Paridade do Poder de Compra.
Há dias propus que a “produtividade” de que os economistas falam nem tem o sentido que normalmente damos à palavra nem tem as implicações de valor necessárias para que dela se possa inferir algo normativo. Se uma pessoa é pouco produtiva, no sentido comum do termo, podemos concluir que trabalha mal e devia trabalhar melhor. Mas se o termo é tal que considera apenas o valor monetário e descura tudo o resto será preciso mais do que essa “produtividade” para justificar qualquer medida social ou política (1). A Priscila Rêgo escreveu que «Azar dos azares, não concordo com quase nada»(2), mas parece-me que descurou o ponto mais importante para focar o IVA (que deixo para outra ocasião) e a paridade do poder de compra (PPC).
Eu mencionei que a produtividade, na economia, considera que quem serve bicas onde as bicas são mais caras é automaticamente mais produtivo. A Priscila corrigiu-me apontando que esses cálculos são ajustados pela PPC e que esse problema «não figura no rol» dos problemas deste conceito. Agradeço a explicação, que me motivou a aprender um pouco sobre isto, e até lhe dou alguma razão. No entanto, o problema persiste porque a própria medida da PPC tem problemas fundamentais. Principalmente quando comparamos países que usam o euro.
A PPC assenta na premissa de que o mercado é livre, não há custos de transporte ou barreiras à concorrência, e, por isso, os bens transaccionáveis têm um preço único no mercado. Seja em dólares, euros, patacas ou rupias, pode-se encontrar uma taxa real de câmbio que converta todas estas moedas no mesmo preço real. Por exemplo, no preço de um Big Mac (3) ou na média de um cabaz de produtos (4). Isto não precisa ser válido para cada produto individualmente, desde que seja válido em média. Se, em média, as mesmas coisas custam duas chalapas na Chalapândia mas só uma biloga na Bilogónia, assumindo a premissa enunciada acima concluímos que uma biloga vale duas chalapas. Se medirmos a produtividade relativa nestes países fazemos este ajuste pela PPC.
Mas imaginemos que o que se produz em São Brás da Murrunhanha tem um preço inferior aos produtos equivalentes em Lisboa. As couves da D. Hermínia, o pão do Sr Zé, e assim por diante, são a metade do preço. Se fizermos as contas com esse valor – o valor nominal – a produtividade destas pessoas será metade da dos lisboetas, só pela diferença de preço. É o tal erro que a Priscila disse não constar do rol. Só que também não faz sentido assumir que o pão do Sr. Zé e as couves da D. Hermínia estão em equilíbrio de preço com o pão e as couves de Lisboa, que não há barreiras nem custos de transporte e que as diferenças são apenas porque o euro vale o dobro em São Brás da Murrunhanha. O que se passa é precisamente o contrário. Por haver custos de transporte e mais dificuldade no acesso ao mercado, o preço do que produz a D. Hermínia e o Sr. Zé é mesmo mais baixo. Como se torna evidente quando a D. Hermínia quiser comprar um tractor novo ou o Sr. Zé precisar que lhe arranjem a máquina de misturar a massa. Ninguém lhes vai trocar cada euro da Murrunhanha por dois euros de Lisboa.
Portugal é a Murrunhanha da Europa. Tem enchidos, ar puro e praias mas está longe de tudo e tem um mercado interno minúsculo. Os economistas podem fazer de conta que não há custos de transporte nem outras barreiras ao comércio e fingir que o euro em Portugal vale €1,2 enquanto o euro alemão só vale €0,96 (5). Mas estes números são apenas médias de preços, alguns aproximadamente em equilíbrio e outros longe disso. E, como usamos a mesma moeda, aqueles que estão em equilíbrio têm o mesmo preço nominal. Os nossos euros não valem mais quando queremos comprar um Nokia ou um BMW. O que se passa é que, como o que produzimos tem um preço mais baixo para os outros, acaba por ter também um preço mais baixo por cá. Só que isto é só para o que produzimos. O poder de compra que ganhamos no pastel de nata, por não o conseguirmos exportar, não compensa o que que perdemos no automóvel por o que se produz cá valer menos.
No entanto, esta nem é a questão mais importante. Podemos discutir se, quando dois países usam a mesma moeda, faz sentido assumir as premissas da PPC ou se é melhor usar os valores nominais para comparar a produtividade. Parece-me haver méritos e defeitos em ambas as abordagens e, desde que fique claro que descritor se está a calcular, tanto me faz qual usem. O importante é perceber que estes descritores não têm valor normativo. Quer se use preços nominais ou se ajuste pela PPC calculada com um cabaz de produtos ou pelo Big Mac, esse indicador não justifica sacrifícios nem medidas de austeridade. Basta pensar como seria aumentar a idade da reforma nas aldeias, reduzir os salários nos meios rurais e aumentar o IVA no interior do país com a justificação que era para as pessoas de lá serem mais “produtivas”. Além de imoral, é absurdo tomar medidas económicas coercivas para obrigar as pessoas a “produzir” mais quando o problema dessa “produtividade” depende mais de outros factores do que da vontade dessas pessoas.
1- Produtividade
2- Priscila Rêgo, no “A douta ignorância”, Re: Produtividade. Obrigado ao João Vasco pela referência.
3- Economist, The Bug Mac index
4- Wikipedia, Market Basket
5- OECD.StatExtracts, Table 2.2: Purchasing power parities in national currencies per euro
Editado para corrigir as patacas, menos pacatas do que inicialmente. Obrigado ao one hundred trillion dollars pela dica.
Portugal é a Murrunhanha da Europa.
ResponderEliminarcondição ceteris paribus
ResponderEliminarobviamente a Murrunhanha não pertence à Europa mas fica adonde
Seja em dólares, euros, pacatas...provavelmente a moeda do tal país?
Basta pensar como seria aumentar a idade da reforma nas aldeias,
com agricultores a trabalharem aos 80 anos e mais como inda há
reduzir os salários nos meios rurais e aumentar o IVA no interior do país com a justificação que era para as pessoas de lá serem mais
alarves isto parece um discurso louçanista
tem uns pontinhos muy fracotes mas infelizmente mañana às 7h30 tenho de estar acordado
Isto é macroeconomia, logo há que usar conceitos que, com as suas imperfeições reflictam a economia agregada. O PPC é uma forma de corrigir a relação do rendimento com os custos e com isso poder-se ter uma noção mínima do poder de compra real das pessoas. É imperfeito sem dúvida, mas toda a economia não é propriamente uma ciência exacta e o PPC é um conceito bastante testado.
ResponderEliminarOs argumentos das condições não serem as mesmas, devido às diferentes condições de mercado, preços de transporte e barreiras à concorrência não são verdadeiros argumentos pois a macroeconomia também incorpora esses factores. Assim, um país deve fazer as suas escolhas, procurando adequar as suas competências e mais valias, aos factores críticos de sucesso para a produção de um dado produto ou serviço. Se tenho pouca água, não posso apostar em competir com produtos que requerem regadio. Se os salários são elevados, é difícil competir com commodities, se sou periférico, esses custos adicionais devem ser levados em conta e devo procurar produzir produtos com maior valor acrescentado para que esse efeito não se faça sentir. Para que se tenha sucesso é necessário conseguirmos ser mais fortes, nos factores críticos de sucesso de cada produto/serviço. Isso é válido para qualquer empresa ou país.
Só há três maneiras de se atingir esse sucesso através da diferenciação. Assumo desde já que a quarta forma, correspondente a uma via de economia fechada não é possível num mundo aberto. Primeira forma. Os meus factores de produção são baixos e consigo competir com base no preço; Segunda forma. Sou inovador e consigo vender produtos com maior valor acrescentado, porque os meus produtos são percebidos como diferentes e mais apelativos que os da concorrência e o preço, sendo importante, não éo factor principal de decisão; Terceiro. Trabalho para nichos de mercado que gostam do meu produto, mesmo que a escala possa não ser grande.
Se não tivermos produtividade, não conseguiremos competir com nenhuma destas três estratégias.
Tanto este post do PPC, como o da produtividade foram feitos para rebatar estes conceitos, mas a verdade é que Portugal não é muito competitivo na maior parte das linhagens de produtos e serviços e tem dificuldades com qualquer uma das três estratégias. Claro que há muitas excepções, de empresas que têm feito bem o seu trabalho de casa, mas na economia agregada, o nosso problema é que não somos competitivos nem externamente, nem mesmo internamente já que os produtos dos outros, mesmo com mais custos de transporte, conseguem chegar muitas vezes mais baratos. Somos conotados com um país pouco produtivo, com baixo PIB/capita e isso não muda muito com a correcção do PPC. Daí que me pareça que estes conceitos passam o teste da realidade e estão suportados pelas evidências, mesmo que possam ser, dentro da sua intenção imperfeitos. São talvez como a democracia, o pior dos sistemas à excepção de todos os outros.
AS CONTRADIÇÕES DE UM ESPECIALISTA EM PENSAMENTO CRÍTICO...
ResponderEliminar"Além de imoral, é absurdo tomar medidas económicas coercivas para obrigar as pessoas a “produzir” mais quando o problema dessa “produtividade” depende mais de outros factores do que da vontade dessas pessoas."
´
Se a evolução é predatória e amoral e se o Ludwig diz que a moralidade é uma criação subjectiva e arbitrária, em que se baseia a sua condenação de mais esta "imoralidade"?
Baseia-se em ar quente? Baseia-se nos seus juízos subjectivos?
Zurk,
ResponderEliminarNão tenho problema com os medidores da macroeconomia, mas sim com a forma como são interpretados e, pior ainda, como são confundidos com normas quando apenas são descritores.
Supõe que o arroz na tua terra tem metade do preço da minha. Há duas hipóteses: ou o arroz é exactamente o mesmo, nas mesmas condições, está em equilíbrio de preço e essa diferença nominal reflecte apenas uma taxa cambial entre as nossas moedas, ou então o teu arroz vale menos do que o meu, no mercado, e é por isso que é mais barato. Se ajustarmos os nossos rendimentos por uma PPC indexada ao arroz estamos a assumir a primeira hipótese. Porque se for a segunda isto não faz sentido.
Por isso, se alguém diz que o problema das diferenças no tamanho da economia e afins se resolve pela PPC está a aplicar uma correcção que, no caso de comparações entre Portugal e Alemanha, por exemplo, depende de premissas muito questionáveis.
«Para que se tenha sucesso é necessário conseguirmos ser mais fortes, nos factores críticos de sucesso de cada produto/serviço.»
Nota a premissa implícita de que a medida macroeconómica de produtividade (PIB/horas de trabalho, talvez ajustando à PPC na premissa de que os preços, em média, são iguais em todo o lado) é o mesmo que o sucesso. Ou seja, por um processo misterioso, transformaste um descritor numérico de relações entre certas grandezas, sob certas premissas, numa norma que agora devemos optimizar. E que é uma má norma. Eu não vou reger a minha vida apenas pelo cálculo da diferença de preços entre input e output que cada hora de esforço me rende. Se fosse só para optimizar isso não tinha perdido 25 anos em formação para ser professor numa universidade pública.
Eu concordo contigo que «estes conceitos passam o teste da realidade e estão suportados pelas evidências» enquanto descritores de aspectos quantitativos da macroeconomia, sob certas premissas que deixo agora aos economistas questionar, testar e discutir. Não tenho nada contra isso. Discordo moderadamente do uso destes conceitos sem notar que as premissas são frágeis, em muitas situações. Mas o que oponho, principalmente, é que confundam descritores com normas. O PIB é uma medida das transacções monetárias anuais. Não é uma medida de sucesso, nem de felicidade, nem algo desejável por si, e é uma asneira terrível confundir essas coisas.
Por exemplo, já ouvi muitas vezes dizer que o ensino público devia ser orientado para a empregabilidade. Ou seja, a educação deixa de servir para preservar a cultura, as artes, a ciência e avançar no nosso conhecimento, e passa a ser apenas para aumentar o PIB com mais trabalhadores. O termo técnico para isto é estupidez.
Sem entrar por um exercício filosófico de discutir o que é o sucesso diria que o PIB/capita é uma importante e razoavelmente correcta medida de desenvolvimento humano e a mais importante no que se refere à competitividade do país, porque expressa aquilo que o país é capaz de produzir, em relação à sua dimensão. Claro que não abarca tudo o que faz parte do Indice de desenvolvimento humano (IDH), pois não cobre a distribuição da riqueza gerada e portanto não ficamos a saber o impacto que o PIB gera na educação, saúde, mortalidade. Mas isso é outra coisa, talvez mais importante na análise dos benefícios da sociedade, mas não é o mais relevante para a competitividade do país.
ResponderEliminarO PIB/capita relaciona
Zurk
ResponderEliminar«diria que o PIB/capita é uma importante e razoavelmente correcta medida de desenvolvimento humano»
Eu diria que não, e penso que qualquer pessoa que olhe para o topo desta lista será levada a questionar tal premissa. Eu penso que há coisas muito mais importantes do que o PIB/capita, como a democracia, liberdade de expressão, esperança média de vida, população prisional e criminalidade, protecção e igualdade perante a lei, corrupção, boa distribuição de riqueza, educação e assim por diante. Se fosse fazer uma lista a sério, suspeito que o PIB ia calhar bem lá em baixo.
Quanto à competitividade, fica para o próximo post sobre o assunto. Agora tenho de ir dar uns biscoitos aos criacionistas...
Como está hoje a economia de Israel, um povo fortemente influenciado pela religião e cuja origem é descrita em Génesis?
ResponderEliminarO PIB cresceu a uma taxa anual de 4.7% no primeiro quarto de 2011 seguindo um aumento de 7.6% no último quarto de 2010...
Num contexto de crise global, até que não está nada mal...
...a Moody's concorda...
LUDWIG DIZ:
ResponderEliminar"Agora tenho de ir dar uns biscoitos aos criacionistas"
Não te procupes Ludwig, os criacionistas concordam quando tu pertinentemente chamas a atenção de que:
1) moscas dão… moscas!
2) morcegos dão… morcegos!
3) gaivotas dão… gaivotas!
4) bactérias dão… bactérias!
5) escaravelhos dão… escaravelhos!
6) tentilhões dão… tentilhões!
7) celecantos dão… celecantos!
8) guppies dão… guppies!
9) lagartos dão… lagartos!
10) pelicanos dão… pelicanos!
11) grilos dão… grilos!
Como vês, os factos a que tu aludes não são problema para nós...
eu dou-te o arroz na tua terra tem metade do preço da minha
ResponderEliminar1ª opção subsídios estatais ao consumo.
2ª opção menor uso de agroquímicos e mais de bosta humana para fertilizante e mais mão de obra humana para mondas e colheitas
3ª....enfim
logo Há muitas muitas possibilidades e não hipóteses (:
ou então o teu arroz vale menos do que o meu, no mercado, e é por isso que é mais barato....
desconta isto factores como o descasque branqueamento higienização e embalagem do dito cujo e etiquetage
além disso se o consumidor estiver a dois passos
ou 1 tonelada de arroz tiver de descer dos montagnards viet's ou thais
até uns 200 ou 300 km esse arroz ou vai de barco ou de camionete
no 2ª opção acrescem cerca de 40 dólares por tone
ou seja 4 cêntimos/quilo o que tendo em conta os 50 cêntimos a 54 cêntimos por quilo de arroz
são 8% só em custos de transporte
logo se o agricultor vender directamente na sua terra mesmo que seja a 30 cêntimos fica com mais lucro
do que se vender a 25 ao indivíduo que lho vem comprar por grosso
e vende por 35 a um despachante algures que o encaminhará a 50 ou 54
cênts para um destino a milhares de km's de distância
tendo de pagar fretes e seguro de carga que podem ir dos 8 aos 15 cêntimos por quilo
logo é um péssimo exemplo esse do arroz
vocemecê nã quer comprar uns talhões de tomate inundados para fazer arrozal
mim vende baratucho
e passados 12 anos
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