sábado, maio 14, 2011

Fantochada perigosa, take 2.

O post sobre a moral segundo Craig gerou as confusões do costume, que penso já serem um pouco forçadas. Apesar de eu ter escrito explicitamente que «Não quer dizer que a moral de todos os religiosos seja má. Felizmente, muitos religiosos são pessoas decentes e com discernimento suficiente filtrar o que lhes tentam impingir as religião que lhes calham.»(1), vários comentadores me acusaram de estar a generalizar do Craig para todos os crentes.

O problema que apontei é diferente. Da premissa de que o bem moral se define pela vontade de um deus seguem duas consequências inevitáveis. Uma é que quem assume tal coisa fica, como o Craig, incapacitado de rejeitar como imoral seja o que for que esse deus faça. Até o genocídio tem de ser louvado como moralmente bom. A outra, relacionada, é que deixa de fazer sentido dizer que esse deus é bom, porque a bondade desse deus torna-se uma tautologia vazia, como ilustra o Bernardo Motta:

«A moral de Deus é boa porque Deus é bom. Deus é o sumo Bem, e o garante da moralidade (boa ou má), pois estabelece, pela sua essência boa, o que é normativo.»(1)

Este raciocínio circular deixa por justificar porque é que se considera bom esse deus. Se o deus do Bernardo for bom por algum mérito que tenha, no sentido que normalmente damos a estes termos, então tem de haver algum critério independente pelo qual o possamos julgar. Por outro lado, se é bom só por definição, então não conta para nada. Se eu definir “Bem” como querendo dizer “tudo o que eu faço”, apenas estou a deturpar o significado da palavra. Não estou a criar fundamento para moral nenhuma.

O António Fernando disse discordar de que assentar a moral num deus é uma fantochada perigosa. No entanto, justificou a sua oposição exprimindo, por outras palavras, o mesmo que eu defendo: «Todo o crente que se demitir de aferir o valor ético de qualquer norma contida na Bíblia, aceitando-a ou recusando-a, através do crivo último da sua consciência, não é crente mas um alucinado;»(2) Precisamente. Se delegamos o fundamento da moral num deus deixamos de ter uma moral de verdade. Passa a ser um fantoche. E que isto é perigoso é perfeitamente evidente na história, e no presente, de todas as religiões.

O Alfredo Dinis aponta, talvez inadvertidamente, a causa principal deste perigo: «Acredito que muitas pessoas confiam em Deus». Provavelmente, essas muitas pessoas acreditam que confiam num deus. No entanto, o que se passa é que só confiam no que outros lhes contam acerca do tal deus, um deus que ninguém vê, ouve ou cheira. Dizem-lhes que nasceu de uma virgem, que falou a Maomé, que exige isto ou aquilo, que quer que os homens casem com várias mulheres, que não se pode trabalhar ao sábado e mais o que lhes passar pela ideia. Olhando para a panóplia de normas e regulamentos religiosos, o que sobressai com regularidade é apenas que foram inventados por homens – mamíferos bípedes do sexo masculino – sem contributo sequer de membros do outro sexo, quanto mais de deuses. E o Alfredo desvia-se também do problema ao apontar que «há muitas pessoas que condenam as posições dos cristãos com demasiada rapidez e superficialidade». Até pode haver, mas eu não condeno “as posições dos cristãos”, que são muitas e diversas, só por serem dos cristãos. Umas são boas, outras são más e outras nem isso. O que critico é a ideia de que a moral vem de um deus ou de uma religião. Porque se derivamos a nossa moral de uma religião deixamos de poder avaliar a moralidade daquilo que essa religião recomenda. Passa a ser como o deus do Bernardo: bom porque é bom. E isso nem é moral nem é sensato. É uma fantochada perigosa.

1- Treta da semana (passada): a bem das criancinhas.
2- Mesmo post, mas no Diário Ateísta

16 comentários:

  1. Ludwig,

    "o bem moral se define pela vontade de um deus"

    Seu eu soubesse qual era a vontade de Deus deixava de ter interesse na religião. Para mim, a Fé é não saber, saber que nunca iremos saber, e mesmo assim ter vontade de descobrir, por estar convencido que existe um fundo de absoluto que nos une. Na procura é que está o ganho. Vais dizer, provavelmente, que essa Fé não serve para nada e não tem consequências, nem morais nem outras. Mas tem. Mais do que acreditar que tudo é relativo e acidental.
    Quando antigamente se dizia - "Até amanhã, se Deus quiser" - isto estava melhor explicado.

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  2. Ludwig,

    Uma é que quem assume tal coisa fica, como o Craig, incapacitado de rejeitar como imoral seja o que for que esse deus faça. Até o genocídio tem de ser louvado como moralmente bom.

    Voltamos ao mesmo. A única forma que tu tens de classificar o que tu defines de "genocídio" como imoral é se tiveres à partida um código moral vinculativo a outros que não a tua pessoa.

    Mas quem disse que esse código que tu arbitrariamente escolheste para ti é suficientemente válido para classificar actos alheios de "genocídio" ou "imoral"?

    Como ateu, não tens bases para criticar a moralidade alheia uma vez que o ateísmo nega um Ponto de Referência Absoluto para a moral. Se classificas algo de "imoral" tens primeiro que dizer se o teu conceito de moral e "imoral" se aplica aos outros.

    Se é um conceito teu (pessoal, pragmático, utilitário, relativo, emotivo) então tem tanta validade como as outras construções morais existentes no mundo.

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  3. Moral má ou boa são juízos de valor

    Matar 500 milhões de pessoas à fome para manter o nível de vida de 1700 milhões é altamente moral

    Diminuir os rendimentos de 2 milhões de portugueses que não produzem o que consomem é obviamente imoral

    aponta, talvez inadvertidamente, a causa principal deste perigo: «Acredito que muitas pessoas confiam em Sócratesss». Provavelmente, essas muitas pessoas acreditam que confiam num Sócratess.

    No entanto, o que se passa é que só confiam no que Sócrates lhes conta acerca do tal Sócratess, um Sócratess que TODO O MUNDO vê, TODO O MUNDO ouve mas NINGUÉM cheira.

    Diz-lhes que nasceu de SEM MÁCULA, que falou a KADAHFI, que exige isto ou aquilo, mas quando o FMI vem passa a exigir um pouco menos
    é um DEUS VERSÁTIL que quer que os homens APENAS VOTEM NELE

    AQUELE QUE NUNCA SE ENGANA E QUE POR TODOS FOI TRAÍDO

    Excepto os 30% que vão botar nele

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  4. Mais um avanço

    http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1851941&seccao=Anselmo%20Borges&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco&page=1

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  5. Cito, do padre Anselmo Borges:

    Como sabem os crentes que Deus falou?

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  6. cito de Gilberto Freire

    A SINCERIDADE FRANQUEZA HONESTIDADE coragem do atheista tantas vezes murcha com a idade e o triunfo burguês

    nada de neocracia mas que a idade avançada ou precocemente senil não se constitua em absoluto senhor da vida e fé dos homens e de seus animais de estimação

    a sabedoria de saber envelhecer sem nunca estratificar

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  7. Genocídios de Sábado [DA]


    (Números 15:32-36):

    32 - Estando, pois, os filhos de Israel no deserto, encontraram um homem a apanhar lenha no dia de sábado.

    33 - E os que o acharam a apanhar lenha o trouxeram a Moisés e a Arão, e a toda a congregação.

    34 - E o puseram em guarda; porquanto ainda não estava declarado o que se lhe devia fazer.

    35 - Disse, pois, o senhor a Moisés: Certamente morrerá aquele homem; toda a congregação o apedrejará fora do arraial.

    36 - Então toda a congregação o tirou para fora do arraial, e o apedrejaram, e morreu, como o senhor ordenara a Moisés
    .

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  8. Concordo com o texto, com uma excepção. Não acho que haja fantochadas perigosas, mas apenas palhaços perigosos... A ideia de brincar com facas não corta, o que pode cortar é brincar com facas.

    Felizmente, na hora da verdade as pessoas seguem uma moral que mais dá à religião do que dela recebe.

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  9. Entre os dois polos, uma moral inconcebivel sem fé e a natureza behavorista da moral talvez a verdade esteja algures no meio: um conjunto de indices transmitidos pelo homem com um fundamento trancendental

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  10. «Mais um avanço»

    Mais um avanço em direcção a quê, Gaspar?

    Só se for para demonstrar que não há um único «dilema» de que a fé possa libertar-se sem lhe sobrepor uma camada de treta mesmo à vista de todos. A referência ao dilema de Epicuro até é frontal e corajosa, só foi pena que o nosso autor o tenha distorcido em vez de o resolver (conforme parece ser o objectivo auto-proposto). O dilema é:

    «Ou Deus pôde evitar o mal e não quis; então, não é bom. Ou quis e não pôde; então, não é omnipotente.»

    Poderíamos dizer que há outra hipótese, a de Deus ser omnipotente, bom e muito distraído, logo, não ser omnisciente. Mas o colunista acrescenta uma outra via e refaz o dilema, que passa a ser sobre uma certa origem do mal “exterior” à omnipotência:

    «Ou [Deus] quis e pôde; então, donde vem o mal?»

    Deus omnisciente quis (e quer) evitar o mal e Deus omnipotente pôde (e pode) evitar o mal, o dilema está resolvido! Fiquem os cristãos descansados. O mal apesar de tudo existe? No problem. E não pense o Perspectiva que a culpa é da Eva, essa grande ... essa enorme... bem. A resposta definitiva, verdadeira, da fé cristã é que:

    «o mundo produz mal, todo o mal tem origem no próprio mundo.»

    Portanto, é o mundo. Deus, omnipotente, omnisciente e bom existe e não tem nada a ver com isso. Querem provas? Espinosa escreveu que «toda a determinação é negação». Logo, «a raiz última do mal» é a finitude, a finitude do mundo e de tudo o que conhecemos. Tomem lá as provas.

    Aliás, segundo Anselmo Borges estas três propriedades de Deus nem sequer constituem um dilema, mas uma contradição. Eis porquê:

    «O que se passa é que, se não é possível um mundo perfeito, sem mal, não tem sentido perguntar por que é que Deus não fez um mundo perfeito. Não se diz que existe algo que Deus não pode fazer: simplesmente se nega uma contradição. Se o mundo não pode ser perfeito, não posso esperar que Deus o faça»

    Ou seja, peçam milagres mas não exagerem, por favor. Deus omnipotente, omnisciente e bom é um pouco como o rei daquele planeta de que nos fala o Principezinho, que tudo pode e tudo manda excepto o que não é razoável.

    No fundo, Gaspar, esse texto justifica o Deus omni na sua finitude. Para ser franco não me parece assim muito bem visto :) Deus ou é omni ou não é. Convém resolver este dilema antes de partir para o de Epicuro... E talvez desse uma boa ajuda não valorizar demasiado «a ousadia única de colocar a fé cristã em confronto radical com a modernidade». Nenhuma fórmula do passado permitiu justificar mais este deus do que outro qualquer.

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  11. EXTRA EXTRA!! DEPOIS DE A SENHORA TER APARECIDO NA COSTA DE MARFIM AGR APARECE UM HALO E LOGO NO DIA 13 DE MAIO . FENÓMENO INEXPLICÁVEL ! OS ATEÍSTAS EVOLUCIONISTAS DESMENTIDOS. BÍBLIA GANHA, OS MAIAS PERDEM (estilo vagamente inspirado no perspectivas, que já não leio)

    http://www.youtube.com/watch?v=315EMvV7rzM

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  12. 32 - Estando, pois, os filhos de Israel no deserto....já era um deserto

    e o homem ainda o estava a desertificar mais

    encontraram um homem a apanhar lenha

    e inda por cima no dia de sábado....a trabalhar no dia de descanso

    ou era um chinês ou um perigoso maníaco capitalista

    obviamente a gente dessa só pedrada

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  13. Pega, Bruce

    (com cuidado porque é precioso)

    http://www.youtube.com/watch?v=XqSRV2WUzPM&feature=player_embedded

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  14. Sim... É tudo precioso na conversa fiada.

    Mas se quer fingir que me responde não se esqueça do que lhe disse com clareza... O artigo do padre Anselmo baseia-se no erro flagrante de apontar a origem do mal no “exterior” da omnipotência. E se começa por dar um tiro na omnipotência de Deus, nem se percebe porque fez referência desde logo ao paradoxo de Epicuro.

    E eu até falei de outro problemazinho. Quando dizemos que a natureza do mal é a finitude ao mesmo tempo que justificamos a bondade de Deus com um limite à sua omnipotência, estamos na verdade a ser muito pouco... como dizer... lúcidos? Sendo o mal gerado pelas coisas finitas, como sustentar que a finitude de Deus produza o bem?

    Talvez o Gaspar me possa ajudar, desta vez com argumentos.

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  15. Bruce,

    Là p'ra trás, há uma ano ou dois, disse aqui que o mal existe porque existe bem. São dimensões do mesmo território. Deus, ou o que quer que fosse, não poderia criar um sem o outro pois um sem o outro é algo sem sentido. E digo-lhe já, andar às voltas com as definições e a lógica das omnis de Deus não me interessa muito. Bastante menos do que as práticas que a consciência do infinito e do absoluto, com mais silêncio do que palavras, leva pessoas concretas a lutar contra o sofrimento e a aproximar-se umas das outras. Ou a poesia, dos homens e da natureza, com que, por exemplo, um grupo de pessoas reunidas para manifestar o seu fascínio por esse mistério de viver e morrer é brindado com fenómenos raros e belos. Que possam, em vez disso, ser levadas por uma onda ou cair-lhes o tecto em cima faz parte.

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