domingo, novembro 28, 2010

Modelos incompatíveis.

A minha opinião de que não é consistente defender a teoria da evolução e, ao mesmo tempo, que Deus nos criou de propósito, suscitou a objecção de que Deus poderia ter feito tudo propositadamente de forma a parecer que evoluímos. Pode ser. Se Deus é omnipotente até pode ter criado o universo a semana passada, pondo nos nossos cérebros todas as memórias de um passado ilusório. Mas o problema permanece porque as hipóteses são incompatíveis. Se defendemos que tudo foi feito propositadamente mesmo que não pareça, então estamos a rejeitar a hipótese da evolução por processos naturais sem propósito.

O João Vasco defendeu que a teoria da evolução pode ser compatível com o criacionismo católico da mesma forma que modelar a moeda como uma variável aleatória é compatível quer com a moeda cair ao acaso quer com a trajectória da moeda ser determinada por detalhes que nos escapam, incerta mas determinística (1). Mas quem defenda que a moeda cai mesmo ao acaso não pode defender também que a trajectória da moeda está perfeitamente determinada pela posição inicial, impulso e colisões. Os modelos usam as mesmas equações, porque a probabilidade tanto pode representar acaso como incerteza. E podem descrever igualmente bem o mesmo conjunto de dados. Mas dizem coisas diferentes. Um diz que é por acaso, o outro diz que não. Por isso, são incompatíveis.

Podemos imaginar um terceiro modelo que só descreve os lançamentos da moeda, com essas equações, e se abstém de dizer se a moeda cai por acaso ou de forma determinística. No entanto, o problema permanece. Este modelo não é compatível com os outros porque não faz sentido considerar dois destes três modelos como igualmente correctos. Ou dizemos que o lançamento aleatório, ou dizemos que não é, ou nos abstemos de dizer se é ou não é. Só é consistente optar por uma destas posições. Além disto, este modelo agnóstico tem o defeito adicional de não explicar nada. Descreve os resultado com as mesmas equações que os outros usam mas não diz porque hão de ser aquelas equações em vez de outras quaisquer.

Qualquer modelo criacionista para a origem da nossa espécie é incompatível com o modelo que a teoria da evolução nos dá porque o criacionismo assume que surgimos de propósito enquanto a teoria assume o contrário. Nem mesmo despojando o modelo evolucionista do seu poder explicativo, reduzindo-o apenas às equações e à descrição dos dados, se consegue resolver este problema. Tal como o modelo agnóstico da moeda, o modelo agnóstico da evolução, que se abstém de dizer se foi deus ou o acaso, é inconsistente com a afirmação de um propósito divino para a nossa origem. Ou se adopta um modelo, ou se adopta o outro. Não faz sentido defender ambos como igualmente correctos.

Ironicamente, o problema é ainda mais profundo. Os modelos evolucionistas, para qualquer espécie, descrevem os dados daquela maneira porque são instâncias particulares da teoria da evolução. Uma teoria é um esquema genérico, instanciado em modelos específicos, que unifica esses modelos diferentes sob a mesma explicação. A teoria da evolução permite derivar, do mesmo conjunto de premissas básicas, todos os modelos da origem natural das espécies. Numa população de replicadores cujas características herdadas afectam o sucesso reprodutivo, que sofrem mutações e que competem por recursos limitados, sem a acção de um ser inteligente é inevitável que a evolução decorra como esta teoria descreve. Isto justifica que se descreva o processo com estes modelos em vez de outros quaisquer porque, sem deuses, só pode ser mesmo assim.

Os criacionismos não têm qualquer teoria. Cada variante do criacionismo diz simplesmente que um deus criou o universo e ajusta o seu modelo à sua fé, ao seu livro sagrado ou tradição. Não há uma teoria subjacente que unifique vários modelos e que os justifique com premissas mais fundamentais. Criacionistas evangélicos e muçulmanos rejeitam quase tudo o que tenha que ver com evolução. Os católicos não vão tão longe, dizendo aceitar as equações e algumas explicações evolutivas. Mas todos insistem que a nossa espécie surgiu de propósito. Isto obriga a rejeitar, em cada modelo evolutivo, tudo o que justifica descrever assim esse processo, e obriga a rejeitar a explicação que unifica todos os modelos evolutivos. Ou seja, qualquer forma de criacionismo obriga a rejeitar a teoria da evolução, porque essa só se aplica a processos cegos, sem capacidade de prever ou planear resultados futuros.

A ironia está em os religiosos alegarem preocupar-se com as questões últimas mas, perante uma explicação que esclarece cabalmente a nossa origem e a origem das outras espécies, rejeitá-la em troca dos mistérios insondáveis da sua fé. Além do criacionismo ser incompatível com o conhecimento científico moderno, por rejeitar o fundamento científico de todos estes modelos, esta atitude de preferir mistérios em vez de explicações testáveis é incompatível com a própria procura de conhecimento. O que não admira porque, afinal, o papel principal das religiões é o de criar uma ilusão de autoridade e não o de tentar perceber seja o que for.

1- Comentários em Evolução: a hipótese nula.

80 comentários:

  1. O criacionismo não faz sentido nenhum mas a evolução do vivo ao acaso também não.

    O vivo é inteligente e planeia a sua própria evolução.

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  2. Claro que o modelo que diz que "tudo foi por acaso" é incompatível com o modelo que diz "tudo foi feito de modo a que no início do séc. XXI pareça que foi feito por acaso", mas a diferença entre os dois não se resolve empiricamente, ou seja, é uma discussão metafísica. Isto quer dizer que a teoria da evolução, tal como descrita pelas equações que prevêm resultados empíricos (a única coisa que importa na ciência), suporta ambos estes modelos.

    Depois, o facto de que os criacionistas serem burros e não dizerem nada de interesse sobre o assunto não fere um milímetro esta realidade.

    Aquilo que podes dizer é que é uma compatibilidade ad hoc, que adiciona elementos rebuscados elimináveis pela navalha de Ockham, que é um "modelo" inestético (e a estética é um critério muito usado em ciência, apesar de os cientistas serem um pouco tímidos em admiti-lo - excepto quando já garantiram um lugar entre os gigantes).

    Por todos estes últimos motivos, rejeito o modelo "compatível". Mas não por ser "incompatível" com a evolução.

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  3. Parece-me que o Ludwig substituiu Deus pelo "acaso" e pelo "porque sim". O "acaso" é a substituição do "mistério" dos crentes e o "porque sim" é o equivalente ao "porque Deus assim quis".

    Parece-me, também, que o Ludwig tem o equivalente aos dogmas: chama-lhes "modelos". Aquilo que critica na religião aparece aqui em todo o seu esplendor: a ilusão de autoridade. Quem não tenha um modelo, isto é, quem não siga o dogma, é "excomungado". É por isso que o meu colega perspectiva é ostracizado e até foi inventado um filtro para o tornar invisível, numa espécie de bullying blogistico.

    Claro que tudo isto não tem nada a ver com ciência. Tem a ver com o "cientismo", uma coisa completamente diferente de ciência.

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  4. Barba,

    Estás a misturar tudo. Considera estas duas hipóteses:

    1- Existem dragões voadores mágicos invisíveis.
    2- Não existem dragões voadores mágicos invisíveis.

    Não temos forma empírica de as testar directamente. No entanto, não são compatíveis entre si. É inconsistente defender que são ambas verdadeiras.

    Além disso, a hipótese 1 é incompatível com as teorias que temos para criar modelos fisiológicos, de aerodinâmica, ecológicos, etc, porque dragões voadores mágicos invisíveis não é algo que encaixe nessas teorias. Se existirem, teremos de rever essas teorias.

    Por isso, se tivermos razões para ter confiança nessas teorias, podemos rejeitar a hipótese 1 e optar pela 2 mesmo que não haja evidências directas acerca dos dragões.

    É isto que se passa com a evolução e o criacionismo. Nenhum conjunto de dados pode refutar a hipótese de um deus milagreiro. No entanto, a hipótese de que as espécies evoluíram sem plano ou propósito é incompatível com a hipótese de que foram criadas de acordo com um plano divino. É inconsistente defender ambas. Além disso, a hipótese de um plano divino não é compatível com a teoria da evolução. Se não há plano divino consegues deduzir o que acontece a uma população de replicadores nessas condições. Mas se houver plano divino não podes deduzir nada, e essa teoria já não se aplica.

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  5. António Parente,

    «Parece-me, também, que o Ludwig tem o equivalente aos dogmas: chama-lhes "modelos".»

    Os dogmas são modelos também, pois pretendem descrever algum aspecto da realidade. Por exemplo, que Maria era virgem e ascendeu ao céu corporalmente e, presume-se, de roupa vestida. A diferença é que quem defende os dogmas religiosos tende a descurar o facto de se tratarem de modelos como quaisquer outros, e presumir que os seus, só por serem aqueles em que tem fé, dispensam qualquer teste ou prova.

    «É por isso que o meu colega perspectiva é ostracizado e até foi inventado um filtro para o tornar invisível, numa espécie de bullying blogistico.»

    Ui, coitadinho. Agora é bullying não querer ler os disparates que os outros escrevem...

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  6. Diogo,

    «O vivo é inteligente e planeia a sua própria evolução.»

    Tem graça, que eu não me lembro de ter planeado a porcaria das mutações que me deram a miopia...

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  7. Ludwig,

    A confusão é toda tua, porque misturas o facto empírico "Evolução" com a teoria da selecção natural. O facto, as observações, são compatíveis com uma teoria "da selecção natural + qualquer coisa menos natural (i.e. sobrenatural)", e a própria selecção natural é compatível sempre com qualquer coisa que se lhe possa adicionar.

    O teu exemplo de dragões sofre deste problema, porque tentas naturalizar algo que foi colocado no patamar do sobrenatural. No fundo, repetes o erro básico de Dawkins (e aquilo que achei o ponto mais fraco da sua escrita). O dragão invisível é sempre "possível" metafisicamente de existir, não existe nenhum argumento lógico, atenção, lógico, que o refuta. Mas isto é exactamente o seu ponto fraco, o seu calcanhar de Aquiles, tal como todos os argumentos metafísicos (isto faz parte das razões pelas quais nego qualquer validade em qualquer afirmação metafísica).

    Depois dizes que não seria possível prever nada se houvesse plano divino. Mas isso é uma simplificação ridícula e falsa. Obviamente, se todos os passos na história fossem arbitrariamente definidos por um deus "ilógico" (teria de o ser assim para a tua afirmação se manter), terias razão. Mas se o modelo for um modelo "anfíbio", ou seja, se tiveres um universo natural com alguns toques "aqui" ou "ali" deste ser, então conseguirás fazer muitas previsões mesmo sobre esse universo.

    Portanto o que tu dizes é falso. Aquilo que aconteceria é que não conseguirias fazer as previsões sobre exactamente os momentos em que o tipo fez o seu piparote. Ou seja, não conseguirias prever tudo. Mas isto é consistente com a realidade actual, em que o conhecimento é tudo menos completo, apenas temos fragmentos que conseguimos prever. Aqueles que não conseguimos assumimos que conseguiremos no futuro, mas isto é uma indução, não uma dedução. Há sempre espaço para deus. Por isso mesmo chamam-no "Deus das lacunas".

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  8. Ludwig,

    Todas as raças têm indivíduos com problemas. Nada é perfeito. Paciência.

    Mas um órgão, qualquer que ele seja, ou um sistema circulatório não surgem por acaso.

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  9. Mas um órgão, qualquer que ele seja, ou um sistema circulatório não surgem por acaso.

    Diogo, tens alguma evidência para a tua verborreia para além de "eu digo que é assim e prontos pá, é assim"?

    Eu lembro-me de o físico Fred Hoyle apontar alguns argumentos a favor de uma teoria parecida a essa que apontas, mas sinceramente, isso já foi há cinquenta anos, e o modelo dele era esotérico, no mínimo (insinuava uma inversão da seta temporal no caso dos seres vivos, planeados por uma inteligência superior que se encontrava no futuro...). Qual é a insanidade que tu apregoas?

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  10. É por isso que o meu colega perspectiva é ostracizado e até foi inventado um filtro para o tornar invisível, numa espécie de bullying blogistico.

    Portanto, sou obrigado a ler a diarreia mental mais prolongada da internet se não quiser ser apelidado de Bullying?

    Se mais evidências faltassem à falta de senso moral dos religiosos, here you have one more...

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  11. Diogo,

    «Mas um órgão, qualquer que ele seja, ou um sistema circulatório não surgem por acaso.»

    Claro que não. Também não é por acaso que a chuva cai para baixo em vez de cair para cima. Os órgãos surgem pelo processo natural da acumulação de mutações em linhagens de organismos que passam as suas características aos seus descendentes e cujas características influenciam a probabilidade de deixar descendentes.

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  12. Barba,

    As hipóteses sobrenaturais são sempre compatíveis com quaisquer dados. É esse o seu papel, não dizer nada para encaixar em tudo.

    Mas as hipóteses sobrenaturais serem compatíveis com os dados não quer dizer que sejam compatíveis com outras hipóteses que não envolvem o sobrenatural.

    Quando dizes:

    «O teu exemplo de dragões sofre deste problema, porque tentas naturalizar algo que foi colocado no patamar do sobrenatural.»

    Dás a entender que alguém colocou os dragões num patamar ou noutro. Isso é falso. Os dragões estão, ou não estão, onde estiverem, ou não estiverem. O que se coloca são hipóteses.

    E a hipótese do dragão como algo que se pode modelar usando as teorias que temos para a fisiologia, ecologia e aerodinâmica é inconsistente com a hipótese de que o dragão é sobrenatural.

    E isto não tem nada que ver com o que o dragão é ou deixa de ser, porque estamos a falar das hipóteses, não do dragão em si.

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  13. Barba Rija, como diabo aparece um fígado com tantas funções e todas as suas ligações ao resto do corpo «por acaso»?


    Ludwig, a acumulação de mutações ao acaso conduzem apenas a desordem por muito eficaz que seja a «selecção natural».

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  14. Fonix. Segui o link do Facebook até aqui para ler todo o comentário do Ludi (acho já ninguém te trata assim não é?) farto das tretas construtivistas da “área das letras”, a que pertenço, e chego aqui onde pensava ir ler algo interessante sobre a teoria da evolução e dou com uma discussão caquéctica (acho que agora isto se escreve sem o ‘c’ mas não quero saber) de âmbito metafísico?!?!? Que diabo, mas ainda alguém acredita em deus(es)?! OK, e no Pai Natal? e no Milagre de Fátima? e no Sócrates (não, não é esse é mesmo no nosso intrépido líder que, como esse, espero venha a ter o mesmo triste fim).
    Já que aqui não se está a discutir ciência deixo uma poesia com o título“Os Esperançosos” pedindo desculpa aos que sabes alemão pois é do Bertolt Brecht (1898-1956) e a tradução deve estar uma lástima mas é o seu sentido que me interessa:
    Por que esperam?
    Que os surdos se deixem convencer?
    E que os insaciáveis
    Lhes devolvam algo?
    Os lobos os alimentaram, em vez de devorá-los!
    Por amizade
    Os tigres convidarão
    A lhes arrancarem os dentes!
    É por isso que esperam.

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  15. Carlos,

    Sim, ainda há muita gente que acredita em deuses, no criacionismo, e até que o pai natal é algo muito diferente dessas coisas. É a vida. O melhor que se arranja é ir discutindo as coisas. É isso, ou alguém sacar da bastard sword e tirar 20hp ao cretino que está à sua frente ;)

    Mas se queres posts mais sobre a evolução, há cá muita coisa. Segue este link e vai andando para baixo. Alguns são sobre os disparates criacionista (este blog é para desabafar das tretas, afinal) mas alguns são sobre a evolução. Enjoy :)

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  16. Diogo,

    «Ludwig, a acumulação de mutações ao acaso conduzem apenas a desordem por muito eficaz que seja a «selecção natural».»

    Sim. Mas elas não se acumulam ao acaso. Surgem ao acaso, mas se se acumulam na linhagem ou não depende do efeito que têm no organismo. Não é por acaso que uma mutação que mate o feto tem menos sucesso reprodutivo que uma que o ajude a crescer.

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  17. ONDE O LUDWIG ACERTA E ONDE ELE ERRA

    Concordamos com o Ludwig quando ele afirma que não não é consistente defender a teoria da evolução e, ao mesmo tempo, que Deus nos criou de propósito.

    Em primeiro lugar, a Bíblia, que se apresenta a ela própria como Palavra de Deus, afirma expressamente que Deus criou tudo através da sua Palavra omnisciente e omnipotente.

    Se Deus tem toda a informação e todo o poder, não se compreende porque iria escolher o processo mais irracional, mais ineficiente e mais cruel para criar o Universo.

    Além disso, a ciência diz-nos que toda a vida depende de informação codificada e que esta depende de inteligência. Além disso, a ciência diz-nos, como bem mostrou o Ludwig, que os seres vivos se reproduzem de acordo com o seu género, tal como a Bíblia diz.

    É por isso que, como bem mostrou o Ludwig, gaivotas dão gaivotas, moscas dão moscas, bactérias dão bactérias, pelicanos dão pelicanos, etc.

    Também é verdade, como bem mostrou o Ludwig, que alguns órgãos tendem a deteriorar-se e a perder a sua função, o que também corrobora o que a Bíblia diz sobre a corrupção que afecta toda a natureza criada.

    Não existe verdadeiramente qualquer prova da evolução. O que existe, como o Ludwig reconhece, é um conjunto de modelos evolucionistas que partem do princípio de que existiu a evolução (embora sem provar a evolução) e depois procuram interpretar os dados a partir desses modelos.

    Às vezes as coisas parecem encaixar, outras vezes não, como quando surgem tecidos moles em ossos não fossilizados de T.Rex, de Hadrossauros, ou quando surgem fósseis de camarões alegadamente com 300 milhões de anos mas em tudo idênticos aos camarões actuais.

    Contrariamente ao que diz o Ludwig, a Bíblia tem efectivamente uma teoria.

    Ela diz que Deus criou o mundo em 6 dias e a verdade é que desde então a energia do Universo permanece constante.

    Ela diz que a vida foi criada inteligentemente, e a verdade é que a vida depende de informação codificada.

    Ela diz que os seres vivos se reproduzem de acordo com o seu género e é isso que nós vemos em todos os casos.

    Ela diz que o mundo está afectado pela corrupção e a verdade é que as mutações e a selecção natural diminuem a quantidade e a qualidade de informação codificada no genoma.

    Ela diz que existiu um dilúvio global, e a verdade é que existem triliões de fósseis de seres vivos, na sua maioria marinhos, abruptamente sepultados nos cinco continentes.

    Dizer que a Bíblia é incompatível com o conhecimento científico é um disparate. Aqui o Ludwig erra.

    O conhecimento científico postula a estrutura racional do Universo, da vida e do ser humano. Sem esses postulados a ciência nem sequer é possível.

    A Bíblia afirma a verdade desses postulados e explica porque é que eles são verdadeiros: o Universo, a vida e o homem foram criados racionalmente por um Deus racional.

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  18. Ludwig,
    Parece-me que, no ímpeto que levas para persuadir os que discordam de ti, não leste com a devida atenção os argumentos que já te apresentaram.
    Volto a lembrar que a questão que te colocaram e que tu te propuseste responder foi "como deveria ser a teoria da evolução para que fosse compatível com um deus criador?".
    Não vejo que a tenhas procurado responder. Ao invés disso polarizaste a discussão em torno de hipóteses incompatíveis, como se a diferença entre "acaso" e "indeterminável à escala humana" fizesse alguma diferença para o poder explicativo da teoria da evolução. A questão não foi colocada por um criacionista ou evangélico, mas sim por um católico sofisticado que é também um homem de ciência, por isso é irrelevante argumentares com as incoerências daqueles.
    O que mais estranho aqui nem é a tua insistência em argumentares num cenário completamente diferente do que te foi colocado inicialmente (até entendo que queiras marcar pontos a todo o custo ;)), mas sim a ausência do Alfredo Dinis desta discussão.
    Não sou católico mas se fosse não teria qualquer dificuldade em compatibilizar a teoria da evolução com um deus criador, sem sofrer qualquer dissonância cognitiva.
    Penso que estaremos de acordo no seguinte ponto:
    - Uma vez criadas e mantidas as condições propícias à vida e desde que decorrido o tempo suficiente, a evolução (ao sabor do verdadeiro acaso tal como tu a concebes) levará inevitavelmente ao surgimento de organismos inteligentes e conscientes, com regras sociais e sentido ético e moral.
    Ora parece-me que quando os católicos dizem que deus criou o homem à sua imagem são estes últimos atributos que verdadeiramente importam, e não se o acaso da evolução levou a biologia para seres com 3 olhos, 5 patas ou qualquer outra coisa que consigas imaginar.

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  19. As hipóteses sobrenaturais são sempre compatíveis com quaisquer dados. É esse o seu papel, não dizer nada para encaixar em tudo.

    Mas as hipóteses sobrenaturais serem compatíveis com os dados não quer dizer que sejam compatíveis com outras hipóteses que não envolvem o sobrenatural.


    O problema é que as "hipóteses que não envolvem o sobrenatural" nunca conseguem *ganhar* empiricamente às "hipóteses que envolvem o sobrenatural".

    Isto é o que te tenho dito e que estás continuamente a ignorar.

    «E a hipótese do dragão como algo que se pode modelar usando as teorias que temos para a fisiologia, ecologia e aerodinâmica é inconsistente com a hipótese de que o dragão é sobrenatural.»

    O teu problema é que insistes na colocação do dragão como "algo que se *pode* modelar" usando as tais teorias "naturalistas", quando o que se propôs não foi isso. A hipótese é que o dragão *não se submete às mesmas "leis" naturais* que o resto das coisas que têm de se submeter a regras básicas de fisiologia, ecologia e aerodinâmica.

    Tu tens um martelo e tudo te parece um prego. Não é assim.

    Aquilo que podemos dizer é que, dada a total falta de "empiricalidade" destas teorias, é-nos impossível, enquanto seres que partilham um conhecimento empírico da realidade, ter *qualquer conhecimento* desta hipotética realidade. Wittgenstein: não fales do que não sabes. Logo, qualquer discussão sobre "deus" é uma treta. Logo qualquer religião, qualquer coisa que "remeta" para a discussão metafísica é uma treta.

    Mas como vês, lá por ser treta, não quer dizer que seja "incompatível". Compatível é-o e bem, e é esse o problema: é compatível *com tudo o que lhe atires*. É impossível de falsificá-lo.

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  20. «Barba Rija, como diabo aparece um fígado com tantas funções e todas as suas ligações ao resto do corpo «por acaso»?»

    Não tem nada a ver com o diabo. Educa-te e aprende. Compra uns livros sobre o assunto. Aprende matemática. Talvez, com preserverança, chegues lá.

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  21. Paulo Sustelo,

    A teoria da evolução é um esquema conceptual genérico. Dada uma população de replicadores que sofre mutações aleatórias e que se reproduz, competindo por recursos escassos, em função de características herdadas, podemos derivar várias relações e formulá-las matematicamente.

    Essa teoria depois pode ser detalhada para organismos com reprodução sexuada, para selecção sexual, efeitos estocásticos em populações pequenas, mutações neutras e uma data de outras coisas, dando depois os modelos da evolução das espécies.

    Mas se propões um cenário em que uma população de replicadores vai mudando ao longo do tempo de acordo com um plano divino essa teoria, esse esquema conceptual genérico, simplesmente não se aplica. Dessa premissa não se pode derivar nada daquilo que a teoria da evolução nos dá. Se o universo tem um criador e as espécies vão mudando de acordo com o seu plano, a teoria da evolução não se aplica aos organismos vivos neste universo. Precisamos de outra teoria para cá, uma criacionista.

    Depois há o alegado problema, onde o Barba insiste, que é de hipóteses não falsificáveis serem impossíveis de falsificar. Duh. Pois são. Mas isso nem é problema porque hipóteses não falsificáveis, precisamente pela mesma razão, são também impossíveis de justificar.

    Finalmente, há a questão inicial de ser perfeitamente consistente acreditar na evolução humana e acreditar que a nossa espécie surgiu pelo plano divino. Isso é falso. Não é consistente porque o modelo da evolução humana que temos é uma instanciação da teoria da evolução a este caso particular, e essa teoria presume que não há qualquer plano. Porque, se houver, a teoria não se pode aplicar. Se assumires que uma população de replicadores está sob o controlo total de seres omnipotentes não podes deduzir absolutamente nada acerca do que vai acontecer.

    Este é o tipo de problemas que encontras com a diferença entre aleatório e planeado. Se assumes que os lançamentos das moedas se conformam com algumas premissas de independência, de para onde tendem as frequências no infinito, etc, podes modelá-la com as teorias das probabilidades. Mas se assumes que a moeda está controlada por um ser inteligente essas teorias não se aplicam. Nem podes alterá-las para modelar uma moeda que Deus controla.

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  22. Barba,

    «O problema é que as "hipóteses que não envolvem o sobrenatural" nunca conseguem *ganhar* empiricamente às "hipóteses que envolvem o sobrenatural".»

    Enganas-te. Hipóteses falsificáveis ganham empiricamente às não falsificáveis porque, ao contrário destas últimas, podem ser justificadas pelo facto dos dados não as falsificarem, coisa que às não falsificáveis não ajuda nada por ser trivial.

    «A hipótese é que o dragão *não se submete às mesmas "leis" naturais* que o resto das coisas que têm de se submeter a regras básicas de fisiologia, ecologia e aerodinâmica.»

    Nesse caso, ocorre que:

    A) Não há razão nenhuma para aceitar essa hipótese como verdadeira porque nada a distingue de infinitas outras alternativas equivalentes.

    B) Esse modelo do dragão continua a não ser consistente com o outro modelo. Por isso, alguém que aceite modelar o dragão segundo a biologia e fisiologia que conhecemos será inconsistente se, ao mesmo tempo, insistir em modelá-lo como algo sobrenatural.

    É o que se passa com a evolução humana. Os católicos propõem dois modelos incompatíveis para este processo: o naturalista da evolução, e o sobre-natural da criação. Mesmo que ambos sejam compatíveis com os dados, em virtude do último ser impossível de falsificar, continua a ser necessário escolher um ou outro para evitar a inconsistência.

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  23. Ludwig,
    coloco aqui novamente o meu último parágrafo, parece-me que te escapou o meu argumento: è como que o princípio antrópico "subscrito" por deus

    Penso que estaremos de acordo no seguinte ponto:
    - Uma vez criadas e mantidas as condições propícias à vida e desde que decorrido o tempo suficiente, a evolução (ao sabor do verdadeiro acaso tal como tu a concebes) levará inevitavelmente ao surgimento de organismos inteligentes e conscientes, com regras sociais e sentido ético e moral.
    Ora parece-me que quando os católicos dizem que deus criou o homem à sua imagem são estes últimos atributos que verdadeiramente importam, e não se o acaso da evolução levou a biologia para seres com 3 olhos, 5 patas ou qualquer outra coisa que consigas imaginar.

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  24. Paulo Sustelo,

    Se são esses os atributos ou não, também não sei. Mas o problema não é se seria possível um deus ter guiado este processo. É essa também a confusão do Barba. O problema é que, se assumimos que um deus guiou este processo, então deixamos de ter justificação para aplicar a teoria da evolução.

    Considera que numa população de entidades que se replicam competindo por recursos escassos algumas características hereditárias afectam o sucesso reprodutivo. Se assumires que não há qualquer influência externa, podes deduzir daqui que será mais provável um aumento na frequência das características que se correlacionem com maior sucesso reprodutivo.

    Mas se assumires que há um ser omnipotente a guiar o processo não podes concluir o mesmo. Uma característica hereditária pode ser muito boa para o sucesso reprodutivo mas esse deus decidir que é pecado e afligir esses organismos todos com hemorróidas ou o que calhar.

    O ponto principal, que reitero, é este: se uma população de replicadores estiver sob a influência de um ser inteligente que guie a forma como as características vão variando, a teoria da evolução não se aplica. É o que se passa com os organismos transgénicos, por exemplo.

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  25. Ludwig,
    não sei se entendeste mas, devido ao impasse em que estávamos porque não consegues digerir a ideia de deus actuar aqui e ali e ainda assim o processo ser aleatório à nossa escala, coloquei um cenário diferente.
    Neste cenário a evolução decorre sem qualquer intervenção de deus, eventualmente (mas não necessariamente) este poderia ter dado uma ajudita para a "ignição" dos primeiros replicadores na origem da vida.
    O que eu afirmo é que este processo cego produzirá inevitavelmente (ao fim de tempo suficiente) organismos inteligentes e conscientes, com regras sociais e sentido ético e moral. Penso que poderás concordar com isto!
    É irrelevante a forma biológica final. Por mero acaso o organismo mais representativo dessas características é o primata homo sapiens, mas se o acaso tivesse levado noutro sentido seria um réptil ... ou um marsupial ou whatever.
    O que eu penso é que este resultado “organismos inteligentes e conscientes, com regras sociais e sentido ético e moral” é que é essencial para o pensamento católico moderno ( a tal imagem de deus) e não os detalhes particulares da biologia que o materializa.
    Neste sentido deus seria simplesmente a condição de possibilidade do processo evolução: - interpretação que muitos católicos fazem.

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  26. Ludwig,

    «Enganas-te. Hipóteses falsificáveis ganham empiricamente às não falsificáveis porque, ao contrário destas últimas, podem ser justificadas pelo facto dos dados não as falsificarem, coisa que às não falsificáveis não ajuda nada por ser trivial»

    Isso não é "ganhar empiricamente", estás a fazer-te de troll ou quê? Eu fui bem explícito no que disse. Essa crítica às teses metafísicas não é "empírica". Empiricamente, ambas as teorias passam o teste. Aquilo que a teoria mais rebuscada não passa é o teste do falsificacionismo e o critério de Ockham. Mas estes critérios não são absolutos, são apenas ferramentas heurísticas da metodologia científica. Quer isto dizer que não existe aqui uma prova da incompatibilidade da coisa.

    «A) Não há razão nenhuma para aceitar essa hipótese como verdadeira porque nada a distingue de infinitas outras alternativas equivalentes.»

    Claro. Aqui tens toda a razão, e é o que eu também disse. Mas depois batemos no problema da "revelação" e das escrituras, etc. Isso é outra liga.

    «B) Esse modelo do dragão continua a não ser consistente com o outro modelo. Por isso, alguém que aceite modelar o dragão segundo a biologia e fisiologia que conhecemos será inconsistente se, ao mesmo tempo, insistir em modelá-lo como algo sobrenatural.»

    Mas ninguém, excepto tu, insiste em modelar o dragão como obedecendo às leis naturais que já conheces. É este o teu erro que ainda não reconheceste, o teu ângulo morto, por assim dizer. Se deus existe, ele é bem capaz de ter desenhado o universo como o vemos, com selecção natural e tudo, e depois ter dado uns piparotes aqui e ali. Esta observação nada tem de incoerente.

    É como ver duas caixas num espaço, uma azul e outra vermelha. Dizes-me "mas como a caixa é azul, é inconsistente com a caixa ser vermelha!". Mas há duas, não há uma. É perfeitamente possível ver uma caixa azul e outra vermelha. São "inconsistentes" entre si? Mas isso é completamente irrelevante, porque não são a mesma! E escusas-te de me convenceres que isto é treta, pois eu também o sei, mas não estás a definir o problema correctamente.

    A outra ideia é a do Paulo, com a qual não concordo tanto, é mais fácil encontrar incoerências entre esse modelo "de condição de possibilidade" com o modelo da selecção natural. Pois não-me é assim tão óbvio que a inteligência saia assim tão "naturalmente" das consequências da SN, nem a moral, etc. Deus teria, por assim dizer, demasiadas "imagens". E qual seria a correcta, agora que sabemos que esse mar de possibilidades nos poderia levar a sermos uns seres moralmente repelentes, pese embora a sua eficácia na sua sobrevivência?

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  27. Barbas,
    de facto não é óbvio nem tenho forma de demonstrar essa conjectura.
    No entanto parece-me bastante plausível: na biologia terrestre (a única que conhecemos ;)) várias espécies possuem aqueles atributos como é o caso dos elefantes, chimpanzés e golfinhos. Não existem diferenças qualitativas entre os humanos e eles, somente quantitativas!

    Parece-me linear que, dentro de um universo de pressões selectivas, haverá sempre algumas que favorecem o desenvolvimento da inteligência e da sociabilidade. Daí até chegar à consciência e à ética e à moral é um “simples” passo evolutivo. E não vejo que daí advenham soluções fundamentalmente diferentes para os principais problemas éticos e morais

    Provavelmente esses seres estranhos e esotéricos que são os biólogos teóricos ;) já estudaram o tema mas confesso que não tive pachorra para indagar.

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  28. Paulo Sustelo,

    «não sei se entendeste mas, devido ao impasse em que estávamos porque não consegues digerir a ideia de deus actuar aqui e ali e ainda assim o processo ser aleatório à nossa escala, coloquei um cenário diferente.»

    O problema não é a digestão da ideia. Imagina que atiras uma moeda ao ar 100 vezes. Se assumires o que normalmente se assume acerca das moedas (aleatoriedade ou incerteza), então justifica-se modelares esses lançamentos como variáveis aleatórias independentes. Agora imagina que assumes, adicionalmente, que nos lançamentos 38, 59 e 96 um deus interveio e determinou, pela sua vontade e de acordo com o seu plano, qual o resultado desses lançamentos.

    Concordo que não consegues falsificar esta hipótese adicional, que será compatível com o que quer que seja que observas. Mas nota que, se assumes que isto é verdade, terás de modelar esses lançamentos de forma diferente dos outros. Não podes assumir que são independentes, nem que são variáveis aleatórias (no sentido de teres resultados diferentes se os repetisses nas mesmas condições), etc. Na verdade, não podes assumir nada acerca desses lançamentos.

    «Neste cenário a evolução decorre sem qualquer intervenção de deus,»

    OK. Se Deus criar uma população de bactérias numa caixa de Petri e as deixar em paz, sem fazer nada, elas vão evoluir, e a descrição mais correcta desse processo será a teoria da evolução. Aí estou de acordo. Mas esse é um cenário deísta, a ideia de um deus que constrói o universo e vai-se embora, deixando tudo a operar naturalmente. Esse cenário é contrário ao que os católicos defendem (até porque deixava de fazer sentido ter padres, nesse caso).



    Essa é uma questão interessante mas em aberto. Será que o tempo médio de duração de uma estrela capaz de suportar vida num planeta é suficiente para que a probabilidade de organismos desses surgirem ser alta? Não faço ideia. Há demasiadas variáveis. Mas isso é outro problema :)

    Portanto, se defendes que Deus criou o universo e esperou, deixando tudo andar normalmente, até que surgisse vida e evoluísse em algo capaz de rezar, a teoria da evolução continua a dar uma descrição correcta desse processo. Mas essa ideia parece-me fundamentalmente diferente da descrição católica da evolução humana.

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  29. Barba,

    «Essa crítica às teses metafísicas não é "empírica". Empiricamente, ambas as teorias passam o teste.»

    Não. Há duas fases do teste empírico para avaliar a plausibilidade de um modelo.

    Primeiro, tens de ver se há contradição entre o que o modelo prevê e os dados. Se houver, o modelo vai para o lixo, falsificando-se a hipótese do modelo descrever correctamente esse sistema.

    Mas depois tens de avaliar se é plausível o modelo concordar com os dados mesmo que esteja errado. Por exemplo, supõe que recolhes informação sobre a alimentação dos criminosos para testar o modelo segundo o qual o pão torna as pessoas criminosas. Como todos os criminosos comem pão, concluis que o teu modelo não está em contradição com os dados. Mas agora tens de pensar se será plausível haver essa concordância mesmo estando o modelo errado, mesmo que o pão não tenha nada que ver com o crime. Como isso é perfeitamente plausível, pois toda a gente come pão, o teu modelo falha o teste empírico.

    Se por “teste empírico” queres dizer exclusivamente a falsificação do modelo, então também não te podes admirar que um modelo que não seja falsificável não reprove nesse teste. Mas nesse caso estás a omitir um passo importante no teste empírico de modelos, e a considerar só parte da história.

    «Mas ninguém, excepto tu, insiste em modelar o dragão como obedecendo às leis naturais que já conheces.»

    Acho que te enganas. Pensa bem no que fazes para decidir que não há dragões. Usas precisamente as leis naturais que conheces como base para os teus modelos. Porque a alternativa é fazer como fazem os crentes: rejeitar esse conhecimento e inventar um modelo sem qualquer fundamento teórico.

    «É como ver duas caixas num espaço, uma azul e outra vermelha. Dizes-me "mas como a caixa é azul, é inconsistente com a caixa ser vermelha!". Mas há duas, não há uma. É perfeitamente possível ver uma caixa azul e outra vermelha.»

    Claro que sim. Nas caixas isso está correcto. Mas a evolução humana é só uma. Se assumirmos que não foi guiada conseguimos deduzir uma data de coisas, as tais relações expressas na teoria da evolução, e instanciar isso com os dados de que dispomos para criar modelos testáveis e assentes em princípios básicos que os explicam como sendo consequência inevitável daquelas condições. Mas se assumimos que um deus põe lá o dedo esse esquema deixa de ter fundamento. A partir daí é tudo ad hoc.

    O cenário do Paulo Sustelo resolve isso no que toca à teoria da evolução. Deus criou o universo, ou o planeta, ou os primeiros seres vivos, e foi-se embora. OK, a partir daí podemos descrever o que se seguiu com esta teoria. Mas isso é deísmo, que me parece ser bem diferente daquilo que os católicos defendem.

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  30. «O João Vasco defendeu que a teoria da evolução pode ser compatível com o criacionismo católico da mesma forma que modelar a moeda como uma variável aleatória é compatível quer com a moeda cair ao acaso quer com a trajectória da moeda ser determinada por detalhes que nos escapam, incerta mas determinística (1). Mas quem defenda que a moeda cai mesmo ao acaso não pode defender também que a trajectória da moeda está perfeitamente determinada pela posição inicial, impulso e colisões. Os modelos usam as mesmas equações, porque a probabilidade tanto pode representar acaso como incerteza.»

    Vamos pôr as coisas assim:

    Uma teoria (A) diz que o número de Galafrágios que aparecem por dia é uma variável aleatória que corresponde a um número aleatório inteiro entre 1 e 10, ao qual se soma 5, e se divide por 3, e se subtrai o resto inteiro desta divisão.

    Outra teoria (B) diz que o número de Galafrágios que aparecem por dia é 2.

    Outra teoria (C) diz que o número de Galafrágios que aparecem por dia é igual ao número do dia do mês.

    Outra teoria (D) diz que não existem Galafrágios.

    Alguém acredita que o número de Galafrágios que aparecem por dia é uma variável aleatória que corresponde a um número determinado por detalhes que nos escapam (de forma incerta mas determinística) inteiro entre 1 e 10 (na prática tanto calha um valor como qualquer outro), ao qual se soma 5, e se divide por 3, e se subtrai o resto inteiro desta divisão.

    Tu podes dizer que as crenças desta pessoa são incompatíveis com qualquer teoria dos meus exemplos, mas isso é um preciosismo sem sentido em muitos contextos. Na prática, naquilo que é importante em termos científicos, as crenças dela são perfeitamente compatíveis com a teoria A.

    Mas isto é porque neste exemplo "teoria A" está definido com muito rigor. Se a teoria A não fizer qualquer menção ao processo que dá origem ao valor entre 1 e 10, se é "realmente" aleatório ou determinístico, então as crenças deste indivíduo são PERFEITAMENTE compatíveis com a teoria A.

    Na verdade, creio que poderíamos discutir isto: se a crença dos católicos sofisticados é perfeitamente compatível com a teoria da evolução excepto no que diz respeito a detalhes metafísicos sem importância científica prática; ou se a compatibilidade é completamente perfeita mesmo em última análise. Parece-me uma discussão que não faz grande sentido - naquilo que importa realmente é perfeitamente claro que as crenças católicas no que diz respeito à vida em geral podem ser perfeitamente compatíveis com a teoria da evolução. Faço a excepção no que diz respeito às palavras de João Paulo II sobre a evolução do homem em particular.

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  31. Este comentário foi removido pelo autor.

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  32. "É por isso que o meu colega perspectiva é ostracizado e até foi inventado um filtro para o tornar invisível, numa espécie de bullying blogistico."

    Esta é a piada do ano! Precisamente pq já me ocorreu várias vezes, que a participação do Perspectiva neste blog roça o "cyberbullying" e o "cyberstalking". O Perspectiva insere repetidamente os mesmos comentários, com os mesmos argumentos que já foram rebatidos n vezes, em praticamente TODOS os posts do Ludwig seja qual for o assunto do mesmo. E nem sequer pede desculpa pelo offtopic. Simplesmente despeja a sua "cassete" e pronto.

    Isto é no mínimo uma falta de respeito. É mover uma perseguição a quem tem todo o direito de não querer debater os mesmos argumentos vezes sem conta. Muita paciência tem o Ludwig para não apagar os comentários repetidos e fora do assunto do Perspectiva.

    O referido script não faz mais senão automatizar aquilo que os leitores assíduos deste blog já fazem por reflexo: passar à frente os comentários do dito cujo. Se isto é bullying...

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  33. Faço a excepção no que diz respeito às palavras de João Paulo II sobre a evolução do homem em particular

    Fiquei curioso, João Vasco. Podes fornecer o link?

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  34. João Vasco,

    Parece-te um preciosismo porque, nos exemplos dos Galafrágios, tu chamas teoria às previsões do modelo. Estás, como o Barba, a focar exclusivamente aquilo que o modelo prevê que se vai observar, descurando o que o modelo diz acerca do mecanismo que dá esse resultado e a teoria a partir da qual o modelo se pode deduzir. E é aí que reside o problema.

    “o número de Galafrágios que aparecem por dia é igual ao número do dia do mês” é uma previsão acerca do que se observa. Se isto for parte de um modelo, esse modelo terá de dizer algo como “os Galafrágios hibernam em colónias escondidos e vão saindo, um por dia, da sua toca” (ou o que for, de onde se preveja que o número é igual ao dia, com este exemplo inventado é difícil encontrar um modelo que faça sentido :)

    A teoria será algo genérico que explique, por exemplo, porque é que hibernam em colónias, etc.

    É o que se passa na teoria da evolução. Uma previsão do modelo pode ser, por exemplo, que a resistência aos antibióticos vai aumentar se matarmos quase todas as bactérias com um antibiótico e deixarmos as restantes reproduzir-se. O modelo permite prever isto porque descreve que as bactérias mais sensíveis morrem primeiro, restando as mais resistentes. E este modelo deriva de uma teoria, um esquema genérico, que descreve em abstracto o comportamento de populações de replicadores, sejam quais forem, em certas condições específicas, entre as quais não haver interferência de seres inteligentes.

    Neste caso, como uma população de replicadores em competição sem um supervisor inteligente que possa interferir vai mudando ao longo das gerações favorecendo os atributos herdados que maximizam a reprodução, então uma população de bactérias em presença do antibiótico vai evoluir favorecendo as mais resistentes, pelo que se vai observar que, nas gerações seguintes, a resistência será maior. Aqui temos a previsão, o modelo que descreve o que se passa fora da nossa observação, e a explicação para modelar o processo dessa maneira.

    Mas se assumes que há intervenção inteligente a teoria não se aplica. Uma população de replicadores em competição sujeitos à vontade de um deus omnipotente pode evoluir de qualquer maneira. Não é obrigatório que tenda a favorecer as características correlacionadas com o maior sucesso reprodutivo (em casos extremos, esses podem ser todos eliminados num dilúvio, por exemplo). Nesse caso, quando aproveitas a parte do modelo que dá a previsão correcta tens o mesmo ajuste aos dados, como nos exemplos dos Galafrágios, mas não tens mais nada. Não tens o modelo do processo nem a explicação que o fundamente.

    E exigir isso não é um mero preciosismo. É a diferença enorme entre ter umas equações sem saber porquê e compreender um fenómeno que se consegue explicar em profundidade.

    Outro exemplo, a jogar pelo seguro. A teoria da relatividade deriva-se de princípios muito básicos, como a velocidade da luz ser constante por depender de algo fundamental no universo (a propagação de campos electromagnéticos). Daí vem a deformação do espaço-tempo, a gravidade, e disso deriva-se os modelos para a queda da maçã e a órbita da Lua, de onde temos equações que prevêem a posição em função do tempo.

    Se acrescentares a isso a hipótese de que é Deus que faz a gravidade, a previsão pode ser a mesma, usando as mesmas equações, mas perdes toda a explicação anterior. Porque agora a gravidade não é consequência dessas premissas fundamentais mas um capricho da divindade.

    O deísmo é consistente com a teoria da evolução, visto que presume que o deus deixou de intervir muito tempo antes de haver evolução sequer. Mas o teísmo católico não é, porque assume que esse deus ainda agiu até à origem da nossa espécie, pelo menos, e por isso não se verificam as condições necessárias para aplicar a teoria da evolução. Podemos guardar as equações, mas ficamos sem explicação para que sejam essas em vez de outra coisa qualquer. E isso não é um mero preciosismo, porque o objectivo da ciência não é só ter equações. É percebê-las e perceber de onde vêm.

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  35. «Mas depois tens de avaliar se é plausível o modelo concordar com os dados mesmo que esteja errado. Por exemplo, supõe que recolhes informação sobre a alimentação dos criminosos para testar o modelo segundo o qual o pão torna as pessoas criminosas. Como todos os criminosos comem pão, concluis que o teu modelo não está em contradição com os dados. Mas agora tens de pensar se será plausível haver essa concordância mesmo estando o modelo errado, mesmo que o pão não tenha nada que ver com o crime. Como isso é perfeitamente plausível, pois toda a gente come pão, o teu modelo falha o teste empírico.»

    Há aqui uma confusão dos diabos, ou então um strawman deliberado. Uma coisa é falsificacionismo, outra é verificacionismo. Sim, com esse teste não consegues sustentar a tese de que o pão cria criminosos, mas também não consegues falsificá-la. E se o teu propósito não é "sustentar" mas apenas demonstrar a "compatibilidade dos modelos" (lembras-te do título do post?), então não só não tens razão nenhuma como ainda por cima te distrais com questões que não foram para aqui chamadas...

    «Se por “teste empírico” queres dizer exclusivamente a falsificação do modelo, então também não te podes admirar que um modelo que não seja falsificável não reprove nesse teste. Mas nesse caso estás a omitir um passo importante no teste empírico de modelos, e a considerar só parte da história.»

    Pouco importa. Porque o propósito da discussão não é sobre se deus existe ou não, e se as evidências da sua existência estão em falta ou não, porque acho que concordamos bastante bem nesse ponto em particular. Aquilo em que discordamos é na "compatibilidade dos modelos", e desde que o modelo criacionista "sofisticado" seja compatível com os dados empíricos, seja qual for o seu sabor específico, não podes dizer que é "incompatível" com o facto da evolução. Isto acontece quase por definição!

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  36. «Acho que te enganas. Pensa bem no que fazes para decidir que não há dragões. Usas precisamente as leis naturais que conheces como base para os teus modelos. Porque a alternativa é fazer como fazem os crentes: rejeitar esse conhecimento e inventar um modelo sem qualquer fundamento teórico.»

    Eu penso e digo-te que não é nada disso. Eu "sei" que não há dragões depois de um raciocínio diverso. Primeiro porque se esse dragão for "natural", então aplico-lhe critérios empíricos, tento, como tu, compatibilizar o "dragão invisível" com questões físicas e fisiológicas, etc. Segundo, apercebo-me que a pessoa que me fala do dragão não é deus, isto é, é uma pessoa como eu. Tenho todo o direito de lhe pedir evidências desta barbaridade antes de aceitar a sua tese. Terceiro, se esse dragão for "sobrenatural", então não lhe posso nem aplicar raciocínios científicos nem pedir a pessoas que me dêem evidências empíricas. Mas posso, tal como no segundo ponto, aperceber que quem me fala é uma pessoa como eu, não é deus. Logo, ela tem tanto conhecimento do sobrenatural como eu, ou seja, zero. Logo, ela nunca me há de convencer da existência deste sobrenatural apenas pela asserção da sua tese. Mas como ela não tem mais métodos para me convencer, falha na sua tentativa, sempre.

    «Claro que sim. Nas caixas isso está correcto. Mas a evolução humana é só uma.»

    E modelos há muitos. E num deles é perfeitamente plausível conceber um plano arbitrário durante o qual de vez em quando, uma raridade no tempo, acontece que este "senhor" coloca o dedo aqui e ali. Este modelo, se verdadeiro, produz exactamente o tipo de observações que temos hoje. Por isso mesmo, prevê que cientistas "ateus" nem sequer consigam perceber que existiu aqui e ali uma "intervenção divina" nas mutações ou afins, e simplesmente assumam que não existe. É compatível.

    «Estás, como o Barba, a focar exclusivamente aquilo que o modelo prevê que se vai observar, descurando o que o modelo diz acerca do mecanismo que dá esse resultado e a teoria a partir da qual o modelo se pode deduzir. E é aí que reside o problema»

    Isto é apenas um problema para quem, como tu ou eu, não assume a existência de deus por outros motivos. Mas para quem assume a sua existência por outros motivos, este não é um ponto fulcral que falsifica a teoria criacionista sofisticada.

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  37. «Parece-te um preciosismo porque, nos exemplos dos Galafrágios, tu chamas teoria às previsões do modelo. Estás, como o Barba, a focar exclusivamente aquilo que o modelo prevê que se vai observar, descurando o que o modelo diz acerca do mecanismo que dá esse resultado e a teoria a partir da qual o modelo se pode deduzir. E é aí que reside o problema»

    Não idealizei um mecanismo muito detalhado por mera limitação de tempo, e porque pensei que para bom entendedor seria suficiente.
    Mas agora imagina que tinha descrito um mecanismo detalhado que explicava porque é que daquele valor entre 1 e 10 resultava aquela expressão matemática, mas, apesar de explicar que aquele valor tem essa variação, me abstinha de explicar o mecanismo que dava origem a essa variação, sendo portanto a teoria compatível com um mecanismo aleatório e pseudo-aleatório e... voila.

    A grande questão é que o essencial da teoria não é o mecanismo que dá origem a esse "input" mas o mecanismo que torna esse input nas consequências que observamos.


    «Uma população de replicadores em competição sujeitos à vontade de um deus omnipotente pode evoluir de qualquer maneira. Não é obrigatório que tenda a favorecer as características correlacionadas com o maior sucesso reprodutivo»

    Pois, mas como se verifica que tendeu a favorecer tais características correlacionadas com maior sucesso reprodutivo, verifica-se que afinal a teoria - que podia perfeitamente não se aplicar - aplica-se.

    É como dizer que o número que sai no dado é escolhido pelo Alfredo. Mas o Alfredo, tanto quanto o conhecemos, tem igual probabilidade de escolher qualquer número.
    Isto é diferente de dizer que o número que sai completamente ao acaso.
    Mas se tu pegares numa teoria que através de um mecanismo hipotético preveja algo dependente deste input, em relação ao qual se assume que as 6 hipóteses tem igual probabilidade, podes acreditar nela quer acredites que é o Alfredo a escolher o resultado do dado, o acaso quântico, ou o determinismo de sistemas tão complexos que na prática são caóticos.

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  38. João Vasco (e Barba),

    «É como dizer que o número que sai no dado é escolhido pelo Alfredo. Mas o Alfredo, tanto quanto o conhecemos, tem igual probabilidade de escolher qualquer número.»

    Pode ser. Mas nota que estas explicações são diferentes:

    A- O número que saiu no dado foi esse porque o dado calhou assim, por processos meramente naturais determinísticos ou aleatórios.
    B- O número que saiu no dado foi esse porque o Alfredo escolheu que calhasse esse.

    E é inconsistente defender ambas como igualmente verdadeiras para o mesmo lançamento do dado, mesmo que ambas sejam compatíveis com o número que está virado para cima.

    Na teoria da evolução também. Suponham que recebem um registo de dados acerca de uma população de bactérias, estudada durante vários anos. Suponham que esses dados estão de acordo com as previsões de um modelo evolutivo assumindo que as bactérias evoluiram naturalmente, por selecção natural, mutações aleatórias, etc, de acordo com a teoria da evolução.

    Uma explicação para esses dados é que, nessas condições, era inevitável esse tipo de evolução.

    Agora imaginem a hipótese de alguém com tecnologia muito avançada ter manipulado as bactérias decidido quais sobreviviam, quais se reproduziam, que mutações surgiam e assim por diante, de forma a imitar a evolução natural.

    O que eu proponho é que, se for esse o caso, mesmo estando de acordo com os dados a explicação de que as bactérias são assim porque evoluíram naturalmente está errada porque elas não evoluíram naturalmente.

    Além disso, é inconsistente defender, ao mesmo tempo, que as bactérias evoluíram naturalmente e que essa pessoa manipulou propositadamente cada passo do processo. São duas hipóteses mutuamente exclusivas, tal como a hipótese do dado ter calhado 6 por acaso e a hipótese do Alfredo ter escolhido o 6 e posto o dado nessa posição de propósito. Mesmo que sejam ambas consistentes com o 6 que observamos no dado, são incompatíveis uma com a outra.

    Em suma, é inconsistente defender que nós surgimos por um processo de evolução como descrito pela teoria da evolução e, ao mesmo tempo, defender que somos o resultado de um plano executado por um deus que guiou propositadamente essa evolução.

    Como disse o Barba, modelos há muitos. Podemos conceber um em que a nossa linhagem ancestral evoluiu naturalmente a maior parte do tempo mas que, de vez em quando, um deus dava um toquezito. Mas esse modelo é incompatível com a teoria da evolução porque esta não contempla essas excepções, e, se for esse o caso, é incorrecto dizer que somos assim em resultado da variação na distribuição de características com o tempo devido a diferenças no sucesso reprodutivo e efeitos estocásticos. A explicação correcta será que somos assim porque um deus escolheu os valores nos dados.

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  39. «E é inconsistente defender ambas como igualmente verdadeiras para o mesmo lançamento do dado, mesmo que ambas sejam compatíveis com o número que está virado para cima.»

    Acho que tu vais ter grandes problemas quando começares a ler mecânica quântica, meu rapaz... talvez o teu problema seja a palavra "verdadeiras". Ninguém aqui está a discutir a "Verdade". Eu falei em compatibilidade. Parece que discutes tudo excepto aquilo que está realmente em discussão, é algo frustrante.

    «Mas esse modelo é incompatível com a teoria da evolução porque esta não contempla essas excepções»

    Apenas e somente se olhares para o modelo da "teoria da evolução", aka selecção natural, como algo que necessariamente ocorreu durante tooooooodo o tempo em que ocorreu a evolução.

    Dizes, e bem, que o modelo não depende tanto das moedas que saem ou não saem, mas sim da selecção em si, e que portanto mesmo que deus mexesse nas moedas, o que conta é a selecção e essa é que é modelada. Existem no entanto dois problemas aqui. Primeiro, partes do pressuposto de que todos os acontecimentos passados já foram modelados pela teoria. Não foram, como é óbvio, e ainda por cima existe uma situação de auto-selecção. Quer dizer, eu posso argumentar que só descobrirás padrões compatíveis com a selecção natural onde ela de facto existe, e que se existirem padrões menos compreensíveis, não lhes ligamos muito porque assumimos que não temos todos os dados ao nosso dispôr. O segundo problema é que não sabemos o suficiente de biologia para garantirmos a 100% que o cérebro humano é realmente fruto desta coisa. Acho que sabemos algumas coisas e especulamos outras. Para mim, a história "consensual" faz todo o sentido. Mas nesta ignorância específica (e relativa, claro está) de todo o processo, como "aconteceu" realmente esta evolução relativamente rápida na massa cerebral, pode muito bem o crente esconder a sua tese, "não sabes o suficiente, pode deus muito bem ter influenciado os dados para que o cérebro aumentasse tanto" e depois pimba, alma em cima (não se pode acabar uma tese destas sem magias pelo meio).

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  40. Caro Barba,

    "pode muito bem o crente esconder a sua tese, "não sabes o suficiente, pode deus muito bem ter influenciado os dados para que o cérebro aumentasse tanto" e depois pimba, alma em cima (não se pode acabar uma tese destas sem magias pelo meio)."

    Isto tem piada. Mas não é para levar a sério, pois não?

    Saudações,

    Alfredo

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  41. Barba,

    «talvez o teu problema seja a palavra "verdadeiras". Ninguém aqui está a discutir a "Verdade". Eu falei em compatibilidade.»

    Acho que há aqui uma grande confusão... Vou recomeçar, a ver se vamos com passinhos pequeninos.

    Considera estas duas afirmações:

    1- O Homo sapiens surgiu evoluindo por processos estritamente naturais, sem qualquer planeamento nem a influência de seres inteligentes.
    2- O Homo sapiens surgiu como resultado de um plano de um deus que guiou o processo de evolução.

    Eu proponho que é inconsistente afirmar que ambas estas afirmações são verdadeiras. Por isso, são incompatíveis uma com a outra.

    Nota bem: incompatíveis uma com a outra, não incompatíveis com os dados, as notícias do Correio da Manhã ou o 5-0 que o Barcelona deu ao Real Madrid.

    Concordas? Se sim, podemos avançar para o próximo passo...

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  42. Ludwig, (a seguir desisto;))

    eu proponho que o plano de deus é:

    1- O Homo sapiens surgir evoluindo por processos estritamente naturais, sem qualquer planeamento nem a influência de seres inteligentes.

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  43. Paulo Sustelo,

    Com isso tudo bem. O deísmo, já admiti, não levanta os mesmos problemas. Tal como tu podes mandar uma data de bactérias para um frasco e a partir daí essa população evoluir, naturalmente, também se um deus mandasse os primeiros seres vivos para um planeta a partir daí poderiam evoluir naturalmente.

    Mas nota que o deísmo, apesar de perfeitamente adequado para a fé, é péssimo para a religião. Porque nesse caso os profissionais da religião não servem para nada. Por isso, o cristianismo, evangélico ou católico, rejeita consensualmente o deísmo. A hipótese é que deus age, guia, altera, mexerica, dá um jeitinho aqui e ali (ou, no caso dos evangélicos, cria mesmo tudo mosca a mosca).

    E essa hipótese é diferente, e incompatível, com esta que tu enunciaste.

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  44. Caro Ludwig,

    Esse deus mexeriqueiro nada tem a ver com o Deus cristão. Existe só na tua mente, mas tal existência é necessária para evitar que toda a tua argumentação caia por terra. Se o Deus cristão fosse esse deus mexeriqueiro, mexe aqui, altera, dá um jeitinho.... eu já há muito me teria tornado ateu. Eu e muitos outros!

    Saudações,

    Alfredo

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  45. Sim, percebo o que queres dizer. Eu parto do princípio de que a "Teoria da Selecção Natural" é apenas uma teoria de um mecanismo modelável com princípios simples, que pode, ou não, aplicar-se a determinadas evoluções de determinadas populações biológicas, e não uma "teoria total de toda a evolução na Terra sem mais alguma influência de algum factor".

    Se para ti é a última, sim então concordo com o que dizes, é uma Teoria totalmente incompatível com qualquer criacionismo interventivo (deixando de parte a renúncia do Alfredo a esta solução que, concordo, é apenas ridícula).

    Mas nem sempre este modelo serviu para explicar todas as evoluções de determinados eventos. Se por outro lado definires este modelo como um "modelo em construção", como uma certa desculpa para a sua incapacidade de modelar todas as situações pré-históricas (e até históricas), então tenho uma certa dificuldade aqui. É que se este modelo é incompleto, poder-se-ia muito bem defender a tese de que um dos elementos que falta ao modelo é precisamente o dedinho de deus aqui e acoli.

    Dado que o modelo não é completo, hoje, esta hipótese é lógica e possível (embora, obviamente, ridícula). Mas isto entra em conflicto com a tua teoria de que a "teoria da evolução" é incompatível com o "deus dos dedinhos". Por isso chegámos a um absurdo.


    Dou um exemplo histórico simples. Newton vs Einstein. Imagina que chamavas ao modelo de mecânica de Newton como simplesmente "teoria da Mecânica" (tal como se chama hoje a "Teoria da Evolução" e não "Teoria de Darwin"). Nessa teoria, a limitação da velocidade à velocidade da luz é algo que lhe é incompatível. São duas "teorias" incompatíveis. Ou a "Teoria da Mecânica" é "verdadeira" ou a velocidade da luz é o limite de velocidade no universo.

    Mas o que resultou não foi isto. O que resultou historicamente é que a "Teoria da Mecânica" foi corrigida, e nessa correcção já resulta a compatibilidade com a tal limitação.

    Por isto é que o crente que acredita neste "deus dos dedinhos" não está demasiado preocupado com o que os modelos actuais da evolução "dizem" hoje, pois sabe que é um modelo muito incompleto e que, se for suficientemente revisto e corrigido, pode muito bem completar-se com esse deuzeco.



    Alfredo, dado que não acreditas claramente neste cenário ridículo (e ainda bem), gostaria de saber a tua opinião sobre as afirmações proferidas tradicionalmente pelos papas e arce-bispos sobre a mão de deus no surgimento do homem, do que é a alma, etc. Claramente, a tua teoria não é a mesma que a do Ludwig. Onde é que residem exactamente as diferenças?

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  46. Caro Alfredo,
    talvez fosse óptimo então explicar-nos exactamente o que fez e o que faz o deus cristão?
    Muito obrigada

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  47. ema (Paulo Sustelo?),

    « Eu parto do princípio de que a "Teoria da Selecção Natural" é apenas uma teoria de um mecanismo modelável com princípios simples, que pode, ou não, aplicar-se a determinadas evoluções de determinadas populações biológicas»

    É praticamente isso, se bem que a teoria da evolução seja bastante mais do que a selecção natural (e não há propriamente uma teoria da selecção natural, isso é um dos mecanismos incluidos na teoria da evolução).

    Mas nota que o "aplicar" não é como um autocolante. É como explicação. A teoria da evolução explica a evolução de populações que não sejam afectadas por seres inteligentes porque nos diz como o processo tem necessariamente de decorrer nessas condições. Se a população for guiada por um ser inteligente, então a teoria da evolução é a explicação incorrecta.

    «É que se este modelo é incompleto, poder-se-ia muito bem defender a tese de que um dos elementos que falta ao modelo é precisamente o dedinho de deus aqui e acoli.»

    Num modelo, sim. Na teoria, não. A teoria é uma explicação abrangente dos fundamentos de todos os modelos que geras com ela. É por isso que muitas vezes apontam que é tautológica. E essa tem de partir de premissas básicas e deduzir as restrições que se impõe aos modelos. Por exemplo, que a velocidade da luz é igual para todos os observadores. Se acrescentas "excepto, de vez em quando, se Deus quiser que seja diferente" não estás a completar a teoria com informação adicional. Estás a destruir a possibilidade de deduzir o resto.

    É o que se passa com a teoria da evolução. Se acrescentas a hipótese de um ser inteligente manipular as mutações, cruzamentos ou sobrevivência dos organismos, ou mesmo de ter criado tudo com um propósito em mente, estabelecendo todas as condições iniciais tais que se chegasse exactamente ali e não a outro ponto qualquer, então a teoria da evolução deixa de ser a explicação correcta. Porque essa só explica em virtude dos modelos se tornarem uma consequência necessária das suas premissas, e essa relação lógica desaparece quando permites milagres e afins.

    Se um deus planeou a nossa origem então a explicação correcta para a nossa origem é a vontade desse deus e não a evolução como essa teoria a explica. Por exemplo, dessa teoria prevê-se que surgimos nós como poderia ter surgido outra espécie qualquer dentro de um grande número de possibilidades diferentes. Mas da criação divina propositada prevê-se que tinha mesmo de ser isto, era este o propósito. Não é consistente defender ambas em simultâneo.

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  48. Ludwig,

    O ema é o Barba Rija...

    Um abraço!

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  49. Caro ema (ou Barba!),

    A ideia que o Ludwig tem do Deus cristão enquanto criador (se existisse!) é a de um escultor que vai modelando momento a momento a sua obra, tirando um pedaço de barro daqui, acrescentando-o ali, literalmente. Essa não é a ideia do Deus cristão, embora os criacionistas e os adeptos do intelligent design persistam em defender uma ideia de um deus intervencionista deste género. As teses do intelligent design parecem mais inteligentes do que as dos criacionistas, uma vez que aceitam a evolução. Todavia, ao exigirem que os próprios cientistas se rendam à 'evidência' de que elementos biológicos como o olho e o flagelo da bactéria só se explicam por uma intervenção directa e específica de Deus e não pelo processo evolutivo, com os seus elementos aleatórios, estão a dizer que Deus intervém na formação do olho mas não da da boca ou dos ouvidos, o que é incompreensível.

    Já tive ocasião de expor brevemente a minha posição no blogue companhiadosfilosofos, ontem. O Ludwig pensa que a concepção cristã de criador é a de um Deus dirigista e determinista, que não deixa nada ao acaso. Mas essa não é a minha posição, nem é a posição da Igreja Católica. Falo do que sei, uma vez que estudei cinco anos de teologia.
    Os Papas falam sempre a partir de uma perspectiva de fé e não da filosofia ou da ciência, embora nas afirmações de fé esteja sempre implícita alguma ciência e alguma filosofia. Este facto permite compreender a razão pela qual o discurso teológico em geral, e o dos Papas em particular, se vá adequando de acordo com as mudanças científicas e teológicas. Mas o que é expresso em linguagens variáveis - a crença na existência de um Deus criador, por exemplo -, não muda.

    É assim que se compreende que Pio XII tenha afirmado na encíclica Humani generis que a teoria da evolução era apenas uma hipótese carecida de fundamentação suficiente, embora em princípio aceitável, e João Paulo II tenha afirmado que a mesma teoria era mais que uma hipótese uma vez que tinha fundamentação suficiente. Para algumas pessoas, há aqui uma contradição, mas do meu ponto de vista há aqui uma adequação do discurso dos Papas a novos conhecimentos, neste caso científicos, embora com consequências também filosóficas.

    Para quem parte de uma posição de fé, o universo surge como a manifestação de um Deus criador, mas isso não inclui nenhuma teoria científica ou filosófica sobre a criação. O Credo que os católicos recitam todos os domingos na missa afirma apenas ‘creio em Deus Pai todo poderoso, criador do céu e da terra’. Quando o Papa ou qualquer cristão se pronuncia a partir desta perspectiva, não se pode interpretar o que dizem como se falassem de uma perspectiva filosófica ou científica.
    Cordiais saudações,

    Alfredo Dinis

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  50. Ora, fiquei outras vez sem resposta do Alfredo Dinis. Why am I bot surprised?

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  51. Caro Alfredo Dinis:

    «Essa não é a ideia do Deus cristão, embora os criacionistas e os adeptos do intelligent design persistam em defender uma ideia de um deus intervencionista deste género. »

    O Alfredo Dinis acredita que existe uma ideia do Deus cristão? Ou várias?

    É que uma coisa é dizer que essa não é a SUA ideia do Deus cristão, ou a de outros como Alfredo. Outra coisa é dizer que não é A ideia do deus cristão.

    Teria mais a dizer (e criticar) sobre o seu comentário, mesmo estando a obstar às críticas que o Ludwig fez às ideias que apresentei. mas vou centrar-me neste ponto que me parece fundamental.



    Ludwig:

    Da forma como respondeste parece que ignoraste aquilo que escrevi, e te limitaste a repetir o que já tinhas dito antes.

    Que é incompatível dizer que algo é verdadeiramente aleatório ou pseudo-aleatório é óbvio. E por isso mesmo escolhi isto como exemplo. Se não entendeste que escolhi isso como exemplo precisamente por serem coisas incompatíveis, não percebeste nada daquilo que escrevi, e por isso devias tentar entender antes de responder.
    Mas responderes dizendo que são coisas incompatíveis lembra-me aqueles que dizem que se eu alego que existem testemunhos de sereias, então é porque acredito que as sereias existem, e dizem-me que as sereias não existem como se isso fosse uma novidade.

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  52. João Vasco,

    A discussão, tanto quanto percebi, tem sido sempre acerca da incompatibilidade de duas ideias entre si: a teoria da evolução, que parte do princípio de que não há objectivos ou interferência inteligente para poder deduzir as relações que, depois, restringem os modelos, e o modelo segundo o qual a evolução da nossas espécie faz parte de um plano e cumpre um objectivo predestinado.

    E acerca da tua questão, «se a crença dos católicos sofisticados é perfeitamente compatível com a teoria da evolução excepto no que diz respeito a detalhes metafísicos sem importância científica prática», a resposta é não. A crença dos católicos sofisticados é incompatível com a teoria da evolução porque a teoria da evolução explica a evolução apontando que, quando não há plano inteligente ou coisas dessas, as populações têm necessariamente de evoluir daquela forma. Mas se há um plano inteligente esta teoria não dá a explicação correcta. Tu não podes explicar a extinção da varíola com a teoria da evolução. Para explicar porque esse vírus se extinguiu tens de mencionar a intenção dos humanos, as vacinas e o plano de erradicação da OMS. E isso não é um detalhe metafísico. É uma explicação completamente diferente.

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  53. Caro João Vasco,

    A ideia de criação que defendo é a que é largamente maioritária entre os teólogos católicos, como se poderá constatar pelas publicações de livros e revistas onde essa ideia é defendida.

    Saudações,

    Alfredo Dinis

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  54. Cristy,

    Quando quiser superar a barreira da ironia e intervir construtivamente nos debates deste blogue terei muito gosto em lhe responder. Não me considero obrigado a contribuir para a sua ironia, inteiramente irrelevante.

    Saudações,

    Alfredo Dinis,sj

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  55. Ludwig:

    Eu tinha escrito,

    «Não idealizei um mecanismo muito detalhado por mera limitação de tempo, e porque pensei que para bom entendedor seria suficiente.
    Mas agora imagina que tinha descrito um mecanismo detalhado que explicava porque é que daquele valor entre 1 e 10 resultava aquela expressão matemática, mas, apesar de explicar que aquele valor tem essa variação, me abstinha de explicar o mecanismo que dava origem a essa variação, sendo portanto a teoria compatível com um mecanismo aleatório e pseudo-aleatório e... voila.

    A grande questão é que o essencial da teoria não é o mecanismo que dá origem a esse "input" mas o mecanismo que torna esse input nas consequências que observamos.»

    Quando respondeste a este meu comentário ignoraste basicamente aquilo que tinha escrito, alegando que as diferentes possíbilidades para o INPUT são incompatíveis - mas essa era mesmo a questão. A teoria não fala sobre a origem daquilo a que podemos chamar acaso, fala sobre as consequências.

    Se um dia descobrisses que as mutações não ocorriam por este mecanismo, mas sim por aquele, mas que a sua frequência e impacto eram as mesmas, a teoria da evolução não se alteraria.

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  56. Caro Alfredo Dinis,

    Então acredita que a SUA ideia é maioriatária entre os teólogos católicos. Sem querer discutir esse ponto, imagino que concordará que isso não é suficiente para chamar a essa a ideia "A" ideia dos cristãos. Estou certo?

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  57. Caro Vasco,

    Em que condições consideraria que a minha ideia seria 'a' dos cristãos ou, pelo menos, 'a' dos católicos? Se todos estivessem de acordo em relação a ela? Mas em muitas questões é a maioria que constitui 'a' posição. Veja o caso dos ateus. Há entre eles uma grande diversidade de opiniões, mas isso não significa que não possamos indicar qual é 'a' posição fundamental do ateísmo.

    Saudações,

    Alfredo Dinis

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  58. João Vasco,

    «Se um dia descobrisses que as mutações não ocorriam por este mecanismo, mas sim por aquele, mas que a sua frequência e impacto eram as mesmas, a teoria da evolução não se alteraria.»

    Depende. Se o mecanismo das mutações for tal que a sua probabilidade de ocorrência não está relacionada com o efeito que vão ter, então é plausível que a teoria da evolução permaneça na mesma.

    Mas se o mecanismo das mutações for inteligente, visando obter um efeito específico na evolução do organismo, então não. Nesse caso a teoria da evolução não se aplica. Porque a sua capacidade e explicar o processo depende crucialmente desse aspecto: a evolução decorrer de forma cega aos efeitos futuros.

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  59. Alfredo,

    A tua posição é muito pouco clara, e parece-me contraditória. Escreves, por exemplo, que «Deus criou, ou melhor, continua a criar, quer o universo quer a vida por um processo evolutivo» (aqui). Mas não percebo o que isso quer dizer.

    Supõe que eu afirmo que esculpi, e continuo a esculpir, a costa de Portugal pela acção natural das ondas. Isto não faz sentido. Ou esse processo decorre sem qualquer intervenção da minha parte e, nesse caso, é falso dizer que sou eu que estou a esculpir a costa de Portugal. Ou então esse processo é guiado por mim, que guio as ondas, e nesse caso o resultado não será pela acção natural das ondas mas sim pela forma como eu as guio. Mas as duas coisas é contraditório porque o conceito que temos de acção natural das ondas não é compatível com o conceito de escultura deliberada.

    Por isso dizer que Deus continua a criar por um processo evolutivo sugere, no mínimo, uma grande confusão. Porque ou cria, ou é um processo evolutivo, mas ambos não pode ser porque o conceito de evolução que temos em biologia descreve precisamente um processo de transformação natural que não está sujeito a orientação inteligente nem visa um objectivo. Se for guiado para um propósito as premissas não se aplicam e a teoria da evolução será uma explicação incorrecta.

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  60. Alfredo,

    «Mas em muitas questões é a maioria que constitui 'a' posição.»

    A posição que defendes é a da maioria dos católicos, da maioria dos cristãos ou da (mais restrita) maioria dos teólogos católicos modernos?

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  61. Caro Alfredo:

    Eu diaria que podemos falar da posição "dos" pertencentes ao grupo X, não se existir um consenso total, mas quase.

    Por exemplo, posso dizer que a opinião dos biólogos é que o criacionismo é falso. Há meia dúzia deles que discordarão, mas estamos a falar de uma posição irrelevante e pouco séria.

    Que a opinião dos geógrafos é que a terra não é plana. Pelas mesmas razões.

    Mas já não posso dizer que a opinião dos climatólogos é a de que o aquecimento global se deve ao efeito de estufa causado pelas emissões humanas. Aí, digo que esta é a opinião da generalidade dos climatólogos. Apesar de não apenas a maioria, mas a esmagadora maioria, dos climatólogos a ter esta opinião, a opinião contrária não é irrelevante.

    Geralmente o critério para referir uma ideia como a única de um grupo é esta: não o consenso total, mas quase.

    Posto isto, e reiterando a pergunta que o Ludwig lhe fez, volto a questionar:

    «imagino que concordará que isso [ser a opinião da maioria dos teólogos católicos] não é suficiente para chamar a essa a ideia "A" ideia dos cristãos. Estou certo?»

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  62. Caro João,

    O que considerarias então suficiente?

    Alfredo

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  63. Caro Ludwig,

    "o conceito de evolução que temos em biologia descreve precisamente um processo de transformação natural que não está sujeito a orientação inteligente nem visa um objectivo."

    Exacto. Não sou adepto do desígnio inteligente, nem peço à biologia que detecte a acção criadora de Deus. Para ti, criação significa necessariamente intervenção material e determinística, linear e sem quaisquer elementos aleatórios. Essa seria uma possibilidade, mas não é defensável. Sabemos que a criação é evolutiva. Há muitas formas de criar que não são necessariamente determinísticas. A criatividade de um músico no contexto de uma orquestra, por exemplo, não é contraditória com o facto de que há uma música escrita e há um maestro. Por esta razão, não há dois concertos iguais. O autor da música impõe alguns limites, mas não absolutos, e o maestro impõe igualmente alguns limites mas sem abafar necessariamente a criatividade dos músicos.
    O mesmo se poderia dizer na educação de uma criança pelo pais, da educação dos alunos pelos professores, etc.
    Saudações,

    Alfredo

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  64. Caro Ludwig,

    A posição que defendo é a da maioria dos teólogos, tal como as posições científicas que defendes é a da maioria dos cientistas e não dos cidadãos que pouco ou nada sabem de ciência.

    Saudações,

    Alfredo

    ResponderEliminar
  65. Alfredo,

    Percebo. Mas então talvez seja melhor dizeres que é a posição dos teólogos católicos e não a posição dos cristãos, porque no conjunto de todos os que acreditam em Jesus a divergência é significativa quanto a esse ponto.

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  66. Alfredo,

    «Para ti, criação significa necessariamente intervenção material e determinística, linear e sem quaisquer elementos aleatórios.»

    Não. Eu não exijo que a criação seja determinística, material, linear, etc. Pode ter esses componentes todos ou não os ter, tanto faz. O que caracteriza para mim a criação são dois elementos fundamentais: a intenção de obter um resultado concebido antecipadamente, e a capacidade para fazer com que esse seja o resultado obtido no final do processo.

    O problema é que estes dois factores, em conjunto, obrigam a rejeitar a teoria da evolução. Porque a explicação para um resultado particular -- por exemplo, a evolução humana -- assumindo que era um resultado pretendido inicialmente por um ser capaz de fazer com que fosse esse o resultado do processo é fundamentalmente diferente da explicação para esse resultado assumindo uma por processos naturais sem a inteligência necessária para prever o resultado ou influenciar os estados intermédios de forma a obtê-lo no fim.

    Basicamente, para explicar algo feito de propósito precisamos de uma explicação diferente daquela que explica algo que acontece sem intenção de ninguém.

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  67. Alfredo,

    Não existe nenhum teólogo católico criacionista sério?

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  68. Caro João,

    Não.

    Saudações,

    Alfredo

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  69. Este comentário foi removido pelo autor.

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  70. Caro Alfredo,

    Nesse caso, concluiria o meu reparo com a seguinte sugestão: não se refira como fez nesse contexto "à" ideia dos "cristãos", mas sim "à" ideia dos "teólogos católicos" ou a "uma" ideia dos "cristãos".

    A prudência de se ter de referir "à" ideia da "generalidade dos teólogos católicos" parece-me nesse caso escusada, visto acreditar que não existe nenhum teólogo católico sério criacionista. Ideia dos teólogos católicos é suficiente.

    Saudações,

    João Vasco

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  71. Caro Ludwig,
    Se bem entendo a tua posição, a criação intencional tem que ter à partida um percurso desenhado de tal forma que tudo o que acontece até ao termo da criação tem que ser detectável pela biologia. Mas continuas a exigir que se há uma finalidade o processo evolutivo tem que ser determinístico e sem enganos nem emendas. Se há no processo evolutivo enganos e emendas não pode haver uma intenção criadora. Ora, o que eu tenho estado a dizer, através de diversos exemplos, é que isto não +e assim tão evidente. No 'companhiadosfilosofos' (décimo primeiro equívoco!)sugiro ainda que, ao nível de todo o universo, poder-se-ão ter verificado muito e diversos processos evolutivos pela selecção natural, muitos ou a maioria dos quais não conduziu ao aparecimento de seres inteligentes como a Humanidade. A intencionalidade de Deus criador pode entender-se neste caso em termos probabilísticos, e o aparecimento de vida inteligente na Terra não tinha que estar predeterminada necessariamente.

    Saudações,

    Alfredo

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  72. Alfredo,

    Se um deus omnipotente não quer ser detectado, então não o conseguiremos detectar. Por isso é possível que aconteça tudo de forma a parecer que evolui naturalmente mas sendo guiado por um deus omnipotente indetectável.

    No entanto, se for esse o caso, estaremos enganados ao julgar que a evolução se explica com a teoria que temos. Nunca vamos descobrir que estamos enganados, porque esse deus disfarça perfeitamente, mas vamos estar enganados à mesma.

    É essa a incompatibilidade: defender que um deus nos criou propositadamente é defender que a teoria da evolução é a explicação errada para a nossa origem. Não é preciso aqui assumir que é detectável, que corre sem enganos e essas coisas todas que tu acrescentas.

    Agora, se a tua posição é que um deus semeou vida em muitos planetas e simplesmente esperou a ver o que acontecia, até que num surgisse algo de interessante, então concordo que isso é compatível com a teoria da evolução, que se aplicará a cada um desses planetas para explicar o que acontece a seguir à semente de vida. Mas, nesse caso, não é correcto dizer que esse deus ainda está a criar a vida por um processo evolutivo, porque a teoria da evolução só será a explicação correcta se esse deus não estiver a fazer nada e simplesmente deixar as coisas correr.

    Isso é o que já discuti acima com o Barba Rija e o Paulo Sustelo. Se a tua posição for deísta, de um deus que criou o universo, deu corda e afastou-se deixando tudo correr sozinho, então não há conflito com a teoria da evolução. Mas nesse caso também não é verdade que esse deus esteja a criar vida. Está simplesmente a deixar que a vida se crie sozinha.

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  73. Caro Ludwig,

    Ou Deus está a criar vida ou a vida se cria a si mesma sem Deus. Este dualismo revela mais uma vez o teu pressuposto: Deus só é criador se for deterministicamente criador. Mas esta não é a única perspectiva possível. Criação e determinismo não são indissociáveis, por mais que o afirmes.

    Saudações,

    Alfredo

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  74. Alfredo,

    Um deus cria a vida se a vida surgir de acordo com o que esse deus quer e não tivesse surgido dessa forma sem que esse deus quisesse. É assim que podemos estabelecer esta relação entre criador e coisa criada. É por isso que posso dizer que eu criei este texto mas não posso dizer que criei as ondas do mar que surgem neste mesmo instante. O texto surge pela minha vontade e de acordo com o meu plano, e as ondas não.

    Se a teoria da evolução é a explicação correcta para o processo que levou desde a origem dos primeiros replicadores (químicos, ainda antes de haver vida) até nós então esse processo teria decorrido mesmo sem o teu deus e não se pode atribuir a esse ser hipotético a criação da nossa espécie. No máximo, seria o criador da sopa primordial.

    Se, por outro lado, a nossa origem se deve ao plano e à vontade desse deus em nos criar, plano que ele executo com mais ou menos determinismo, transcendência, imanência ou o que calhar, então é incorrecto explicar a nossa origem com a teoria da evolução, porque, nesse caso, a nossa origem deve-se à vontade e intenção desse deus.

    Mas penso que o melhor será aproveitar o exemplo que dás no teu post, para explicar isto. A ver se tenho tempo no fim de semana.

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  75. Caro Alfredo,
    está engando, a minha pergunta era muito séria e derivava da sua argumentação negativa (o que Deus não faz).
    Esclarecido o equívoco, atrevo-me a repetir a pergunta: o que fez e faz Deus então, na percepção cristã, se descrição aqui oferecida pelo dono do blogue é incorrecta?

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  76. Cristy,

    Se não acredita na existência de Deus, a sua pergunta não faz sentido. E se acredita na sua existência, pode perguntar-lhe directamente.

    Sem ironia.

    Alfredo Dinis

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  77. Alfredo Dinis,

    Eu não acredito na existência do teu deus. Mas acredito que tu acreditas na sua existência e que tens uma ideia formada acerca daquilo que julgas que o teu deus faz. Penso que a Cristy (tal como eu) gostava de perceber melhor essa tua ideia. O que é que julgas que o teu deus faz? O que julgas que ele fez nos últimos 6-10 milhões de anos, desde que a nossa linhagem se separou da dos chimpanzés? Só observou, ou há algo que tenha acontecido graças a ele?

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  78. Já agora, se cada crente pode perguntar as coisas directamente a Deus, para que servem os teólogos?

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  79. Caro Ludwig,

    Ao contrário dos não crentes que julgam saber tudo sobre (a não existência de) Deus, eu confesso que sei explicar muito pouco sobre Deus, mas o pouco que julgo saber é suficiente para saber viver, que é para mim o mais importante. Não tenho que saber o que fazia Deus antes de criar o mundo, como não tenho que saber de que modo interage com o universo, para além de acreditar que se relaciona pessoalmente com quem quiser abrir-se a essa relação.

    Os teólogos procuram actualizar a compreensão dos crentes sobre o pouco que sabemos de Deus tendo em conta o progresso do conhecimento humano em todas as áreas. Mas os teólogos não têm nenhuma delegação de ninguém para perguntarem a Deus seja o que for. Para quem acredita na existência do Deus cristão, é sempre possível o acesso directo a Ele.

    Saudações,

    Alfredo

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