Austeridade e moral hazard.
A Priscila Rêgo explica as relações entre a Alemanha e países como Portugal e Grécia como um problema de moral hazard e falta de informação (1). E, apesar de afirmar que «não aborda questões morais», o exemplo dá não é moralmente neutro: «Imagine o leitor que um familiar endividado, preguiçoso e pouco trabalhador lhe pede um empréstimo para pagar dívidas de jogo». Parece-me difícil ler esse exemplo sem uma conotação moral da qual discordo, mas não é essa a falha que quero apontar na explicação da Priscila. E concordo que não é prudente emprestar dinheiro a este primo sem uma indicação clara de que ele pretenda corrigir o seu comportamento. No entanto, discordo de que isto explique as medidas de austeridade como um sinal de empenho mesmo quando as medidas tomadas são um disparate:
«Exemplos: a ideia de aumentar o horário de trabalho em meia hora, cortar quatro feriados, eliminar o ponto do Carnaval e fazê-lo. Qualquer pessoa que se tenha dado ao trabalho de fazer as contas chega à conclusão de que todas estas medidas podem, no melhor dos cenários, ter um impacto negligente em qualquer variável macroeconómica (e, no pior, serem contraproducentes). Mas se o objectivo não era melhorar a situação, mas sim sinalizar uma posição de compromisso, a estratégia faz sentido.»
Se bem que o sinal tenha de ser custoso, para não ser fácil fingir, também tem de indicar a disposição que se quer sinalizar. Do primo jogador podemos exigir que vá viver longe dos casinos, mesmo que seja um sacrifício mudar de casa. Mas mas não faz sentido obrigá-lo a comer berlindes, porque isso não é relevante. Como a Priscila reconhece, os sinais que Portugal dá com a austeridade são o equivalente económico de comer berlindes. Além disso, o primo é uma pessoa, enquanto Portugal são muitas. Os políticos obrigarem muita gente a fazer sacrifícios não quer dizer que a maioria da população esteja empenhada nesse rumo. Pelo contrário. Tal imposição pode criar uma tensão perigosa e levar a que substituam esses políticos por outros com opiniões contrárias. Outro problema é que, ao contrário do primo, aqueles com poder para resolver esta situação não são os mesmos a quem se pede sacrifícios como sinal de empenho. O chavão de “vivemos acima das nossas possibilidades” dá a ideia de que a crise veio dos pensionistas esbanjarem fortunas em jantaradas ou os operários passarem o dia sem fazer nada, mas não foi bem isso.
Os problemas fundamentais persistem. Uma união económica que funciona como um país para o comércio e o capital mas sem as transferências de fundos públicos necessárias para equilibrar diferenças de produtividade, como qualquer país tem de ter. Um banco central fixado na inflação e que só empresta dinheiro aos bancos privados. Um sistema bancário onde os bancos privados lucram com as apostas que ganham e passam aos contribuintes os prejuízos pelas que perdem. E, pelo menos por cá, políticos a negociar com empresas privadas já de olho nos cargos que lá vão ocupar quando saírem da política. O sacrifício do operário que vai trabalhar mais meia hora por dia não dá garantia nenhuma de que estes problemas serão resolvidos.
Concordo que há um problema de moral hazard, que resulta de uma assimetria de poder e informação, mas nem é aquele que a Priscila alega nem é entre os agentes que a Priscila menciona. O moral hazard surge porque quem tem poder para decidir como funciona o BCE, que negócios o Estado português faz com empresas, onde investe a banca privada, e assim por diante, consegue imputar custos e riscos a quem não tem poder de decisão. Isto cria um incentivo para arriscar demasiado, como tem feito a banca privada, ou simplesmente encher os bolsos à custa dos outros, como tem sido costume na política.
O default de Portugal ou da Grécia vai custar muito aos bancos privados. Mas o prejuízo irá para quem tem poupanças nesses bancos e, depois, para os contribuintes que acabam por garantir esses depósitos. Os gestores dos bancos receberão os seus salários à mesma e ainda algum bónus chorudo por lidarem com a crise. Como se viu nos EUA, mesmo quando um banco se afunda o tipo que o afundou reforma-se rico. Além disso, as medidas de austeridade desequilibram ainda mais a distribuição de riqueza, favorecendo os ricos; a contracção da economia prejudica muitos mas aumenta o valor do dinheiro, o que é bom para quem o tem; e as falências e privatizações criam oportunidades de negócio.
A divisão aqui não é entre Portugal e a Alemanha porque, quando isto der para o torto, o contribuinte alemão não vai ficar muito melhor do que o português. O moral hazard surge nos centros de poder, de ambos os países, onde é maior a percentagem de pessoas que não sofre com a austeridade, que não tem nada a perder com a crise económica e que pode ganhar muito com estas confusões. Por exemplo, recolher dezenas de milhares de milhões de euros de vários bancos, transferir esse dinheiro para os países a “ajudar”, distribui-lo lá e cobrar juros não é coisa que se faça sem muita gente pelo meio a encher os bolsos. Nem é preciso conspirações. Basta que cada um zele pelos seus interesses que temos um moral hazard, porque esses podem beneficiar muito passando os prejuízos para os que estão de fora.
Ao contrário do que a Priscila defende, a mim parece-me que as medidas de austeridade são uma consequência desse moral hazard e não uma forma de o contrariar.
1- Começa nestes dois posts, Compreender a Alemanha, Compreender Portugal, e continua numa série resumida aqui: Compreender a Alemanha – final
é o mesmo que dizer que prescinde de 300 mil de salário quando a casa presidencial grega gasta infinitamente mais que o cavaco de Belém e a sua comitiva....
ResponderEliminaro Carnaval não afecta a escola nem a agricultura que estão ambas em seca
os feriados dão mais 4 dias para cobrar impostos e fazer avançar os processos de cobrança
se houve que espremer e fiscalizar mais uns 12 mil milhões em 250 dias digamos...
cada dia corresponde a 48 milhões...potenciais
logo 160 milhões pouca coisa...se um dia de combustível queimado
20 mil milhões de litradas por dias úteis
40 mil tones por dia gastam 60 milhões em combustível extra..
por outro lado no feriado faziam pontes...
o que poupava nas travessias
Num estado em bancarrota controlada não há direitos que tenham de ser pagos...
direito à educação certamente...se tal como o Buiça os professores aceitarem queijos e galinhas como complemento salarial
(o problema vai ser arranjar leite para fazer queijo e pintos para fazerem galinhas...consomem tanta iágua queu....
O default de Portugal ou da Grécia vai custar muito aos cidadãos que têm fundos ou seguros ou títulos do fundo de regularização da dívida pública....em Portugal apenas havia disponíveis desde 86 os certificados as OT's eram compradas por seguradoras e bancos privados ou públicos a CGD o montepio as caixas de crédito agrícola só em 2007-2009 fizeram emissões de obrigações não resgatáveis ou resgatáveis com penalizações de 20 ou + % de deixa cá ver 5 ou 6 mil milhões?
ResponderEliminarMas o prejuízo irá para quem tem aplicações em títulos de dívida pois a banca pública deu-se ao trabalho de as titularizar a 10 e a 5 anos
até 2010...
obrigações e aplicações em fundos de acções ou outras não estão sujeitas às garantias dos depósitos bancários
A analogia usada - comparar um indivíduo a um país - é um padrão, infelizmente, bastante comum. É como tratar uma floresta como se de uma árvore se tratasse. Isto parece-me bastante falacioso e até deve haver um nome mais 'técnico' para este erro. Para mim é um pouco como as grandes corporações financeiras tratam do dinheiro: na prática não lidam com dinheiro, mas com 'montes de dinheiro', e isto baralha qualquer análise simplista.
ResponderEliminarA questão dos ´culpados' ou 'responsáveis' torna-se ainda mais difícil no caso europeu, quando contrastado com o caso americano. Ao contrário da Europa, nos EUA há um 'sentimento de união nacionalista' o que protege de certa forma os Estados supostamente prevaricadores. Isto permite que a California, apesar de falida, continue a receber apoio federal sem grandes ondas de contestação. Na Europa, este sentimento de 'nação europeia' não existe. Se nos sentissemos todos mais europeus do que alemães, gregos, portugueses, etc. seria muito mais fácil apontar o dedo aos principais responsáveis, que mais não fazem do que aproveitarem-se do sistema que criaram e controlam. Mas é tão mais fácil dizer que os gregos não querem trabalhar, que mentiram, e por aí fora... nem é preciso pensar!
vivemos acima das nossas possibilidades” dá a ideia de que tal como D.João V fizemos mais empréstimos do que o ouro que tirávamos do Brasil
ResponderEliminardaí quando D.José apanhou com um terramoto não tinha $ para reconstruir a economia
KEYNES investir em épocas de vacas magras desinvestir da economia e guardae os super-ávites das tetas das vacas gordas para lhes dar ração quando estiverem magras
os putogoeses pensaram e se continuarmos a comprar ração a crédito quando as vacas estiverem gordas elas vão ficar gigantes...mas enganaram-se cagavam era mais merda..
a crise veio dos pensionistas (receberem 30 e 35 anos de pensões para os quais nunca tinham descontado o suficiente)
se esbanjarem fortunas em jantaradas ou em Mercedes como o Dr.juiz isso é com eles
mas se se reformaram em 81 com 55 anos (com 60 contos) e agora ganham 1500 brutos...isso quer dizer que nos últimos 10 anos receberam 210.000 euros e nos restantes 20 ...o mesmo mais uns trocos
digamos que receberam 500.000
e nos 35 anos de descontos ou 40 se começaram a trabalhar aos 15...ou aos 18...com descontos mínimos ou nulos nesses dias
e se eram da função pública não pagavam IRS até ao tempo de Cavaco só descontavam para a caixa
de onde vem o $ para pagar aos reformados das décadas de 80 e 90 que ainda estão vivos? isto só para os do regime contribuitivo
26% do orçamento real e não do ficcional(este ano um pouco menos) vão para pensões e subsídios da segurança social
quando as pensões absorvem mais de um quarto dos impostos num país que só exporta 31% do valor do PIB
e os operários serem pessoal dos serviços que mesmo que passarem o dia sem fazer nada ou tudo é que ter uma economia em que 58% do PIB é gerado pelos serviços da Grécia...não é bom para a Grécia nem para os serviços que não se exportam com facilidade
podíamos utilizar o metro de Lisboa para reforçar o metro de Tóquio e cobrar-lhes o bilhetame...o problema é meter os japoneses dentro das nosssas carruagens é que aqui nã temos ninguém para os empurrar lá pra dentro
e os operários dos estádios de futebol...não os conseguiram desmontar e levá-los para a áfrica do sul...em vez disso compraram vuvuzelas e deram ouro aos chinocas e sul-africanos
olha se têm comprado bandeiras putuguesas e cachecóis a esses operáiros chinocas que fazem nada...
Excelente texto!
ResponderEliminarYep. Federalismo já!
ResponderEliminarJoão VascoFeb 18, 2012 06:37 PM
ResponderEliminarExcelente texto...o puto tem um gosto pouco afinado...diria mesmo discu tível
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Luís Miguel SequeiraFeb 19, 2012 01:38 AM
Yep. Federalismo já!....e a guerra civil entre os estados federados começa quando?
Ghaïlán...quem é que fez um pass destas...é que custa pôr iste aí
ResponderEliminarO chavão de “vivemos acima das nossas possibilidades” dá a ideia de que a crise veio dos pensionistas esbanjarem fortunas em jantaradas ou os operários passarem o dia sem fazer nada, mas não foi bem isso."
ResponderEliminarAcho que o chavão é claro e preciso. A sociedade, pelo estado através do endividamento em diversas obras públicas duvidosas e pelos cidadãos em bens.
Bastou uma década para esta sociedade se endividar de tal forma que perdeu credibilidade económica. O problema passou a ser como se irá pagar os juros?!
O Zé que aperta o parafuso não tem culpa mas tem de ser, não há mais ninguém. E pode sempre andar com o cotovelo de fora no seu BMW.
Por exemplo, recolher dezenas de milhares de milhões de euros de vários bancos, transferir esse dinheiro para os países a “ajudar”, distribui-lo lá e cobrar juros não é coisa que se faça sem muita gente pelo meio a encher os bolsos.
Qual é o incentivo? O mesmo dever-se-ia aplicar por nós a Moçambique?