da nossa própria capacidade cognitiva como sujeito cognoscente... simple as that!
Em suma, e esta é talvez a maior virtude e contribuição da física quântica para a teoria do conhecimento, é simplesmente impossível deixar a consciência do sujeito fora da realidade, e não há descrições da mesma mas SEMPRE interpretações, mais ou menos fiéis, mais ou menos aproximadas.
Isto tudo, note-se, aplica-se sobretudo ao nível da capacidade cognitiva humana mediada pela mente lógica e racional, que é aquela que "faz" ciência e filosofia e teologia e tudo o mais. Fica, pois, ainda por considerar se existe outro meio pelo qual é possível apreender a realidade imediata "as it is", num bypass dos mecanismos lógicos indirectos aos quais estamos habituados e que constituem o modo normal como interpretamos e descrevemos o real.
Mas aqui, entramos já no campo da filosofia e metafísica, com o seu longo debate entre realismo - realidade objectiva redutível à natureza material - e idealismo - realidade subjectiva inseparável da consciência.
E sim, existe de facto um conhecimento directo, imediato e inexprimível em linguagem simbólica, ou a experiência do que É... o puro Ser que a divina poesia também apreende... quanto mais poético mais verdadeiro!
A Pura Face
Como encontrar-te depois de ter perdido
Uma por uma as tardes que encontrei
Ó ser de todo o ser de quem nem sei
Se podes ser ao menos pressentido?
Não te busquei no reino prometido
Da terra nem na paixão com que eu a amei
E porque não és tempo não te dei
Meu desejo pelas horas consumido.
Apenas imagino que me espera
No infinito silêncio a pura face
P'ra além da vida morte ou primavera
E que a verei de frente e sem disfarce.
Sophia de Mello Breyner Andersen
Isto elimina as causas das coisas, a força motriz destas. Elimina o "porque é que acontece" e tem só o "como acontece".
ResponderEliminarCerto, consideremos então que assim é e a ciência apenas se ocupa do "como" e não do "porquê".
Será que essa mera descrição objectiva e asséptica satisfaz a ânsia e o desejo infindo do conhecimento humano?! É claro que não, todos o sabemos e sentimos.
Além do mais, a ser verdade essa visão, que se me afigura algo redutora, da ciência, é claro que esta jamais se poderia considerar como a única ou sequer a mais perfeita e completa forma do conhecimento humano.
Eu diria que uma tal afirmação tão simplista se aplica bem melhor à tecnologia do que à própria ciência. Esta não se contenta com meras descrições da realidade observável, mas investiga também as suas possíveis causas, por vezes até de uma forma que se pode considerar bem especulativa e filosófica, vide a teoria do Big Bang ou a busca do Graal que é a ainda inexistente Teoria da Unificação.
Mas concordo que a Filosofia e a Metafísica são melhores instrumentos para nos interrogarmos sobre o "why", deixando pois à ciência e técnica a resposta mais fácil do "how".
Contudo, é claro que o conhecimento humano nunca é estanque e não se pode dividir em compartimentos rígidos, nem seria desejável que assim fosse. Deste modo, Ciência e Filosofia e Religião têm muitos pontos em comum, são conjuntos que se intersectam e não excluem mutuamente. Se assim não fosse, não teríamos estes contínuos debates e oposição e controvérsia entre os diferentes ramos do saber.
Anyway... o certo é que NUNCA poderemos tirar esse importantíssimo e crucial "porquê", fora da equação do humano conhecimento. E se a ciência se mostra incapaz de dar resposta, outras fontes de saber se debruçam sobre uma tal questão essencial.
Why is it so?! And not only, how does it work?! O "porquê" vai muito além do "como", os sentidos podem ficar satisfeitos com este mas a mente inquisitiva só se sentirá apaziguada com aquele. Pois se até uma criança de tenra idade já pretende penetrar no mistério do universo, quanto mais um dito sábio o não fará... ou tentará?!
E sim, é essa também a iniludível questão da "consciência" ou "inteligência" por detrás dos fenómenos naturais observáveis. Será que é essa a própria substância que forma todo o universo fenomenal, ou seja, compreendendo a matéria-energia e todas as suas manifestações?
Esta, sem dúvida, é uma interrogação que ultrapassa em muito o "como", mas deve ser ainda considerada no campo da ciência, sendo aqui claramente comum à metafísica e religião, também.
Afinal, o sapateiro não sabia pintar, mas podia justamente opiniar acerca do defeito na chinela. Ou ainda, cada um no seu mister, mas o último conhecimento será sempre um edifício integrado e unificado, inseparável da sagrada consciência humana que o construiu nos alicerces do sempre mais saber... citius, altius, fortius... mehr Licht!
E parafraseando também a famosa frase final de Pasteur - "O terreno é tudo, o micróbio não é nada!" - podemos igualmente proclamar:
A consciência é tudo, a matéria não é nada!
Estimado Ludwig
ResponderEliminarHá incoerência entre o que o Ludwig escreve e o que afirmou na conferência de Braga. Aqui escreve sobre teologia sem saber do que fala. Em Braga, humildemente reconheceu que não percebi nada da teologia.
Para perceber o que é a teologia, sugiro-lhe que leia a última aula do padre Carreira das Neves que publiquei no meu blogue (passe a publicidade) "antonioparente.com". A publicação dessa aula foi dedicada aos primos do portal ateu.
Verificará, se não ler o texto com preconceitos, que a teologia é muito mais profunda e complexa do que aquilo que pensa.
António,
ResponderEliminar«Há incoerência entre o que o Ludwig escreve e o que afirmou na conferência de Braga. Aqui escreve sobre teologia sem saber do que fala. Em Braga, humildemente reconheceu que não percebi nada da teologia.»
Continuo a reconhecer que percebo menos de religião do que a maioria dos presentes em Braga. Mas não há nada de incoerente nisso.
Em Braga eu estava numa posição de alguma autoridade e isso acarreta uma responsabilidade de dizer o que sei e não me aventurar em matérias mais especulativas. Aqui estou a escrever num blog num meio em que qualquer um pode ter blogs e onde podem comentar no meu. É aqui, e não no debate, que eu posso pôr preto no branco o que eu acho e esperar que me corrijam se estiver errado.
Além disso, há muitas coisas das quais não é preciso ser perito para ver que são treta. Aposto que o António não sabe traçar uma carta astral mas isso não o impede de ter uma posição firme, e a meu ver correcta, acerca da astrologia.
Abobrinha,
ResponderEliminar«Estas são as perguntas que te teria feito em Braga se não me importasse de ser descoberta»
Podias ter vindo de óculos escuros. É que gostava de ouvir os pontos de exclamação :)
«Como comentas o título da conferência/mesa redonda?»
Era provocação mesmo. Inicialmente estava para comentar que a fé e a ciência são incompatíveis porque a fé exige que se queira acreditar em algo e a ciência exige que se esteja disposto a mudar de crença.
No entano, ao jantar apercebi-me que os teólogos mais experientes safam-se bem disto alegando que há várias dimensões de fé, que a fé é um conceito muito complexo, etc. Com tempo penso que dá para chegar a algo concreto e ver que fé e ciência não misturam. Mas num debate o melhor era não me meter nisso.
« Particularmente, como comentas a expressão que eu anotei do Jónatas Machado "fé naturalista"?»
É treta :)
Mas essa tentei demonstrar que era treta explicando o processo gradual pelo qual a ciência chegou ao naturalismo.
«Dizes que Einstein refutou Newton... mas isso não é bem assim! Não terá sido antes estender o limite de aplicabilidade? Afinal, a gravitação universal continua válida, embora não descreva tudo!»
A física de Newton é uma boa aproximação, mas Einstein demonstrou que a de Newton estava fundamentalmente errada. A gravitação é universal mas não é uma força, etc.
« Newton ter interpretado a atração entre corpos como mão de Deus invalida de algum modo as conclusões que ele tirou?»
Não. Para a época não era uma interpretação disparatada, se bem que especulativa e pouco útil.
«Posto de outro modo, se Darwin interpretasse a selecção natural como um processo tão perfeito e lógico que só poderia ser comandado por Deus por intermédio dos seus anjos isso tornaria as suas descobertas menos válidas e menos revolucionárias?»
Depende. "Porque Deus quer" não nos serve de nada porque não é suficientemente específico para tirar conclusões. Newton e Darwin propuseram modelos detalhados que assentavam, lá no fundo, em Deus (Darwin falava no Criador que originou o primeiro ou os primeiros seres), mas isto não fazia perder os restantes detalhes.
Se Darwin tivesse substituido o modelo da selecção natural pela selecção por vontade de Deus então a teoria dele não valia de muito, visto a vontade de Deus poder ser qualquer coisa.
Mistico,
ResponderEliminar" A consciência é tudo, a matéria não é nada! "
não consigo imaginar uma visão mais redutora do universo do que essa que afirmas acima.
O universo: a matéria, a vida; possuem propriedades emergentes que não estão contidas nem são possíveis de descrever por recurso a causas primeiras, sejam elas de que natureza forem.
O reducionismo e o vitalismo são estruturalmente idênticos: ambas as correntes procuram uma causa primeira das coisas. A única diferença está nas supostas propriedades dessa causa primeira.
Daí a ironia de todos estes debates. - É sabido que crentes e espiritualistas estão sentados há bastante tempo em cima do Big-Bang à espera que os físicos lhes digam: é pá e tal ... afinal esse tal de deus andava aqui escondido... a gente não o tinha conseguido ver ... ele está por todo lado mas é muito subtil ...
O emergentismo propõe uma diferente explicação das coisas. Aconselho-te vivamente a leres um pouco sobre esse assunto.
Abobrinha e Leprechaun,
ResponderEliminarO tal "porquê" é ilusório na maior parte dos casos. Quando se compreende o como suficientemente bem o porquê desaparece.
Por exemplo, o porquê da chuva. Antigamente era a vontade dos deuses e assim. Hoje é um como e não faz sentido perguntar o porquê. Não há lá nada de intencional ou consciente.
Eu penso que esses porquês todos surgem da adaptação do nosso cérebro à vida social. O nosso cérebro evoluiu para lidar com os porquês das outras pessoas com quem vivemos. E se virem bem, o fundamento da religião é precisamente lidar com a natureza como quem lida com uma pessoa.
O misticismo do Leprechaun revela bem este enviesamento. Ele até diz que tudo é consciência. Pois claro, o cérebro dele evoluiu como ferramenta para modelar consciências.
Ludwig
ResponderEliminarSerá possível reconhecer como conhecimento apenas a realidade que é "regular" aos nossos olhos?
Aquela que permite previsões?
Timshel,
ResponderEliminarNão sei se percebi a pergunta, mas eu não afirmo nada disso como uma questão de princípio ou axioma.
O que eu digo é que, até agora, quem afirma saber algo sem o observar tem se enganado muito mais que quem depende da observação para obter conhecimento.
Mas talvez seja melhor dares um exemplo concreto de algo que seja conhecimento mas não siga este método que eu proponho.
Por exemplo, tu acreditas que Maria era virgem? Se sim, consideras isso conhecimento ou mera crença especulativa? Se é conhecimento, explica como é que sabes que ela era virgem.
Ludwig
ResponderEliminarA minha questão era genuína. Admito que "conhecimento" seja apenas o reconhecimento da regularidade e da previsibilidade na realidade.
Apenas queria certificar-me que partilhavas esta concepção.
Timshel,
ResponderEliminarNão duvidei que a pergunta seja genuina mas não percebo porque é que pões aspas no conhecimento.
Eu não estou a limitar o conhecimento ao observável por axioma. Só me parece que saber sem observar não funciona. E não acho que o conhecimento se restringe a algo regular. Podemos também conhecer as excepções, julgo eu.
Ludwig
ResponderEliminarSe quiseres tiro as aspas :)
o meu problema com o conhecimento é outro
são os seus limites
em que medida um conhecimento que não reflicta um comportamento repetível (ou tendencialmente repetível) da realidade pode ser designado por conhecimento
mas, de momento, tenho mais dúvidas que respostas
obrigado
Timshel,
ResponderEliminar«Se quiseres tiro as aspas :)»
Uf, que alívio :)
Mas ajuda. Já é difícil perceber o que é conhecimento. "Conhecimento" é ainda mais tramado de compreender...
«o meu problema com o conhecimento é outro
são os seus limites
em que medida um conhecimento que não reflicta um comportamento repetível (ou tendencialmente repetível) da realidade pode ser designado por conhecimento
mas, de momento, tenho mais dúvidas que respostas»
É uma boa questão, mas depende do que se entende por repetível. Por exemplo, se observarmos em detalhe uma supernova podemos saber muito acerca do que aconteceu mesmo que nunca aquela estrela volte a explodir. Não é repetível mas pode ser compreendido e conhecido.
O meu problema é com afirmações como "Jesus ressuscitou" e "Maria era virgem". Como é que classificas essas? A mim não me parece que tenham nada a ver com conhecimento, saber ou razão... O que achas?
não, de facto a importância desses acontecimentos não se baseia no facto de que, face ao conhecimento científico actual, existam poucas probabilidades de terem acontecido
ResponderEliminare agora tenho que ir à missa (mesmo sem saber se aquelas coisas que lá se celebram aconteceram realmente :))
(atenção: eu disse SABER :))
Ludwig
ResponderEliminarEstá combinado: para a próxima levo uma burka! Preservo o meu anonimato, mas toda a gente fica a saber onde eu estou. Claro que se podes argumentar que isso é pouco discreto, mas isso agora não interessa nada. Na realidade eu acho que só sou interessante porque ninguém sabe quem eu sou. Mas isso agora não interessa nada mesmo.
Os pontos de exclamação são fáceis: aumenta os decibeis e imagina-me a esbracejar. É mais ou menos isso. Em situações mais informais também podes acrescentar uns "caragos" e "oube lá"s.
Não fiquei com a ideia do debate que achasses que fé e Ciência são incompatíveis, pelo que disse que não te achava de todo radical. A ideia que me ficou é que recorrer à maior simplificação (tirar o sobrenatural) é o mais correcto e foi nesse sentido que fiz a distinção entre interpretação e descrição.
Mas há muito que eu tinha dito que fé e Ciência não se misturam. O que não é o mesmo que dizer que são incompatíveis. Aliás, eu disse que as duas esferas não se intersectam (leia-se: não se devem intersectar, porque todos sabemos que os homens de um e de outro lado metem o bedelho na esfera que não lhes diz respeito). Dito isto, parte do que escrevi não passa de jogos de palavras, quando acho que no essencial nem sequer discordamos. Porque não discordamos no essencial, que é a interpretação literal da Bíblia como manual de instruções do Universo. E (mas aqui acho que não concordas) a Ciência não prova nem deixa de provar Deus.
Eu não acho que "fé naturalista" seja só treta: é uma falsidade. E um disparate, porque o dogma seria a crença em quê? No acaso? Na capacidade humana? Na infalibilidade humana? Mesmo como argumento contra outro ponto de vista é uma parvoíce!
Quanto a Newton, a descrição funciona para muita coisa. Mas vais ter que me explicar essa de as forças não serem forças (não estou a gozar: não tenho física para tanto, por isso agradecia uma explicação rapidinha ou uma referência).
Vamos então ao Einstein: a verdadeira questão é que ele também poderia descrever tudo por equações... para depois interpretar tudo como a mão de Deus! Darwin poderia descrever a evolução das espécies e dizer que Deus assim quis. A grande questão é que a única coisa que invalidaria qualquer das descrições seria a falta de aplicabilidade seja do que for ou uma falha ou inexactidão qualquer na descrição.
Mas uma coisa é certa: tirar o sobrenatural da Ciência simplifica as coisas. As questões são já suficientemente complexas quando não envolvem o sobrenatural, pelo que tirá-lo da Ciência e deixá-lo para outros domínios faz todo o sentido.
Ludwig
ResponderEliminarEm relação ao "porquê", não creio que desapareça de todas as mentes com a melhor compreensão do "como". Isso é muito pessoal.
O que me parece essencial é que querer muito saber o "porquê" e procurá-lo activamente não implica que se encontre e que o que se encontra seja comprovadamente o verdadeiro. E sim, vamos à procura dele onde outros o procuraram (meditação, religião, etc). O que isto não pode implicar ainda é que pensando que se achou o "porquê" se tenha o direito de o impor aos outros à força.
Isso é uma coisa inteiramente diferente de negar o mundo físico (o "como") e as suas evidências, e é aí que entram muitas das tuas tretas.
Por falar nisso, a Palmira escreveu um post acerca da homeopatia a dizer que não sei o quê e que aquilo é treta. Acontece que ela não percebeu nada do que é a homeopatia (não por ser menos esperta que eu, mas por não ser tão louca) e eu percebi... e é claro que isso vai ser o tema do meu próximo post, que sairá ou hoje ou amanhã. E que fará o sentido do costume: nenhum!
não consigo imaginar uma visão mais redutora do universo do que essa que afirmas acima.
ResponderEliminarMas não sou que o afirmo... apenas papagueio! :D
Ora bem, ao que sei, o estado da arte na física e cosmologia sustenta que a soma total de matéria e energia no universo é... ZERO!!! Conclusão absolutamente lógica e inatacável segundo a 1ª lei da termodinâmica, isto partindo da famosa criação "ex-nihilo" em que ciência e religião parece estarem de acordo... not bad! ;)
Logo, física e metafisicamente falando a matéria é mesmo nada. Depois, temos ainda que a sua natureza continua a ser muito elusiva e cada vez mais etérea, ao que parece. Bem, pelo menos já se sabe que a relação entre as ínfimas partículas e o espaço ou vácuo em que se movem é pouco menos do que infinitesimal! Logo, de material este universo tem mesmo muitíssimo pouco ou quase nada...
Sei que li, já há muito tempo, que se todo esse espaço "vazio" entre as partículas fosse suprimido e elas muito comprimidas, a Terra inteira se podia reduzir a algo como uma bola de basquetebol ou assim... hummm, confesso que já não recordo muito bem, enfim...
Mas por certo esses são cálculos relativamente fáceis. Em suma: a chamada realidade material objectiva é uma perfeita ilusão sensorial ou um mero artefacto da consciência, melhor dito, do modo como a processamos internamente. Daí que a prodigiosa concepção de Maya seja, e tenho-o afirmado muitas vezes, uma das mais fabulosas construções mentais do espírito humano!
Olha, e já que estamos de visita ao Oriente, é certo que de lá provém a inspiração de a consciência ser tudo, afinal a realidade do "Tu És Isso!", expressa também no "So'ham!" - EU SOU! - o mantra que este corpo pronuncia a cada inspiração!!!
Ora os primeiros físicos quânticos beberam muita da sua inspiração nesses relatos magníficos, concebidos por almas enormemente inspiradas e que deveras são o exemplo perfeito do sempre verdadeiro aforismo de Delfos:
Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses!
Este é mais um sinal de que a ciência NÃO é, NUNCA foi e JAMAIS será o método mais perfeito do saber, porque só o Ser se pode autoconhecer!!!
How do I know this is true?
I look inside myself and see!
Um desses físicos foi Schrödinger... o do gato! Em 1944, ele escreveu um livro, "What is life?", baseado numa série de conferências que deu em Dublin, no ano anterior. No último capítulo da sua obra, ele conclui dizendo que concorda com a visão do Oriente de que a consciência individual é só a manifestação de uma consciência universal muito mais vasta. E, contudo, cada Ser tem a sua individualidade própria que não se dilui nesse oceano infindo da omnisciência! Porque somos deveras únicos e insubstituíveis... WE ARE!!!
Rumi - Say I Am You
Beauty and Beauty and more Beauty!... e SÓ o Ser plenamente consciente a percebe, na universal Consciência que de tudo emana... viva energia, eterno prana!!!
What more is needed? Nothing more... forevermore!!! :)
Rumi - Come, Come, Come
Ó divina e sempiterna Consciência!!!... a mais sublime, última e ÚNICA presença!!!
PS: Ah! esse emergentismo parece-me muito holístico... I like that! :)
Abobrinha:
ResponderEliminar“Vamos então ao Einstein: a verdadeira questão é que ele também poderia descrever tudo por equações... para depois interpretar tudo como a mão de Deus! Darwin poderia descrever a evolução das espécies e dizer que Deus assim quis.”
Interessante esta reflexão, de facto Darwin parece que teve dúvidas também:
“Darwin estava ciente de que a variação da qual o processo de selecção dependia não podia ser planeada nem concebida, mas o processo em si podia ter uma finalidade, não podia? Numa carta de 1860 ao naturalista americano Asa Gray, um dos primeiros apoiantes, Darwin escreveu: «Estou inclinado a encarar tudo como resultante de leis concebidas [destaque nosso], cujos pormenores, bons ou maus, são deixados ao resultado daquilo a que poderíamos chamar o acaso»” Extraído de “A Ideia Perigosa de Darwin” Daniel C. Dennett – Temas e Debates pag.66.
António
Ludwig, uma pequena sugestão editorial:
ResponderEliminarFazeres um post no "Que treta" sobre as elações de senso comum que se costumam fazer sobre a evolução (que são muitas). É que a quantidade de enormidades que são transpostas abusivamente (e falaciosamente) duma suposta teoria da evolução para uma qualquer norma social são enormes. Dou-te uns quantos exemplos:
- A "lei da selva" como sendo a ideia de que a evolução implica "cada indivíduo por si mesmo". Não é de todo verdade já que existem até noutras espécies o que se poderia chamar embrionariamente de "redes sociais de apoio" que amparam não só as crias mas muitas vezes os mais fracos (como o caso das manadas de herbívoros). Já para não falar nas relações simbióticas inter-espécies.
- "Na selva ou se come ou se é comido". A ideia absurda de que as espécies predadoras têm algum tipo de vantagem evolutiva sobre as espécies que são presas, só porque umas comem as outras. Na verdade muitas vezes os predadores ficam em muito maior dificuldades quando a caça é escassa.
- A ideia tola de que porque a Humanidade é só mais uma espécie, então deveremos ter o mesmo valor que um símio ou que um herbívoro na forma como nos olhamos a nós mesmos. Esta ideia é perniciosa não só porque é uma alienação completa da nossa identidade mesmo enquanto espécie como pelo facto de poder ser instrumentalizada de forma muito perigosa (basicamente se diluímos a nossa identidade enquanto espécie humana como um todo rapidamente favorecemos a ideia de que a nossa família, povo, nação ou o que seja é que nos é próxima e os outros são mais ou menos animais). A desumanização conceptual de outrém é o primeiro passo para se perpetuarem horrores.
Como estes existem muitos outros chavões que concerteza te ocorrerão. Estas coisas estão dessiminadas na população em geral e são ideias perniciosas e interpretações abusivas. Não é só no lado criacionista que elas existem... e muitas vezes julgo que são estas ideias que afastam as pessoas da evolução. Sabes disto bem mais que eu e até para meu próprio interesse pessoal gostaria de saber que tipo de elações julgarias pertinente retirar da teoria da evolução em termos de normas sociais. Parece-me que esta questão é muito mais fulcral que as anteriores.
Mesmo esta moda altamente perniciosa de modelarmos os nossos comportamentos e normas sociais por aquilo que os chimpanzés ou os leões fazem tem muito que se lhe diga. E isto é tão generalizado como o Reiki ou qualquer outra treta que te ocorra pensar...
ResponderEliminarLuís,
ResponderEliminarAcho muito boa a sugestão, e vou segui-la assim que puder. Só que isso não é um post, é uma carrada deles :)
Isto já para não falar da memética, o maior embuste pseudo-científico aceite acriticamente pelos entusiastas do Dawkins e afins.
ResponderEliminarO dragão exagera mas a evolução tem sido instrumentalizada de forma completamente pseudo-científica para dizer as coisas mais incríveis, e isto não só no princípio do século XX mas ainda hoje e por tipos que se dizem cientistas.
Eu não acho que "fé naturalista" seja só treta: é uma falsidade. E um disparate, porque o dogma seria a crença em quê? No acaso? Na capacidade humana? Na infalibilidade humana?
ResponderEliminarOlha que não é, ó jovem lá da burka!!! :D
A questão é que não existe apenas o naturalismo metodológico, ou seja, aquele que é inerente ao método científico e que investiga unicamente os fenómenos naturais.
Como dizes, e muito bem, o sobrenatural... a existir!... é questão para outro departamento. Se bem que eu não concorde com essa ideia de que as duas esferas não se intersectam. Deveras, não tarda muito e vão andar de mão dada... esses 3 da vida airada! Sim, porque a Filosofia também é chamada à festa, claro!
Olha, tu e o Ludwig, ainda juvenilíssimos e só no 1º terço da existência, ainda têm boas hipóteses de assistir a essa revolução, que será muito maior do que a copérnica... ó bela Helénica! ;)
Mas a expressão "fé naturalista" aplica-se correctamente ao naturalismo metafísico, que sustenta ser a natureza material tudo o que existe. Deste modo, é uma filosofia materialista que rejeita inteiramente o sobrenatural ou espiritual, ou ainda, ultrapassa o agnosticismo da ciência para se posicionar num ateísmo claro.
Assim, é uma fé situada no pólo oposto da fé religiosa, mas com a qual partilha a mesma impossibilidade da prova prática. Logo, é apenas um dogma da absoluta supremacia da matéria, afirmado que everything everyone has observed or claimed to observe is in actual fact the product of fundamentally mindless arrangements or interactions of matter-energy in space-time (...) [or] the existence of fundamentally mindless things besides matter-energy in space-time (such as reified abstract objects).
Ou seja, para estes fiéis da Mãe Natureza a matéria é tudo e a mente não é nada!
Deveras, eu diria que essa fé do naturalismo filosófico é mesmo de natureza muitíssimo superior ou incomparavelmente mais pura, pois o crente espiritualista sincero pode experimentar na sua consciência esse fulgor da consciência maior da qual é parte. Ou ainda, é muito diferente ter fé na existência de algo do que confiar simplesmente que tal não existe. E isto até se pode aplicar aos tais seres mitológicos, ora vê só! :)
Basta recordar a tal frase de Einstein:
No amount of experimentation can ever prove me right; a single experiment can prove me wrong.
E há um laboratório específico da fé ardente da consciência que se sabe unida a TUDO, porque o sente e experimenta. Há um método interno de conhecimento e validação desse saber que São João da Cruz dizia toda a ciência transcendendo.
Mas não é a lógica nem o raciocínio que nos levam lá... não podem! Unicamente o anseio, o desejo mais puro e despojado nos pode trazer aonde Ele está.
Because where HE IS one feels unending bliss...
Olhei então para o meu coração e foi aí, onde Ele habita, que O vi;
Não se pode encontrá-Lo em nenhum outro lugar.
Rumi
Ah! esqueci-me!!! É que eu também penso chegar facilmente aos 150, logo ainda faço uma perninha no próximo século! :) Assim, creio que nós os 3 poderemos muito bem assistir ao novo paradigma que desponta, talvez já tenha mesmo nascido o espírito unificador...
Rui leprechaun
(...que a Consciência é Amor! :))
Luís,
ResponderEliminarA memética não é tão disparatada assim. É útil ter em conta que há ideias que se propagam não por serem úteis a quem as tem mas por terem características que as ajudam a propagar mesmo à custa dos seus hospedeiros.
Por exemplo, não é por acaso que as religiões exigem dos crentes que ensinem a sua fé aos filhos.
Escrevi um post sobre isso, mas posso voltar ao tema.
A questão dos memes Ludwig é que enquanto colocam a religião (por exemplo) quase como um perigoso vírus com grande capacidade de reprodução, esquecem-se que a própria ciência, enquanto ideias que são, estariam sujeitas exactamente às mesmas leis. E até admitiria os memes como um modelo interessante de propagação de ideias. O problema é que não é mero mecanismo, rapidamente estabelecem-se juízos de valor arbitrários (como por exemplo essa distinção entre ideias políticas e religiosas ou as científicas como se estas últimas fossem de alguma forma diferentes na forma como são propagadas pela generalidade da população).
ResponderEliminarEu não acho disparatado. Acho é que é pseudo-ciência. O cristianismo também não é disparatado. Os 10 mandamentos também não o são. Mas não é por isso que são ciência.
Não existe absolutamente nenhum critério de operacionalidade com os memes. É meramente descritivo sem qualquer poder de manipulação da realidade. Não obedecem a nenhum critério daquilo que é a ciência. Não podem ser falseados enquanto teoria e não produzem qualquer conhecimento operacional. São pura e simplesmente ideologia.
Ideologia que faz sentido? Claro. A psicanálise também faz sentido. A antropologia de Levi-Strauss também faz sentido. Mas já chamar ciência às duas tenho dificuldade. O George Steiner tem um ensaio muito bom sobre isto ("A Nostalgia do Absoluto").
Luís,
ResponderEliminar«A questão dos memes Ludwig é que enquanto colocam a religião (por exemplo) quase como um perigoso vírus com grande capacidade de reprodução, esquecem-se que a própria ciência, enquanto ideias que são, estariam sujeitas exactamente às mesmas leis.»
Não esquecem não... por exemplo, a teoria da relatividade é muito mais rigorosa e correcta que a mecânica de Newton, no entanto começa-se sempre a ensinar os alunos pela mecânica newtoniana. Não por algum valor científico da teoria em si, mas porque é muito mais simples de perceber, requer menos matemática e propaga-se mais facilmente sem grandes desvantagens porque em muitas situações também serve.
O mesmo acontece com a terminologia científica, com os formalismos matemáticos, etc.
No caso da religião é útil porque muita gente tenta especular hipóteses acerca dos benefícios da religião. Coesão dos grupos, etc. Mas é desnecessário. As vacas proliferam porque nos beneficiam, mas a gripe prolifera porque tem grande capacidade de nos usar para se reproduzir. São dois mecanismos que as ideias também podem explorar e que temos que considerar se as queremos compreender.
«Não existe absolutamente nenhum critério de operacionalidade com os memes. É meramente descritivo sem qualquer poder de manipulação da realidade. Não obedecem a nenhum critério daquilo que é a ciência. Não podem ser falseados enquanto teoria e não produzem qualquer conhecimento operacional. São pura e simplesmente ideologia.»
Não é verdade. Posso dar um exemplo. Supõe que tens três músicas. Uma tem maior riqueza melódica, outra usa ritmos mais complexos, outra fica mais no ouvido. Qual vai ser mais popular? Isso é memética. A propagação desses memes não é determinada pela sua qualidade ou mérito mas pela sua capacidade de "infectar" cérebros. Que pode ser devido ao seu valor ou mérito, mas pode ser devido a outras coisas.
Já agora Luís,
ResponderEliminarPorque é que achas que o fundamentalismo islâmico ou o fundamentalismo cristão têm tanto sucesso? Porque são benéficos para quem os segue? Porque são verdadeiros? Ou será, em parte, por imporem aos crentes o dever de espalhar a crença?
Ludwig,
ResponderEliminar"Não é verdade. Posso dar um exemplo. Supõe que tens três músicas. Uma tem maior riqueza melódica, outra usa ritmos mais complexos, outra fica mais no ouvido. Qual vai ser mais popular? Qual vai ser mais popular? Isso é memética. A propagação desses memes não é determinada pela sua qualidade ou mérito mas pela sua capacidade de "infectar" cérebros. Que pode ser devido ao seu valor ou mérito, mas pode ser devido a outras coisas."
A memética é capaz de apontar os mecanismos que tornam uma coisa mais popular que outra? É capaz de os reproduzir? De criar uma música com grande capacidade "infecciosa"? A memética tem alguma aplicação transformadora ou manipulatória da realidade? É preciso a memética para alguma coisa para conceber essa ideia já divulgada muito antes da memética que o que torna uma música popular vai para lá da sua estrutura rítmica ou melódica?
É que a descrição de fenómenos existentes só por si não é ciência. A memética pode ter o mérito de observar os mecanismos pelos quais as ideias se propagam, mas enquanto essas observações não resultarem em capacidades de transformação do real, a memética é só mais um discurso sobre o real. Que pode dizer coisas muito interessantes mas que muitos outros discursos apontam.
E não me parece que o fanatismo viva da obrigatoriedade de propagação. Parece-me fanatismo vive do sentimento minoritário ou de impotência. É um reflexo necessário à manutenção de uma ideia ou doutrina que se sente esmagada ou ameaçada pela sociedade em geral.
Mas pode ter muitas outras causas. Fenómenos de bodes expiatórios canalizadores de toda a culpa por exemplo (como no caso dos judeus até aos dias de hoje). Parece-me absolutamente redutora e simplista a explicação proposta.
Luís,
ResponderEliminar«A memética é capaz de apontar os mecanismos que tornam uma coisa mais popular que outra?»
Sim e não. Como a genética de populações, não é propriamente a memética que vai buscar os mecanismos. Esses têm que ser determinados por observação dos detalhes caso a caso. Mas a memética poderá modelá-los.
Um exemplo concreto é a evolução da pronúncia na linguistica. Esses modelos são meméticos: modelam a propagação e evolução de ideias e hábitos adquiridos por imitação.
Mas o mecanismo detalhado, por exemplo das causas fisiológicas e anatómicas para a alteração das vogais do Inglês antigo ao moderno, isso sai do âmbito da memética ou da linguística.
É claro que a memética é ainda muito incipiente. Não tem modelos matemáticos decentes, por exemplo. Mas não quer dizer que não seja útil.
«E não me parece que o fanatismo viva da obrigatoriedade de propagação. Parece-me fanatismo vive do sentimento minoritário ou de impotência. É um reflexo necessário à manutenção de uma ideia ou doutrina que se sente esmagada ou ameaçada pela sociedade em geral.
Mas pode ter muitas outras causas. Fenómenos de bodes expiatórios canalizadores de toda a culpa por exemplo (como no caso dos judeus até aos dias de hoje). Parece-me absolutamente redutora e simplista a explicação proposta.»
É menos redutora que a tua visão. A memética lida com as ideias ou hábitos que adquirimos por imitação. Isto inclui crenças religiosas, rituais, suprestições, melodias, pronuncia, jogos de crianças, etc. Muitos factores contribuem para a propagação destas coisas. Utilidade prática, vantagens sociais, etc. Mas também são importantes as características que dão a alguns memes vantagens reprodutivas em relação a outros, mesmo por vezes em detrimento do hospedeiro.
A memética não reduz os factores a um só. A memética formula o problema como competição entre alternativas e isso revela outros factores para além dos que parecem mais óbvios. E por vezes esses factores podem ser mais importantes.
Por exemplo, os factores que apontas não explicam a proliferação de fundamentalismos nos países mais ricos.
Esse conceito de memes fez-me lembrar agora outra noção menos divulgada ou aceite na comunidade científica, que é a teoria dos "campos mórficos" e respectiva ressonância mórfica.
ResponderEliminarHá algumas semelhanças entre os dois conceitos e, de facto, essa noção é também utilizada pelo seu proponente, o biólogo Rupert Sheldrake, para explicar o mecanismo da evolução através da memória inerente nas estruturas vivas. Melhor dito, esse poderá ser o mecanismo pelo qual formas orgânicas simples se auto-organizam em formas mais complexas. Seria interessante saber até que ponto isso poderia ter alguma correspondência com a "complexidade irredutível" de Behe, já que a solução que Sheldrake aponta é bem menos mecanicista do que a do evolucionismo clássico. Deveras, a mim parece-me um certo meio termo entre o meramente aleatório e o divinamente guiado, claro.
Eis como ele explica sumariamente a hipótese da causação formativa neste artigo no seu site.
Algo de muitíssimo importante nesta visão, para além do seu carácter eminentemente holístico, é o facto da ressonância mórfica implicar que a memória é uma característica inerente na natureza e que, por consequência, não é necessária nenhuma estrutura neurológica complexa para a armazenar. Ou seja, ela é imanente à própria matéria, de certa forma.
Num breve parênteses, convém acrescentar que a noção de mente ou consciência também NÃO se deve limitar unicamente ao cérebro, como experiências realizadas em pacientes durante operações ao cérebro já demonstraram, melhor dizendo, algumas interpretações assim o fazem!
É claro que tendo em vista o exposto, é fácil de ver por que razão as ideias de Sheldrake não receberam senão um apoio modesto da comunidade científica. É que isto da memória sem cérebro... humm... muito místico e perigoso, não?! Ou demasiado "mágico", como o editor da "Nature", John Maddox, disse. Pois, isto da "magia quântica", desde que fique estritamente confinado lá às partículas que ninguém vê, directamente, não importa muito, desde que não saia cá para fora e contamine as estruturas macroscópicas, safa! De facto, o rígido e arcaico paradigma naturalista não cai assim com duas penadas... ;)
De facto, aquilo que Sheldrake também afirma é que o campo mórfico actua como uma força externa que guia o desenvolvimento do organismo, sendo o ADN um intermediário no processo e não o agente central, so to say.
Obviamente, isto até soa um pouco a "força criadora inteligente"... it really does! Depois, a memória está associada à mente, logo estas ideias de Sheldrake sem dúvida suportam a antiquíssima noção de que o universo é mental... tal e qual! :)
Num campo menos especulativo, a moderna investigação em células-tronco ou estaminais tem também algo a ver com esta teoria dos "campos mórficos". De facto, todas as células do organismo contêm os mesmos cromossomas, mas contudo são capazes de se diferenciar em tecidos inteiramente diferentes. Sheldrake explica isto justamente através da ressonância mórfica específica de cada célula com o campo mórfico envolvente, ou ainda, a memória é já uma propriedade celular... óbvio! :)
Bem, num âmbito muitíssimo mais especulativo, isto até pode explicar as incríveis transformações que Castañeda relata nos seus livros inspirados no xamã mexicano Don Juan, mas aqui já estamos no terreno selvagem do fantástico e da ficção científica, condordo! ;)
Still there is more to truth than meets the eye...
Rui leprechaun
(...and all is hidden deep inside! :))
PS: Ah! esta foi a parte que me chamou a atenção para essa similaridade com o meme de Dawkins:
The fields organizing the activity of the nervous system are likewise inherited through morphic resonance, conveying a collective, instinctive memory. Each individual both draws upon and contributes to the collective memory of the species. This means that new patterns of behaviour can spread more rapidly than would otherwise be possible. For example, if rats of a particular breed learn a new trick in Harvard, then rats of that breed should be able to learn the same trick faster all over the world, say in Edinburgh and Melbourne. There is already evidence from laboratory experiments that this actually happens.
Ludwig e Luís,
ResponderEliminarVocês escrevem muito quando deviam era ir à praia :|
Acho o primeiro comentário do Luís muito bom e parece-me (não tive ainda tempo de ler atentamente) que a conversa vai com qualidade.
Acho que já por aqui se falou que a matemática, per se, poderá não ter os atributos para ser chamada de ciência. No entanto o desenvolvimento puro da matemática - o trabalhar em matemática só para trabalhar a matemática - faz com que a mesma se desenvolva de modo a criar ferramentas que, mais tarde, poderão ter utilidade noutras áreas da ciência. A matemática utilizada na relatividade geral (que o próprio Einstein não dominava!) é um exemplo fabuloso, assim como o desenvolvimento dos números complexos e imaginários, hoje indispensáveis à electrónica.
Ludwig,
ResponderEliminarA ciência tem pressupostos destes. Assume que se tem que observar o objecto de estudo, que se tem que quantificar os dados e que as explicações são naturais.
Mas uma vez que o naturalismo não é testável, então aquilo que tu chamas de "ciência" é regida por uma postulação não-científica (naturalismo).
Segundo, a actividade em si, não exclui causação inteligente. Há imensos cientistas que usam causas inteligentes no seu dia à dia (arqueólogos, médicos forenses, etc).
O único sítio onde a causação inteligente é proibida *filosoficamente* é na biologia. E porquê? ORa, porque se a Biologia tem causas inteligentes, a Causa não pertence ao mundo natural, e desde logo é Sobrenatural, e isto é anátema para os ateus.
Mats
Mats,
ResponderEliminar«Mas uma vez que o naturalismo não é testável,»
O que é que isso significa, testar o naturalismo?
Mats
ResponderEliminarO que é uma causação inteligente?
O que me parece delicioso a respeito de o naturalismo não ser testável é que os criacionistas dizem que precisamente que o naturalismo é falível porque assenta na palavra dos homens. Que assenta na dúvida e na refutabilidade... estou confusa.
Já agora, o que é o naturalismo? Se dizes que é a fé em que as coisas se regem exclusivamente por causas naturais, bato-te!
O naturalismo não é testável - nem demonstrável! - pela simplicíssima razão de ser o dogma ou axioma inicial inerente ao próprio método científico, claro!
ResponderEliminarEste é um ponto em que os críticos do actual paradigma naturalista/materialista da ciência têm obviamente razão, isto se ela for entendida no seu significado etimológico de "conhecimento", claro! Obviamente, se é para servir apenas meros interesses utilitários, ligados à tecnologia por exemplo, ou se os modelos matemáticos em que a moderna Physis assenta apenas são importantes para predizer observações independentemente de corresponderem ou não à realidade, como Stephen Hawking sustenta, então aí a questão já é inteiramente outra!
É igualmente por isso que apenas a mais crassa ignorância humanística pode continuar a defender o claramente indefensável, pois não só a Ciência jamais pode ser a fonte maior de conhecimento humano - quanto mais a única! - como nem sequer ela foi, é ou será a maneira mais perfeita de penetrar no último real.
Mas deixando a metafísica de lado, a importância dessa afirmação do Mats radica nas implicações práticas que o paradigma naturalista na ciência tem efectivamente a nível do constrangimento filosófico que o mesmo impõe sobre o pensamento científico.
E esta questão não é dispicienda, porque pode representar cada vez mais um travão ao progresso do conhecimento em si.
Mas vamos lá esclarecer do que é que estamos a falar para responder à pergunta da sempre inquisitiva Abobrinha: Já agora, o que é o naturalismo?
Em termos simples, trata-se do axioma base da própria ciência física, que afirma ser o método científico - observação, hipótese, experimentação e tese - o único modo efectivo de investigar a realidade. A subtileza nesta definição, que até parece muito inócua... enfim, tirando o "único" e a tal questão da "realidade"... é que ela é em princípio omissa quanto ao "sobrenatural", englobando-o pois no seu próprio método de estudo, ou seja, na prática ou o considera inexistente ou não diferente dos fenómenos naturais, afinal.
Só esta simples definição mostra bem como a concepção de "realidade" na noção naturalista se restringe tão somente à natureza material e nada mais. Ainda assim, um espírito mais magnânimo até pode nem objectar a esta concepção algo medíocre ou acanhada do real, afinal a César o material e a Deus o espiritual... não tá mal! Ou ainda, se há de facto algo de transcendente e imaterial, a ciência apenas o ignora e não estuda, logo nem se pronuncia sobre tal.
O problema bicudo com este paradigma que cada vez mais se mostra demasiado simplista e tacanho para o actual estado dos nossos conhecimentos, é que esta noção de "sobrenatural" na prática é mesmo um rótulo que se coloca naquilo que até pode ser de origem material mas é demasiado imaterial, digamos assim, para se pesar ao quilo... ou nanograma!... e medir ao metro... ou angstrom!
Falo, obviamente, dos fenómenos ligados à mente e à consciência, objecto de estudo da biologia e ciências da vida, mas onde o paradigma extremamente reducionista do naturalismo filosófico se mostra bem desaquado, no seu materialismo saloio. Lá no séc. XIX, digamos, estaria muito bem e teria sido útil ao progresso científico, mas 2 séculos volvidos é já um constrangimento inútil e contra-producente constituindo uma tremenda força de atrito que impede a verdadeira busca pelo conhecimento livre e independente, liberto de amarras e "magister dixit".
Só para ilustrar o meu ponto, e de novo com Rupert Sheldrake que está claramente muito além do mainstream, como todos os espíritos verdadeiramente independentes, deixo aqui o link para este diálogo altamente elucidativo do preconceito cego e acéfalo com que alguns ditos "cientistas" encaram aquilo que parece verem como ameaça ao naturalismo "tout court" que defendem. A seu ver, mente e consciência são provavelmente entidades sobrenaturais, já que se mostram tão incomodados com certos estudos sobre as mesmas que recusam inclusive a simples leitura das evidências, criticando sem nenhum conhecimento de causa e fugindo do debate como o diabo da cruz. Tal como Richard Dawkins, também aqui Lewis Wolpert, professor de anatomia, se mostra pouco preparado e desconhecedor daquilo de que se fala, o que é algo paradoxal tratando-se de um homem de ciência...
The RSA Telepathy Debate
Logo, se mesmo em fenómenos naturais e físicos, como é o caso da possível comunicação mental ou telepatia, os ditos naturalistas ferrenhos não examinam sequer a eviência - "it's impossible!" - o que se dirá quanto a algum possível sobrenatural, seja lá o que isso for!
Ah, mas porque o texto é de facto muito longo e denso, deixo aqui um excerto de outro debate, desta vez com Peter Atkins, professor de química em Oxford, e que ilustra na perfeição o mesmíssimo ponto. "Não sei nem quero saber e não acredito mesmo que a evidência me seja posta à frente dos olhos!"
Belíssima ciência naturalista, como se pode ver, ou mera fé céptica irracional na ciência do descrer!!!
Atkins: Well, you can’t rely on any of these experiments. (...) The samples that people use are very tiny, the effects are statistically insignificant, the controls are not done in a scientific way. On the whole there’s just no point in doing it. There are no serious reasons for believing there should be an effect of telepathy anyway. There is no mechanism within modern science to account for it.
(...)
Interviewer: Let’s put that to Rupert. Rupert Sheldrake, he says you’re just playing with statistics. He doesn’t believe a word of it. What do you say to him?
Rupert: Well I’d like to ask him if he’s actually read the evidence. May I ask you Professor Atkins if you’ve actually studied any of this evidence or any other evidence?
Atkins: No, but I would be very suspicious of it.
Rupert: Of course, being suspicious of it in advance of seeing it is normally called prejudice.
(...)
Rupert: How do you know? You don’t know a thing about it, you haven’t looked at the evidence. I think you’re talking from a point of view of prejudice, dogma and frankly lack of information. I would never presume to comment on your experiments in chemistry without reading them.
Atkins: But I’ve read your experiments in the past on other off the wall ideas that you’ve had.
Rupert: Have you? Well we can discuss any of those you’d like to.
Atkins: But none of them proved to be valid.
Como se pode comprovar em todos estes debates, negação e fuga é a táctica comum à ignorância mascarada de cepticismo científico, mas que não é outra coisa senão o humano medo de ser provado errado.
E isto, repito, em temas estritamente dentro do paradigma naturalista, ou será que a mente humana é assim tão divina que a mera interacção mental cai já no domínio do sobrenatural?!
Bem, quero ver então o que será quando se começar a estudar mesmo a sério essa mesma acção sobre fenómenos materiais, aí é que vai ser o bom e o bonito! :D
Ou talvez, felizmente, já tenhamos então outro paradigma mais abrangente e menos medocridade, embora quanto a esta será um pouco mais de desconfiar... ;)
É que Dawkins e afins não são propriamente o pobre tolo da aldeia, convenhamos. Ainda que por vezes se portem como criancinhas birrentas e com pouco discernimento, ora bem... just human nature after all!
Leprechaun,
ResponderEliminar«O naturalismo não é testável - nem demonstrável! - pela simplicíssima razão de ser o dogma ou axioma inicial inerente ao próprio método científico, claro!»
Isto é falso. Newton era cientista. Darwin era cientista. Ambos incluiam elementos sobrenaturais na base das suas teorias.
« There is grandeur in this view of life, with its several powers, having been originally breathed by the Creator into a few forms or into one; and that, whilst this planet has gone cycling on according to the fixed law of gravity, from so simple a beginning endless forms most beautiful and most wonderful have been, and are being evolved.»