PJL 118-XII, parte 2: externalidades positivas.
No dia 13 de Janeiro tivemos (1) uma reunião com a Catarina Martins (BE), acerca deste projecto de lei. Sem surpresa, estou de acordo com quase tudo na posição do Bloco de Esquerda, a respeito desta taxa. Não se incentiva a cultura e a criatividade taxando o equipamento digital que todos usamos para criar e aceder à cultura e, por isso, o BE sempre foi contra este projecto de lei. No entanto, há uma divergência que queria salientar. Na reunião, na audição do passado dia 8 e num artigo de opinião publicado no Esquerda.net, a Catarina Martins defendeu ser preciso «devolver aos autores uma parte da riqueza que criam e que nunca lhes é paga. Porque existir criação “cultural, artística, académica” alimenta uma [série] de indústrias (reprografia, informática, etc.) que não remuneram essa mesma criação»(2). Eu discordo, tanto do juízo de valor subjacente como da ideia de que a indústria do hardware beneficia dos autores sem compensação.
Beneficiar, por si só, não faz dever nada a quem quer que seja. Se eu pensasse de outra forma não disponibilizava o código fonte do software que escrevo, não punha as aulas online nem deixava que copiassem isto de borla. Beneficiar, por definição, é bom. Não é um mal a corrigir. Por exemplo, vamos supor que os autores beneficiavam mais da tecnologia digital do que beneficiam os fabricantes por haver quem compre equipamento para copiar livros, músicas e filmes. É a posição que defenderei adiante mas, por enquanto, peço apenas que suponham. Se assim fosse, não exigiríamos aos autores que pagassem taxas aos fabricantes de discos rígidos só para compensar o benefício. Analogamente, o benefício para a indústria electrónica não é um problema. Só haveria problema se o equipamento digital prejudicasse tanto os autores que inibisse a criatividade, mas isso, claramente, não acontece. Portanto, discordo de que fosse preciso equilibrar as contas mesmo se os fabricantes de hardware beneficiassem dos autores sem lhes dar nada em troca.
E, pelo contrário, parece-me objectivamente incorrecto defender que esta indústria não compensa os autores. O fabricante de equipamento informático beneficia dos autores porque estes criam mais procura pelo hardware. Mas o autor também beneficia pelo aumento de produtividade, pela redução de custos, mais formas de expressão, auto-promoção mais fácil e um mercado maior onde vender o seu trabalho. Tem também benefícios económicos indirectos. Graças a esta tecnologia, ir a um concerto já não é só um serão com os amigos. Inclui fotos no Facebook, Twitter na fila para entrar, post no blog – com comentários – e assim por diante. O autor já não é o ídolo distante no palco ou na TV; é alguém que responde a mensagens e discute projectos directamente com os admiradores. Tudo isto contribui para entusiasmar mais gente e aumentar as receitas, quer pela venda de cópias quer pelo financiamento directo do trabalho do autor por parte do seu público. E há novas formas de arte, como os jogos de computador e filmes com imagens de síntese, que têm grande sucesso comercial. Se somarmos a isto os benefícios culturais da tecnologia da informação, é evidente que os autores que agora todos somos tiram muito proveito do fabrico de discos rígidos e cartões de memória*.
Mais importante ainda, esta tecnologia libertou o autor. A mudança foi tão radical que a maioria ainda não a percebeu, até porque a disfarçam com expressões absurdas como “propriedade intelectual” ou “receber direitos de autor”. São monopólios, e o que recebem é dinheiro, não é direitos. A verdade é que, até recentemente, o autor foi refém dos fabricantes de cópias, a quem tinha de vender os seus direitos para conseguir chegar ao público. A indústria que enriqueceu prejudicando os autores é aquela que censura páginas na Web e vídeos no YouTube, que processa a partilha e os remixes e que quer atropelar os nossos direitos para proteger os seus monopólios. É a Disney e a Marvel que proibem o Gary Friedrich de desenhar o personagem que ele criou (3); a Elsevier que cobra exorbitâncias pelos artigos que os investigadores lhe fornecem gratuitamente (4); e a Sony que aumentou o preço dos álbuns da Whitney Houston assim que ela morreu (5).
Muitas pessoas julgam que a cópia fácil cria um problema para os autores, um problema que tem de ser controlado e compensado. É o contrário. Conforme a cópia se trivializa a criatividade torna-se no mais importante. Isto acaba com a hegemonia do fabricante de cópias e o autor livra-se desse intermediário que lhe ficava com os direitos. A tecnologia da cópia fácil não é o problema. É a solução, e não há nada que se tenha de compensar por isso.
* A haver taxa, devia ser para os desgraçados que trabalham nessas fábricas e não para dar mais dinheiro ao Tozé Brito ou ao Tony Carreira.
1- Eu e o Rui Seabra pela ANSOL, a Teresa Nobre pela Creative Commons, e a Paula Simões pela Associação Ensino Livre.
2- Catarina Martins, Cópia Privada
3- BoingBoing, Marvel/Disney wages petty, vicious war against Ghost Rider creator
4- The Cost of Knowledge
5- MediaBeat, Shameful: Sony raised prices on Whitney Houston’s digital music 30 minutes after her death
Adenda: vejam aqui o que assusta de verdade os senhores da "indústria cultural". Mais do que cópia privada e pirataria, o que os preocupa é o autor fazer a sua obra, vendê-la, ganhar uma data de massa e eles ficarem a ver. É para isso que serve a taxa. O resto são desculpas. (Via Twitter)
BRAVO!
ResponderEliminaresgar acelerado
Isto é o mesmo que dizer que o fabrico e venda de automóveis alimenta uma série de indústrias (gasolineiras, mecânicos, etc) que não remuneram esses mesmos fabricantes e vendedores. Onde está a taxa sobre as gasolineiras para reverter a favor dos fabricantes e vendedores de automóveis? Pois...
ResponderEliminarÉ que esses fabricantes e vendedores também beneficiam e muito da existência de gasolineiras e mecânicos. Sem eles, os seus produtos pouca utilidade (e portanto valor) teriam para os potenciais compradores.
Na economia é perfeitamente banal haver actividades que beneficiam terceiros (externalidades positivas), não decorrendo daí qualquer necessidade de "compensar" ou "remunerar". Se esta ideia ganhar raízes vão ser precisas muitas taxas e taxinhas...
externalidades são actividades incunómicas reais ou virtuais cujos efeitos podem ser positivos ou negativos
ResponderEliminarpôr externalidades positivas parece muy simplex
(relativamente a quê?
Isto é o mesmo que dizer que o Produção de gasoil ou de gasolina ou o fabrico e venda de automóveis alimenta (ou vice-versa) uma série de indústrias (gasolineiras, mecânicos, etc) que não remuneram esses mesmos fabricantes e vendedores. Onde está a taxa sobre as gasolineiras para reverter a favor dos fabricantes e vendedores de automóveis? Pois...o gajo tem um bom ponto
tás a ver tás a ver...
o tal de Nelson Cruz que já nã malembro quem é ganha o prémio dos
ResponderEliminarhijackers de triciclos do ano....já só faltam 10 meses pra iste acabar
Projecto-lei só o nome assusta...
Mas se fosse por uma questão de compensar alguém por ter benefícios então os autores deviam pagar mais pelos equipamentos q utilizam para criar, uma vez q tiram partido deles mais q os outros "meros" utilizadores, como por exemplo, dos discos rígidos ou até de todo o hardware, software e aplicações wébicas.
ResponderEliminar"A haver taxa, devia ser para os desgraçados que trabalham nessas fábricas e não para dar mais dinheiro ao Tozé Brito ou ao Tony Carreira."
Mas todos sabemos q o ganho dessa taxa iria só para detentores de direitos e n propriamente para autores.