quarta-feira, maio 06, 2009

O sagrado funilismo.

Um post do Bernardo Motta chamou-me a atenção. Intitula-se «Escândalo na Universidade Notre Dame», e reza assim:

«Uma das mais prestigiadas universidades católicas norte-americanas vai convidar, para o discurso de inauguração no próximo dia 17 de Maio, o Presidente Barack Obama. Para além disso, Obama vai receber uma condecoração académica honorífica. A pouca-vergonha resulta de um convite feito pelo Pe. Jenkins, presidente da dita universidade. O convite está a fazer escândalo na comunidade católica norte-americana, que se organiza agora para tentar impedir o ultrage […] Há muita gente a pedir a demissão do Pe. Jenkins e o cancelamento desta palhaçada. Oxalá consigam... É uma questão de decência elementar.»(1)

Por mim, se os católicos não querem que Obama discurse na universidade deles pois que refilem, protestem ou despeçam o padre. Estão no seu direito e nem acho que seja censura. Com certeza que ao Obama não falta sítio onde falar. O que me chamou a atenção foi o contraste com o que o Bernardo Motta escreveu há um ano e pouco, quando Ratzinger cancelou a visita à Universidade de Roma devido a protestos de alunos e professores.

«o que estes protestos representam é algo bem claro: intolerância face ao Papa, um claro bloqueio à liberdade de expressão, um triste incidente diplomático, uma enorme falta de educação e civismo, e uma triste prova de pensamento obscurantista e não dialogante.»(2)

Ter fé é dar crédito ao que não merece crédito sem fé. É aceitar com convicção afirmações acerca do que não se sabe e alegar “é mistério” como se fosse justificação. Mas ninguém quer ter fé em tudo e ser cristão, budista, judeu, hindu, muçulmano e cientólogo ao mesmo tempo. Por isso há que ter fé nas suas enquanto exige evidências aos outros. E é preciso treino para empunhar com agilidade critérios tão desequilibrados, estreitos de um lado e largos do outro.

Mas parece que a prática compensa. De tal forma empareda os valores e embrulha os princípios que permite classificar como «uma questão de decência elementar» a mesma coisa que, quando vem dos outros, é «intolerância […] bloqueio à liberdade de expressão [e] falta de educação e civismo».

1- Bernado Motta, 23-4-09, Escândalo na Universidade Notre Dame
2- Bernado Motta, 16-1-08, Jovens (e professores) obscurantistas

105 comentários:

  1. Mário Miguel06/05/09, 23:13

    _________H I P O C R I S I A_________

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  2. Cheira-me que vem aí o Bernardo explicar-se melhor, como o fez ao Xiquinho que defendeu bem a posição que o Ludwig trás aqui.

    Segundo o que o Bernardo diz, a diferença é que enquanto na universidade de Sapienza, o seu ensino não era contrário ao Papa, neste caso a posição pro-choice do Obama é contrária ao catolicismo, e daí, o "ultrage".

    Parecem-me péssimos argumentos. Mas são mais subtis do que o que o Ludwig quer fazer parecer.

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  3. Barba,

    Subtil não sei, mas irrelevante é. Porque é que a divergência de opinião há de tornar aquilo que num caso é intolerância e bloqueio da liberdade de expressão numa questão de decência elementar?

    Não me parece que favoreça o Bernardo argumentar que a liberdade de expressão só se aplica a quem concorda com ele.

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  4. Barba,

    Ainda bem que mencionaste o Xiquinho. Não tinha reparado nos comentários ao post do Bernardo, mas vejo agora que ele já estava a enterrar-se bem sem a minha ajuda :)

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  5. Pois sim, LK.

    Essa hipocrisia não lhe fica nada mal.

    Quantas vezes já me mandaram embora neste blog, porque discordo de vós?

    Vocês fariam o mesmo ou pior.

    Aluma vez o LK veria com bons olhos a mesma situação se fosse o papa na univerdade onde o LK lecciona?

    Fico só a imaginar as barbaridades que o LK aqui escreveria!!!

    Hipocritopatia!!!!

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  6. O Zeca confunde-se facilmente em exercícios de lógica argumentativa.

    Dá pena ver, realmente.

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  7. Nuno Gaspar06/05/09, 23:43

    Por um instante (breve), estou de acordo com Ludwig. E nem é preciso lembrar o caso do Papa em Roma. Era o que faltava, uma Universidade só poder convidar um palestrante com cujas opiniões concordasse totalmente.
    Há um grupo de religiosos na América que não está satisfeito com os danos causados à religião por uma certa vivência religiosa promovida pela Administração de Bush filho e quer cavar o buraco um bocadinho mais fundo.
    Tudo se há-de resolver, se Deus quiser.

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  8. Zeca,

    «Quantas vezes já me mandaram embora neste blog, porque discordo de vós?»

    Boa pergunta. Quantas?

    A única coisa parecida que me lembro foi a sua exigência que eu apagasse o comentário do Barba Rija que fez uma paródia com o manifesto anti-Dantas do Almada Negreiros.

    «Aluma vez o LK veria com bons olhos a mesma situação se fosse o papa na univerdade onde o LK lecciona?»

    Se o papa lá fosse não protestava, a menos que me obrigassem a assistir à missa. Mas se alguém protestasse estava no seu direito.

    Não acho mal uns convidarem, nem outros irem, nem outros ainda protestarem se não gostam que convidem ou venham.

    O que acho mal é esta ideia que a liberdade de expressão só é um direito dos católicos.

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  9. António Parente07/05/09, 00:01

    Ludwig

    Penso que não investigou o assunto com a profundidade merecida.

    O Presidente Obama foi convidado para efectuar o discurso de inauguração do ano lectivo e o reitor decidiu oferecer-lhe, na mesma data, um doutoramento honoris causa em Direito.

    O reitor da universidade, para calar as vozes críticas por Obama ser pró-aborto, convidou em simultâneo uma antiga embaixadora do Vaticano, uma personalidade conhecida pelas suas posições anti-aborto, chamada Mary Ann Glendon para discursar na mesma cerimónia [argumentou que seria uma oportunidade para debater com Obama a questão do aborto e a senhora respondeu que não acreditava que existisse oportunidade para isso e que estava a ser usada] e receber a distinção Laetare Medal.

    Mary Ann Glendon recusou porque, segundo afirmou, o reitor da universidade desrespeitou uma antiga deliberação da U.S. Conference of Catholic Bishops emitida em 2004 e que determinava que

    "Catholic institutions ‘should not honor those who act in defiance of our fundamental moral principles’ and that such persons ‘should not be given awards, honors or platforms which would suggest support for their actions’."

    Segundo li esse é o principal problema - o doutoramento honoris causa - e não o discurso do Presidente.

    Aliás, os comentadores deste blogue sabem muito bem que a Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa tem promovido debates entre ateus e crentes mas julgo que ninguém espera (nem os próprios) que a UCP dê um doutoramento honoris causa ao Ludwig ou ao Barba Rija. Nem a própria Associação Ateista Portuguesa convidará alguma vez o cardeal patriarca para sócio honorário nem o presidente da aap será beatificado.

    Por isso, atenção: a situação americana não é igual à situação italiana.

    Na minha opinião pessoal, penso que o Presidente Obama deve ser recebido pela universidade com toda a cordialidade, respeito e educação, e deve ser-lhe atribuído o doutoramento honoris causa. Deve é colocar-se em questão a continuidade do actual reitor se ele desrespeitou normas da universidade.

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  10. "Quantas vezes já me mandaram embora neste blog, porque discordo de vós?"

    Ó Zeca. Se bem me lembro tu é que tens a prática de convidar o pessoal pra ir ver coisas ao teu blog, seguido do aviso para não comentarem, porque lá mandas tu (com mais uma batelada de siglas espalhadas pelo texto)

    Daqui ninguém te mandou embora, mas se quiseres desaparecer será bem vindo, ou melhor, ido :)

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  11. Se os factos que o António traz à discussão forem verdadeiros, parece-me então uma argumentação mais sólida.

    Se for assim, o Bernardo não se explicou bem.

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  12. Barba,

    Este ultimo comentário soou-me muito mal. Por exemplo:
    "Eu defendo que não se devem dar títulos honoríficos em instituições cientificas a indivíduos que não sejam ateus!". O que é que tal afirmação teria de defensável?
    E por analogia, o que é que o mérito reconhecido em determinada área pode estar relacionado com qualquer divergência de crenças?
    No caso do que o A.P. diz, a única coisa que vejo é uma posição fundamentalista, e ainda mais hipócrita. Acho que é uma posição tão válida como um ateu mandar fechar compulsivamente qualquer instituição de ensino de inspiração religiosa, por promover a divulgação e disseminação de mentiras. Não é aceitável!

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  13. Pelo que li o Parente tem os factos correctos.

    Mas acho que se por um lado uma universidade catolica tem o direito de dar Doutoramentos honoris causa só a quem quer, por outro lado, isso sugere fortemente, e no minimo, que precisamos de faculdades sem serem catolicas para ter liberdade de expressão.

    A questão apontada pelo Ludwig, de fundo, acerca da tolerancia, mantem-se relevante.

    Independentemente da questão em causa. É o aborto, mas penso que poderia ser outra qualquer. E até sei que o Ludwig neste campo esta de acordo com os catolicos.

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  14. Ludwig,

    Um comentador frequente do meu blogue fez exactamente o mesmo comentário e a mesma analogia com o caso "La Sapienza". O que é engraçado é que, sendo tu tão experiente em lides argumentativas, não tenhas sido capaz de ver que a analogia não colhe.

    Enquanto que Bento XVI, pela sua figura, mensagem e personalidade, não colocaria problemas nenhuns a um discurso na universidade "La Sapienza", que foi fundada pelo Papa Bonifácio VIII no século XIV, o discurso e condecoração de Obama numa Universidade Católica é um insulto, não só para os católicos como para qualquer pessoa que preze o direito à vida dos seres humanos inocentes.

    Gostaria de saber como é que fazes esta analogia. Até parece estranho, vindo de ti, fazeres este aproveitamento "facilitista", numa analogia sem qualquer nexo lógico.

    Não estamos a falar de "direito de expressão" ou "liberdade de expressão". Como bem sabes, o meu direito a exprimir-me na tua sala de jantar depende do facto de tu mo dares, certo?

    Logo, a lógica das "regras da casa" aplica-se sempre. Em minha casa, fala quem eu convido e quem cumpre as minhas regras.

    Resta explicares como é que o Papa Bento XVI violaria as "regras da casa" da La Sapienza (visto que ele foi convidado pelo Reitor, logo já tinha o convite tratado). É facílimo explicar como é que Obama viola as "regras da casa" na Notre Dame (basta interpretar o nome da Universidade).

    Abraço,

    Bernardo

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  15. Depois de ter lido as palavras do António Parente, vejo que complementam bastante as minhas, pelo que assino por baixo do que ele escreveu.

    Evidentemente, não se trata de fechar a porta ao Obama, mas sim de evitar a palhaçada que é condecorar uma pessoa que não defende o direito à vida, e dar-lhe o palanque no discurso inaugural, que é suposto ser um momento marcante no ciclo anual de uma universidade católica.

    Se o convidassem para um debate, ou noutra circunstância, a coisa era radicalmente diferente. É que condecorar, e dar o discurso de inauguração, é claramente dizer aos professores e alunos da Notre Dame que "aqui está um tipo que devemos seguir", e obviamente não é o caso.

    Abraço,

    Bernardo

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  16. Ludwig,

    «Não me parece que favoreça o Bernardo argumentar que a liberdade de expressão só se aplica a quem concorda com ele.»

    Obviamente, não é este o caso.
    Penso que seria pueril entrarmos por este tipo de sofismas. É inegável, repito, INEGÁVEL, que condecorar o Obama vai passar uma mensagem totalmente distorcida acerca de um facto central e seguro: Obama acha que existe um "direito a abortar".

    Não está em causa a liberdade de expressão: o Obama repete essa asneira ética em vários locais e em vários meios. Trata-se de uma Universidade Católica poder ser coerente em matéria de ética elementar. Será que pode? Será que deixam? Obrigado...

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  17. Bernardo,

    Deixei claro no meu post que considero perfeitamente legítimo discordarem do Obama, não o convidarem, protestarem, desconvidarem, reconvidarem, como queiram. Tudo isso faz parte do exercicio legítimo da liberdade de expressão desses católicos, e da tua também.

    Exactamente como encarei os protestos no caso da visita do papa. Pouco importa aqui que Obama pense uma coisa acerca do aborto ou Ratzinger pense outra acerca do preservativo ou o que calhar. Quem estiver contra tem o direito de o dizer e de exprimir a sua opinião, quer eu concorde quer não concorde.

    Aquilo que apontei como uma inconsistência na aplicação do critério foi tu dizeres que num caso os protestos de quem discordou da visita do papa eram um atentado à sua liberdade de expressão, etc, mas no outro os protestos de quem discordou do convite ao Obama são "uma questão de decência".

    Nota que isto é diferente de tu discordares de um e concordares de outro. É perfeitamente legítimo que tu sejas contra convidar Obama e a favor de convidar o papa. E tens o direito de exprimir essa opinião.

    Mas é uma deturpação do princípio da liberdade de expressão julgares que só tem importância para aqueles com quem concordas e não tem o mesmo peso para os outros.

    Já agora, o papa não foi convidado a ir à univesidade de Roma para um debate. Foi também para proferir o discurso inaugural do ano académico. E os protestos foram precisamente porque isso sugere "aqui está alguém que devemos seguir" e muitos académicos daquela universidade consideraram que Ratzinger não era uma pessoa a seguir em matéria de ciência.

    Reitero que estás no teu direito de concordar ou discordar. Mas continua a ser um erro julgares que a liberdade de expressão só serve para o teu lado.

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  18. Nuno Gaspar07/05/09, 13:25

    Bernardo,
    "o discurso e condecoração de Obama numa Universidade Católica é um insulto."

    Pois eu, como católico e como pessoa radicalmente contra leis que despenalizam a prática do aborto (mas não por ser católico, note-se), sinto-me insultado com esta polémica levantada pela ida de Obama a uma Universidade Católica. Só me reconforta o facto de ainda existirem por lá pessoas como o Pe. Jenkins que sabem distinguir muito bem o que é função institucional e o que são convicções pessoais e que, representando a eleição de Obama a regenaração de um sistema político dominado pela mentira e o ódio ao que é diferente, ele é suficientemente educado para não afrontar um anfitrião com a evocação de temas em que possam discordar.

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  19. Não percebo muito bem o problema. mas:
    em portugal e numa Universidade pública não deve haver discriminação seja de que tipo for, o Papa se for convidado deve poder ir e quem quiser, de forma ordeira mas insultando quanto quiser, pode protestar. A polícia poderá mediar a coisa e estamos bem.
    Uma Universidade privada pode ou não convidar quem queira sendo que isto me merece um comentário:
    A pluralidade e o debate de ideias é tão mais enriquecedor quanto tivermos diferentes opiniões em debate.

    Uma comparação, ao excluir em certa universidades filosofias económicas fora de moda, formamos uma classe de gestores moldados a um pensamento neoliberal. Agora, colhemos os frutos.

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  20. parece que deus existe e está provado pelo anterior responsável pelo projecto do genoma humano. Uma treta que envolve a física quântica e já alguma degenerescência de células cerebrais , a ler

    http://www.newscientist.com/article/dn17083-quantum-arguments-for-god-veer-into-mumbojumbo.html

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  21. Sim, mas esse gajo converteu-se ao catolicismo porque se deslumbrou com uma cascata partida em três, que lhe lembrou a trindade.

    Quer dizer, que mais se pode dizer sobre tamanha imbecilidade?!?

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  22. Caro Ludwig,

    «Aquilo que apontei como uma inconsistência na aplicação do critério foi tu dizeres que num caso os protestos de quem discordou da visita do papa eram um atentado à sua liberdade de expressão, etc, mas no outro os protestos de quem discordou do convite ao Obama são "uma questão de decência".»

    Eu não me recordo de protestar contra a polémica na "La Sapienza" com base em liberdade de expressão. Posso estar esquecido. Teria que rever o que escrevi então. É evidente que uma organização qualquer, do género "União Ateia de Itália" teria todo o direito a recusar um discurso do Papa nas suas instalações, e isso não seria uma violação da liberdade de expressão.

    No caso "La Sapienza", o problema está em que não há qualquer incompatibilidade entre um Papa e uma aula inaugural de um ano numa Universidade, mesmo pública. A "La Sapienza" foi fundada por um Papa. Aliás, o conceito de universidade foi criado pela Igreja Católica. A ciência apenas surgiu no ocidente cristão, e o cristianismo foi um factor decisivo no seu surgimento e crescimento. É uma tese perfeitamente defensável.

    «Mas é uma deturpação do princípio da liberdade de expressão julgares que só tem importância para aqueles com quem concordas e não tem o mesmo peso para os outros.»

    É evidente que não é essa a minha posição.

    «Já agora, o papa não foi convidado a ir à univesidade de Roma para um debate. Foi também para proferir o discurso inaugural do ano académico.»

    Ok.

    «E os protestos foram precisamente porque isso sugere "aqui está alguém que devemos seguir" e muitos académicos daquela universidade consideraram que Ratzinger não era uma pessoa a seguir em matéria de ciência.»

    Bom, mas então aplica-se o que eu disse então: que esses académicos não fazem puto de ideia do que é a história das universidades, e de como surgiram a partir de uma matriz cristã, como centros de saber. Evidentemente, eu defendo a posição de que qualquer Papa é sempre uma pessoa perfeitamente compatível com qualquer universidade onde se procure a verdade e o conhecimento, e isto porque o conceito de ensino universitário nasceu no seio do cristianismo e faz parte da doutrina cristã encarar o saber racional como parte valiosa e indispensável da cultura de uma sociedade.

    Nota que não é incoerência da minha parte: podes dizer que discordas do que digo, que o Papa não deve discursar numa universidade pública, mas não é incoerência: é discordância da tua parte. Não me preocupo nada com as pessoas que discordam do que escrevi sobre Notre Dame e sobre a La Sapienza. O que me irrita é que me digam que sou incoerente, quando me parece que não estou a sê-lo.

    Abraço,

    Bernardo

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  23. Caro Nuno Gaspar,

    «Pois eu, como católico e como pessoa radicalmente contra leis que despenalizam a prática do aborto (mas não por ser católico, note-se), sinto-me insultado com esta polémica levantada pela ida de Obama a uma Universidade Católica.»

    Bom, devo dizer-lhe que me espanto com o facto de que se sente "insultado".

    «Só me reconforta o facto de ainda existirem por lá pessoas como o Pe. Jenkins que sabem distinguir muito bem o que é função institucional e o que são convicções pessoais»

    Ah, então a moral do Pe. Jenkins está partida em dois, certo? Já agora, como é que isso funciona? O hemisfério esquerdo do cérebro do Pe. Jenkins é contra o aborto, mas o hemisfério direito do cérebro do Pe. Jenkins é pró-Obama, certo?

    Portanto, o Pe. Jenkins é padre, e por isso, acha mal matar fetos humanos, mas por outro lado, acha bem dar uma condecoração de uma universidade católica a um político que promove o tal "direito" ao aborto.

    Gostava de perceber a lógica de uma posição destas. Se calhar, apenas o Pe. Jenkins e o Nuno Gaspar é que a poderão explicar.

    A mim faz-me confusão.
    Quando uma coisa é errada (matar fetos humanos), é sempre errada, e as pessoas coerentes batem-se por contestar aquilo que consideram errado.

    «e que, representando a eleição de Obama a regenaração de um sistema político dominado pela mentira e o ódio ao que é diferente, ele é suficientemente educado para não afrontar um anfitrião com a evocação de temas em que possam discordar.»

    Ah, claro. Não vamos evocar os milhões de dólares que o Obama e Hilary Clinton estão a desbaratar com programas de "reproductive health" por esse mundo fora.

    Afinal, ele é um presidente tão simpático e tão afro-americano... Porquê lembrá-lo dessa maçada? Porquê dizer-lhe, na cara, que matar é feio? Mais vale dar-lhe o "honoris causa" (que em latim quer dizer "por causa da honra", ou "em honra"), e nos corredores, onde ninguém ouve, dizer-lhe: "Ó Senhor Presidente, agora que falamos mais à vontade, sabe... é que sou Padre e... matar é feio!

    Que imbecilidade...

    Bernardo

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  24. Bernardo,

    Tu achas que no caso do papa não havia incompatibilidade. É a tua opinião, tens o direito de a expressar. E achas que no caso do Obama já há, também podes dizer isso.

    Mas o que tu disseste acerca da visita do papa foi que os protestos eram «um claro bloqueio à liberdade de expressão».

    A questão que te ponho agora é porque não achas que estes protestos sejam um tal bloqueio, ou se agora já achas que os outros também não eram.

    Porque defenderes que uns eram um bloqueio à liberdade de expressão e outros não baseando-te apenas na tua opinião acerca da incompatibilidade é precisamente a deturpação do princípio da liberdade de expressão que eu critiquei no post.

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  25. Bernardo,

    «Quando uma coisa é errada [...] é sempre errada, e as pessoas coerentes batem-se por contestar aquilo que consideram errado.»

    Mas protestar é errado quando são os outros a protestar por causa do papa mas não quando são os teus a protestar por causa do Obama...

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  26. «O hemisfério esquerdo do cérebro do Pe. Jenkins é contra o aborto, mas o hemisfério direito do cérebro do Pe. Jenkins é pró-Obama, certo?

    Que imbecilidade...»

    Eu diria que é quase tão imbecil como a metade esquerda acreditar na ciência e na medicina, e a metade direita acreditar no milagre da córnea frita. Quase.

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  27. Nuno Gaspar07/05/09, 21:07

    Bernardo,
    Fui ver no seu blog o post e a caixa de comentários mais a carta da senhora ex-embaixadora do Vaticano nos EUA e li os comentários que aqui colocou.
    Agora é que eu estou a ver donde vem esta vaga trolha de blogs ateístas. Estão desculpados. Justifica-se e é natural que apareçam muitos mais.
    Então acha que por receber em sua casa uma pessoa da qual discorda em algum assunto está a dar-lhe razão? Só se relaciona com pessoas com as quais concorda em tudo? Os outros têm peste?
    Esta reacção presta um muito mau serviço à causa dos que se incomodam com as leis que despenalizam o aborto e é um favorzinho a quem só quer ver na Igreja Católica e na religião em geral um bando de alienados.
    Há outras maneiras de dizer aos outros os valores seguros em que acreditamos.

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  28. António Parente07/05/09, 21:59

    A carta de Mary Ann Glendon mostra que a presença de Obama na cerimónia não constituia qualquer problema.

    Veja-se este excerto:

    "Last month, when you called to tell me that the commencement speech was to be given by President Obama, I mentioned to you that I would have to rewrite my speech."

    O problema estava exclusivamente na atribuição de um grau académico honorífico pela Universidade a Obama.

    Leia-se:

    "First, as a longtime consultant to the U.S. Conference of Catholic Bishops, I could not help but be dismayed by the news that Notre Dame also planned to award the president an honorary degree. This, as you must know, was in disregard of the U.S. bishops’ express request of 2004 that Catholic institutions “should not honor those who act in defiance of our fundamental moral principles” and that such persons “should not be given awards, honors or platforms which would suggest support for their actions.” That request, which in no way seeks to control or interfere with an institution’s freedom to invite and engage in serious debate with whomever it wishes, seems to me so reasonable that I am at a loss to understand why a Catholic university should disrespect it."

    Repare-se que Mary Ann Glendon nunca, em momento algum, exigiu que o convite ao Presidente Obama fosse retirado nem exigiu que a condecoração fosse retirada. Simplesmente afastou-se de uma cerimónia com a qual discordava por considerar que aquele não era o momento nem o local para debates do género que o Padre Jenkins pretendia.

    Mary Ann Glendon já foi substituída por um ex-apoiante de Ronald Reagan que vai discursar na cerimónia.

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  29. António Parente07/05/09, 22:09

    Ludwig acusa o Bernardo de incoerância. É altura de relembrar o que o Ludwig escreveu sobre o Papa em La Sapienza:

    "(...)A alocução inaugural do ano académico é uma ocasião diferente. Sugere que o convidado exprime o espirito da universidade. E, como salientou Marcello Cini, a teologia não tem lugar numa universidade pública moderna como La Sapienza (1). Não faz sentido ser um Papa, um Ayatollah, um Rabbi ou um Mullah a proferir este discurso."

    Mais:

    "(...) é um disparate que o representante de uma religião inaugure o ano académico de uma universidade séria. A universidade não tem nada a ver com religião, não deve ter, e tinha-se poupado muito sofrimento a muita gente se nunca tivesse tido."

    É extraordinário que Ludwig se tivesse oposto à presença do Papa por não representar o "espírito da universidade". Será que Obama representa o espírito da universidade católica de Notre Dame?

    Afinal, onde está a incoerência? Se o Ludwig fosse coerente então devia opor-se à presença do Obama na universidade de Notre Dame porque Obama não é católico nem pode representar o espírito da universidade.

    Conheço pessoalmente o Bernardo e sei que é uma pessoa íntegra e não merece as críticas do Nuno.

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  30. P. Parente,

    Repare que o Obama não pontifica rigorosamente nada. É um presidente e os presidentes presidem. Por favor não confundir com o Monstro das Hóstias.

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  31. Nuno Gaspar07/05/09, 22:48

    Ó António,
    Não ponho em causa a integridade do Bernardo.
    Acho é que com uma polémica destas se está a entregar ouro ao bandido.
    É mesquinho recusar solenizar a presença de um Presidente só por a sua opinião poder não coincidir exactamente com a própria, ainda por cima numa Universidade Católica quando as principais bandeiras do programa do eleito são mais políticas de redistribuição de riqueza e protecção dos mais desfavorecidos. Nem é preciso comparar com o caso passado com o Papa.

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  32. António Parente07/05/09, 23:06

    Ó Nuno

    Já tinha percebido que a sua posição é política. A minha não o é. O Ludwig comparou o convite ao Papa com o convite ao Obama, insinuando que são iguais. Não são. É preciso desmistificar isso.

    O post do Ludwig é um ataque pessoal ao Bernardo. Eu não sou calculista quando faço comentários. Não penso em política, nem no ouro, nem no bandido, quando o assunto não é esse mas outro. Limitei-me a expressar a minha opinião sobre o conteúdo do post, mais nada.

    Se pretende condenar o Bernardo por puro calculismo, porque o Obama ajuda os pobres e outras tretas, é um problema seu. Não queira é que eu alinhe na sua estratégia política.

    Eu não comentei aquilo que escreveu nem me interessa o que pensa sobre o assunto. Não pretendo entrar em diálogo com os outros comentadores. Apenas comento os posts. Mais nada.

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  33. Nuno,

    Agora é que eu estou a ver donde vem esta vaga trolha de blogs ateístas. Estão desculpados. Justifica-se e é natural que apareçam muitos mais.

    Estás a ver esse sentimento que tiveste ao seres despachado por um acólito como o Bernardo (não és suficientemente cristão, és imbecil, etc.), simplesmente porque achaste por bem dizer que o Obama é uma pessoa que não se define apenas por ser pro-choice?

    É aquilo que o pessoal mais descrente atura todos os dias no Ktreta, de vocês.

    Um espelho de vez em quando é necessário...

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  34. O Ludwig comparou o convite ao Papa com o convite ao Obama, insinuando que são iguais.

    Mentira (mais uma).

    O Ludwig citou o Bernardo a argumentar que o problema do papa foi a falta lamentável de liberdade de expressão.

    Mas agora diz precisamente que o Obama não deve ter a mesma liberdade de expressão.

    Isto nada tem a ver com o facto de que os dois acontecimentos sejam diferentes, mas com o facto de que o Bernardo usou dois pesos para duas medidas.

    O António mostrou aqui um argumento bem mais sólido e correcto do que o Bernardo, e não foi esse que foi "atacado".

    Porém, concordo também que, embora mais correcto, afigura um ambiente numa universidade no qual eu decerto não gostaria de me incluir. E, infelizmente, diz muito sobre a necessidade de todos os países assegurarem ter universidades para além das católicas.

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  35. Afinal, onde está a incoerência? Se o Ludwig fosse coerente então devia opor-se à presença do Obama na universidade de Notre Dame porque Obama não é católico nem pode representar o espírito da universidade.

    Se o António se recusa a ler, para quê comentar?

    O Ludwig disse claramente que, e agora preste atenção!:

    Deixei claro no meu post que considero perfeitamente legítimo discordarem do Obama, não o convidarem, protestarem, desconvidarem, reconvidarem, como queiram. Tudo isso faz parte do exercicio legítimo da liberdade de expressão desses católicos, e da tua também.

    Não é essa a crítica do Ludwig. Preste atenção!

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  36. Nuno Gaspar07/05/09, 23:18

    Não Barba,
    Isto demonstra é que não é correcto pôr tudo no mesmo saco. Há muitos modos de ver, quer no ateísmo quer na religião (mais na religião do que no ateísmo). Quando procuram reduzir as coisas a um preto e um branco perde-se o que pode haver de mais interessante no chão.

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  37. Bernardo,

    Os teus comentários estão carregados de um sectarismo intolerável.

    Veja-se:
    É facílimo explicar como é que Obama viola as "regras da casa" na Notre Dame (basta interpretar o nome da Universidade).

    O que é que a nossa senhora tem a ver com o Obama? Porque é que o Obama não pode ir falar a um sítio com esse nome? Pode explicar de um modo não infeliz? É porque duvido muito, já que Obama apesar de não ser católico, é cristão.

    (Já repararam o quanto os cristãos se adoram uns aos outros? São tão queridos!)


    ...que esses académicos não fazem puto de ideia do que é a história das universidades, e de como surgiram a partir de uma matriz cristã, como centros de saber

    Bernardo, a Astronomia nasceu a partir da Astrologia. Deverá por isso a NASA convidar a Maya para uma conferência de imprensa importante? Deverá um instituto importante de Química convidar um sujeito que seja Alquimista?

    Não importa quem lá nos confins da ajuda criou o quê e com que intenções. Admito que foram até boas, mas elas são totalmente independentes do seu serviço de hoje, e essa insinuação de que a universidade se deve ajoelhar à paróquia é teocrática e inadmissível.

    Invocando um pouco de Goodwin à boa maneira do ad absurdum, as auto-estradas da Alemanha foram fundadas por Hitler. Deve-se por isso chamar um neo-nazi sempre que se inaugurar uma nova auto-estrada?

    A ciência apenas surgiu no ocidente cristão

    Caro Bernardo, está a deixar a teocracia no seu coração invadir qualquer crivo que ainda lhe reste. Como é possível dizer tamanha barbaridade? Desconhece que os números que usa foram inventados no mundo muçulmano? Desconhece que a Geometria foi inventada pelos gregos? Que a engenharia foi dominada pelos romanos?

    A sua tese de que a ciência "surgiu" no mundo cristão é de rir imenso, não fosse tão triste. É que basta lembrar a queima da biblioteca de Alexandria para queimar igualmente essa tese maluca que tanto tem poluído a história da ciência (tão obrigada a essas humilhações ontológicas...)

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  38. Quando procuram reduzir as coisas a um preto e um branco perde-se o que pode haver de mais interessante no chão.

    Muito bem, Nuno. Discordo mas obrigado.

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  39. António Parente07/05/09, 23:39

    Barba Rija

    Não quero dialogar consigo porque as coisas acabam sempre com insultos seus mas vou abrir uma excepção.

    Vou tentar explicar as coisas com calma:

    O reitor da universidade convidou Mary Ann Glendon para discursar na cerimónia oficial. Mary Ann Glendon aceitou e algum tempo depois foi avisada que Obama também iria discursar. Mary Ann Glendon informou o reitor que então iria reescrever o seu discurso. Mary Ann Glendon é professora catedrática de Direito da universidade de Harvard e consultora da conferência episcopal do estados unidos e é lógico que a dita conferência episcopal assim como o bispo da diocese da universidade soubessem do convite a Obama. Ninguém levantou qualquer objecção à presença de Obama. O problema surgiu quando passou a ser de conhecimento público que Obama ia ser agraciado com um doutoramento hnoris causa em Direito. Obama sempre foi um político, não tem currículo académico em Direito que justifique uma distinção deste tipo. Foi só por causa desta circunstância que o convite a Obama começou a ser contestado. Ninguém excomungou o reitor da universidade, ninguém exigiu que Obama fosse impedido de entrar na universidade, quem não estava de acordo afastou-se. Obama vai discursar na universidade, ninguém o vai impedir. Mary Ann foi substituída por um antigo professor de Notre Dame que aceitou discursar ao lado de Obama.

    Com o Papa foi diferente. Numa universidade pública, o Papa foi impedido de discursar por causa de um preconceito anti-religioso, por pura discriminação. Nem sabiam o que ele iam dizer, nem se interessaram por isso. O Papa não foi à universidade porque não lhe garantiram segurança física!

    Como é possível quen um país como Itália um bando de energúmeros impeça alguém de discursar numa cerimónia univrsitária?! Como é possível que pretensos democratas venham defender comportamentos deste tipo em nome do laicismo?!

    Vem o Barba Rija escrever que é por causa disto que devem existir universidades públicas. Com o dinheiro dos meus impostos, grupos arvoram-se em donos das universidades para fazerem o que quiserem a seu bel prazer? Para si isto é democracia? Infelizmente o Estado não é neutro. Eu não sou anjinho e não deixo que me metam essas tretas na cabeça. O Estado é de quem controla o poder. Está na altura dos católicos dedicarem mais tempo à luta política.

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  40. O que eu não vejo é razão alguma para galardoar o Obama.

    Pra já, não fez nada de excepcional por ninguém - deixa lá ver o que vão inventar:
    Talvez que… mandou fechar Guantanamo, para abrir dois ou três “guantexas”;
    Talvez que…. representa uma esperança para o mundo. Uma esperança que frutificará em abastadas ilusões… e pesadas desilusões;

    È americano, logo nunca será boa pessoa. Eu não conheço nenhum americano que seja “boa pessoa” (ou sequer fiável)


    Mas, muito pra além disso, eu não concordo com a estupidez.

    Para fins mais publicitários do que justos:
    Nem um católico deve ser (ou aceitar) galardoado por uma universidade ateísta; nem um ateísta deve ser galardoado por uma universidade católica.
    (eu sei que o rapaz não é ateísta, mas vai dar ao mesmo)

    Cada macaco no seu galho!

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  41. Ludwig,

    «Mas o que tu disseste acerca da visita do papa foi que os protestos eram «um claro bloqueio à liberdade de expressão».»

    Tens razão.
    Estou disposto a baixar a espada, porque essa frase, que foste buscar às catacumbas do meu blogue, é realmente minha e está errada. O problema não era, nunca foi, um de liberdade de expressão.

    Mantenho o que penso hoje: que o problema da "La Sapienza" e o problema da "Notre Dame" são problemas de compatibilidade entre as "regras da casa" e os distintos e agraciados oradores. Não vejo incompatibilidade alguma entre um Papa e uma universidade clássica como a "La Sapienza". Já veria problemas, evidentemente, com universidades mórmones ou com centros de ensino da Cientologia! ;)
    A incompatibilidade entre Obama e uma distinção de uma universidade católica é demasiado óbvia para insistir nela.

    Abraço,

    Bernardo

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  42. Ludwig,

    «A questão que te ponho agora é porque não achas que estes protestos sejam um tal bloqueio, ou se agora já achas que os outros também não eram.»

    Bom, mas agora entras em detalhes mais complexos. Fiz questão de corrigir, no último comentário, o meu erro do passado. Para agora, em separado, dizer-te que há distinções essenciais entre os dois casos, e que a tua comparação não é correcta.

    A oposição a este estúpido convite, por parte do Pe. Jenkins, não é um "bloqueio" comparável ao da "La Sapienza", por várias razões:

    a) o Pe. Jenkins, com esse convite, viola uma vontade expressa da Conferência Episcopal Norte-Americana (ver o que escreveu o António Parente), logo, ele próprio viola as "regras da casa"; nem era preciso esse expressar da vontade dos bispos norte-americanos: a simples defesa da doutrina católica acerca do direito à vida dos seres humanos indefesos é suficiente para recusar a ideia louca de condecorar um abortista assumido

    b) a Igreja Católica é uma organização com estrutura hierárquica e com doutrina bem definida: é bastante claro saber o que é católico ou não é católico

    c) a "La Sapienza" é composta por professores universitários com ideias éticas e morais bem diferentes entre si: o protesto de alguns professores anti-clericais certamente irritou alguns professores cristãos, colegas nesse mesmo estabelecimento de ensino; por outro lado, os professores indiferentes à questão religiosa nem terão tomado partido na refrega; quem decide, numa Universidade como a La Sapienza, quem pode ou não discursar?

    Eu não tenho resposta definitiva para esta pergunta, apenas palpites... Sei que seria uma tirania supor que o Reitor da La Sapienza teria poder para convidar quem quisesse, incluindo a sua mãe: esta poderia ser espírita, cientologista, teosofista, astróloga ou outra patetice pior.

    Por outro lado, este tipo de questões (decidir se um Papa discursar numa cerimónia oficial universitária é algo compatível ou não com a "La Sapienza") não podem ser decididas num foro competente, porque ninguém sabe dizer, cabalmente, qual é este foro!

    No caso da La Sapienza, à falta de melhor, o que se deveria ter feito, acho eu, era uma votação "inter pares": todos os professores agregados à Universidade teriam votado se o discurso de Ratzinger era compatível ou não com os ideais da La Sapienza.

    A votação teria um certo tom de patetice, é certo, sabendo-se que a dita Universidade foi fundada por um Papa, altura em que recebeu o nome "La Sapienza", ou seja, "A Sabedoria". Sinal evidente de que a mentalidade de então não menosprezava, nem a Ciência, nem a Religião. Mas, do mal o menos, teria sido mais bonito ver-se uma votação "inter pares" na Univeridade, do que meia dúzia de professores radicais de esquerda a inflamar a imbecil maralha estudantil, numa patética mostra de "força bruta" sem inteligência nem argumentação.

    Abraço,

    Bernardo

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  43. Caro Nuno Gaspar,

    Como há-de imaginar, não escrevo preocupado com as reacções nos blogues ateístas. Escrevo quando me apetece, sobre o que me apetece escrever.

    «Então acha que por receber em sua casa uma pessoa da qual discorda em algum assunto está a dar-lhe razão?»

    Nada disso.
    Evidentemente, nada disso.
    Não sou imbecil. Recebo montes de vezes pessoas em minha casa com as quais discordo em várias matérias (algumas das quais muito minhas amigas).

    Estou a contestar que se CONDECORE um abortista assumido, e se dê aos professores e alunos dessa universidade um discurso inaugural a um abortista assumido.

    Poderiam convidar o Obama para jantar, para uma partida de basquetebol, para ele ser chefe de claque, o que se quisesse. Mas não dá-lo como se fosse um modelo a ser seguido por católicos. Isso é uma confusão tramada, não acha? (se calhar, não acha - há pessoas muito "flexíveis" nestas coisas da coerência intelectual)

    Cumprimentos,

    Bernardo

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  44. António,

    Primeiro, como vê, eu tinha razão, tal como o Bernardo já reconheceu.

    Segundo, já disse várias vezes que acho que a sua versão dos acontecimentos, a ser verdadeira (não vou confirmar) parece-me correcta, e os alinhamentos protocolares parecem-me justos.

    Se verificar bem (como também sei que nunca o faz) verá que desde o início que fui cuidadoso neste caso, porque sei de experiência que estas coisas nunca são o que parecem ser à primeira vista.

    Também se verificar bem nunca disse que com o papa foi diferente, o ponto do Ludwig não era esse como já o Bernardo confirmou.

    Em relação aos "energúmenos" italianos, não sei se concordo consigo. Não conheço o caso em pormenor mas sei que houve protestos, e estes são igualmente legítimos. Também não me sentiria muito confortável nesse lugar digo-lhe já.

    Agora aquilo que eu disse é que nesta universidade católica levantou-se de facto um "escândalo", e a julgar pela reacção do Bernardo que nem é aluno lá, posso bem imaginar o que um ateu como eu iria ouvir nestes dias. É nesse cenário que digo, ainda bem que há mais universidades do que as católicas.

    Agora vem, outra vez, mais uma distracção sua (n). Eu falei em universidades estatais?

    Gotcha.

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  45. Caro António,

    «Afinal, onde está a incoerência? Se o Ludwig fosse coerente então devia opor-se à presença do Obama na universidade de Notre Dame porque Obama não é católico nem pode representar o espírito da universidade.»

    Obrigado pelo teu apoio!
    Realmente, se eu fui incoerente face ao que escrevi há uns largos meses, também vejo agora que, com as tuas citações das palavras de então do Ludwig, ele está a ser incoerente (isto, se não rejeitar liminarmente o discurso de Obama na Notre Dame).

    Acho que somos todos crescidos, e podemos aprender juntos com estes debates. Da minha parte, detesto ser incoerente, e estou sempre pronto a deixar cair uma ideia incoerente que perfilhe ou tenha perfilhado em tempos.

    Abraço,

    Bernardo

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  46. «Há muitos modos de ver, quer no ateísmo quer na religião (mais na religião do que no ateísmo).»

    Exacto, Nuno Gaspar. Claro que há muitos modos de ver as coisas.
    Mas a Igreja Católica não é o IKEA, em que cada qual vai à prateleira, tira o que quer, deixa o que não quer, e paga no fim. Se não somos sérios (ou seja, se não somos coerentes), quem nos levará a sério?

    Deixo aqui este desafio... Sermos sérios, sendo coerentes. É o princípio de alguma coisa sólida, parece-me...

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  47. Caro Barba Rija,

    «Os teus comentários estão carregados de um sectarismo intolerável.»

    É normal que os vejas sob esse prisma! São as lentes que tens metidas!

    «O que é que a nossa senhora tem a ver com o Obama?»

    O nome da Universidade remete para a Nossa Senhora, o que é um sinal, talvez modesto, de que se trata de uma casa católica, visto que os católicos têm especial devoção à Mãe de Deus.

    «Porque é que o Obama não pode ir falar a um sítio com esse nome?»

    Livra, que isto está complicado: acaso eu disse tal coisa? Ainda há poucas semanas, eu estive na Faculdade de Filosofia de Braga (parte integrante da UCP), a debater com ateus em amena cavaqueira, dentro de um estabelecimento de ensino católico. Os meus colegas de mesa, Helder Sanches e Ricardo Silvestre, com microfone (ligado às colunas) e munidos de água e copinho, discursaram livremente, dizendo várias blasfémias (eu estava lá ao lado!), e ninguém lhes cortou o pio. E era só o que faltava! Era um debate sereno e aberto. Mas, evidentemente, o reitor da Faculdade não atribuiu nenhuma condecoração aos caríssimos Helder ou Ricardo, nem lhes pediu um discurso inaugural para o começo do ano lectivo!

    Será assim tão DIFÍCIL ou COMPLEXO perceber que o que me irrita não é a presença do Obama na Notre Dame, nem a voz dele se fazer ouvir aos microfones da dita, mas sim a condecoração imbecil que lhe deu o Pe. Jenkins e o deslocado prestígio de lhe pedir o discurso inaugural?

    «É porque duvido muito, já que Obama apesar de não ser católico, é cristão.»

    Ai, é, é. Muito cristão...

    «(Já repararam o quanto os cristãos se adoram uns aos outros? São tão queridos!)»

    É que cristãos, há os de nome e os de facto.

    «Bernardo, a Astronomia nasceu a partir da Astrologia. Deverá por isso a NASA convidar a Maya para uma conferência de imprensa importante? Deverá um instituto importante de Química convidar um sujeito que seja Alquimista?»

    Ora aqui está a clara prova de que fala a voz do preconceito. A Astronomia não nasceu a partir da Astrologia, isso são fantasias suas. Informe-se. Eu sei que isso se diz no Secundário (a mim também me enfiarar essa), mas depois do Secundário, continuei a ler livros. E que a Química nasceu da Alquimia, ok... Farinha do mesmo saco. Sabia que Pierre Curie estudava alquimia? Estranho, não é? Se a Alquimia era coisa do passado... Informe-se...

    «Não importa quem lá nos confins da ajuda criou o quê e com que intenções.»

    Importa imenso.
    Isso é típico de quem não sabe História: dizer que ela não importa.

    «Admito que foram até boas, mas elas são totalmente independentes do seu serviço de hoje, e essa insinuação de que a universidade se deve ajoelhar à paróquia é teocrática e inadmissível.»

    Quem falhou em tal coisa?
    Escrever uma frase destas é realmente não fazer puto de ideia de qual é a relação entre o conhecimento teológico e o conhecimento natural.

    «Invocando um pouco de Goodwin à boa maneira do ad absurdum, as auto-estradas da Alemanha foram fundadas por Hitler.»

    Bela comparação, homem.
    Até porque qualquer auto-estrada feita pelo Hitler está carregada de ideologia nazi, não? É o betão em forma de suástica?

    «Deve-se por isso chamar um neo-nazi sempre que se inaugurar uma nova auto-estrada?»

    Sim, os neo-nazis é que criaram o conceito de estrada. Isto está a seguir o caminho do absurdo. Note que isto de fazer analogias tem que ser bem feito, sob pena de parecerem comparações patetas.

    «Caro Bernardo, está a deixar a teocracia no seu coração invadir qualquer crivo que ainda lhe reste.
    Como é possível dizer tamanha barbaridade?»

    Não é barbaridade alguma. O que escrevi atrás aprendi com um distinto professor do departamento de História da Ciência, numa universidade aqui em Lisboa.

    «Desconhece que os números que usa foram inventados no mundo muçulmano?»

    Por acaso não foram, meu caro. A numeração árabe provém dos hindus. Mais concretamente, as matemáticas fazem parte de um "darshana" específico, chamado Nyaya.

    «Desconhece que a Geometria foi inventada pelos gregos?»

    A Geometria não se "inventa": descobre-se. As suas leis são universais.

    «Que a engenharia foi dominada pelos romanos?»

    «A sua tese de que a ciência "surgiu" no mundo cristão é de rir imenso, não fosse tão triste.»

    Dê-me um exemplo de uma cultura não cristã onde a ciência tenha prosperado até hoje.

    «É que basta lembrar a queima da biblioteca de Alexandria para queimar igualmente essa tese maluca que tanto tem poluído a história da ciência (tão obrigada a essas humilhações ontológicas...)»

    A queima da Biblioteca de Alexandria foi a decisão imbecil de um fanático muçulmano. Visto que não temos acesso ao seu conteúdo, é complicado avaliar o conteúdo tecnológico e científico dessa Biblioteca.

    Não vamos brincar à História, pois não? Se quiser, cá estarei.

    Cumprimentos,

    Bernardo

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  48. António Parente08/05/09, 01:07

    Barba Rija

    Eu manifestei a minha opinião e mantenho-a: não são situações comparáveis. Numa universidade ninguém pode ser impedido de falar se for convidado pelos órgãos legítimos da universidade. O que fizeram com o Papa foi inqualificável e também o seria se acontecesse na universidade de notre dame.

    Em relação ao Obama o problema é da condecoração, não é do discurso. Ninguém o impediu de falar nem impedirá. Isso seria um erro colossal e um atitude de sectarismo primário. Aliás depois de pensar sobre o assunto considero que não faz nenhum sentido a determinação de 2004 da conferência episcopal dos eua e até é uma orientação que vai contra o que o Papa disse no seu discurso à universidade la sapienza quando afirmou que a universidade devia conservar a sua liberdade face às autoridades políticas e eclesiásticas.

    Para quem estiver interessado em conhecer a posição de quem apoia o padre jenkins, aqui fica um artigo da revista dos jesuítas americanos:

    http://www.americamagazine.org/content/article.cfm?article_id=11636

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  49. António Parente08/05/09, 01:10

    Bernardo

    A tu posição foi mais cristã do que a minha: deste a outra face enquanto eu desembainhei a espada. Aguarda-me uma penitência amanhã.

    Um abraço

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  50. Espectadores,

    Sobre a origem da Astronomia veja aqui.

    De onde tirei: «A origem da astronomia se baseia na antiga (hoje considerada pseudociência) astrologia, praticada desde tempos remotos.»Ou aqui.

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  51. Nuno Gaspar08/05/09, 02:34

    Caro Bernardo,

    “Abortista assumido?”

    O que é um abortista assumido?
    Essa idéia de que recusar uma condecoração a Obama numa Universidade Católica o torna a si um opositor das leis que liberalizam o aborto mais genuíno do que eu ou o Ludwig ou o Barba é, vamos dizer, um bocado exótica. Tanto mais porque que não vejo o mesmo zelo moral em relação a outras questões como, por exemplo, a pena de morte. Enfim, curiosidades.

    “Mas a Igreja Católica não é o IKEA”

    Não é. Mas é bom que não se deixe tornar em qualquer coisa parecida com um desfile militar em PyongYang. Pessoalmente, ficaria triste.

    “Ai, é, é. Muito cristão...”

    Graças a Deus, não é você nem eu que vamos julgar se o Obama, ou o Ludwig ou um de nós tem uma vida cristã ou não. Não é da nossa competência. Aqui também, humildade é preciso.

    Já devem ter reparado, há pessoas que se sentem entre dois incêndios de altas labaredas. De um lado, um positivismo insonso que olha para o mundo e para a vida como para um quadro sem profundidade. Do outro, um determinismo teológico medricas que vende a salvação ao pacote. Ambos são arrogantes e, para mim, tenebrosos.
    Num desses grandes incêndios que devastaram o centro do país há uns anos, também fiquei cercado por chamas e colunas de fumo. Após algum tempo de um certo de desespero, ouvi, primeiro, o inconfundível ruído dos motores e, depois, entre o nevoeiro de fumaça, avisto dois lindos Canadair, lado a lado, com a bandeira Italiana pintada nas asas, prontos para nos ajudar. Não sei por quê lembro-me muitas vezes desta imagem e gosto dela.

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  52. António Parente,

    «É extraordinário que Ludwig se tivesse oposto à presença do Papa por não representar o "espírito da universidade".»

    Acha isso extraordinário?

    Eu considero um disparate um papa vir discursar a uma universidade, a menos que seja uma universidade católica de teologia. Se viesse à minha manifestava o meu desacordo, se bem que não me dava para ir protestar, de cartaz em punho.

    Mas, ao contrário do Bernardo, eu reconheço nos católicos e em qualquer pessoa que discorde de mim acerca disto o direito legítimo de manifestar a opinião contrária. Por isso não vejo mal nenhum em que os católicos protestem contra o discurso do Obama. Estão no seu direito.

    O que me preocupa é que considerem que uns protestos são um atentado à liberdade de expressão e os outros são um dever moral.

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  53. António Parente,

    «O Ludwig comparou o convite ao Papa com o convite ao Obama, insinuando que são iguais. Não são.»

    Isto é falso. O que defendo é que em ambos os casos os protestos são um exercicio legítimo da liberdade de expressão de quem discorda. Se o Obama é igual ao papa ou não pouco me importa. O que quero salientar é que a liberdade de expressão é para todos e não apenas para aqueles que o Bernardo considera ter razão.

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  54. Bernardo,

    Vejo que estamos um pouco mais de acordo se reconheces que os protestos em La Sapienza não violavam a liberdade de expressão de ninguém.

    Parece-me, no entanto, que continuas a confundir a tua opinião com a legitimidade dos outros exprimirem as suas.

    Por um lado porque me parece continuares a defender que quem se sentiu incomodado em La Sapienza devia ter ficado calado, ao passo que os católicos incomodados em Notre Dame têm o direito de o dizer.

    Por outro lado porque insistes em apontar diferenças entre os oradores e as instituições quando o problema aqui são os protestos. A incoerência que te apontei foi na tua reacção às pessoas que expressaram as suas opiniões, não a tua discordância ou concordância com as opiniões em si.

    Eu acho errado ter um papa a proferir discursos numa universidade, tal como seria ter um astrólogo -- e isto mesmo que há séculos a universidade fosse de astrologia.

    E estou-me nas tintas se o Obama discursa em Notre Dame ou não.

    Mas o que defendo aqui não tem a ver com isso. Tem a ver com o respeito pela liberdade de quem protesta contra o discurso do Obama e de quem protesta contra o discurso do papa que, pelas razões que forem, e concorde ou não com eles, têm todos o mesmo direito de o fazer.

    Tu defendeste que os protestos de agora são legítimos mas os em La Sapienza eram um abuso, má educação, etc.

    Se concordares que não é assim, que todos são igualmente legítimos mesmo que tu discordes dos juízos de valor subjacentes, então estamos de acordo no que interessa.

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  55. António Parente08/05/09, 09:25

    Ludwig Krippahl

    Acho extraordinário, sim. Uma universidade não deve estar condicionada aos
    preconceitos anti-religiosos do Ludwig nem à sua militância ateísta. A universidade não é "sua", não é uma coutada privada. Como universidade pública também é "minha" porque o meu milionésimo de cêntimo também a financia.

    Quanto à questão do Bernardo, passo adiante. Admito que possa ter interpretado mal as suas palavras.

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  56. «Sobre a origem da Astronomia veja aqui.»

    Claro que, "aqui" é a Wikipédia.
    É curioso: a mesma Wikipédia que alguns professores italianos da "La Sapienza" consultaram, no artigo sobre Ratzinger, para de lá tirarem a ideia de que o actual Papa achava que o julgamento de Galileu fora justo.

    É este tipo de pseudo-conhecimento que está na origem de tanta confusão hoje em dia. Ainda não tinha recordado este ponto, mas cá vai: uma das várias razões para o meu repúdio face ao que aconteceu na La Sapienza está em que a aversão de alguns dos promotores do boicote a Bento XVI estava baseada na ignorância: haviam consultado um artigo na Wikipédia em italiano que continha o erro crasso de atribuir a Ratzinger palavras do filósofo Paul Feyerabend.

    É o mundo em que vivemos: a informação "democratiza-se", a malta vai ao Google, e depois baseia a sua posição numa espreitadela rápida a meia dúzia de linhas num site escrito sabe-se lá por quem...

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  57. Caro Nuno Gaspar,

    «O que é um abortista assumido?»

    Alguém que defende o direito ao aborto.

    «Essa idéia de que recusar uma condecoração a Obama numa Universidade Católica o torna a si um opositor das leis que liberalizam o aborto mais genuíno do que eu ou o Ludwig ou o Barba é, vamos dizer, um bocado exótica.»

    Bolas: eu não vejo nada de exótico. Há anos que a Igreja Católica de forma consistente diz que um católico não pode defender um direito ao aborto. Logo, é limpo como a água que não se vai condecorar alguém numa Universidade católica que defende esse pretenso direito.

    «Tanto mais porque que não vejo o mesmo zelo moral em relação a outras questões como, por exemplo, a pena de morte. Enfim, curiosidades.»

    Se calhar, não vê porque não quer ver. A Igreja Católica é contra a pena de morte. Espero que não seja preciso esmiuçar também esta questão.

    «Não é. Mas é bom que não se deixe tornar em qualquer coisa parecida com um desfile militar em PyongYang. Pessoalmente, ficaria triste.»

    Porque é que uma simples manifestação da importância de se ser coerente tem que dar origem logo a extremismos?
    Caro Nuno, é preciso ter em conta a situação dos políticos católicos em matéria de aborto nos últimos anos: os EUA têm visto muitos políticos que se dizem católicos (e até comungam na missa ao Domingo) e que dizem que aprovam leis de "direito" ao aborto porque separam as suas convicções pessoais do serviço público. E a Igreja, com razão, tem nas últimas décadas feito grande esforço para mostrar que isso é incoerente e que tais pessoas estão em grave falha.

    «Graças a Deus, não é você nem eu que vamos julgar se o Obama, ou o Ludwig ou um de nós tem uma vida cristã ou não. Não é da nossa competência. Aqui também, humildade é preciso.»

    Claro que é preciso muita humildade, e eu não sou, em matéria de humildade, exemplo para ninguém. No entanto, basta conhecer um pouco do percurso de Obama, da forma como ele se foi aproximando das comunidades cristãs protestantes afro-americanas, e da forma como daí retirou vantagem política. Devemos ser humildes, mas não é preciso sermos parvos e não ver as coisas como elas são.

    «Já devem ter reparado, há pessoas que se sentem entre dois incêndios de altas labaredas. De um lado, um positivismo insonso que olha para o mundo e para a vida como para um quadro sem profundidade. Do outro, um determinismo teológico medricas que vende a salvação ao pacote. Ambos são arrogantes e, para mim, tenebrosos.»

    Fico com pena que veja as coisas assim. Obviamente, não vejo como é que a minha posição seja um "determinismo teológico medricas que vende a salvação ao pacote".

    «Num desses grandes incêndios que devastaram o centro do país há uns anos, também fiquei cercado por chamas e colunas de fumo.»

    Penso que se refere à complexidade da questão do aborto: mas nessa matéria, há pouco a fazer para além de estudar mesmo a questão a fundo. Nem tudo nesta vida é fácil de entender. Eu cheguei à posição que cheguei depois de dar muitas voltas, e de mudar radicalmente de posição. Apesar do tom agressivo (que me vem da revolta e nojo por, em pleno século XXI, se abortarem crianças na minha cidade e no meu país) das minhas palavras, eu digo o que digo com base em milhares de horas de reflexão sobre o tema do aborto.

    «Após algum tempo de um certo de desespero, ouvi, primeiro, o inconfundível ruído dos motores e, depois, entre o nevoeiro de fumaça, avisto dois lindos Canadair, lado a lado, com a bandeira Italiana pintada nas asas, prontos para nos ajudar. Não sei por quê lembro-me muitas vezes desta imagem e gosto dela.»

    Não percebi esta parte.

    Bernardo

    ResponderEliminar
  58. Caro Ludwig,

    Eu não sei como é que chegámos a esta confusão, mas certamente que a imperfeição do meio bloguístico tem alguma culpa, juntamente com o facto de comentarmos em poucos minutos rápidos, no meio da azáfama do dia-a-dia.

    «Vejo que estamos um pouco mais de acordo se reconheces que os protestos em La Sapienza não violavam a liberdade de expressão de ninguém.»

    Quando escrevi o meu post sobre a La Sapienza (em 16 de Janeiro de 2008), usei erradamente palavras como "liberdade de expressão" e "intolerância". O direito ao protesto é indiscutível. Se leres o meu post, verás que há uma nuance: a ocupação da Reitoria. Isto é protesto, mas será ainda legítimo?

    «Parece-me, no entanto, que continuas a confundir a tua opinião com a legitimidade dos outros exprimirem as suas.»

    Não vejo como é que ainda tens esta ideia errada. Como é que alguém sensato faria isso? Tens-me em baixa conta...

    «Por um lado porque me parece continuares a defender que quem se sentiu incomodado em La Sapienza devia ter ficado calado, ao passo que os católicos incomodados em Notre Dame têm o direito de o dizer.»

    Nada disso, como se vê pelo que tenho escrito.

    «Por outro lado porque insistes em apontar diferenças entre os oradores e as instituições quando o problema aqui são os protestos.»

    Reflectindo melhor sobre o que sucedeu na La Sapienza, vejo que as críticas que fiz não deveriam ter incidido em questões como "atentado à liberdade de expressão" ou "intolerância". É perfeitamente criticável, não o direito a protestar (obviamente, sem violência nem abusos - a ocupação da Reitoria é um abuso), mas sim a atitude de protesto. Ou seja, eu discordo que se tenha protestado contra a presença do Papa, porque não vejo incompatibilidade do Papa com uma Univeridade, e NÃO porque conteste o direito a protestar.

    «A incoerência que te apontei foi na tua reacção às pessoas que expressaram as suas opiniões, não a tua discordância ou concordância com as opiniões em si.»

    Vejo agora onde está todo o mal-entendido. E realmente, eu estava a ser incoerente ao falar na La Sapienza como um caso de liberdade de expressão.

    Continuo a achar que a atitude daquele punhado de professores e alunos da La Sapienza foi uma atitude errada (não o poderem protestar, mas o protesto em si). Baseada numa informação errada retirada da Wikipédia, que inflamou as hostes, e na falta de cultura das pessoas acerca da história da Ciência e das universidades na Europa.

    «Eu acho errado ter um papa a proferir discursos numa universidade, tal como seria ter um astrólogo -- e isto mesmo que há séculos a universidade fosse de astrologia.»

    Evidentemente, aqui divergimos radicalmente. Basta ler a encíclica "Fides et Ratio" para entender que a Igreja Católica, e a figura do Papa, nada têm a ver com um astrólogo.

    «E estou-me nas tintas se o Obama discursa em Notre Dame ou não.»

    Se queres que te diga, estou com o António: irrita-me, sobretudo, a condecoração. É uma cuspidela que o Pe. Jenkins faz na cara da Conferência Episcopal dos EUA, na cara dos católicos norte-americanos (e no resto do mundo), e na cara dos esforços pró-vida nos EUA.

    «Mas o que defendo aqui não tem a ver com isso. Tem a ver com o respeito pela liberdade de quem protesta contra o discurso do Obama e de quem protesta contra o discurso do papa que, pelas razões que forem, e concorde ou não com eles, têm todos o mesmo direito de o fazer.»

    Esse direito ao protesto está consagrado, e aceito-o. Protestos não violentos e não atentatórios às liberdades alheias, obviamente.

    «Se concordares que não é assim, que todos são igualmente legítimos mesmo que tu discordes dos juízos de valor subjacentes, então estamos de acordo no que interessa.»

    Tirando a questão da ocupação agressiva da Reitoria, e outros vandalismos pontuais, estamos de acordo em que o protesto é uma forma legítima de expressão de opiniões.

    Mas insisto que tresleste o meu artigo do ano passado: apesar da minha incoerência e de dizer erradamente que o problema era de liberdade de expressão, nota bem que, mesmo na altura, eu nunca disse que o protesto contra a presença do Papa não era um direito. Contestei o objecto do protesto, e não o direito a protestar, obviamente (pelos vistos não foi tão óbvio, mas deveria ser).

    Abraço,

    Bernardo

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  59. Caro António,

    «A universidade não é "sua", não é uma coutada privada. Como universidade pública também é "minha" porque o meu milionésimo de cêntimo também a financia.»

    Este é o cerne da questão da La Sapienza: a decisão civilizada teria sido esta:

    a) o Reitor consultava o conselho científico da universidade ANTES de fazer o convite ao Papa

    b) o conselho fazia uma votação "inter pares", porque assim se respeitaria o ideal universitário

    c) dependendo do resultado da votação, convidava-se o Papa ou não

    Triste, triste, foi achar-se que o Papa era um obscurantista por aprovar a condenação de Galileu (uma falsidade retirada da Wikipédia italiana), e com base nisso, organizar manifestações profundamente equivocadas e baseadas na ignorância e no preconceito.

    O Ludwig está profundamente errado na sua opinião de que um Papa não tem lugar numa Universidade: não só há os argumentos históricos que já aduzi, mas também se vê facilmente que a posição do Ludwig não é científica (não se baseia em provas científicas). Logo, não é verdade que um cientista, ou um académico, tenha que repudiar um Papa como antagónico face a uma Universidade.

    A posição do Ludwig é "question begging", porque pressupõe que se partilhe da ideia de que o ateísmo está cientificamente demonstrado.

    Abraço,

    Bernardo

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  60. Irra, os católicos são de facto inacreditáveis, perseguem quem defende ideias diferentes das deles de tal forma, que me congratulo de terem sido definitivamente reduzidas as cerimónias mais ou menos patuscas onde podem falar do alto do seu púlpito.
    Reparar que independentemente do que o que o Obama possa dizer sobre todos os temas que partilha com estes senhores, basta não concordar num que deveria ser impedido de falar, anatematizado, e sendo preto ainda pior ( ai delícia para os baptistas do sul, que nos tempos livre metem uns barretes brancos na cabeça e queimam uma cruzes )
    Depois admiram-se que as pessoas os considerem fanáticos, os acusem de tiques de censura etc.

    Só aborta quem quer, quem não quer não é obrigado. Meter na cabeça desta gente o direito à liberdade de escolha é impossível, por eles era tudo obrigado a fazer o que eles acham que o deus deles mandou fazer a um bando de pastores bárbaros.Falam dos direitos absurdos de quem não nasceu, porque sabem que tem alma....
    Francamente , o curioso é que depois são estas mesmas alimárias a favor da pena de morte , e colocam bombas nas clínicas de abortos, e apoiam as mais variadas e disparatadas leis de armas etc.

    Haja bom senso , esta conversa do aborto já é tema requentado.

    acabou , pelo menos cá :)

    habituem-se

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  61. António Parente08/05/09, 11:39

    Caro Nuvens de Fumo

    Parabéns. Produziu um comentário adequado ao seu nickname.

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  62. António Parente

    Ainda bem que gostou, não imagina com fiquei com um dia mais desasombrado : ), não me diga que não gosta dos baptistas americanos a defenderem os direitos dos fetos enquanto enforcam uma data de pretos nos corredor da morte. Nada mais católico que a pena de morte , não acha ?
    Sabe, a correlação é elevada entre essas criaturas moralistas e os actos mais vis , mas deixo um link com dados sobre as opiniões cristãs sobre a tortura, outra virtude tão bíblica ( continua a gostar do episódio das ursas):

    http://skeptico.blogs.com/skeptico/2009/05/christians-justify-torture-pew-survey.html

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  63. António Parente08/05/09, 11:49

    Caro Nuvens de Fumo

    Decididamente entrou na estratosfera. Parabéns.

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  64. "O Ludwig está profundamente errado na sua opinião de que um Papa não tem lugar numa Universidade:"

    O LK está enganado profundamente, tem lugar:
    1) secção de anatomia - museu de medicina
    2) psiquiatria clínica - introdução ao estudo das patologias obsessivo compulsivas
    3) Filosofia - mitologias

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  65. Caro Espectadores,

    o Nuno tem razão: tanto quanto julgo saber, o Obama não vai ser condecorado pela sua posição liberal sobre o aborto (de resto, a expressão «abortista assumido» quer dizer muito mais do que aquilo que afirma, é depreciativo e roça a difamação).
    De resto, os seus conhecimentos de História (vide comentário sobre a origem das Universidades) necessitam de uma urgente actualização.
    Cristy

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  66. Caro Nuno,
    peço desculpa pelo que disse no comentário acima. Espero não lhe ter estragado o dia.
    Cristy

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  67. Bem , basta procurar:
    "Bishop John D'Arcy said in a statement issued Tuesday. "While claiming to separate politics from science, he has in fact separated science from ethics and has brought the American government, for the first time in history, into supporting direct destruction of innocent human life.""
    (pela primeira vez ??)
    Pois, sendo inocentezzzz é diferente do que se for de um daqueles malvados que estão no corredor da morte que como todos sabemos são culpados, como os criminosos com atrasos mentais profundos, más defesas , etc
    Devem ser posições inspiradas pelo espírito santo, por isso não se podem questionar LOLLL

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  68. Só uma nota final, é que esta igreja no EUA , a católica, parece-me que andou a esbanjar uns milhões para calar os seus actos mais católicos da velha pederastia, até teve de haver forte intervenção do Papa. não acompanhei muito o caso, mas parece-me que ficarão muito mal vistos por aquelas bandas.

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  69. Caro Bernardo,

    É normal que os vejas sob esse prisma! São as lentes que tens metidas!

    Curioso relativismo, o teu. Pensei que eras apologista da verdade absoluta e inegável. Mas já agora informo-te que não preciso de lentes nenhumas, tenho olhos óptimos.

    Livra, que isto está complicado: acaso eu disse tal coisa?

    Sim, estou esclarecido. Foi um parágrafo confuso aquele, no qual afirmas que o Papa não violava nenhuma regra da casa e por isso era livre de "falar", mas que o Obama violava claramente as regras da casa por causa do nome da instituição. Com parágrafos dessa qualidade é fácil criar confusão...

    Será assim tão DIFÍCIL ou COMPLEXO perceber que o que me irrita não é a presença do Obama na Notre Dame, nem a voz dele se fazer ouvir aos microfones da dita, mas sim a condecoração imbecil que lhe deu o Pe. Jenkins e o deslocado prestígio de lhe pedir o discurso inaugural?

    Não, mas digo-te que o António explicou o problema 1000 vezes melhor que tu. E mal ele argumentou, concordei imediatamente com ele.

    É que cristãos, há os de nome e os de facto.

    True Scotsman Fallacy. Deixa esses juízos para quem achas que melhor os faz, porque evidentemente não és capaz de os fazer correctamente.

    A Astronomia não nasceu a partir da Astrologia, isso são fantasias suas. Informe-se.

    Meu caro, eu sou muito bem informado da história da ciência, e por isso digo o que digo. Sei do que falo. A Astronomia nasceu dentro dos esforços da Astrologia em compreender a movimentação dos astros que se julgavam imprescindíveis para saber a vida futura da nobreza antiga (sendo que pelo meio faziam coisas realmente úteis, como a previsão das estações e etc.).

    A Astronomia tem o seu grande impulso precisamente com um personagem de charneira, Johannes Kepler, cujo ofício é a astrologia. Juntamente com Tycho Brahe "fundam" a astronomia moderna. Pouco a pouco as superstições da lua e de marte e ascendentes e tretas afins são deixadas para trás, restando apenas a maravilha da observação do cosmos em si.

    Com a alquimia passa-se o mesmo. Aquilo que começa por ser uma pseudo-ciência resulta numa ciência muito mais extraordinária e ao mesmo tempo menos supersticiosa do que a original.

    O mesmo se passa com a filosofia. Aquilo que começa por ser o que hoje denominamos por "teologia" vai-se dissecando pouco a pouco da superstição até resultar hoje na disciplina extraordinária que é.

    Importa imenso.
    Isso é típico de quem não sabe História: dizer que ela não importa.


    Importa no seu único domínio, História. Disse o que disse de um modo frio, por isso digo, ou adiciono ao que disse, respeitando sempre a história. A ciência tornou-se totalmente independente da teologia, e a nada lhe deve hoje em dia. Obrigado e tal pelos tais edifícios que foram construídos há montes de tempo, mas da teologia nada queremos, muito obrigado.

    Dou outro exemplo, porque não gostaste do meu Goodwin ;). O Ser humano evoluiu de algo muito parecido com o macaco. Devemos a essa espécie toda a nossa existência. Será que por isso vamos convidar os seus descendentes mais parecidos com o original para discursar nas nossas universidades?

    Claro que não. É um argumento da redução ao absurdo, pelo que não leias mais do que isso mesmo. A questão é que por mais que a Igreja tivesse tido um papel fundamental na gestação da ciência moderna nos tempos idos, nada disso nos garante que ainda tenham hoje algo de relevante para partilhar com ela.

    Como todas as suas ideias criacionistas ou híbridas o demonstram. Como toda a luta contra a ciência por parte dos cristãos mais fundamentalistas o afirmam quotidianamente.

    Até porque qualquer auto-estrada feita pelo Hitler está carregada de ideologia nazi, não? É o betão em forma de suástica?

    Exacto, estás a começar a perceber a coisa. Repara que o Hitler foi o primeiro a construir as auto-estradas, porque possibilitavam levar a guerra o mais rápido possível. É como lhe digo, agradeço ao Hitler pelas auto-estradas, mas mais nada. A ciência é totalmente anti-religiosa no seu fundo filosófico, todos os seus princípios não poderiam estar mais distantes da teoria e prática da religião.

    Só num ponto se tocam, que é o espanto perante o universo, e por mais importante que esse espanto seja, não é suficiente para fundar a ciência.

    Dê-me um exemplo de uma cultura não cristã onde a ciência tenha prosperado até hoje.

    Coincidências são provas fracas numa tese. Especialmente tendo em conta que 60% do território mundial é cristão...

    Não vamos brincar à História, pois não? Se quiser, cá estarei.

    Brinca como quiseres. A tua tese é argumentável, como muita gente argumentou também no passado, mas é parca. Dizer que o cristianismo foi essencial à ciência tem tanto de valor como dizer que o darwinismo levou ao nazismo, que, como sabes, também é argumentável.
    É a esse nível, Bernardo.

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  70. António, já concordei que baste contigo, não há mais nada a discutir entre nós, ainda não viste isso?

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  71. Nuno Gaspar08/05/09, 12:54

    Volta, Cristy! Estás perdoada.

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  72. António Parente08/05/09, 16:16

    Barba Rija

    O assunto está encerrado. Felicidades.

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  73. António Parente08/05/09, 16:18

    Cristy

    Aproveite o grito desesperado do Nuno e apadrinhe-o. Já comecei a desenhar um blogue. Este fim-de-semana começo a blogar. Se Deus me ajudar e o Diabo não me tentar, não voltarei a comentar por aqui. Que o Espírito Santo me proteja.

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  74. Nuno Gaspar08/05/09, 16:31

    Caro António,
    À parte podermos discordar num ou noutro pequeno pormenor, tenho de cumprimentá-lo vigorosamente pela sua coragem de oferecer o corpo às balas desta gente durante tanto tempo(só há um par de meses é que me apercebi da tragédia que grassa numas certas franjas da blogosfera). O seu gesto nobre e estimulante para quem, apesar de tudo, tem esperança que os Ludwigs e as Palmiras deste mundo um dia ainda batam com as mãos na testa.

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  75. António Parente08/05/09, 17:05

    Caro Nuno

    Obrigado pelo seu cumprimento. A única esperança que podemos ter é que não nos batam na testa com muita força e de preferência sem uma tábua cheia de pregos.

    Boa sorte na sua carreira de comentador porque vai precisar dela.

    Um abraço,

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  76. Nuno, o meu sentimento é simétrico do seu.

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  77. "não acompanhei muito o caso, mas parece-me que ficarão muito mal vistos por aquelas bandas."

    Nuvens,
    há outros exemplos muito interessantes para o amor ao próximo taão apregoado pela igreja católica. O Ruanda era o país mais católico de África. Até ao genocídio há quinze anos, pois a alegria com a qual os padrecos organizaram e participaram na matança, virou o estômago até a pessoas que estavam habituados a muita coisa.

    Cristy

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  78. Isto só para dizer que não se percebe porque é que a igreja católica treme tanto perante a ameaça ateísta, se ela é a maior inimiga de si própria.
    Cristy

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  79. «Coincidências são provas fracas numa tese. Especialmente tendo em conta que 60% do território mundial é cristão...»

    Do território, mas não da população.

    Ainda assim, tu próprio já deste vários exemplos de culturas não-cristãs que foram líderes científicas do seu tempo: os gregos, os romanos, os indianos. Poderíamos acrescentar os egípcios, os babilónios, os chineses, etc...

    Hoje o Japão e a Coreia do Sul são duas sociedades tecnologicamente avançadas, e não se pode dizer que sejam sociedades "cristãs". E se é verdade que a China não é um dos países mais avançados do mundo a nivel científico e tecnológico, a verdade é que é fácil antever que o seu atraso foi apenas um pequeno interlúdio que durou uns séculos depois da revolução industrial. Eles e os indianos estão todos lançados para serem potências tecnológicas nos próximos séculos, como já foram no passado, mesmo depois do cristianismo.

    Assim, a associação entre cristianismo e ciência revela-se enquanto o disparate que é.

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  80. Espectadores:

    O "aqui" da Wikipédia está errado quanto à origem da Astronomia? Ai sim? Então, por favor, partilha o porquê, estou receptivo a mudar a minha ideia diante a tua refutação justificada. Aguardo..............

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  81. Caro João Vasco,

    «Ainda assim, tu próprio já deste vários exemplos de culturas não-cristãs que foram líderes científicas do seu tempo: os gregos, os romanos, os indianos. Poderíamos acrescentar os egípcios, os babilónios, os chineses, etc...»

    Claro que foram!
    Duas curiosidades, João:

    a) não era um fenómeno geral da sociedade (mas sim um grupo restrito de "especialistas")

    b) essas ciências não sobreviveram

    Porque será?
    É preciso entender duas coisas, difíceis de meter na cabeça de quem tem activado o preconceito anti-cristão:

    1. O cristianismo (e já o judaísmo, mas de forma embrionária) impulsionou decisivamente o conhecimento de um Cosmos ordenado e estruturado, obra de um Deus Bom que cria um Universo com leis estáveis, previsíveis e "matemáticas"

    2. Todos os dias, os cientistas usam uma visão filosófica que advém do cristianismo: não têm razões para supor que:

    a) os sentidos são fiéis à realidade

    b) a realidade é estável (as leis do Cosmos não mudam)

    c) a realidade é matemática (ou seja, é inteligível e reprodutível com números e fórmulas)

    Estas noções filosóficas, indemonstráveis em Ciência (porque são noções filosóficas), vêm do Cristianismo.

    Se certas pessoas, hoje em dia, querem negar que a ciência nasceu aos ombros dos gigantes da filosofia cristã, são livres de o fazer.

    Eu, da parte que me toco, gosto de compreender a origem das ideias e dos conceitos. E é espantoso notar o impulso enorme que o cristianismo deu à Ciência, e ao facto de que garantiu a sobrevivência da Ciência no Ocidente, algo que não sucedeu noutras culturas, cuja ciência do passado, por muito interessante que fosse, morreu estéril.
    «Hoje o Japão e a Coreia do Sul são duas sociedades tecnologicamente avançadas, e não se pode dizer que sejam sociedades "cristãs".»

    Não: mas receberam a ciência ocidental, cujo "berço" é cristão. Isto deveria ser perfeitamente óbvio: Newton, Descartes, Bacon, Galileu, Kepler, são todos cientistas que aprenderamo nos bancos de escola dos institutos de ensino de então, que eram cristãos.

    Há quem prefira acreditar no "milagre" de uma ciência moderna anti-cristã. Infelizmente, a História diz o contrário.

    Mesmo o Newton, com a brilhante dedução matemática dos princípios da dinâmica, andou aos ombros dos gigantes medievais da filosofia não aristotélica, que foram Nicolas Oresme e Jean Buridan, que em tempos (3 séculos antes de Newton) escreveram sobre o "ímpeto" dos corpos, dando assim os primeiros laivos do que viria a ser a dinâmica newtoniana.

    «E se é verdade que a China não é um dos países mais avançados do mundo a nivel científico e tecnológico, a verdade é que é fácil antever que o seu atraso foi apenas um pequeno interlúdio que durou uns séculos depois da revolução industrial.»

    João: a China detém o palmarés de ter inventado certas coisas inegáveis e revolucionárias, mas até ao advento da influência ocidental, onde estava a ciência chinesa?

    «Eles e os indianos estão todos lançados para serem potências tecnológicas nos próximos séculos, como já foram no passado, mesmo depois do cristianismo.»

    O caso da Índia é indissociável da presença britânica, durante o Protectorado.

    «Assim, a associação entre cristianismo e ciência revela-se enquanto o disparate que é.»

    Não é disparate nenhum. O teu mail mudou? Mando-te "papers" sobre o tema. É o que dizem os melhores especialistas em História da Ciência. E cá em Portugal, temos imensos exemplos. O caso de Pedro Nunes é emblemático. Os jesuítas, no século XVII, traziam os melhores matemáticos para ensinarem os alunos em Portugal. O grande Clavius foi professor em Coimbra. As ciências naturais sempre foram prezadas, promovidas, patrocinadas, e estudadas, no ocidente cristão. O próprio Galileu, pese embora o processo, foi patrocinado várias vezes, e durante muito tempo, por mecenas eclesiásticos, que pagavam as suas investigações científicas.

    Um abraço,

    Bernardo

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  82. Bernardo:

    «a) não era um fenómeno geral da sociedade (mas sim um grupo restrito de "especialistas")»

    Acho que continua a ser o caso...


    «b) essas ciências não sobreviveram»

    Como assim?
    A ciência evolui, à medida que se vai conhecendo melhor a realidade. Primeiro Aristóteles, depois Newton, depois Einstein, por exemplo.
    Primeiro a numeração romana, pouco prática para cálculos complexos, depois a numeração de base 10, e hoje máquinas rapidíssimas que operam sobre binários.

    Ou seja, não se pode dizer que a ciência dos antigos Gregos e egípcios "morreu", ou então teremos de dizer que morreu tanto quanto a de Newton e Galileu. A ciência esteve sempre a evoluir, antes de Jesus e depois.

    Há uma corrente de historiadores que acredita que a idade das "trevas" é um termo enganador, que a idade média não foi assim tão má.

    Depois existe outra corrente que acredita que isso é um grande disparate, que a idade das trevas foi mesmo isso - uma das alturas mais difíceis na história ocidental, em que a generalidade das pessoas passou a viver menos e pior que durante a república/império romano; e em que a investigação científica progrediu a passo de caracol, de forma mais lenta do que aquilo que acontecia antes e muito mais lenta do que aquilo que aconteceu depois. Na alta idade média as coisas foram mudando gradualmente (com a peste e guerras pelo caminho, mas enfim...) até se chegar ao renascimento.

    Bem sei que o Bernardo concorda mais com aqueles que se enquadram na primeira corrente que referi. Eu, com a segunda.

    Para evitar essa discussão neste espaço, posso apenas comprrender aqui um motivo de divergência - eu noto que quando a Igreja Católica foi mais poderosa, quando teve o monopólio do saber, as ciências naturais praticamente não evoluiram desde Aristóteles. Apenas quando a Igreja foi gradualmente perdendo poder e importância, o ocidente recuperou a tradição que vinha de Gregos e Romanos de ir conhecendo cada vez melhor o mundo natural.

    Mas porque é que foi logo o ocidente que se tornou líder tecnológico e científico? Logo o ocidente que era cristão?

    Será coincidência?

    Não é coincidência por aí além. No tempo dos Faraós os Egípcios tinham a liderança científica e tecnológica, devia-se ao facto da sua religião ser mais propensa à investigação que as religiões dos outros? Não parece.

    E antes disso, entre o Tigre e o Eufrates, surgiu a escrita. Eis um conhecimento que não "morreu". Será que os Babilónios tinham uma religião mais "verdadeira" que as outras? Ou seriam mais os aluviões que proporcionariam as condições para esta descoberta?

    E durante a reconquista islâmica, quando o mundo muçulmano estava mais evoluido cientificamente que o ocidente em pedaços, será que nessa altura a religião deles era mais propensa para o conhecimento?

    E por aí fora...

    A verdade é que diferentes povos com diferentes religiões foram tendo a primazia científica e tecnológica.
    Quando o ocidente pós revolução industrial tem esta primazia pode perguntar-se o que é que levou a isto.
    Pode imaginar que foi a cerveja (o Ludwig tem um post sobre isso), ou o vinho. Também pode imaginar que é resultado da tradição musical, ou já agora, da religião tradicional. Todas estas respostas são disparatadas.
    A herança grega e romana será uma resposta menos disparatada, mas as principais razões terão sido de índole económica e social. E, não esqueçamos, terá havido sempre algo de fortuito.



    «O cristianismo (e já o judaísmo, mas de forma embrionária) impulsionou decisivamente o conhecimento de um Cosmos ordenado e estruturado, obra de um Deus Bom que cria um Universo com leis estáveis, previsíveis e "matemáticas"»

    E Aristótles também foi influenciado por Jesus? E Platão? E Pitágoras? E Arquimedes? Conheciam o Judaísmo em detalhe, era?


    «Estas noções filosóficas, indemonstráveis em Ciência (porque são noções filosóficas), vêm do Cristianismo.»

    Pois. Curioso é que Arquimedes partilhasse delas sem ter sido um notável cristão.



    «Isto deveria ser perfeitamente óbvio: Newton, Descartes, Bacon, Galileu, Kepler, são todos cientistas que aprenderamo nos bancos de escola dos institutos de ensino de então, que eram cristãos.»

    Kepler era astrólogo e Newton alquimista...

    Mas ambos beberam a Arquimedes, a Aristóteles, e a quem criou a numeração de base 10, e também a quem criou a escrita... Enfim, beberam mais a "não cristãos" do que aquilo que os Sul-Coreanos beberam aos cristãos...


    «a China detém o palmarés de ter inventado certas coisas inegáveis e revolucionárias, mas até ao advento da influência ocidental, onde estava a ciência chinesa?»

    A ciência chinesa chegou a estar mais avançada que a ocidental em vários domínios.


    «O caso da Índia é indissociável da presença britânica, durante o Protectorado.»

    Não sabia que os britânicos andavam por lá enquanto eles criaram a numeração de base 10...


    «O teu mail mudou? Mando-te "papers" sobre o tema. É o que dizem os melhores especialistas em História da Ciência. E cá em Portugal, temos imensos exemplos»

    Não tenho nada contra "papers" :)

    Mas onde escreveste "melhores especialistas" deverias ter escrito "aqueles que considero os melhores especialistas".

    Porque se um historiador respeitado pelos seus pares defender uma ideia oposta a essa que defendes, acredito que o possas considerar pouco sério, mas não sei se é uma opinião muito imparcial...


    PS- Não leves a mal o tom "provocatório" da resposta - com algum sarcasmo aqui e ali. Tomei a liberdade de escrever com mais "à vontade" visto que já nos conhecemos. :)

    ResponderEliminar
  83. Bernardo,

    Vou responder à tua resposta ao João, espero que não te incomodes.


    a) não era um fenómeno geral da sociedade (mas sim um grupo restrito de "especialistas")

    b) essas ciências não sobreviveram


    Repara que o mesmo pode-se sempre dizer da ciência ocidental. Ou não será verdade que Galileu foi de facto encarcerado porque quis demonstrar algo contrário à posição dogmática aceite? (E não me venhas com histórias do Galileu, a pergunta é linear e simples)

    Acho que é fraco argumentar-se que as ciências no ocidental eram um "fenómeno geral" em contrapartida com os "especialistas" de outros lugares, especialmente tendo em conta que podemos enumerar os especialistas ocidentais que "carregaram o piano" da ciência no séc XVII (e sempre ou contra ou ignorando as idéias teológicas).

    É preciso entender duas coisas, difíceis de meter na cabeça de quem tem activado o preconceito anti-cristão:
    Não, Bernardo, não é difícil, é bastante simples o teu argumento, desce do teu pedestal. A compreensão é algo diferente de aceitação.

    1. O cristianismo (e já o judaísmo, mas de forma embrionária) impulsionou decisivamente o conhecimento de um Cosmos ordenado e estruturado, obra de um Deus Bom que cria um Universo com leis estáveis, previsíveis e "matemáticas"

    "Impulsionou" é um termo tecnicamente correcto, pois não admite originalidade. De facto, os gregos fizeram-no de um modo completo e claro muito antes do senhor Agostinho ler Aristóteles.

    Mas apesar disso, e embora tenha sido porreiro que o cristianismo tenha adoptado essa visão, que concordo, é essencial para a evolução da ciência, também é pena que tenham adoptado as restantes posições de Aristóteles, nomeadamente a ideia detrimental de que a razão seria suficiente para compreender o cosmos, ou seja, a renunciação do empirismo como apoio à razão. Vê-se claramente que é nisto que se apoia todo o edifício teológico, e a ciência não poderia estar mais longe desta posição filosófica.

    2. Todos os dias, os cientistas usam uma visão filosófica que advém do cristianismo: não têm razões para supor que:

    a) os sentidos são fiéis à realidade

    b) a realidade é estável (as leis do Cosmos não mudam)

    c) a realidade é matemática (ou seja, é inteligível e reprodutível com números e fórmulas)


    Errado, não "adveio" do cristianismo, é mais velho do que isso. Agradeço que de facto o tenha adoptado, mas como já disse, de modo insuficiente.

    Há quem prefira acreditar no "milagre" de uma ciência moderna anti-cristã. Infelizmente, a História diz o contrário.

    Não vejo assim. Vejo antes que havia de facto o gene filosófico de que falas na europa, mas também vejo que não só a metodologia como as conclusões científias se desviaram de tal modo do cristianismo, que hoje quando se fala em Ciência e Religião na mesma frase, terá de ser sempre num tom conciliatório, e não propriamente holístico.

    Mesmo o Newton, com a brilhante dedução matemática dos princípios da dinâmica, andou aos ombros dos gigantes medievais da filosofia não aristotélica

    Tudo bem, Bernardo. Tudo isso é admissível, mas repara que qualquer investigação objectiva sobre qualquer assunto terá sempre de partir de um preconceito primeiro, uma primeira ideia. E a religião é essa primeira filosofia, a primeira abordagem ao cosmos.

    Evoluiu imenso até se chegar à conclusão de que seria possível indagar o cosmos sem lhe colocar perguntas metafísicas ou teológicas, mas partindo unicamente de factos observáveis, experimentações, reducionismo, álgebra e lógica. É nesta conclusão, e não na primeira intuição religiosa, que reside o conflito, pois não só a metodologia é algo anti-religiosa (pressupõe a "fé" como perjorativa no seu ofício, não aceita dogmas, etc.) como as suas conclusões colocam em causa toda a teologia do ser humano como ser divino, sobretudo devido à descoberta da evolução por meio da selecção natural.

    Se a Ciência deve algo ao Cristianismo, é isto: o amor pelo cosmos.

    E no entanto, é perfeitamente argumentável que esse amor não é original do Cristianismo, nem o próprio susteve sempre essa posição (quantas vezes não se ouve a maldosa expressão "I'm a man of one book").

    Muito bem, mais uma vez, obrigado por isso, de facto é útil e bela essa mentalidade. Frutífera. Não precisamos de nada do resto, redenções, paraísos, anjos, arcanjos, messias, diabos, sarças ardentes, etc..

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  84. Barba,

    Discordo com uma ideia tua : a de identificar a religião ao catolicismo “..nada do resto, redenções, paraísos, anjos, arcanjos, messias, diabos, sarças ardentes, etc..”
    O pensamento religioso foi mais importante do que as alegorias e ainda por cima as católicas : (. Eu acho, e deixo todo o espaço à discórdia, que quando os nossos mais antigos antepassados começaram a ter o início da consciência, falo de hominídeos, deve ter havido um momento crucial: o momento em que a inteligência com consciência era suficientemente elaborada para gerar a consciência do fim, da morte, do termino e relacionar as acções com esta consciência e não suficientemente capaz de encontrar no imediato soluções.
    Numa situação destas , em que o ser pode ficar no imobilismo do terror, perdido entre dúvidas, não sei se não cumpre ao pensamento místico e mágico, mais tarde religioso , a possibilidade de “desencalhar” a inteligência.
    Dando com os seus rituais e símbolos a coragem (no plano simbólico ) necessários para a estabilidade do indivíduo, gerando um universo que faz sentido, estruturado e compreensível.
    Foi um caminho a meu ver muito complexo, e no início deve ter sido terrível. Tudo era misterioso. Pensar como chegamos aqui, vindo de tão longe , equipados com cérebros mais do que imperfeitos, é uma sorte muito grande, onde , a capacidade de abstracção simbólica , a capacidade de ver o mágico , ou se quiseres , o símbolo é fundamental também para depois resolver equações , o X é o símbolo , é a variável.
    Uma função é uma abstracção , de tal forma evoluída que nem todos lá chegaram ( culturas e pessoas ) , e que dizer de uma projecção em n dimensões ?
    Funções , integrais, diferenciais, limites, são tudo frutos da nossa capacidade de simbolizarmos e essa, na minha opinião nasceu de uma adaptação para vencer o medo , ou se quisermos de uma muleta da consciência .
    Mesmo não sendo crente, acho que o pensamento religioso/mágico é tão a base de tudo que é por isso que não está perto de desaparecer. : ))

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  85. até certo ponto, mesmo que o universo não fosse compreensível, nem sequer muito estável, o pensamento religioso funcionaria, o científico provavelmente nunca nasceria pela ausência de regras aplicáveis.

    A evolução escolheu algo que sucederia sempre. Pergunto-me se a inteligencia está "condenada" a nascer assim ?

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  86. Nuvens, não estou em desacordo contigo.

    A religião foi a nossa primeira tentativa de filosofia, de ciência, e até de literatura, de poesia, etc. A condição humana é a grande inspiração dela, como bem dizes.

    Mas o Cristianismo não é a "religião" entendida neste âmbito mais geral, é mais específico do que isso.

    Por outro lado, o facto de ter sido a primeira tentativa de explicação do cosmos, não quer dizer que seja a correcta.

    Muitas vezes encontro esta enorme confusão no crente, que existe propositadamente, que é a confusão entre a pergunta e a resposta. Todas as grandes questões, o que estamos aqui a fazer, qual o significado disto tudo, qual é a cidade justa, o que acontece após a morte, como viver melhor, etc., etc., são tão importantes como o próprio ser humano, elas definem-no, elas surgem na condição humana.

    A religião muitas vezes passa por ser uma espécie de "ciência" deste tipo de respostas, frequentemente me dizem os crentes que a religião é precisamente "perguntar", é colocar esse ponto de interrogação.

    Mas é claro que isto é um equívoco, propositado para parecer que a religião é de "mente aberta". A verdade é que a Religião é uma resposta muito concreta, definida, clara. No caso do Cristianismo, o dogma é claro e aceite à partida, não há espaço para colocar perguntas às coisas mais importantes. Deus existe, tem nome, fez-se homem, morreu e foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, para remissão dos nossos pecados, etc., etc.

    É uma confusão que persistirá muito tempo. Creio que isto se deve ao facto de que a maioria dos crentes se querer ver como agnósticos, como pessoas com mente aberta para respostas diferentes às adoptadas, apesar de a teologia os proibir claramente desse tipo de "libertinagens", como diria o bêbado aqui da "tasca".

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  87. É essa a parte das religiões que hoje em dia não pega e leva as pessoas mesmo crentes a fugirem das igrejas( a ortodoxia).
    As pessoas como o Zeca não perceberam que a nova geração , mesmo que crente , não quer essas tralhas de orientações e segue as ideias apenas da medida que entende.( e bem)
    A ICAR é muito hipócrita em tantos temas consensuais, como o uso de preservativo , as relações antes do casamento que soa a algo vindo da idade média. LOLLL
    Basta sair à noite para como a juventude se comporta e se relaciona, e na minha opinião, bem.
    O mundo está muito diferente , muito mais aberto à novidade e espero que isto tenha vindo para ficar.
    O meu medo não são as religiões, neste momento, vem do deus dinheiro que nos pode vender a todos ao império do meio , mas a ver vamos .

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  88. João Vasco,

    «Acho que continua a ser o caso...»

    É incomparável: hoje temos, no ensino básico, as crianças a aprenderem coisas que nunca antes foram ensinadas a crianças. E só para falar no ensino básico. Houve, claramente, uma massificação do conhecimento. E isso começou na universidade medieval.

    «Como assim?
    A ciência evolui, à medida que se vai conhecendo melhor a realidade. Primeiro Aristóteles, depois Newton, depois Einstein, por exemplo.»

    A ciência de Aristóteles representou um pico de conhecimento, que estagnou.
    Aristóteles não tinha uma metodologia empírica, o que justifica grande parte dos seus erros científicos (da sua mecânica, da sua cosmologia).
    Porque seria?
    Simples: sem o cristianismo para o ajudar, Aristóteles vivia num mundo cheio de "fantasmas", num mundo politeísta, no qual os vários deuses podiam intervir a qualquer altura quando quisessem.
    Um mundo supersticioso. O cristianismo veio, de forma radical, tornar o mundo (o Cosmos) natural, sem fantasmas, sem superstições, sem ilusões.
    Porquê? Porque o mundo passa a ser visto como a obra boa (e estável) de um Deus bom, e TOTALMENTE DISTINTO DO COSMOS.
    Raros se dão conta deste dado CHAVE para a sobrevivência da Ciência no ocidente cristão: a distinção completa que o cristianismo faz entre Criador e Criação. A Criação tem as suas leis, certamente estipuladas pelo Criador, mas funciona internamente de acordo com essas leis estáveis e matemáticas.
    O cristianismo, muitas vezes graças a formulações dogmáticas (que os anti-clericais do costume criticam como "autocráticas"), salvou a ciência. Nada é mais incompatível com a Ciencia do que o panteísmo (a ideia de que o Cosmos é Deus) ou o imanentismo (a ideia de que o real está no nosso interior, e que o que contemplamos é ilusório).
    E a Igreja, com os seus dogmas, garantiu a erradicação do panteísmo e do imanentismo do cristianismo. Só com o século XVII e XVIII, com os Espinosas e os Kants, é que estas duas ideias tão inimigas da Ciência ressurgiram das cinzas para atormentar mais uma vez o intelecto humano.
    No Oriente, o conceito hindu de "maya" basicamente constitui um bloqueio intransponível a uma ciência empírica (experimental) hindu. A "maya" é a ilusão dos sentidos. Isto mata qualquer ciência.
    O cristão nunca duvidou de que os dados dos sentidos reflectem a realidade. Porque o mesmo Deus fez a realidade empírica e fez os sentidos, logo, não nos vai enganar.

    Já reparaste numa coisa curiosa, João Vasco?
    Os santos budistas têm todos os olhos fechados (devido à sua concepção de que os sentidos enganam).
    Qualquer catedral cristã mostra santos com os olhos esbugalhados.
    Isto quer dizer muito sobre a cosmovisão cristã e sobre as cosmovisões pagãs...

    «Primeiro a numeração romana, pouco prática para cálculos complexos, depois a numeração de base 10, e hoje máquinas rapidíssimas que operam sobre binários.»

    Não basta inventar a numeração, e impulsionar a matemática, como os hindus fizeram.
    Isso foi bom.
    É preciso aplicar a matemática à observação do mundo. E aqui, por culpa do conceito de "maya", morre a hipótese de uma ciência experimental hindu.
    A ciência moderna que se faz na Índia é toda ela de matriz ocidental, e nada tem a ver com as doutrinas hindus.

    «Ou seja, não se pode dizer que a ciência dos antigos Gregos e egípcios "morreu", ou então teremos de dizer que morreu tanto quanto a de Newton e Galileu. A ciência esteve sempre a evoluir, antes de Jesus e depois.»

    João: depois de Aristóteles há um buraco. Há alguns episódios de grandes cabeças no mundo muçulmano (um Averróis, um Avicena, entre outros), mas são a excepção.
    Como é que podes falar em evolução (dando um ar de continuidade) quando há buracos enormes entre a ciência grega e a ocidental cristã?
    As madrassas islâmicas ensinam o Corão. As universidades cristãs medievais ensinam Lógica, Matemática, Direito, Letras, etc... Não tem nada a ver.

    «Há uma corrente de historiadores que acredita que a idade das "trevas" é um termo enganador, que a idade média não foi assim tão má.»

    Claro que esse termo é enganador.

    «Depois existe outra corrente que acredita que isso é um grande disparate, que a idade das trevas foi mesmo isso - uma das alturas mais difíceis na história ocidental, em que a generalidade das pessoas passou a viver menos e pior que durante a república/império romano; e em que a investigação científica progrediu a passo de caracol, de forma mais lenta do que aquilo que acontecia antes e muito mais lenta do que aquilo que aconteceu depois. Na alta idade média as coisas foram mudando gradualmente (com a peste e guerras pelo caminho, mas enfim...) até se chegar ao renascimento.»

    O Renascimento não é a vitória dos ateus sobre a cosmovisão cristã.
    O Renascimento é o produto óbvio do período medieval. Um Galileu é o resultado evidente, na geração seguinte, de um cientista brilhante como o jesuíta Clavius (que Galileu respeitava imenso).

    «Para evitar essa discussão neste espaço, posso apenas comprrender aqui um motivo de divergência - eu noto que quando a Igreja Católica foi mais poderosa, quando teve o monopólio do saber, as ciências naturais praticamente não evoluiram desde Aristóteles. Apenas quando a Igreja foi gradualmente perdendo poder e importância, o ocidente recuperou a tradição que vinha de Gregos e Romanos de ir conhecendo cada vez melhor o mundo natural.»

    Essa tese é totalmente anti-histórica, João Vasco.
    Então a ciência moderna surgiu porque os cientistas repescaram as obras gregas?
    Mas isso vinha sendo feito deste os primórdios da escolástica! São Tomás de Aquino é que impulsionou a ciência medieval ao motivar o estudo e ensino de Aristóteles nas universidades, o que implicava o estudo da sua cosmologia, da sua física, da sua filosofia natural.
    Se alguém repescou a cultura grega foi a Igreja!
    Uma coisa é dizer que no Renascimento a arte foi buscar inspiração à arte greco-romana. 100% de acordo.
    Outra coisa é transpor isso para a ciência, o que é grossa asneira.

    «E durante a reconquista islâmica, quando o mundo muçulmano estava mais evoluido cientificamente que o ocidente em pedaços, será que nessa altura a religião deles era mais propensa para o conhecimento?»

    Todos os exemplos que dás, correctos, são casos importantes de triunfos da razão humana. Não vou evidentemente dizer que só o cristianismo é que trouxe a razão aos homens.
    Estou apenas a afirmar que há um nexo causal entre o cristianismo e a sobrevivência da ciência no ocidente cristão. É uma tese perfeitamente sólida.

    «E Aristótles também foi influenciado por Jesus? E Platão? E Pitágoras? E Arquimedes? Conheciam o Judaísmo em detalhe, era?»

    Evidentemente, não estou a dizer que os grandes gregos não eram inteligentes nem foram fundamentais para o nosso património intelectual.
    Claro que sim!
    Estou a falar de um apoio à ciência com uma base social sólida. O Ocidente cristão tinha universidades, mecenas, promovia e recompensava a cultura. Estávamos certamente longe de um ensino massificado.
    Mas havia coisas notáveis, que nunca se viram no mundo clássico. O conceito de universidade é uma delas.

    O que se passa é que o ateu moderno tem vergonha do passado cristão da Europa.
    E então, para ficar bem na foto da Ciência, o ateu moderno diz que os seus "avôzinhos" são os gregos e romanos, porque gosta de cuspir na cara dos seus "avôzinhos" cristãos.
    Isso é muito foleiro...

    «Pois. Curioso é que Arquimedes partilhasse delas sem ter sido um notável cristão.»

    João Vasco: há conceitos cientificamente errados, partilhados pelos grandes gregos, que foram "resgatados" pelo cristianismo.
    Dou-te só dois exemplos, que eram partilhados pelos gregos:

    a) eternidade do mundo
    O cristianismo resolveu este disparate. Só nos anos 50 é que a ciência moderna, com a teoria do Big Bang (curiosamente, proposta pela primeira vez pelo padre católico belga Lemaître), atirou às malvas essa ideia pagã do cosmos eterno.

    b) confusão entre Deus e o Cosmos
    Aristóteles achava que Deus era o "motor imóvel", que punha o mundo em andamento. Deste modo, na cosmovisão aristotélica, Deus fazia parte do mundo.
    Só o cristianismo fez a distinção radical entre Deus e a Criação. A Criação tem as suas leis próprias, e não precisa de Deus para a "empurrar".

    «Kepler era astrólogo e Newton alquimista...»

    Como hás-de imaginar, não seriam astrólogos e alquimistas com aprovação eclesiástica!! ;)

    «Não sabia que os britânicos andavam por lá enquanto eles criaram a numeração de base 10...»

    Já referi atrás que, da Matemática à sua aplicação ao mundo natural vai um abismo. Que o hinduísmo não podia vencer.

    «Não tenho nada contra "papers" :)»
    Dá-me o teu mail: mando-te um texto interessante, de um professor de Oxford, que defende esta tese.

    «PS- Não leves a mal o tom "provocatório" da resposta - com algum sarcasmo aqui e ali. Tomei a liberdade de escrever com mais "à vontade" visto que já nos conhecemos. :)»

    Claro que não! ;)

    Abraço,

    Bernardo

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  89. Aristóteles não tinha uma metodologia empírica, o que justifica grande parte dos seus erros científicos (da sua mecânica, da sua cosmologia).
    Porque seria?
    Simples: sem o cristianismo para o ajudar, Aristóteles vivia num mundo cheio de "fantasmas"


    Com raciocínio destes, já se percebe o que se espera do Bernardo. Dizer que o empirismo é obra do Cristianismo faz-me rebolar no chão de riso. Deixa-me cá ler mais do teu comentário para me rir ainda mais...

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  90. Nada é mais incompatível com a Ciencia do que o panteísmo (a ideia de que o Cosmos é Deus)

    Curioso pensar então que muitos cientistas desde o séc XVII eram panteístas.

    É célebre a frase de Einstein, "Deus não joga aos dados".

    Mais tretas? Deixa cá ver...

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  91. «É incomparável: hoje temos, no ensino básico, as crianças a aprenderem coisas que nunca antes foram ensinadas a crianças. E só para falar no ensino básico. Houve, claramente, uma massificação do conhecimento. E isso começou na universidade medieval.

    Não.
    Começou com a humanidade. Durante grande parte da época medieval o grau de alfabetização nas sociedades ocidentais era inferior ao que existia durante o império romano.


    «Aristóteles não tinha uma metodologia empírica, o que justifica grande parte dos seus erros científicos (da sua mecânica, da sua cosmologia).»

    Curiosamente foi com um Padre (o Professor Resina que leccionou a cadeira de "História das Ideias da Física") que aprendi que isso é falso.
    Aristóteles fazia várias experiências "empíricas" (passo o pleonasmo). Simplesmente ele tinha em relação a estas a mesma atitude que muitos matemáticos têm face aos esquemas gráficos: "eu faço o boneco, mas o raciocínio é independenete do boneco" - ou seja, acreditando que a indução é útil mas imperfeita, Aristótles usava as experiências para adquirir conhecimento, mas acreditava que não o poderiam justificar. Este só poderia ser justificado por dedução.

    Seria a falta do crisitanismo? da herança cultural judaico-cristã?

    Se fosse, dificilmente se explicava que Descartes, e tantos outros matemáticos e pensadores posteriores (ainda hoje tantos!) tenha pensado da mesma forma, e sido tão influente...


    «Raros se dão conta deste dado CHAVE para a sobrevivência da Ciência no ocidente cristão: a distinção completa que o cristianismo faz entre Criador e Criação. A Criação tem as suas leis, certamente estipuladas pelo Criador, mas funciona internamente de acordo com essas leis estáveis e matemáticas.»

    A percentagem de Deístas que acredita nisto é esmagadoramente superior à percentagem de Cristãos que acredita nisto.
    Mas a ciência e tecnologia nunca precisaram dessa crença filosófica. Arquimedes e Edisson são dois exemplos flagrantes - embora por razões diferentes - um bem antes de Cristo, e outro bem depois.


    «Nada é mais incompatível com a Ciencia [... como] o imanentismo (a ideia de que o real está no nosso interior, e que o que contemplamos é ilusório).»

    Só que isso é tão pouco incompatível com o cristianismo que até teve de jorrar muito sangue daqueles cristãos que pensavam dessa forma. Uma cruzada, não menos.

    «Como é que podes falar em evolução (dando um ar de continuidade) quando há buracos enormes entre a ciência grega e a ocidental cristã?»

    A evolução da ciência não foi uniforme. É verdade que houve "buracos". Não logo a seguir a Aristóteles (temos Arquimedes, temos a avançadíssima engenharia romana, temos várias obras na Biblioteca de Alexandria que se perderam, mas que já referiam o coração enquanto mera "bomba de sangue" e mesmo o sistema heliocêntrico!!) mas sim numa das alturas da história em que a Igreja teve maior poder sobre a sociedade.


    «O Renascimento não é a vitória dos ateus sobre a cosmovisão cristã.»

    De acordo. Mas foi um período em que a Igreja Católica perdeu muito poder e influência sobre a sociedade, e isso teve obviamente implicações ao nível da "cosmovisão dominante". E se esta mudou no sentido de propiciar um florescimento no saber, torna-se difícil manter a tese de que o cristianismo é essencial para o desenvolvimento da ciência - este facto sugere precisamente o contrário.

    «Então a ciência moderna surgiu porque os cientistas repescaram as obras gregas?»

    Não foi isso que eu escrevi.
    Na verdade eles repescaram a "tradição" científica dos gregos - descobrir em vez de assumir que a verdade está "escrita".
    A Igreja, ao adoptar Aristóteles e Plotolomeu (entre outros) acabou por "sacralizá-los" (atenção às aspas, não me refiro ao sentido religioso do termo), o que dificultou a evolução do saber, que exige uma avaliação crítica daquilo que estava estabelecido.


    «Estou apenas a afirmar que há um nexo causal entre o cristianismo e a sobrevivência da ciência no ocidente cristão. É uma tese perfeitamente sólida.»

    Não é não.
    Foi isso que mostrei de várias maneiras diferentes.

    Uma delas foi mostrar que diferentes sociedades com diferentes religiões tiveram em alturas diferentes a primazia científica e tecnológica.
    Agora tu pegas nos últimos séculos em que a nossa sociedade teve esta primazia, e assumes que uma causa importante foi a religião. Porque não o vinho e a cerveja?
    É como dizer que a causa da violência doméstica é o apelido Silva porque actualmente a única família que conheço em que á casos disso tem esse apelido; ignorando todos os outros casos em que o apelido não é esse.
    Sim, nos últimos séculos a sociedade mais avançada cientificamente era cristã; antes disso era islâmica; antes disso tínhamos a religião popular chinesa; a religião indu; a religião persa; o panteão romano; o panteão grego; o panteão babilónico; o panteão egípcio; e por aí fora. Não foram estas religiões que causaram a primazia científica - eram aquelas que por acaso correspondiam aos diferentes povos que por várias razões tiveram tal primazia.
    O melhor que estas religiões podem ter feito é meter-se menos no caminho da descoberta, mas nem esse mérito o cristianismo teve. Até a Igreja começar a perder poder, bem que as crenças cristãs dificultaram a evolução científica.


    «a) eternidade do mundo
    O cristianismo resolveu este disparate.»

    Não é bom nem mau que os cientistas pensem que o mundo é eterno. Isso não atrapalha nada.

    Desde que discutam livremente, de forma crítica, inteligente e aberta, e sejam rigorosos nas observações, a verdade irá ao de cima.

    Às vezes, quando discuto com malta fascinada pelo esoterismo oiço dizer que o povo "n sei das qtas" tão primitivo já tinha a noção que o universo era cíclico. Muito antes dos astrofísicos e cosmólogos com tantas contas e instrumentos tão avançados chegarem lá, já este povo primitivo "sabia".

    Primeiro eu explico que a teoria do big bang seguida do big crunch e por aí fora cicliacamente é hoje considerada pouco plausível. Tanto quanto se sabe, muito provavelmente não ocorrerá nenhum big crunch, mas sim uma expansão... eterna.

    Depois eu pergunto "e daí?". Aquilo que eu imagino é que o Universo é finito ou infinto. Certamente já algum povo assumiu uma das hipóteses, e outro povo assumiu outra. Obviamente algum destes terá estado certo "antes do tempo". Mas não tem grande mérito...

    O mérito é chegar à conclusão certa com as contas e os instrumentos. O mérito é partir de observações rigorosas que são discutidas criticamente em toda a gigantesca complexidade que esses problemas apresentam para chegar às conclusões mais plausíveis.

    Por isso se o cristianismo permitiu afirmar "o Universo não é eterno" (se bem que a eternidade fosse compatível com o cristianismo, como bem atestam os muitos pensadores cristãos que acreditavam na eternidade do universo) isso não foi uma grande ajuda para a ciência. Foi mais um "lucky gess" do povo n-sei-das-qtas, mais inconsequente que outra coisa.


    «Só o cristianismo fez a distinção radical entre Deus e a Criação. A Criação tem as suas leis próprias, e não precisa de Deus para a "empurrar".»

    Não só grande parte dos crentes cristãos não se revê nesta cosmovisão (mesmo alguns dos crentes mais "sofisticados"), como esta crença é bem mais própria - caracterizadora, quase - do Deísmo.


    «mando-te um texto interessante, de um professor de Oxford, que defende esta tese»

    jvgama da conta do gmail.


    Reitero que será um dos vários que acreditam nisso, comon outros haverá que acreditam no oposto. Não vou entrar nessa discussão, mas lerei o texto e farei algum comentário que me pareça adequado em resposta (para o teu e-mail) :)

    Abraço,
    João Vasco

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  92. Isto quer dizer muito sobre a cosmovisão cristã e sobre as cosmovisões pagãs...

    O budismo é pagão? Curioso curioso...

    O que se passa é que o ateu moderno tem vergonha do passado cristão da Europa.

    Fizeste uma boa exposição da tua tese. Não tenho conhecimentos suficientes para adicionar grande coisa à discussão, apenas para dizer que em geral não andas longe da coisa. És demasiado optimista em relação ao papel do cristianismo em si para a ciência, mas desculpo-te dado o teu fanatismo.

    Mas depressa descarrilas.
    ...há conceitos cientificamente errados, partilhados pelos grandes gregos, que foram "resgatados" pelo cristianismo.
    Dou-te só dois exemplos, que eram partilhados pelos gregos:

    a) eternidade do mundo
    O cristianismo resolveu este disparate.


    É precisamente este tipo de pensamento que é completamente anti-científico. Repara, a ideia de que o universo não é eterno não foi nem é essencial para a metodologia científica.

    Mas pior ainda é uma certa confusão orgásmica que anda a ocorrer em todas as reuniões de cristãos que partilham esta notícia como prova de que o universo é de facto uma criação de deus, etc.

    É porque o Big Bang não prova que o universo não é eterno. Pior, todas as teorias que hoje existem apenas conseguem descrever o universo até a t=0 + tempo de Plank. Ou seja, não conseguem descrevê-lo no mundo da mecânica quântica.

    E neste mundo da MQ, deite-se fora o "senso comum". Nada é do "senso comum" neste domínio da realidade, pelo que os passos lógicos que são frequentemente dados pelos apologistas do argumento "causa não causada" desçam do pedestal.

    E nem estou a ser injusto, porque existe um trabalho fascinante que está a ser feito na teoria das cordas que julgamos tornar possível descrever o universo, e aqui vem Bomba!, antes do Big Bang!Sunk on that for a few moments!

    Só o cristianismo fez a distinção radical entre Deus e a Criação. A Criação tem as suas leis próprias, e não precisa de Deus para a "empurrar".

    Muito antes do cristianismo retirar Deus da criação, já vários gregos tinham chegado à conclusão ateísta e proclamado uma metodologia empírica e racional, adoptando a visão naturalista do universo.

    Mas repara também que o facto de que o Cristianismo retirou Deus da sua criação diz muito sobre a inutilidade dessa hipótese. De facto, o que estás a defender é que foi o passo para a secularização da ciência que a fez florescer.

    Se é isso que dizes, não podia estar mais de acordo contigo!!

    Cumps,
    Luís

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  93. Caro Barba Rija,

    «Vou responder à tua resposta ao João, espero que não te incomodes.»

    Porque me incomodaria?

    «Repara que o mesmo pode-se sempre dizer da ciência ocidental. Ou não será verdade que Galileu foi de facto encarcerado porque quis demonstrar algo contrário à posição dogmática aceite? (E não me venhas com histórias do Galileu, a pergunta é linear e simples)»

    A pergunta é linear e simples, a resposta é que não. É tramado dizer quais foram as razões que levaram à condenação de Galileu: factores sociais como a Guerra dos Trinta Anos, o facto de que em 1633 Galileu tinha perdido os seus apoiantes fortes (Cesi, o Grão-Duque da Toscânia, Bellarmino, etc.), as intrigas em torno das manchas solares, dos cometas, dos satélites, etc.
    Se eu tivesse que escolher, de forma puramente processual, há duas causas para a condenação de Galileu:

    a) presumidamente, a sua defesa do Copernicanismo ser contrária às Sagradas Escrituras (uma objecção algo "nervosa" por parte do Tribunal, que só se compreende no contexto do Concílio de Trento)

    b) presumidamente, a sua defesa do Copernicanismo ser contrária à filosofia natural e ao senso comum

    Era, realmente, contrária ao senso comum. A lista de copernicanos, no tempo de Galileu, não chega aos vinte nomes: cabeças brilhantes, mas só vinte nomes, num universo de milhares de cientistas e filósofos. Neste blogue, em termos puramente estatísticos, seguindo a percentagem de ptolemaico-aristotélicos, todos nós seríamos ptolemaico-aristotélicos. é uma questão de estatística.
    No entanto, como se viu, era falso que o copernicanismo fosse contrário às escrituras, como era falso que o copernicanismo fosse contrário à verdade filosófica (a filosofia natural de Aristóteles, no que diz respeito à física e ao movimento - dinâmica - estava errada).

    Isto ainda se complica mais, se virmos que Galileu avançava provas erradas para o copernicanismo (como a sua pretensa "prova" baseada nas marés), e pelo facto de que o modelo de Copérnico não tinha a mesma precisão que o Almagesto de Ptolomeu, usado durante mais de quinze séculos como a referência em astronomia.

    Por isso, o caso Galileu é uma grande trapalhada, e é muito complexo.
    O que se pode dizer, com toda a segurança, é que Galileu não foi acusado de violar dogma algum. Não havia dogmática sobre a matéria: o sistema ptolemaico-aristotélico era o único sistema conhecido do Cosmos com credenciais e credibilidade. Não havia alternativa. Mas mesmo assim, não era dogma de fé aceitar o modelo ptolemaico-aristotélico.

    É curioso que, ao condenar Galileu com base em causas "filosóficas", o Tribunal eclesiástico saiu da esfera da teologia para ir buscar uma acusação filosófica.

    Por isso, meu caro, não há qualquer base dogmática na acusação que se faz a Galileu: há uma (errada e injusta) acusação de incompatibilidade com as Escrituras, e há uma acusação de incompatibilidade entre o copernicanismo e a filosofia natural ptolemaico-aristotélica.

    «(e sempre ou contra ou ignorando as idéias teológicas)»

    Isto que acabaste de escrever está em pleno e diametral contraste com os factos históricos.

    Basta ler a Carta de Galileu a Cristina de Lorena (mãe do Grão-Duque da Toscânia), para vermos como Galileu explicava, teologicamente, que o copernicanismo não chocava com as Sagradas Escrituras. Galileu estava certo, e estava, nessa carta, e em muitos lados, a fazer teologia cristã, e da boa.

    Não se compreendem homens como Galileu, Kepler, Tycho, Newton, e outros que tal, sem a religião cristã, que todos perfilhavam, e da qual retiravam inspiração e estruturação intelectual.

    O Galileu, a certa altura, escreve isto a um amigo (Nicolò Fabri di Peiresc, a 21 de Fevereiro de 1635):

    “Tenho duas fontes de perpétuo conforto: primeiro, que nos meus escritos não se pode encontrar a mais ténue sombra de irreverência em relação à Santa Igreja; e segundo, o testemunho da minha própria consciência, que apenas eu e Deus no Céu conhecemos. E Ele sabe que nesta causa pela qual eu sofro, apesar de que muitos podem ter falado dela com mais erudição, ninguém, nem mesmo os antigos Padres, falou com mais piedade ou como maior zelo pela Igreja do que eu”

    Caro Barba Rija: eu sei que estas coisas da História, muitas vezes, chocam de frente com os preconceitos que todos carregamos! É a vida! Há quem deite fora os preconceitos e encare os factos, e há quem prefira o conforto mental dos preconceitos. São opções.

    Os grandes cientistas europeus, até ao século XIX, são quase todos cristãos, e devotos. O ateísmo entre cientistas é um fenómeno totalmente contemporâneo (meados do século XIX, século XX.

    «"Impulsionou" é um termo tecnicamente correcto, pois não admite originalidade. De facto, os gregos fizeram-no de um modo completo e claro muito antes do senhor Agostinho ler Aristóteles.»

    Vê o que escrevi ao João Vasco: os gregos tinham inúmeras falhas, quer na estrutura social científica (que na Grécia Antiga não existia - os cientistas eram casos isolados), quer na própria metodologia, que não era experimental, salvo raras excepções (Arquimedes, por exemplo).

    «também é pena que tenham adoptado as restantes posições de Aristóteles, nomeadamente a ideia detrimental de que a razão seria suficiente para compreender o cosmos, ou seja, a renunciação do empirismo como apoio à razão.»

    De onde é que retiras isso?
    Isso não faz qualquer sentido. Uma visão puramente intuicionista do Cosmos pode estar em Aristóteles (como está no Vêdanta hindu, de Çankara), mas não está nos pensadores cristãos. O empirismo é algo perfeitamente cristão. O cristão é um empirista por natureza, e isto porque ele ama a criação de Deus: só assim é que um cristão, desde os primeiros séculos, detesta o gnóstico, porque o gnóstico é um tipo que detesta a carne e a Natureza, e prefere a introspecção esotérica e gnóstica.

    É, aliás, por via da defesa de um empirismo mais sólido que, no ocidente medieval, um Aristóteles vem a ganhar mais peso que um Platão.

    «Vê-se claramente que é nisto que se apoia todo o edifício teológico, e a ciência não poderia estar mais longe desta posição filosófica.»

    Estás completamente enganado.
    Todo o edifício teológico católico é perfeitamente, repito, PERFEITAMENTE compatível com a ciência. Desafio-te a apontares-me uma só parte da doutrina católica que tenha sido refutada pela ciência. Basta uma. Não serve dizeres aquilo que se diz que a ciência refutou: tens que me dizer aquilo que a ciência REALMENTE refutou. Eu não sei de nada...
    Como é evidente, nunca defenderia qualquer ponto doutrinal do catolicismo, se ele tivesse sido refutado cientificamente. Não sou parvo... Aliás, achar que um católico é católico, APESAR da ciência, é supor que os católicos são parvos, e isso é irritante.

    «Errado, não "adveio" do cristianismo, é mais velho do que isso.»

    Quando é que, antes do cristianismo, ou fora do cristianismo, se tinha aplicado a matemática ao estudo do mundo natural? Não chega dar os exemplos da astronomia (hindu, babilónica, egípcia, grega), porque até Galileu, toda a astronomia consistia em "salvar os fenómenos", ou seja, obter um qualquer modelo matemático que fosse capaz de permitir boas previsões do que se observava. Realmente, para um astrónomo pré-galileano, era indiferente usar as tábuas de Ptolomeu, Copérnico ou Tycho, desde que as previsões saíssem boas.

    A questão central é: a matemática permite reflectir a realidade?
    Vejamos o que diz o Antigo Testamento, no Livro da Sabedoria:

    «Tu, porém, regulaste tudo com medida, número e peso. » - Livro da Sabedoria, 11,20

    O impacto deste pequeno trecho na cultura ocidental é enorme. Negá-lo é tolice.

    «que hoje quando se fala em Ciência e Religião na mesma frase, terá de ser sempre num tom conciliatório, e não propriamente holístico.»

    Concordo que há uma polémica, na "vox populi", sempre que se tenta conciliar religião com ciência. Porém, um estudo apurado, QUER da ciência, QUER da religião cristã, permite erradicar as presumidas incompatibilidades. Há que conhecer os limites da Ciência e os limites da Teologia. E depois, há que agarrar com toda a força a grande intuição, já feita por Agostinho e por Tomás de Aquino, de que não existem "verdades contraditórias", porque a verdade NUNCA contradiz a verdade.

    «E a religião é essa primeira filosofia, a primeira abordagem ao cosmos.»

    Escapa-te o facto óbvio de que, até ao século XIX, os cientistas não abdicavam da sua fé cristã, e no entanto, abordavam o cosmos já de forma empírica (exemplo de Oresme e Buridan, na física medieval não aristotélica, exemplo de Galileu e de Tycho, etc.).

    «Evoluiu imenso até se chegar à conclusão de que seria possível indagar o cosmos sem lhe colocar perguntas metafísicas ou teológicas, mas partindo unicamente de factos observáveis, experimentações, reducionismo, álgebra e lógica.»

    É possível, como dizes, indagar o "como" do Cosmos, usando o empirismo. Já não é possível, sem a filosofia, sem a metafísica, sem a teologia, abordar o "porquê" existencial do Cosmos. Daí a importância de se procurar uma visão do Cosmos que não seja toda ela reduzida ao empírico da ciência moderna. Nenhuma visão do cosmos é boa se desrespeitar, ou sugerir algo contraditório face à ciência moderna. Mas é falta de juízo deitar fora a boa filosofia e a boa teologia, só porque não se baseiam no empírico (apesar de não chocarem com ele).
    É que a nossa mente não é só matéria, logo, ela opera sobre "objectos" e conceitos imateriais. Isto está na base da coerência intelectual e das verdades primeiras da Filosofia, como os princípios da Lógica. Como provas tu, empiricamente, os princípios da Lógica? Só para os assumires, axiomaticamente, tens que abandonar o materialismo e a visão reducionista do estrito empiricista.

    «não aceita dogmas, etc.)»

    Só esta tua frase mostra como a tua posição filosófica é frágil e incoerente. É que tu mesmo aceitas dogmas, toda a gente os aceita. Um dogma aceite por qualquer pessoa razoável é dizer que A é diferente de ~A, e que dada uma proposição B, ela é verdadeira ou é falsa, não há terceiro termo. Isto é um axioma (um sinónimo filosófico de "dogma") que todos temos que aceitar. Mas há muitos mais...

    «como as suas conclusões colocam em causa toda a teologia do ser humano como ser divino, sobretudo devido à descoberta da evolução por meio da selecção natural.»

    Ah! ;)
    Que piada.
    Nem a Física moderna refutou o papel do Criador cristão (antes pelo contrário, reforçou essa ideia, graças ao Big Bang), nem Darwin refutou Deus Criador!

    Toda a gente diz, tipo papagaio, que Darwin acabou com o Criador. Isso é treta de quem não sabe do que fala. Porque é que teria acabado?

    «Se a Ciência deve algo ao Cristianismo, é isto: o amor pelo cosmos.»

    Ora nem mais!
    E só se procura o que se ama!
    Só por esta tua frase, Barba Rija, já valeu a pena toda esta nossa conversa.

    «E no entanto, é perfeitamente argumentável que esse amor não é original do Cristianismo, nem o próprio susteve sempre essa posição (quantas vezes não se ouve a maldosa expressão "I'm a man of one book").»

    Sempre que um cristão não teve, ou não tem, esse amor ao Cosmos não é digno de ser cristão. Os casos que referes são, claramente, típicos de ramos do protestantismo (é conhecido o ódio que Lutero tinha pela ciência que não fosse bíblica). Não são normais para um católico.

    «Muito bem, mais uma vez, obrigado por isso, de facto é útil e bela essa mentalidade. Frutífera. Não precisamos de nada do resto, redenções, paraísos, anjos, arcanjos, messias, diabos, sarças ardentes, etc..»

    Oh Barba Rija, não é uma questão de "precisarmos" ou não das coisas. É mais profundo: é uma questão de elas serem reais ou não. O que me preocupa, e o que ocupa a minha mente, não é se eu preciso dos anjos ou dos arcanjos, ou das sarças ardentes, é a de saber se essas coisas são reais. O que é muito mais importante.

    Abraço,

    Bernardo

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  94. Caro Barba Rija,

    «É célebre a frase de Einstein, "Deus não joga aos dados".»

    Esse é precisamente um excelente exemplo que vais buscar para me ajudar: o panteísmo de Einstein só o prejudicou no seu trabalho científico. A sua rejeição da mecânica quântica tem TUDO a ver com o seu fascínio pelo Bento de Espinosa, e por uma visão panteísta do Cosmos.

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  95. "a) não era um fenómeno geral da sociedade (mas sim um grupo restrito de "especialistas")"

    No caso dos indianos não é bem assim. Criaram universidades, tinham locais onde muito antes do ocidente, calcularam o diametro da terra.
    Mas como todas as civilizações, foram conquistados por bárbaros com mais gosto pela espada que pela pena.

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  96. Bernardo,

    Já sabia que irias tentar reeditar a história do Galileu (reeditar, não disse "reescrever"). Não dizes nada que eu não saiba sobre o caso.

    A tua justificação da condenação de Galileu é que "Era, realmente, contrária ao senso comum."

    Meu caro, não deixes a tua ingenuidade afectar-te o juízo. Imagina que estás 100% correcto. Agora faz-te a seguinte pergunta: achas sequer moral que alguém seja condenado por propôr algo "contrário ao senso comum"?!? Bernardo! E que eu saiba foi de facto a Igreja que o condenou, pelo que a definição de "senso comum" era a da Igreja, por mais partilhada que fosse por muitas outras pessoas. Quando eu falo em "dogma" estou a falar em "verdades inquestionáveis", não falei nunca em "dogma de fé".

    A ideia de que se condena alguém por ter ideias diferentes é anti-científica, no sentido que este tipo de comportamentos destrói o progresso científico.

    Isto que acabaste de escrever está em pleno e diametral contraste com os factos históricos.

    Eu disse, tanto contra como ignorando. No caso do Galileu, a teologia é inútil. O mesmo se pode dizer da óptica, da termodinâmica, do electromagnetismo, da mecânica quântica, da relatividade, etc.. No caso de Darwin, da geologia, da cosmologia, etc., a teologia foi um obstáculo (com a única excepção do orgasmo teológico sobre o Big Bang). Vais negar o básico?

    Não se compreendem homens como Galileu, Kepler, Tycho, Newton, e outros que tal, sem a religião cristã, que todos perfilhavam, e da qual retiravam inspiração e estruturação intelectual.

    Bernardo, não se compreende Kepler sem perceber a sua Astrologia, não se compreende Newton sem se compreender as suas crenças idiotas, etc.. São supérfluas, não é por elas que estes homens se tornaram imortais.

    Caro Barba Rija: eu sei que estas coisas da História, muitas vezes, chocam de frente com os preconceitos que todos carregamos! É a vida! Há quem deite fora os preconceitos e encare os factos, e há quem prefira o conforto mental dos preconceitos. São opções.

    Tudo bem Bernardo, nunca tive problemas em reconhecer seja o que for, só te aviso que isto tem duas direcções.

    Os grandes cientistas europeus, até ao século XIX, são quase todos cristãos, e devotos.

    1. Havia outra hipótese? Ser ateu antes do séc XIX era caso para anátema da própria pessoa. Perdia toda a sociedade.
    2. Ser cientista não é condição suficiente para ser "sabedor de tudo". Como deveria ser óbvio.
    3. Quase todos os cientistas antes do séc. XIX eram criacionistas. So what?

    O empirismo é algo perfeitamente cristão. O cristão é um empirista por natureza, e isto porque ele ama a criação de Deus: só assim é que um cristão, desde os primeiros séculos, detesta o gnóstico, porque o gnóstico é um tipo que detesta a carne e a Natureza, e prefere a introspecção esotérica e gnóstica.

    Acho que estás a fazer wishful thinking. Vou estudar mais sobre o assunto (a wikipédia não ajuda muito nesta temática).

    Não serve dizeres aquilo que se diz que a ciência refutou: tens que me dizer aquilo que a ciência REALMENTE refutou. Eu não sei de nada...

    Um exemplo chega? E dois? Que a doença é fruto do pecado. Que catástrofes naturais são consequência do pecado. Isto ainda hoje é pregado em países ditos "civilizados".

    O impacto deste pequeno trecho na cultura ocidental é enorme. Negá-lo é tolice.

    Eu não nego isso tal como não nego o impacte que a pequena frase que os judeus dizem aquando da condenação de Jesus teve na história da humanidade.

    Repara, o que eu digo é diferente. A ideia de que o cosmos é mensurável e inteligível é importante, em si, mas o resto não é. Imagina que eu diria o seguinte:

    "Tu, Grande Monstro das Bolachas, ao Fazeres o Grande Vómito, criaste o universo, e regulaste tudo com medida, número e peso"

    Bem vês o disparate. Por mais útil que seja a última parte da frase ao mundo e à ciência, a primeira é ridícula. Uma pessoa consegue inventar num instante uma religião extraordinariamente útil à ciência e claramente falsa aos olhos de toda a gente.

    Não prova nada.

    E depois, há que agarrar com toda a força a grande intuição, já feita por Agostinho e por Tomás de Aquino, de que não existem "verdades contraditórias", porque a verdade NUNCA contradiz a verdade.

    Não estás a dizer nada que um naturalista não diga.

    Já não é possível, sem a filosofia, sem a metafísica, sem a teologia, abordar o "porquê" existencial do Cosmos

    É possível sem a teologia, sim. O grande problema da teologia é que é uma pseudo-ciência. "Cargo cult science". Do género "Psicanálise Freudiana", porque é uma tautologia sempre crescente, não há nada que a falsifique, tudo a confirma. Sabe-se já há muito que isto não é evidência da força do argumento, mas evidência da sua fraqueza.

    É que a nossa mente não é só matéria, logo, ela opera sobre "objectos" e conceitos imateriais.

    Desenvolve "não é só matéria". Não tens quaisquer provas disso. Não é necessário ser dualista para operar sobre conceitos abstractos (qualquer computador atesta esta evidência).

    Como provas tu, empiricamente, os princípios da Lógica?

    Há aqui grandes conflitos filosóficos. O Desidério também acha que os princípios da Lógica não resultam da experiência humana, eu digo que isso é ridículo. Eu assumo-os suspendendo o meu cepticismo sobre eles, mas o que é facto é que funcionam sempre, e é este crivo que é empírico.

    Como crias a matemática, por exemplo, sem a tua experiência material? Não é verdade que se começa a ensinar a matemática pelas laranjas e maçãs e bananas?

    Godel provou que a matemática tem de ter uma base empírica, pois ela não é independente, "self-sufficient". O mesmo se poderá dizer de todas as construções lógicas e morais.

    Só esta tua frase mostra como a tua posição filosófica é frágil e incoerente.

    ...e aí reside a sua força. Lê mais Popper. Nem tudo na filosofia, lógica e matemática já foi encontrado e "provado". E não há razões para duvidar aquilo que temos por "certo". Mas são heurísticas Bayesianas, não são "dogmas" no sentido total, último. São "dogmas" no sentido pragmático da nossa psicologia.

    ...nem Darwin refutou Deus Criador!

    Darwin não refutou o Deísmo. Mas deixou o Teísmo em muitos maus lençóis. Negá-lo é, como dizes, tolice!

    Oh Barba Rija, não é uma questão de "precisarmos" ou não das coisas.

    Aí é que te enganas. Occam's Razor. Peça fundamental em toda a discussão científica.

    Concluíndo, Bernardo, não tenho perante a Igreja um ódio que pensas que tenho, e como a minha frase sobre o amor ao Cosmos revela, é importante ver as coisas que nós herdámos dos nossos pais e ter respeito pela tradição. No entanto, foi o próprio Santo Agostinho que disse, "deitai o mau, mantei o bom" ou qualquer coisa parecida. Os chineses budistas dizem, "Se vires o Buda, mata-o", é o mesmo sentido.

    Cumps,
    Luís


    PS: o panteísmo de Einstein só o prejudicou no seu trabalho científico.

    Muito pelo contrário, as suas críticas e pensamentos filosóficos sobre a MQ foram imprescindíveis à Ciência e ainda hoje têm um impacto enorme na problemática do observador.

    No entanto, nem era esse o sentido da coisa. Há muito a dizer sobre isto, mas já me alongo.

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  97. Espectadores


    Alguns erros e comentários.De caras que uma filosofia contemplativa não é muito inquiridora uma vez que se vira para o interior. De caras. Mas, existe um manancial de descobertas desde a china o Japão a índia , de génios que como em todo o lado fizeram grandes descobertas, a imensa frota chinesa que tinha uma variedade de grandes navios com inovações que só no Sec XIX foram adoptadas pelo ocidente, são uma prova de que a ciência e a religião não podem ser vistas de forma tão simplista e que muitos outros factores entram em jogo. Dava para um doutoramento , não dá para um post. De facto o pensamento científico nasce no ocidente, mas numa mistura de catolicismo, protestantismo, puritanismos variados, e paganismo. Essa tentativa de apropriação total é disparatada.
    O problema de galileu não é se o homem estava ou não correcto, é indiferente, é o facto de ter existido um dia um tribunal da verdade e que deliberava com a força do braço temporal. Enfim…


    O cristianismo resolveu este disparate. Só nos anos 50 é que a ciência moderna, com a teoria do Big Bang (curiosamente, proposta pela primeira vez pelo padre católico belga Lemaître), atirou às malvas essa ideia pagã do cosmos eterno.Não é verdade, sabia-se que não podia ser infinito pelas leis da termodinâmica, se existisse há uma infinidade de tempo já teria arrefecido. E se fosse infinito em dimensão a radiação que nos chegava dava para se ver de noite, já não me recordo, mas a finitude em tamanho e tempo é anterior ao Big Bang.

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  98. PS: o panteísmo de Einstein só o prejudicou no seu trabalho científico. Einstein:
    The word god is for me nothing more than the expression and product of human weaknesses, the Bible a collection of honourable, but still primitive legends which are nevertheless pretty childish. No interpretation no matter how subtle can (for me) change this."
    "For me the Jewish religion like all others is an incarnation of the most childish superstitions. And the Jewish people to whom I gladly belong and with whose mentality I have a deep affinity have no different quality for me than all other people. As far as my experience goes, they are no better than other human groups, although they are protected from the worst cancers by a lack of power. Otherwise I cannot see anything 'chosen' about them."
    e termina a carta com


    "The eternal mystery of the world is its comprehensibility."

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  99. Nuvens, em boa verdade os grandes cientistas do início do Séc. XX pensavam que o Universo era eterno. Einstein postulou uma constante cosmológica que resolvia, entre outras coisas, o problema da termodinâmica.

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  100. Barba,
    como disse já não me lembro, já devo ter lido, algures, no início dos tempos, mas ainda estava a fazer o guião....

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  101. Os braços abertos de Cristo

    é o artigo da MJNP np Dn, na defesa do cristo rei, temos de estar lá diz ela....
    http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1231662&seccao=Maria%20Jos%E9%20Nogueira%20Pinto&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco

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  102. Barba

    Espacialmente sabia-se, quanto ao tempo é diferente

    1610 - Johannes Kepler uses the dark night sky to argue for a finite universe


    Chama-se Olbers' paradox

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  103. Chama-se Olbers' paradox

    Sim, lembro-me desse paradoxo bastante bem. No entanto é um paradoxo bastante simplório, a meu ver. Pressupõe uma densidade homogénea das estrelas no espaço...

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  104. Barba,
    Há uma expressão de um físico sobre a forma como conhecemos o Universo que acho deliciosa:
    algo como,

    tentamos perceber a forma, estrutura , e tamanho de um piano pelo barulho que ele faz a cair por umas escadas a baixo.

    Heheh

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