quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Treta da semana: a Lua não o quê?!

Segundo uma notícia no Público, «Sondas da NASA revelam as primeiras imagens do lado oculto da Lua»(1). A atracção gravítica da Terra deforma a Lua, porque a afecta com mais intensidade na parte mais próxima da Terra do que na parte mais distante. Esta deformação foi travando a rotação da Lua até que passou a rodar de forma a deixar sempre a mesma face voltada para a Terra. Por isso, só do espaço é que se pode fotografar o outro lado. Mas as primeiras fotos desse lado da Lua já foram tiradas em 1959, pela sonda soviética Luna 3, e desde então já houve várias sondas tripuladas e não tripuladas a orbitar a Lua e a tirar fotografias(2).

No texto da peça, a, digamos, jornalista, escreve que «Uma das duas sondas "gémeas" que estão na órbita da Lua desde o final do ano passado enviou para a Terra as primeiras imagens do lado oculto lunar». Refere-se ao primeiro vídeo enviado pela sonda GRAIL-A (3) mas que, ao contrário do que a expressão sugere, não são «as primeiras imagens do lado oculto lunar». É apenas o primeiro vídeo daquela missão, que nem sequer tem como objectivo principal fotografar a Lua. A LRO, a orbitar a Lua desde 2009, e que está a fotografar tudo em detalhe, com uma resolução de meio metro por pixel. Essas sim, são imagens fabulosas(4). A missão principal das sondas GRAIL é mapear o campo gravítico da Lua, e esta câmara vai à boleia como parte de um projecto de divulgação científica. A MoonKAM será controlada por alunos, em salas de aula, para onde transmitirá imagens daquilo que as turmas pedirem. É uma boa maneira de entusiasmar as crianças. No entanto, a impressão que a notícia dá é novamente errada. Parece que a novidade é a qualidade das imagens:

«A câmara MoonKAM faz parte de um projecto educativo para promover o interesse dos alunos norte-americanos pela ciência. “A qualidade do vídeo é excelente e deverá incentivar os alunos a prepararem-se para explorar a Lua”, disse a principal investigadora do Instituto Massachusetts de Tecnologia, em Cambridge.»

Também quando menciona que «O novo vídeo tem 30 segundos e foi captado a 19 de Janeiro pela sonda Ebb» omite um detalhe interessante deste programa de divulgação. Os nomes “Ebb” e “Flow” foram dados às sondas GRAIL-A e GRAIL-B por um grupo de alunos da quarta classe. Foram os vencedores de um concurso que a NASA tinha aberto para baptizar as sondas(5). Infelizmente, quem lê esta “notícia” fica sem perceber o propósito pedagógico deste projecto.

Até aqui ainda podia, com boa vontade, atribuir os defeitos da peça a uma escrita apressada e uma revisão desatenta. Nada que merecesse um post, com tanta treta que há por aí. Mas a meio da notícia está isto: «As imagens são raras porque a Lua não gira sobre um eixo; por isso, da Terra apenas é visível um dos seus lados.» Não percebo o que é que a autora imagina que se passa. Se julga que a Lua não gira teria escrito apenas “A Lua não gira”. Se especifica que não gira sobre um eixo deve imaginar que gira, mas que gira sobre outra coisa qualquer que não um eixo. Não me ocorre o que possa ser.

Talvez isto ajude a esclarecer. A Lua gira, pelo menos em relação ao Sol. E, porque gira, tem um eixo. Não é uma vara espetada de um lado ao outro, mas é um eixo conceptual, uma linha em torno da qual a Lua gira. É esta rotação que mantém a mesma face virada para nós enquanto a Lua dá voltas em torno da Terra.

Foi esta frase que motivou o post. Escrever uma coisa daquelas sem notar o que fez torna muito plausível que também não tenha percebido nada do resto da notícia que escreveu. E isso, como jornalismo, é uma treta.

Entretanto, enquanto eu acabava de escrever isto, corrigiram o título e as asneiras maiores. Mas sem qualquer indicação de que o fizeram, excepto pelo que se lê nos comentários e o URL ainda manter o título antigo. Mas compreendo. Aquilo não é um blog, por isso as normas de conduta são menos rigorosas.

Adenda à adenda: o Paulo Cardoso, no FaceBook, avisou-me que na notícia do Público estava a indicação da alteração. Depois da dica reparei que sim. Está lá "Notícia alterada às 17h26". O que me parece é que isso não diz praticamente nada...»

1- Público, Sondas da NASA revelam as primeiras imagens do lado oculto da Lua
2- Wikipedia, Far side of the Moon
3- NASA/UCSD, GRAIL, MoonKAM
4- NASA, LRO Showing Us the Moon as Never Before. Já agora, um aparte, a propósito do projecto de lei para taxar os discos rígidos. A LRO já enviou para a terra quase 200 terabytes de dados. Se a Canavilhas mandasse nos EUA e aqueles piratões da NASA pagassem o que é devido, a €20 euros o terabyte já se tapava metade do buraco da SPA pagavam 4.000€ "aos autores" (o que dava para meia milésima do buraco da SPA... não sei onde fui buscar os zeros a mais...).
5- Collect Space, Students name NASA's twin moon probes 'Ebb' and 'Flow'

5 comentários:

  1. Já tinha reparado antes na baixa qualidade dos conteúdos jornalísticos gratuitos do Público e também do DN. Nos temas científicos é ainda mais saliente. Não sei se os conteúdos pagos são melhores, mas com amostras destas não me sinto tentado a experimentar ;)

    Tenho a sensação que o problema é mais transversal do que estes episódios dão a entender. Parece-me que há uma genuína incapacidade de pensar com algum rigor sobre qualquer assunto e parece-me existir um desincentivo cultural a isso. Se olhar para a programação dos canais generalistas Portugueses, especialmente aqueles que têm a maior fatia de audiências, SIC e TVI, vai encontrar vários programas que promovem ideias de uma estupidez confrangedora, recuperações de ideias muito populares em épocas pré-científicas, às vezes com uma roupagem pseudocientífica.

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  2. volta à religião meu...tás a perder discípulos e 13 à mesa em 2013 dá az<art tds xoxota

    Feb 2, 2012 11:11 AM

    Já tinha reparado antes na baixa qualidade dos conteúdos jornalísticos gratuitos ...o bicho con segue arreparar no óbvio

    deve ter sido teu aluno pá...

    ou atão aluno da nova ou do técnico...com esta capacidade de observação digna do iscte este gaijo vai longe....

    quiçá chegue a doutor em Luanda ou em tananarive tanas nas rivo...é um ras corcoró de truz...

    Tenho a sensação que? o problema é mais transversal do que estes episódios dão a entender.e o português...e as bírgulas....

    Parece-me que há uma genuína incapacidade de pensar....esqueceu-se que estava a falar contra si..

    .Se olhar....ou seja é um puto mais novo que tu ó krippahlidade maxima

    a procurar um afago do dono...

    seja nice boy cott a fag a um cafuné no koiso

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  3. Não há nada como ler as notícias nos sites científicos, desde que o façamos com espírito crítico. Aí encontramos novidades recentes sobre a Lua.

    Numa delas dá-se conta de novas descobertas que põem em causa os paradigmas dominantes sobre os impactos lunares.

    Noutra notícia dá-se conta de uma intensidade do campo magnético da Lua incompatível com a sua suposta antiguidade obrigando os cientistas a especular sobre uma fonte de energia alternativa.

    O problema é que ninguém faz a mais pequena ideia de qual seja essa fonte alternativa

    Para os criacionistas a coisa é simples: a intensidade actual do campo magnético da Lua corrobora a sua idade recente.

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  4. OFF TOPIC:

    Permitam-me que partilhe convosco três notícias científicas recentes apresentadas como "exemplos de evolução" mas que realmente nada têm que ver com a suposta evolução de partículas para pessoas ao longo de milhões de anos:

    Um primeiro caso trata-se de um caso de adaptação rápida às alterações climáticas através do código epigenético que liga e desliga genes sem alterar as sequências de DNA

    No segundo caso trata-se de do efeito fundador em lagartos colocados numa ilha com redução de informação genética pré-existente reconhecida pelos cientistas envolvidos na observação.

    Um terceiro caso prende-se com a rápida adaptação de algumas salamandras ao ambiente tóxico à sua volta, embora com doenças, deficiências e morte para a maioria, embora sem certezas sobre a aquisição de qualquer vantagem genética.

    Pode parecer incrível, mas a teoria da evolução é construída com base em exemplos destes...

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  5. Pode parecer incrível, mas a....é construída com base em exemplos destes...

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