quinta-feira, fevereiro 09, 2012

PJL 118-XII, parte 1: o prejuízo da cópia.

Ontem acompanhei o Rui Seabra, presidente da ANSOL (1), à audição com o grupo de trabalho que está a analisar o Projecto de Lei 118-XII, sobre o regime jurídico da cópia privada (2). Como associado da ANSOL, nestas semanas tenho ajudado a estruturar a nossa oposição a este projecto de lei. As reuniões com os representantes dos grupos parlamentares do BE, PEV e PCP ajudaram-me bastante a perceber os vários problemas que os deputados têm de resolver e a encontrar pontos de concordância onde pudéssemos assentar os nossos argumentos. Mas isso deixo para outros posts. Neste vou saltar já para um comentário do Michael Seufert (CDS), na audição de ontem, que não abordámos lá por ser uma questão complexa e por precisarmos do tempo para responder à pergunta da Ana Sofia Bettencourt (PSD), que também deixarei para outro post. Como não discuti isto em detalhe na ANSOL nem pude ir à reunião com o CDS, não sei se o que se segue será a posição da ANSOL. Mas é a minha.

O Michael Seufert apontou que a directiva europeia obriga a uma compensação equitativa pela cópia privada e que isso exige que se estime o prejuízo que a cópia causa e, daí, a compensação devida. O problema é estimar esse prejuízo e compensação. Para mim, há outros problemas mais fundamentais. Um é justificar o dever de compensação. É como dizer que tenho de compensar os cozinheiros dos restaurantes pelo prejuízo de cozinhar em casa, ou os agricultores por ter uma horta*. Outro é justificar a ingerência do Estado num acto como a cópia privada de informação publicada. Mas isto será para discutir a nível da UE, questionando a tal “propriedade intelectual” – se faz sentido, por exemplo, que o autor de músicas tenha mais direitos do que o autor de receitas, teoremas ou jogadas de Xadrez – e o problema da fronteira entre os poderes legítimos do Estado e as liberdades de cada um. Por enquanto, temos de seguir a directiva.

O Eduardo Simões, presidente da Associação Fonográfica Portuguesa, ouvido depois de nós, disse que não valia a pena estimar o valor do prejuízo porque, parafraseando, a taxa cobrada por um CD que vale 15€ é um valor simbólico de alguns cêntimos, muito abaixo do valor da obra copiada. Isto está errado, e não só porque o tal “valor simbólico” é de uns vinte euros num disco rígido. Se eu comprar um CD por 15€ é porque o valor do CD, para mim, é superior ao dos 15€. Senão, não pagava. Mas, depois de ter esse CD, é evidente que uma cópia já não valerá, para mim, 15€. Valerá muito perto de 0€, porque será cópia de algo que já tenho. O valor da cópia não é o preço do original. Além disso, o que a directiva europeia obriga a compensar é o prejuízo para o autor, e não o preço de venda. Nem o argumento de que a cópia prejudica por uma venda perdida faz sentido porque estas contas implicam que a mesma cópia, nas mesmas condições, prejudique mais quanto mais se aumenta o preço da venda autorizada. Infelizmente, este disparate fundamenta os muitos relatórios de enormes “perdas” da indústria (3).

O cálculo do prejuízo não pode depender nem do preço, arbitrário, ao qual os distribuidores vendem as cópias a que chamam “originais”, nem de hipotéticas vendas perdidas. O prejuízo económico causado ao autor pela cópia tem de ser calculado pelo dinheiro que quem copia realmente gasta na cópia. É este o único indicador realista do prejuízo, e é por isso que a taxa de compensação pela cópia privada em cassetes e CD virgens é uma percentagem do preço de venda desses suportes. Porque se alguém paga um euro por uma cassete virgem e copia para lá um disco, sabemos que pagou um euro para fazer essa cópia. Independentemente do disco custar cinco ou cinquenta euros, ou da pessoa hipoteticamente poder comprar vinte ou duzentos discos, o que deve ao autor é a fracção desse euro que o autor teria direito a receber.

Assim, o que temos de contabilizar é quanto as pessoas estão a gastar em suportes digitais especificamente para fazer cópia privada. E é fácil ver que esse valor será muito pequeno. Ao contrário das cassetes virgens, um disco rígido serve para muito mais do que a cópia privada prevista pela lei, e mesmo quem tenha uma centena de CDs, se comprimir em mp3 mete tudo em meio porcento de um disco moderno. Além disso, o que se permite legalmente ao abrigo da cópia privada é muito pouco e cada vez menos, conforme os distribuidores mudam da venda de objectos físicos para o licenciamento de ficheiros. Se aplicarmos ao valor resultante os tais 3% que se aplica à cassete, para descontar os custos de produção do harware e calcular o excedente devido ao autor das obras copiadas, o resultado será tão próximo do zero que nem vale a pena considerá-lo.

Outro ponto importante é que este dever de compensar vem do prejuízo que o Estado causa aos autores por permitir a cópia privada, o que obriga a considerar outro factor. As editoras queixam-se da quebra de vendas de CD mas, cada vez mais, a compra destes suportes depende da possibilidade de copiar o que lá vem para suportes mais convenientes. Se o Estado português conseguisse impedir a cópia privada de forma eficaz – impossível na prática, mas consideremos a hipótese – o resultado seria uma quebra ainda maior nestas vendas. Se um CD já tem defeitos em relação a suportes mais modernos, um CD que não se possa copiar só serve mesmo para pousar a caneca.

Finalmente, não compete à lei distinguir entre autores “bons” e “maus”. O autor é o criador de qualquer obra, seja a foto do filho seja uma sinfonia. E, nessa perspectiva, qualquer forma de compensação que taxe ferramentas usadas para criar obras causará sempre mais prejuízo a mais autores do que a alternativa, simples, de não cobrar taxa nenhuma.

* Comprei um terreno agrícola há uns meses e tenho andado a plantar e semear hortaliças. É divertido. Mais uma coisa para outro post.

1- Associação Nacional para o Software Livre.
2- Deve aparecer em breve na página do Grupo de Trabalho - Regime Jurídico da Cópia Privada (PJL 118-XII) da Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
3- Como apontei há tempos, com estas contas eu teria um prejuízo de milhares de euros por mês se decidisse cobrar um euro pela leitura de cada post neste blog: O dinheiro que poupo com este blog.

7 comentários:

  1. Jónatas,

    Essas medidas são para evitar o problema da contrafacção que é o de enganar o cliente, que compra um produto falsificado pensando ter a qualidade do original. Isso é completamente diferente quer da cópia privada quer da partilha de ficheiros. Ninguém vai ao Pirate Bay convencido que vai descarregar um DVD original com caixa, capa e panfletos.

    ResponderEliminar
  2. parte 1? vay haver férias de carnaval na nova tá-se bendo...

    ResponderEliminar
  3. um euro para ler iste?

    ó home o jornal tem mais páginas e cansa menos a bista

    vá lá 1 centime para cada dúzia de tretas e mesmo assis fica caro

    1 escudo dos de 2020 por treta...mas nessa altura ter um blogue vai custar 500 contos por semana e ter electricidade só se os putos (de krippahl) pedalarem bué...

    ResponderEliminar
  4. Pagar taxas nos suportes para compensar os autores pelos prejuízos? Se eu montar os meus próprios filmes de família ou férias também vou precisar de discos grandes e DVDs e n copiei (legal ou ilegalmente) nada de ninguém.
    E os prejuízos de quem paga portagens em autoestradas em obras?
    E o estado q é o primeiro e maior caloteiro e n paga aos fornecedores, até levando empresas à falência?
    Se é para inventar taxas fantasiosas podem começar também por garantir q quem tem culpa num acidente de viação paga algo aos condutores q se vêem presos no trânsito causado. É q nesse caso há realmente pessoas lesadas, ao contrário dos autores (ou editores) q n sabem de verdade se venderiam mais (ou quanto mais) caso n fosse possível copiar. É claro q também n sei como os condutores lesados receberiam a compensação...
    Se quem faz cópias privadas é pirata então os editores são os mafiosos q obrigam os autores a comprar-lhes protecção mesmo q eles n queiram.

    ResponderEliminar
  5. No comentário das 09:53, o parvinho dos muitos e díspares heterónimos já pela terceira ou quarta vez se refere aos filhos do Ludwig sem qualquer justificação de contexto. Também sou pai e sei que mais vale sentir preocupações sem motivo do que ter motivo para preocupações: era de fazer um dossiê e mandar à P.J.

    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.