sábado, maio 07, 2011

Treta da semana (passada): a bem das criancinhas.

William Lane Craig é um famoso apologista cristão. Um dos argumentos a que mais recorre para provar que o deus dele existe – e que engravidou Maria, morreu na cruz e essas coisas todas, por arrasto – é que existem deveres e valores morais objectivos, e que essa tal coisa dos deveres objectivos só pode existir porque o deus dele existe. A apologética justifica esta alegação pela premissa de não poderem existir deveres morais objectivos na natureza, premissa com a qual até concordo para certas definições de “deveres morais objectivos”. Mas deixa por explicar como é que esse tal deus cria deveres morais que sejam realmente objectivos. Este é um problema bicudo, como ilustra um artigo de Craig no Reasonable Faith.

Alguns leitores pediram-lhe para justificar a moralidade do genocídio que Deus mandou cometer contra os povos da terra prometida, ordenando aos Judeus que matassem todos os homens, mulheres e crianças (Deut. 7:1-2; 20:16-18). Craig é evangélico, por isso leva a Bíblia mais à letra do que os católicos. Mas mesmo interpretando esta chacina como uma metáfora, ela não abona nada em favor do deus que a ordenou. A mensagem é clara, e nada compatível com o que consideramos ser benevolente. Uma justificação de Craig para este comando divino é que

«De acordo com a versão do mandamento divino ético que eu defendo, nossas obrigações morais são constituídas pelos mandamentos de um santo e amoroso Deus. Uma vez que Deus não emite ordens a si mesmo, Ele não tem obrigações morais para cumprir. Ele certamente não esta sujeito às mesmas obrigações e proibições a que nós estamos. Por exemplo, eu não tenho nenhum direito de tirar a vida de um inocente. Para mim, fazer isto me tornaria um assassino. Mas Deus não tem tal proibição. Ele pode dar e tirar a vida como Ele decidir.»(1)

Isto demonstra bem a inconsistência dos tais “deveres objectivos” que estes religiosos defendem, um problema já conhecido desde Platão, pelo menos. Se houvesse mesmo um fundamento objectivo para a moral, então até Deus seria julgado à luz desses preceitos, sendo bom ou mau conforme agisse de acordo ou contra o que fosse o seu dever objectivo. Mas, nesse caso, não seria preciso Deus para haver moral. Mesmo sem deuses já haveria um fundamento para os valores e deveres morais. Para que o seu deus não seja supérfluo, apologistas como Craig defendem que a moral tem de vir dos mandamentos divinos. Mas, nesse caso, a moral é um capricho arbitrário desse deus, e deixa de fazer sentido classificar Deus de bom se o bem for tudo o que lhe der na divina gana. Isto é o contrário de um fundamento objectivo para a moral.

A outra justificação é, na prática, ainda mais perigosa:

«Além do mais, se nós acreditarmos, como eu acredito, que a graça de Deus é estendida para aqueles que morreram na infância ou como pequenas crianças, a morte destas crianças era verdadeiramente sua salvação. Nós somos tão apegados à perspectiva naturalista terrena, que nós esquecemos que aqueles que morrem estão felizes por deixar esta terra pela alegria incomparável do paraíso. Então, Deus não faz nada errado ao tomar suas vidas.»

Além de reduzir a ética ao capricho de um ser imaginário, estas religiões alegam o que lhes der jeito acerca dos factos para justificarem os seus preconceitos. Se alguém matar uma criança é um assassino porque é pecado matar crianças. Tal como pode ser pecado sair à rua sem autorização do marido, cortar as patilhas ou usar preservativo. Como não há forma de testar a alegação de que algo é pecado, cada religião pode escolher a lista de pecados que mais lhe convir. Por outro lado, se é por mandamento divino que alguém mata crianças, sejam cananitas ou outras vítimas de terrorismo religioso, então pode-se inventar que essas crianças vão para o paraíso e que o homicida, afinal, é um herói que lhes salvou a alma. Almas, paraísos e mandamentos divinos são outra área de especulação fácil dada a impossibilidade de testar o que se alega.

É por estes aspectos que a moral religiosa é uma fantochada perigosa. Não quer dizer que a moral de todos os religiosos seja má. Felizmente, muitos religiosos são pessoas decentes e com discernimento suficiente filtrar o que lhes tentam impingir as religião que lhes calham. Mas estes princípios de que vale tudo o que Deus mandar e que é legítimo alegar factos impossíveis de conhecer são o contrário da ética. Em vez de ter um fundamento sólido para as regras morais, a moral passa a reflectir apenas os caprichos e conveniências daqueles que se dizem representantes dos deuses. Precisamente o que se vê nos meandros da religião profissional.

1- Tradução no blog Fé Racional do artigo de Craig no Reasonable Faith. Obrigado a quem me enviou, em privado, a ligação para a crítica no AlterNet.

38 comentários:

  1. Ludwig, estás enganado e é óbvio que não vamos descer ao nível intelectual deste post. Citando o Mats,

    "mais uma vez constróis um espantalho e refuta-zio"

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  2. É por estes aspectos que a moral religiosa é uma fantochada perigosa....num vá por aí já parece o vídeo da câmara de Cascais
    vocês são maus....nós ajudámos vóis

    1º A eutanásia dos loucos deficientes e bocas inúteis foi praticada por mais correntes atheistas do que religiosas

    4º As correntes livres de amarras de temor a deus são mais egotistas e logo mais propícias a exterminar o próximo quando nos chateia

    17º geralmente as correntes religiosas convertem os mais novos
    e as mulheres em idade fértil
    evolutivamente são mais selectivos

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  3. Caro Ludwig,

    Passar da opinião ética de Craig à moral 'das religiões' é um salto lógico mortal. Que eu saiba Craig só se representa a si mesmo e as suas ideias estão a anos luz de serem representativas do quer que seja.

    Eu poderia citar o famoso James Watson para o qual há diferenças de inteligência entre negros e brancos para daí concluir que 'as ciências' são racistas. Mas não o farei nunca. Seria logicamente falso. Seria também intelectualmente desonesto.

    Nem gostaria que alguém me apludisse ('nem mais!').

    Nem iria a lado nenhum.

    Um abraço,

    Alfredo

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  4. me apludisse

    ex plus disse?

    é o atheismo birtual

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  5. Alfredo Dinis disparou no sítio certo. Este post (tal como 90% dos que escreveste antes, Ludwig) é uma generalização precipitada.

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  6. Precipitados em soluções sobre saturadas de irracionalidade

    são comuns

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  7. Mas sem generalização não há militância ateísta. Dá muito trabalho analisar as alegações específicas e vêr se as evidências estão de acordo.

    É mais fácil colocar tudo mesmo balde e deitar tudo fora.

    Ninguém pode acusar o Ludwig de "perder" tempo com as "religiões".

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  8. O Ludwig ainda não aceitou que a sua rejeição da existência duma moral objectiva e independente do ser humano o deixa sem base para qualificar de errado o "genocídio" alegadamente levado a cabo pelos Israelitas.

    Se houvesse mesmo um fundamento objectivo para a moral, então até Deus seria julgado à luz desses preceitos

    Excepto, claro, se Deus fosse o Fundamento Objectivo para a moral.

    O meu patrão pode estabelecer que a hora de entrada na empresa seja as 9 horas, mas isso não implica que ele esteja sujeito a essa lei.

    Em muitos países do mundo é proibido de ter armas de fogo. Mas os polícias tem-nas. Aparentemente essa lei não se aplica a quem tem como missão levar a cabo a execução da lei. Ninguém vê problemas nisto, mas pelos vistos o Ludwig vê.

    Muitas leis levam em conta a natureza das pessoas a ela vinculadas. Por exemplo, Deus diz que o ser humano não tem a autoridade para decidir sobre a vida doutro ser humano inocente. Deus, no entanto, não está sujeito a ela uma vez que 1) Ele criou a vida e como tal Ele pode fazer o que Ele quiser com ela, 2) Ele pode matar e voltar a trazer à vida. O ser humano não consegue fazer isto.

    A Natureza de Deus é o Ponto de Referência para a classificação (em termos absolutos) do que é o bem e o mal.

    Se Deus não existe, e a moralidade é classificada pelos seres humanos. Como nenhum ser humano é moralmente superior a outro por virtude da sua educação, grupo étnico ou estatuto social, então todos os comportamentos morais tem exactamente o mesmo valor.

    Há ateus que acham que o genocídio é uma forma válida de se instalar um regime "melhor" (Stalin, Pol Pot, Mao Tse Tung), mas outros ateus há que discordam disto. Ambas as proposições tem o mesmo valor moral, segundo o ateísmo defendido pelo Ludwig.

    Mas, nesse caso, a moral é um capricho arbitrário desse deus, e deixa de fazer sentido classificar Deus de bom se o bem for tudo o que lhe der na divina gana. Isto é o contrário de um fundamento objectivo para a moral.

    Excepto que não é. A única forma de dizeres que, por via da moral se basear na Natureza de Deus, ela se torna num capricho, é se desconheceres a Natureza de Deus.

    "Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacob, não sois consumidos." - Malaquias 3:6

    Portanto, ficam as perguntas: se a base para a Moral não é a Natureza Imutável de Deus, então o que é? As opiniões subjectivas, emotivas, utilitárias e pragmáticas do ser humano, obviamente. Mas quais seres humanos? Os caucasianos? Os chineses? Os ateus? Os budistas? Os ricos? Os altos? Os magros?

    Sem Deus, não há fundamento absoluto para a Moral, e esse é o ponto do Craig. Todos os outros "fundamentos" que os ateus visam colocar em cima da mesa (o "sofrimento", a "harmonia social") são tão válidos como quem pensa exactamente o contrário.

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  9. Alfredo,

    A posição de Craig é o resultado de assumir que o fundamento da moral é um deus tal como representado por uma religião. Se assumirmos isso, então não podemos criticar ou julgar a legitimidade das normas que essa religião nos impõe; por definição, são todas moralmente boas e será sempre moralmente mau o incumprimento do que esse deus alegadamente exige.

    «Eu poderia citar o famoso James Watson para o qual há diferenças de inteligência entre negros e brancos para daí concluir que 'as ciências' são racistas. Mas não o farei nunca. Seria logicamente falso. Seria também intelectualmente desonesto. »

    E disparate. O facto de haver ou não diferenças de inteligência, e seja qual for o grupo que tenha mais, não tem nada que ver com o racismo. Mas o que eu estou a fazer não é extrapolar do Craig para os outros religiosos, que até menciono no post não partilharem a posição do Craig. O que estou a dizer é que a posição do Craig é aquela a que tens de chegar se quiseres ser consistente com estas premissas:

    A- O deus X é a única fonte legítima de todos os valores e deveres morais, e tudo o que esse deus quer e manda é moralmente bom e obrigatório para nós.

    B- A religião Y é a única fonte fiável de informação acerca do deus X.

    Se aceitares como verdadeiras estas premissas ficas impossibilitado de fazer, por ti, juízos morais acerca do que te diz a religião Y. E a moral resultante é a tal fantochada perigosa que menciono.

    Não digo que seja isto que fazes. Julgo que tu, tal como muitos católicos (e adeptos de outras religiões) preservas a capacidade de julgar com imoral algo que a Igreja Católica decida, se isso for contra os teus valores. Mas o que isso demonstra é que é um erro ver uma religião, ou um deus, como fonte da moral. Os valores morais, e o fundamento ético para eles, deve preceder a religiosidade, sob pena de se adoptar religiões como muitas que se vê por aí...

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  10. Nuno Gaspar,

    «Alfredo Dinis disparou no sítio certo. Este post (tal como 90% dos que escreveste antes, Ludwig) é uma generalização precipitada.»

    Leiam o post com mais atenção. Eu não estou a generalizar do Craig para os outros crentes. Até sou explícito nisso: «Não quer dizer que a moral de todos os religiosos seja má. Felizmente, muitos religiosos são pessoas decentes e com discernimento suficiente filtrar o que lhes tentam impingir as religião que lhes calham.»

    O que estou a dizer é que se uma pessoa assume que a sua religião é a única fonte legítima de valores morais, e que é, por definição, sempre moralmente virtuosa – como faz o Craig – fica impossibilitado de fazer esta selecção e acaba nos disparates que o Craig defende.

    E isto remete-nos para o tal problema que tanto tu como o Alfredo fingiram não existir. Ou há um padrão moral pelo qual se pode julgar Deus também, e nesse caso Deus pode ser bom (ou mau, conforme o que faça), ou então o padrão moral é tudo o que Deus quiser e ficamos impossibilitados de julgar a moralidade do que Deus faz, manda (ou do que nos dizem que ele faz e manda, visto que nunca lidamos directamente com ele). Isto não é uma generalização. É uma dedução das premissas.

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  11. Mats,

    «O Ludwig ainda não aceitou que a sua rejeição da existência duma moral objectiva e independente do ser humano o deixa sem base para qualificar de errado o "genocídio" alegadamente levado a cabo pelos Israelitas.»

    Eu defendo que o fundamento da moral tem de ser a subjectividade. Aquilo que cada sujeito sente e faz, independentemente da sua espécie (seja deus, anjo, humano ou animal, são todos julgados pelo impacto que os seus actos voluntários têm em sujeitos). Isto é perfeitamente adequado para concluir que é imoral andar a matar pessoas só porque um deus manda.

    Em contraste, se a tua moral é “tudo o que me dizem que Deus manda é bom”, então ficas incapacitado de julgar a moralidade do que te disserem que Deus manda. E isso é uma fantochada perigosa.

    (Nota para o Alfredo e o Nuno Gaspar: eu não estou a generalizar, nem a dizer que toda a gente é assim ou que o Mats é assim ou que todos são como o Mats; estou apenas a apontar que se assumimos que tudo o que Deus manda é bom e assumimos que uma certa organização segue os mandamentos desse deus, ficamos obrigados a concluir que tudo o que essa organização manda é bom, mesmo que seja um genocídio).

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  12. Mats

    "É mais fácil colocar tudo mesmo balde e deitar tudo fora."

    Vindo de si tem piada.

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  13. Caro Ludwig,

    O pensamento dualista é extremamente confortável para muitas pessoas. Ou Deus manda ou Deus não manda. Se manda, não temos liberdade. Se não manda, fazemos o que quisermos. (Mas neste caso, acescentam os dualistas, que Deus é este? Para que serve?)

    Há algum tempo atrás organizei na Faculdade de Filosofia de Braga um Seminário intitulado 'Estes dualismos que nos perseguem'. Ficou claro que o pensamento dualista não se aproxima da realidade.

    A ideia de que Deus, sendo omnipotente pode fazer tudo o que lhe der na real gana, sem dar satisfações a ninguém parece uma verdade evidente, mas não é. Já em outras ocasiões afirmei que não identifico omnipotência com arbitrariedade nem com irracionalidade.

    Acredito que muitas pessoas confiam em Deus mas acredito igualmente que Deus confia em todas as pessoas. Se Deus existe e nos deu liberdade e inteligência para decidir racionalmente o que devemos fazer, o que é melhor para nós, então ele espera que façamos as nossas escolhas racional e livremente. Mesmo pessoas que se dizem não crentes têm posições iguais ou muito próximas das dos cristãos em questões como o aborto, a eutanásia, etc. O que me parece é que há muitas pessoas que condenam as posições dos cristãos com demasiada rapidez e superficialidade. Ao ler textos de não crentes, fico muitas vezes com a impressão que a liberdade e a inteligência está toda do lado deles, e que os crentes vivem numa escura prisão de que não saem porque nem sequer se dão conta de que estão prisioneiros de um deus e de uma igreja que não os deixa pensar.

    Enquanto estivermos nesta posição não iremos longe.

    Um abraço,

    Alfredo

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  14. Ludwig,

    "Eu defendo que o fundamento da moral tem de ser a subjectividade. Aquilo que cada sujeito sente e faz, independentemente da sua espécie (seja deus, anjo, humano ou animal, são todos julgados pelo impacto que os seus actos voluntários têm em sujeitos)."

    Mais uma vez fica a pergunta: quem é que decidiu que a moral deve levar em conta o "impacto que os seus actos voluntários têm em sujeitos"? Se um ateu quiser levar em conta apenas "o impacto positivo" que um certo acto têm na sua conta bancária, quem é que o pode criticar?
    Tu construíste o "impacto nos sujeitos" como base para a moral, mas outro ateu pode alegar que essa base não é a mais correcta. Para ele a base mais correcta é o hedonismo e o benefício próprio. Dentro da subjectividade que tu subscreves, os hedonistas são tão "morais" como os altruístas.

    Não tens argumento para criticar os egoístas porque o seu fundamento para a moral é o mesmo que o teu (a subjectividade, emotividade, pragmatismo e utilitarismo humano).

    Sem Deus, todas as escolhas morais possuem exactamente o mesmo valor.

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  15. Olá, Ludwig

    Apôr "objectivo" a "dever" é um pouco confuso. Dever é um relacional – seja relativamente à dívida com o banco, seja relativamente à conformidade com determinados princípios de acção ou pensamento. Significa isto então que são os princípios de acção ética que são objectivos, isto é, dados fora de qualquer sujeito; mas sob que forma? O que é um princípio de acção ética sem sujeito?
    Tal não significa que a formalidade ética (Deves X) não seja objectivável em leis, mandamentos, condicionamentos psicológicos e sociais, etc, como é evidente; mas que tais objectivações, especulações, acções e definições são sempre actividades subjectivas. A questão que se põe é qual a sua orientação interna: Uma disposição espontânea, tal como a fome ou o desejo sexual? Uma exigência da racionalidade, tal como a lógica formal ou a matemática? Um eudemonismo ou interesse por si alargado à espécie, e depois aos outros seres, como parece ser o teu caso? Um cruzamento múltiplo de várias ordens?...
    É evidente que não se pode confundir aqui "subjectivo" com "aleatório", "sem determinação", "como dá na bolha" e coisas mais ou menos incompreensíveis do género. "Subjectivo" tem que ver com actividades livres de sujeitos, tais como decisão, imaginação, etc, relativamente a alternativas que, precisa e objectivamente, não obrigam (empurro ou não o meu adversário do precipício abaixo, sendo que objectivamente sei que ele vai estatelar-se lá em baixo; legaliza-se ou não a objecção de consciência em caso de conflito armado; etc). O que o ético em nós consiste é na interrogação: O que devo fazer nestas circunstâncias relacionais com o outro?... O ímpeto ético é sempre formal, interrogativo; e dar conteúdo a tal forma ou anseio é uma das nossas actividades favoritas, individual e colectivamente. Dá ideia que não temos outro remédio, aliás.
    Quanto à questão teológica à la Fichte mal enjorcado, de a ética ser uma instância superior a que o próprio divino (fundamento e ordem do ser constituído na forma de pessoa) está subjugado (é bom porque Deus quer, ou Deus quer porque é bom) sofre do mesmo problema de separação objectiva de uma determinação originariamente subjectiva: seria como dizer que a fome é exterior ao sujeito, visto este ser "julgado", "condicionado", "afectado" por esta ;) O "ser desejável", "ser bom", etc é um relacional entre a vontade de X e qualquer coisa que se lhe depare (uma coisa, uma possibilidade de acção, etc). O que Deus quer é o que é bom para o outro (o ser e o sentido específico deste: ser vegetal, animal, humano, etc) e esse é o sentido mesmo de um acto criador: a obra ficar boa. A ética entra aqui como sentido específico do humano. É por isso que na linguagem comum muitos de nós atribuímos inumanidade a acções imorais ou amorais (é desumano). Mas donde e como provêm estas determinações do humano? Quem cria os valores, e como?

    (cont.)

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  16. O que o Craig parece querer demonstrar é que as determinações livres do ser-se humano (não violar nem torturar criancinhas, para nos ficarmos no tom do teu post) sendo universalmente condenáveis e subjectivas, têm uma fonte que, não sendo a natureza nem a objectualidade, terá de ser exterior à natureza, e de natureza subjectiva, relacional ou pessoal. Tudo isto é muito vago e a milhas de qualquer juízo conclusivo. Teria de provar-se o determinismo universal da natureza, assim como o determinismo universal de conteúdos éticos que contrariassem o determinismo natural, e nada disto é muito claro. A demonstração "Há valores éticos e eu não os criei nem estou conforme a eles, visto que sou espontaneamente imoral, portanto tem de haver um sujeito conforme a eles e que simultaneamente me seja intrínseco (isto é, um Deus criador)" parece-me ser a argumentação de Craig; mas nesse caso ele terá de enfrentar as hipóteses contrárias (eudemonismo alargado que entre em conflito com o eudemonsimo pessoal, interesse colectivo que entre em conflito com o interesse pessoal, interesse de uma classe ou grupo que entre em conflito com interesses de outras classes ou grupos, e outras variadas formas de cisão da vontade e do que é bom e mau, e que possam ser a fonte dessa curiosa liberdade e interrogação que é a ética); o que parece até ser um dos seus ganha-pãos, a julgar pelos videos e textos que certos ateístas e teístas obsessivamente divulgam e comentam. Curiosamente, o homem não me parece grande espingarda teológica, pelo menos pelos videos e artigos que li; acho-o até um pouco reader' s digest ou "argumentação à corta-mato", elidindo quando pode as objecções possíveis ou passos problemáticos da própria hipótese que ele põe. Mas posso estar a ser injusto, visto o meu conhecimento dele reduzir-se a dois ou três pequenos videos e um ou outro pequeno artigo. Aliás, diria o mesmo deste teu post e de outros que li. O ilusório apodígtico do Craig não doa apodigticidade a hipóteses contrárias; e convinha refutar o homem no que ele possa ter de pertinente, e não nos seus passos falsos; ou então escolher um melhor adversário que talvez a questão mereça.
    Seja como fôr, a ideia de algo universal ao "ser-se humano", e que está na base dos modernos direitos humanos, por exemplo, é algo que dificilmente se sustenta sem uma fundamentação qualquer da sua universalidade: a Razão, Deus, uma natureza humana e genérica não-necessária, um coração de trevas bondosas, uma pulsionalidade erótica e suícida vivida em simultaneidade inconsciente e um ego cuja vitalidade corresponda à eroticidade, e outras coisas que tais e que são um berbicacho pensante ;)

    saudações

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  17. Alfredo,

    O problema aqui não é nem o dualismo nem o que Deus faz. É a ideia de que o fundamento da moral é determinado por Deus. É isso que eu critico. Se é Deus que escolhe o que é moralmente bom ou mau não faz sentido dizer que Deus é bom (torna-se uma tautologia vazia).

    «Acredito que muitas pessoas confiam em Deus mas acredito igualmente que Deus confia em todas as pessoas.»

    Tens o direito de acreditar no que quiseres. No entanto, o que vejo é que não há vestígios de haver esse tal Deus e que, na verdade, as pessoas não confiam num deus mas sim em outras pessoas que lhes falam acerca de um ou mais deuses.

    E aquilo que eu chamo fantochada perigosa é assumir que a moral deve assentar nesse alegado conhecimento. É fantochada porque é um boneco que finge ser uma moral fundamentada quando se baseia apenas na especulação de uns acerca da vontade do tal suposto deus. E é perigosa porque quem envereda por este caminho fica incapaz de decidir se o que lhe impingem é moralmente bom ou mau.

    «Se Deus existe e nos deu liberdade e inteligência para decidir racionalmente o que devemos fazer, o que é melhor para nós, então ele espera que façamos as nossas escolhas racional e livremente.»

    Talvez. Ou talvez esteja a gozar connosco. Ou talvez não nos tenha dado liberdade nem inteligência (julgamos que as temos por nos faltar sequer inteligência suficiente para saber o que é liberdade). Ou infinitas outras possibilidades que, numa total ausência de dados concretos, não podemos distinguir.

    Por isso, opto pela explicação mais simples e ponho de parte essa hipótese de Deus existir.

    «Mesmo pessoas que se dizem não crentes têm posições iguais ou muito próximas das dos cristãos em questões como o aborto, a eutanásia, etc. O que me parece é que há muitas pessoas que condenam as posições dos cristãos com demasiada rapidez e superficialidade.»

    Não são as posições dos cristãos que critico aqui. É a premissa de que a moral legítima vem de Deus. O facto de muitos não crentes e crentes conseguirem concordar em muita coisa acerca do que é moralmente aceitável e inaceitável – incluindo defender o direito de cada um adorar ou não adorar o deus que quiser, e condenando que queira forçar ou impedir alguém de o fazer – é um indício forte de que a moral não tem nada que ver com os deuses.

    «Ao ler textos de não crentes, fico muitas vezes com a impressão que a liberdade e a inteligência está toda do lado deles, e que os crentes vivem numa escura prisão de que não saem porque nem sequer se dão conta de que estão prisioneiros de um deus e de uma igreja que não os deixa pensar.

    Enquanto estivermos nesta posição não iremos longe.»


    Eu penso que um obstáculo grande é esse drama constante que os crentes fazem, como o que tu ilustras nestes parágrafos. Não é ter inteligência, liberdade e racionalidade que está em causa. É o problema de validar alegações. Há muitas alegações que tu fazes, como crente num deus tri-uno, omni-várias coisas e criador do universo, que não têm o fundamento que se devia exigir para aceitar alegações dessas. Não tenho problema nenhum em aceitar que és uma pessoa livre e inteligente, mas ainda assim acho que uma pessoa livre e inteligente pode cometer o erro de defender posições infundadas, e é esse erro que me parece estares a cometer.

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  18. Cientistas gays isolam gene cristão:

    http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=KMcnVCFIHxM

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  19. Alfredo Dinis,

    «Enquanto estivermos nesta posição não iremos longe.»

    Decididamente! É insofismável que em joelhos chegamos lá muito mais depressa :)

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  20. Ludwig,

    «Por isso, opto pela explicação mais simples e ponho de parte essa hipótese de Deus existir.»

    O Deus desconhecido também é o Deus da má consciência, o Deus da Lei. Assimilando a noção e o problema de pecado e de pecador, talvez compreendamos que todos teremos uma Justiça divina mas não temos senão uma justiça humana. A justiça divina, tal como a noção de pecado, exerce-se relativamente à "consciência" e à "vontade" e às "intenções" de uma pessoa, de cada pessoa. A justiça humana é capaz de julgar censurável um comportamento que, na perspectiva do sujeito e da "justiça divina" foi levado a cabo com uma consciência irrepreensível. O que objectivamente seria um "pecado", ou mesmo um comportamento valioso que não merece censura, subjectivamente pode não ser, sem que isto signifique que não existe Lei ou que objectivamente não houvesse distinção entre bem e mal. O verdadeiro problema é quando somos culpados perante Deus e sentimos a aversão de Deus. Esse Deus é «terrível».

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  21. Pessoalmente, o problema que eu sempre tive com a argumentação de que "a moral objectiva é aquela que vem de Deus" é porque, quando esta alegada "moral objectiva" é irracional, então a argumentação é que "é impossível compreender o Plano Divino", e daí as coisas não parecerem fazer qualquer sentido para nós, pobre humanos ignorantes.

    Mas o que oponho nessa altura ao tal Plano Divino misterioso e incompreensível é a analogia humana. Quando uma criancinha de 3 anos nos pergunta "o que são as estrelas?" não vamos dissertar sobre mecânica quântica e teoria da relatividade, porque seria impossível fazer essa criancinha compreender tais conceitos. Em vez disso, descemos ao nível da criança, e, em palavras que ela consiga compreender, tentamos dar uma analogia que seja fácil de perceber — ou seja, que esteja ao seu nível de compreensão. Mais tarde, poderá crescer, alargar horizontes, estudar física, astronomia e cosmologia, e ter uma resposta mais precisa. Ora isso qualquer pai ou mãe, com todos os seus defeitos, limitações, e falta de omnisciência consegue fazer na boa. Um ser infinitamente compassivo, misericordioso, mas, acima de tudo, omnisciente, saberá de certeza fazer bem melhor do que isso! Não terá qualquer problema de descer ao nosso nível de compreensão e explicar exactamente porque é que é bom massacrar criancinhas inocentes numa situação mas não noutra. Se não o faz... voltamos ao velhíssimo argumento: ou é omnipotente e omnisciente, mas não nos quer dizer por alguma razão que desconhecemos, e então não é benevolente; ou não sabe como nos explicar, e nesse caso não é omnisciente; ou não tem possibilidade de comunicar connosco de forma a que o compreendamos, e então não é omnipotente. Nesse caso, se não é nem omnipotente, nem omnisciente, nem omnibenevolente, para quê prestar-lhe atenção?

    A isto é contraposto normalmente a noção de "revelação divina"; a moral objectiva "que Deus deseja" pode não estar acessível a todos, mas foi "revelada" a alguns poucos humanos, que depois se deram ao trabalho de nos explicar qual a moral de Deus. Tudo bem, mas há aqui a falácia do apelo à autoridade; ainda por cima uma autoridade que se contradiz.

    @Mats citou Malaquias: '"Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacob, não sois consumidos." - Malaquias 3:6' Estranhamente, no entanto, o Senhor mudou de opinião quanto aos preservativos. Ou será que o Papa Bento XVI é que se enganou a transmitir a mensagem? Seja qual for o caso — ou Deus na realidade muda de opinião, ou os seus "intérpretes" mudam de opinião — isto é uma base muito pouco sólida para postular uma "moral objectiva", no sentido de uma moral "última e absoluta", que não muda. Pelo contrário: mesmo nas religiões mais fundamentalistas, há alguma adaptação aos tempos, mesmo que nalgumas isso leve mais tempo do que em outras...

    Claro que pode-se sempre voltar a argumentar que tudo isto faz parte do Plano Divino: um Plano que "não muda" (como o seu autor) mas que, dado ser revelado aos poucos, vai com os tempos contradizendo-se, para se adaptar melhor aos tempos... ;) Conclusão: a moral divina, longe de ser "objectiva", é, como qualquer outra, sujeita à interpretação que se faz dela, e esta varia com os indivíduos, a sua época, e a cultura em que estão inseridos.

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  22. Eu pessoalmente fico-me por uma "moral" muito mais simples: evitar causar sofrimento a terceiros. E como sei o que lhes causa sofrimento? Não é fácil, mas posso, numa primeira fase, trocar de papel com os outros e pensar, "se me fizessem isto, eu gostaria?" A razão principal pela qual isto não é fácil é porque demasiada gente convence-se de que certas atitudes que toma o fazem feliz — porque assim lhes ensinaram — e convencem-se disso de tal forma que acabam por pensar que é verdade. Por exemplo, a auto-mortificação do corpo é algo a que alguém se pode treinar a aceitar como sendo causa de felicidade (uma forma de habituação ao masoquismo), e, nesse sentido, procurar que outros sigam o mesmo exemplo é uma consequência natural. Embora isto já seja um estado avançado de delusão — num primeiro estágio, é mais normal que se pense "eu sofro como o caraças, mas como acho que isto é bom para mim, vou obrigar-te a sofrer também; assim tenho uma excelente justificação para continuar".

    No meu sistema moral, não preciso que me digam que é imoral estrangular criancinhas. Basta imaginar-me sendo uma criancinha e perguntar-me a mim mesmo: "Gostaria de ser estrangulado? Dar-me-ia prazer?" Concluo imediatamente que não, e que a maioria dos seres, humanos ou não, não sentem prazer algum em serem estrangulados até à morte. Então abstenho-me de estrangular criancinhas, independentemente do número de profetas que apareçam à minha frente com documentos assinados por YHWH reconhecidos por notários a dizerem o contrário. Nem sequer aceito que há criancinhas que vale a pena estrangular, tipo, as que não são da minha religião; nenhuma delas, seja qual for a sua raça, etnia, cultura, nação, ou religião, gostaria de ser estrangulada até à morte, independentemente das circunstâncias.

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  23. A mim parece-me que se a moral, ou "o bem", é tudo o que Deus disser, então não é objectiva. É subjectiva. Depende da opinião do sujeito deus. Se essa opinião é imutável ou não, é pouco relevante.

    Um deus omnisciente teria sem dúvida muito mais informações sobre todos os factores envolvidos num dado dilema moral, e portanto seria um sujeito muito mais qualificado para opinar. Nisso concordo. E também não sofreria das mesmas limitações impostas pelo nosso cérebro e outras limitações da condição humana.

    O que já não aceito é que deus possa fazer o que bem entender, e isso ser sempre bom e moral, só porque ele é o criador, e é omnipotente.

    Disse o Mats que «Deus, no entanto, não está sujeito a ela uma vez que 1) Ele criou a vida e como tal Ele pode fazer o que Ele quiser com ela, 2) Ele pode matar e voltar a trazer à vida.» Isto não é moral nem ético!

    Se nós humanos algum dia criarmos uma forma de vida consciente, seja ela electrónica, orgânica ou de outra natureza, isso não significa que possamos fazer, ética e moralmente, o que quisermos com essa forma de vida. Nem mesmo se a pudermos matar e voltar a trazer à vida!

    A ética diz-nos que devemos respeitar os sentimentos e vontades de um ser consciente, e igualmente que quando mais poder tivermos mais cautelosos e respeitadores devemos ser daqueles sobre os quais temos poder (não o contrário).

    Um deus que se considere ou, pior, que aja acima destes princípios, não pode ser chamado de benevolente, moral ou ético.

    É muito mais fácil, e convincente, dizer que aqueles textos foram escritos por uma tribo e como tal reflectem uma moral tribal. Uma moral do grupo, e não uma moral divina. Inventaram um deus, e uma moral, que (muito convenientemente) lhes mandava chacinar os povos da terra que eles queriam conquistar. Uma hipótese que é apoiada pelas inúmeras guerras em que pelo menos um dos lados achava ter o apoio divino.

    Já ocorrências confirmadas de divindades a mandar matar… há zero!

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  24. Ainda hoje existem tribos canibais, onde ocasionalmente o líder espiritual toma umas substancias alucinogéneas, faz umas danças e umas rezas, e no final decreta qual membro da tribo é o malfeitor que os espíritos mandam matar e comer.

    Alguém acha que há realmente deuses ou espíritos envolvidos?

    Como distinguir esta situação dos relatos do antigo testamento?

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  25. Nelson Cruz:

    Como distinguir esta situação dos relatos do antigo testamento?

    Lendo o "Antigo" Testamento.

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  26. Ludwig,

    Penso que leste a posição do Craig de forma algo apressada.
    Estás a cair no famoso dilema de Eutifro, que perguntava se a moral dos Deuses era boa porque querida pelos deuses, ou querida pelos deuses porque boa. O monoteísmo cristão resolveu o dilema. Nem uma coisa nem outra. A moral de Deus é boa porque Deus é bom. Deus é o sumo Bem, e o garante da moralidade (boa ou má), pois estabelece, pela sua essência boa, o que é normativo. Quando Deus opta livremente por castigar um pecador, ele não viola a sua essência boa, porque a essência de Deus também tem que ser justa e recta, e seria falhar à bondade se Deus tomasse o justo e o pecador pela mesma moeda.

    Creio que a posição do Craig, que nem sequer é católico (e que por isso, eu poderia rejeitar com base nalguma discordância teológica), é até uma posição bastante defensável e sólida.

    Tem é que ser analisada como ela é, e não caricaturada por uma leitura superficial.

    Abraço!

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  27. Reforço:

    ... e seria falhar à bondade e à justiça se Deus tomasse o justo e o pecador pela mesma moeda. É que bondade e justiça são duas qualidades que vão de par em par. Uma pessoa injusta não é uma boa pessoa, e uma pessoa que não é boa não é justa (não vive justamente de acordo com a bondade, ou seja, não faz o que é justo). É precisamente por isto que é fundamental a existência de um Juízo Final, de um Céu, de um Inferno. Normalmente, a posse de um conhecimento teológico imperfeito ou imaturo gera confusões desnecessárias.

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  28. Espectadores,

    «É precisamente por isto que é fundamental a existência de um Juízo Final, de um Céu, de um Inferno.»

    O inferno da tortura eterna? Isso não é justo ou benevolente. Seja para quem for.

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  29. Caro Nelson Cruz,

    Acha que o Inferno e a condenação eterna não são coisas justas?
    Não acha que os nossos actos devem ser valorizados de forma diferente, sendo os bons enaltecidos e os maus punidos?

    O que é que o irrita? A condenação, ou o facto de ela ser eterna?

    Se calhar, muda de ideias depois de ver barbaridades como esta:

    http://nadadistoenovo.blogspot.com/2011/05/tailandia-muculmanos-decapitam-crianca.html

    Só um caso de horror como este mostra, não só que o Inferno tem que existir (se há, realmente, Justiça divina), mas também que o Inferno não está vazio. O ser humano é, simultaneamente, capaz das coisas mais sublimes, mas também das mais horríveis. Logo, se Deus existe (como eu defendo que sim), e se Deus é justo (como eu defendo que sim), então o Inferno e a condenação eterna tem que ser uma realidade, tanto quanto o Céu e a salvação eterna.

    Cumprimentos

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  30. OS ERROS DO LUDWIG:

    1) Se não existem valores morais objectivos, com que base é que o Ludwig critica a Bíblia? É a sua opinião contra a da Bíblia.

    2) A crítica do Ludwig peca porque ignora que os valores divinos não são arbitrários, antes resultam da sua natureza imutável. Além disso, a crítica do Ludwig não distingue entre fazer o mal e castigar aqueles que fazem o mal.



    3) A Bíblia afirma que Deus não faz o mal, mas castiga aqueles que o fazem. A morte é o castigo do pecado. A partir do momento em que todos pecámos todos merecemos morrer. Daí o dilúvio e dai os demais castigos divinos sobre a maldade huamana.

    4) Deus é justo e por isso castiga o pecado. Mas Deus é amor e por isso sofreu ele próprio a morte devida pelo pecado para nos dar vida eterna.

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  31. «Estás a cair no famoso dilema de Eutifro, que perguntava se a moral dos Deuses era boa porque querida pelos deuses, ou querida pelos deuses porque boa. O monoteísmo cristão resolveu o dilema. Nem uma coisa nem outra. A moral de Deus é boa porque Deus é bom.»

    Espectador,

    Tenho a vaga impressão de que o monoteísmo cristão não “resolve” dilemas. O que poderemos dizer é que o monoteísmo cristão propõe soluções fantasiosas convencionadas pelo monoteísmo cristão para as dúvidas suscitadas pelo pensamento rigoroso que, mesmo depois das soluções fantasiosas, se mantêm.

    Aponto isto para que a longa tradição religiosa de inutilidade fortificada por verborreia não se sobreponha à verdadeira resolução de dilemas, como é do interesse de todos, mesmo que o dilema seja sobre a possibilidade de inventarmos deuses que inventem regras morais ou se é melhor inventá-los já ao abrigo de alguns preceitos básicos.

    Mas deixaste-me a pensar noutro aspecto muito muito muito importante. Para a bondade e justiça vertidas na nossa moral pela boa influência (?) de Deus serem coerentes com os vários livros da Bíblia teremos que considerar que Deus não apenas age from within, como age, sobretudo, from behind. Pareces divergir do Miguel Panão pelo menos neste aspecto central da teologia. Aposto que, ao contrário de ti, o Miguel não hesita em repugnar-se por Deus ter inflectido a natureza do bem quando lhe apeteceu ordenar a matança de criancinhas. E sabe-se lá que mais.


    Já agora uma pergunta.

    «se Deus existe (como eu defendo que sim), e se Deus é justo (como eu defendo que sim), então o Inferno e a condenação eterna tem que ser uma realidade, tanto quanto o Céu e a salvação eterna.»

    Voltemos à Bíblia, se faz favor, servindo-nos da moralidade que Deus nos infundiu e temos por nossa, e considerando as abominações incompreensíveis que alguns episódios bíblicos constituem, que o Espectador justifica com um Deus-sempre-bom que define a seu tempo o que é o bem e o que é o mal mesmo que nos pareça o contrário.

    Ora, deixa-cá-ver-alfredo, fazendo as contas, porque há-de esse Deus-sempre-bom condenar os actos de alguém (inscritos no tempo) para a eternidade (de bem e mal variáveis)?

    Não sei se me estou a fazer entender. É um pouco como manter na prisão um traficante de bíblias em português mesmo depois de o papa aceitar que sim senhor, escusam de ser em latim. Não bate certo com a salvação nem com a condenação eterna... A não ser, claro, que o Senhor não se preocupe tanto com o bem e o mal que fazemos como com a nossa lealdade ao que lhe dá na santa veneta. Nesse caso é a lealdade e o seu contrário que são premiadas ou condenadas eternamente. Se o que o Senhor pretende é mesmo premiar ou condenar as bondade ou maldade das nossas acções, não estou a ver como funciona o sistema.

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  32. Nestas questões morais e éticas penso que há uma grande incompreensão de parte a parte.

    Os crentes tem um razoável bom senso. Quando ele falta é que aparecem os fundamentalistas e os fanáticos.

    Regra geral os crentes sabem perfeitamente distinguir o bem do mal e agem na prática como se os deuses não existissem guardando a fé para discussões ou como conforto.

    Uma grande percentagem de portuguesas e espanholas são católicas romanas. Sabem perfeitamente que a igreja católica condena o uso de contracetivos, o divórcio ou o uso de preservativos. Poucas ou mesmo nenhumas deixam de usar a pilula ou aconselhar os filhos adolescentes a usarem preservativos. Continuam com fé mas o bom senso triunfa.

    O mesmo se passa com o crente que acredita que Deus tudo pode fazer e que faz milagres. Não lembrava ao diabo que o crente pedisse o milagre da recuperação dum membro amputado. Pode pedir, e com muita fé, antes da amputação que lhe salve o membro. Depois da operação pode pedir rápidas melhoras e que não haja infecções. Não que lhe cresça o membro (o amputado claro).

    Mesmo no pensamento mágico o lavrador sabe que tem de fazer certos rituais para ter sucesso na colheita mas sabe que os rituais por si só não deitam a semente à terra, podam e fazem a colheita.

    Ou seja. os crentes sabem que Deus é omnitudo e que há vida eterna melhor que esta. No entanto, prudentemente, evitam o mais possível morrer, não se congratulam com a morte duma criança (que iria automáticamente para o céu) nem pedem milagres impossíveis.

    Para quem não crê parece que há uma certa contradição.

    No entanto a natureza humana é assim. Por muito elaborado que seja a crença no dia a dia esbarra com a realidade dos fatos e com o principio da realidade.

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  33. Espectadores,

    A condenação e castigo podem ser justas. O que rejeito é que tortura eterna seja um castigo justo/moral/benevolente. Nem nos sistemas de justiça terrenos se aceita a tortura como forma de castigo. Alguns, como o nosso, limitam a pena máxima de prisão a 25 anos, ninguém podendo ser condenado a mais do que isso. E mesmo a prisão perpétua tem um fim... a morte.

    Castigo eterno, seja para quem mata criancinhas, seja para o Hitler, seja para quem for, não é justo.

    Já agora, se esses muçulmanos decapitaram budistas porque o Corão o manda... estão a fazer algo fundamentalmente diferente do que os judeus alegadamente fizeram no antigo testamento?

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  34. Perspectiva,

    Se não existem valores morais objectivos, com que base é que o Ludwig critica a Bíblia? É a sua opinião contra a da Bíblia.

    Em questões morais não há como fugir à opinião. Mesmo entre aqueles que se guiam pela Bíblia há, por vezes enormes, diferenças de opinião. Se metermos o Corão e outros escritos sagrados ao barulho, ainda mais. Sem hipóteses de contactar (de forma fiável, credível e partilhável) o criador das leis, não há como tirar dúvidas.

    os valores divinos não são arbitrários, antes resultam da sua natureza imutável

    Imutáveis ou não, se deus podia ter escolhido outros valores conforme a sua vontade, então são arbitrários. É a definição mesma de arbitrário.

    A morte é o castigo do pecado. A partir do momento em que todos pecámos todos merecemos morrer.

    E o castigo do pecado tem de ser a morte porquê? Alguma razão para além da vontade arbitrária do criador?

    Mas Deus é amor e por isso sofreu ele próprio a morte devida pelo pecado para nos dar vida eterna.

    Sofreu ele próprio a morte que era devida a ele próprio, segundo a sua própria regra arbitrária, resultante de uma birra irracional aquando da primeira desobediência do homem... pois...

    Como se alguém cumprir o castigo dos pecados dos outros fosse legitimo. Se o Perspectiva fosse condenado de um crime e eu me oferecesse para cumprir a pena por sua vez, acha que o juiz alinhava? Seria justo e moral?

    Também não restaurou a vida eterna imediatamente. Não restaurou a criação ao seu estado original, mal o "preço" foi pago. Ficou prometida para um dia... quando acordar bem disposto e lhe apetecer suponho. Assim uma coisa... como dizer? Arbitrária!

    Até lá, cá vamos andando pela criação amaldiçoada. E cá vamos sofrendo.

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  35. Nelson :

    É claro que sim.

    Há uns anos havia comportamentos tolerados que hoje já não o são. Matar crianças filhos de inimigos não era um mal.

    A diferença entre as nossas religiões e o Islão é que no Islão eles aínda levam aquilo a sério.

    No mundo ocidental a religião perdeu o seu caracter impositivo. No fundo já ninguém leva a religião muito a sério.

    A posição radical do Mats, Perspectiva, Espectadores, etc é a de uma minoria dentro dos crentes.

    Se as hierarquias, nomeadamente a Católica, tem alguns ataques de conservadorismo isso é mais para uso interno e para calar uns crentes mais conservadores.

    Cada vez mais as igrejas se abrem à mudança e se afastam do poder político.

    Repara que em questões que eram pontos de honra da igreja : planeamento familiar, divórcio, educação religiosa, proibição de outras crenças, imposição através da lei civil das regras religiosas, etc e etc a igreja vai-se cada vez menos preocupando com isso.

    Tem alguma caturrice quanto ao casamento gay mas não será nada que não lhes passe.

    O Islão aínda vai na época em que religião, direito, justiça e estado era tudo a mesma coisa.

    Aínda não fizeram a revolução francesa...

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  36. o islão.....e os fundamentalistas crisTãos ou os comunistas de polpot

    ou os governos portugueses dos últimos deixa cá ver 85 anos ?

    é só substituir (religião por ideologia)e essa frase dá para tudo

    revolução francesa inclusa

    a aparência de separação de esferas de poder

    necessariamente não implica a existência de tal separação

    a crise também afecta a rede neuronal deste pessoal...enfim

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