quinta-feira, novembro 04, 2010

In nomine RIAA.

Estou de acordo com o Vaticano. Não é um ponto teologicamente relevante mas, vendo bem as coisas, acaba por ser mais importante do que saber se a hóstia se transubstancia, quantos anjos se podem sentar num alfinete ou se o preservativo é pecado. Uma delegação da Santa Sé à World Intellectual Property Organization criticou o excesso de zelo com que empresas e governos perseguem quem viola o copyright, salientando que este tipo de legislação devia servir o bem comum (1).

Um exemplo saliente deste problema é o que fizeram à Jammie Thomas. Levada a tribunal por ter em partilha 24 músicas, e sem evidências de que alguém as tenha descarregado dela, foi primeiro condenada a pagar $222.000. Na repetição do julgamento – o primeiro foi anulado porque o juiz, incorrectamente, disse ser ilegal disponibilizar os ficheiros mesmo que ninguém os descarregasse – acabou por ser condenada a pagar $1.920.000, apesar de, em teoria, não poder ser culpada só por disponibilizar os ficheiros. No entanto, o juiz que presidiu ao segundo julgamento reduziu o montante para $54.000, por considerar que dois milhões de dólares por 24 músicas era injusto. Ontem saiu o veredicto do recurso. Agora dizem que vai ter de pagar $1.500.000. Dá $62.000 por cada canção cujo valor de mercado é de menos de um dólar (2).

A Jammie Thomas não é só um exemplo do excesso de zelo por parte dos lobbies e advogados. Sugere também haver aqui um papel para a Santa Sé. É que estes processos já começam a entrar no âmbito da teologia. Não chegaram ainda ao castigo eterno nem a culpar pessoas pelas músicas que Adão descarregou, mas já falta pouco. Mãe solteira e desempregada, a Jamie Thomas vai precisar de uns séculos no purgatório para conseguir pagar esta dívida.

1- Zeropaid, Vatican Criticizes Rich Countries’ “Excessive Zeal” for Copyright Enforcement
2- Zeropaid, Jammie Thomas Round 3: $1.5 Million for Illegally Sharing 24 Songs. Agradeço ao sxzoeyjbrhg pela notícia, e também a quem me enviou a ligação por email.

8 comentários:

  1. Seria curioso aplicar a mesma regra de proporcionalidade às fraudes fiscais, braqueamento de capitais, etc.

    José Simões

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  2. Ludwig, em linha (parcial) com aquilo que advogas relativamente à alteração (e/ou revogação) de leis e regulamentação de direitos de autor, a introdução de 'fair use provisions' no Reino Unido (em http://www.bbc.co.uk/news/uk-politics-11695416).

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  3. Mas na pode ouvir as músicas na eternidade do senhor.

    aliás para os crentes os direitos de autor não deveriam fazer sentido uma vez que no céu tudo é não só de graça mas eterno, deus partilha , yeeeeee

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  4. "Não chegaram ainda ao castigo eterno nem a culpar pessoas pelas músicas que Adão descarregou, mas já falta pouco. Mãe solteira e desempregada, a Jamie Thomas vai precisar de uns séculos no purgatório para conseguir pagar esta dívida."

    Que parvoíce. Já falta pouco? Diz quem? Deus? Vai precisar de uns séculos no purgatório para conseguir pagar a dívida? Diz quem? o Papa? o Imã? Talvez o Aiatolá?

    Mas quem?

    Que parvoíce.

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  5. Anacoreta,

    «Que parvoíce. Já falta pouco? Diz quem? Deus? Vai precisar de uns séculos no purgatório para conseguir pagar a dívida? Diz quem? o Papa? o Imã? Talvez o Aiatolá?»

    À parte de Deus, que não diz nada, os outros não sabem mais do purgatório do que eu. Por isso estou, ex aequo, entre as maiores autoridades do mundo acerca deste assunto :)

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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