domingo, julho 31, 2011

Treta da semana: lamentoso.

Em Janeiro escrevi sobre o Grande ©, um concurso que «tem uma missão institucional: enraizar o valor da criatividade e da diversidade da obra original, como fundamento para a protecção concedida pelo Direito de Autor e pelos Direitos Conexos»(1). No entanto, a AGECOP, que organiza o concurso, «reserva-se o direito de expor, publicar, utilizar ou por qualquer forma explorar os trabalhos recebidos»(2). É o costume. A criatividade isto, o autor aquilo, mas a malta da cópia e distribuição é que fica com os direitos. A leitora B_NM* discordou das minhas críticas e deixou «uma mensagem para todas as pessoas que não têm o talento nem a paciência para se dedicarem a projectos importantes que podem lançar carreiras: este projecto destina-se a conseguir lançar novos artistas de várias áreas e para promover a cultura e arte no nosso país.»(3)

Para ser professor é preciso ter paciência e, se bem que seja difícil quantificar o talento, julgo que organizar um concurso como o Grande © não exigirá muito mais talento do que ensinar. Quanto a lançar carreiras, parece-me que a educação é mais produtiva do que divulgar os trabalhos vencedores no site do concurso. Portanto, arrisco a imodéstia e proponho que a minha profissão não fica atrás dos organizadores do Grande © em paciência, talento, potencial para lançar carreiras e promoção da cultura. A grande diferença é que, enquanto os organizadores do Grande © acham que a cultura se promove impondo restrições, quem trabalha em escolas, museus, bibliotecas e universidades sabe que um país será tão mais culto quando mais fácil for o acesso à cultura e a sua partilha.

Continua a leitora dizendo haver, em «blogs lamentosos como estes», pessoas «burras, que não sabem do que falam. Não têm o direito de criticar o que não entendem». A acusação de burrice não tenho como refutar, objectivamente, por isso aponto apenas que a inteligência que calha a cada um é uma questão de sorte. O que é lamentável é, sendo mais inteligente, limitar-se a chamar burros aos outros em vez de os esclarecer. Mas o que tenho de opor, com veemência, é a ideia de que, por a leitora me julgar burro e ignorante, eu automaticamente perca o direito de criticar.

Esta mentalidade é quase um requisito para a defesa das restrições à cópia e acesso. O Autor e os Gestores de Direitos são os guardiões da cultura. Quem escreveu a letra de uma canção, ou é advogado de pessoas que vendem CDs, é que sabe como, quando e o quê se pode fazer com a cultura. Quem, em vez de canções ou contratos de licenciamento, tenha escrito dissertações, publicado artigos em revistas internacionais, preparado aulas e palestras, desenvolva software e escreva regularmente sem impor restrições de cópia é burro e não percebe nada de criatividade ou autoria. É preciso gerir a cópia com cuidado para que esta ralé não estrague a cultura.

A leitora também aponta que «A cultura é algo que deve ser apreciado e percebido por toda a gente, não para ser criticada desta forma.» Concordo com a primeira parte. Inteiramente. Por isso defendo que todos devem ter acesso à cultura e todos devem poder partilhá-la. A cultura não deve ser só para quem possa pagar licenças. Mas isso não quer dizer que não a possamos criticar. Pelo contrário. A crítica faz parte da apreciação, da compreensão da cultura, e também essa não deve ficar reservada aos auto-proclamados entendidos. Seja como for, o que eu critiquei no outro post não foi a cultura em si mas a hipocrisia de quem diz defender que a cultura é para todos ao mesmo tempo que exige castigos para quem a partilhar.

Finalmente, a leitora recomenda-me que «Não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti». Em geral, é um mau conselho. Por exemplo, não gosto que me limpem o rabo nem que andem comigo ao colo para arrotar, mas tenho feito bastante disso nestas últimas semanas. Além disso, muito do que faço não é motivado por gosto mas pelo que me parece mais correcto. No entanto, neste caso, faço a si, cara leitora, o que gosto que me façam a mim: dizer as coisas como julgo que são, sem aldrabices ou rodeios. A leitora merece que retribua a frontalidade com que me chamou burro e ignorante. Mas a malta do Grande ©, que diz defender os autores convencendo miúdos a fazer propaganda aos monopólios da cópia para depois ficar com os direitos sobre o que as crianças criam, nem essa decência tem.

1- O Grande ©, O que é
2- O Grande ©, Regulamento
3- Treta da semana: o grande c...

13 comentários:

  1. a leitora me julgar burro e ignorante.....

    se fosse só ignaro eu até majuntava à leitora que se calhar é aleitor

    burro nã é que nã é quadrúpede

    porque os cascos não dão pra escrever no teclado


    eu (Heil Krippahl o Magnânimo Críticu)automaticamente perca o direito de criticar

    toda a gente deve ter acesso à ópera e compreendê-la

    e porque não ó futebol e à bisca lambida?

    não são também cultura?

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  2. Lamentoso que o preço do bife vá subir daqui a uns meses

    Mais 300 mil bezerros estão a ser chacinados por semana no sudeste americano falta chuva pasto para os burros

    inda bem ca nã é burro

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  3. Essa senhora desmascarou-se tão completamente com meia dúzia de frases, que não se sabe se é para rir ou se para chorar.

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  4. Cristy,

    Na dúvida, prefiro sempre a gargalhada.

    Mas acho que não dá para ver bem se este comentário veio de uma concorrente, da mãe de um concorrente, de alguém da organização do concurso, de alguém que enfiou o barrete dos lobbies da cópia ou se até de um troll, só para picar...

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  5. Um post sobre as trapalhadas do José Policarpo e a ordenação das mulheres?

    http://correiodobrasil.com.br/ordenacao-das-mulheres-levou-policarpo-ao-vaticano/276406/

    Frase inesquecível:

    No início de Maio, o Vaticano obrigou o bispo de Toowoomba a sair do cargo por causa de declarações sobre o mesmo tema feitas em 2006. Na carta que Bento XVI lhe enviou, o Papa repetiu que a doutrina da Igreja sobre o tema é “infalível”.

    INFAlÍVEL!

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  6. Ludwig,

    apresso-me a considerar que os critérios e objectivos das chamadas indústrias da cultura só servem a cultura "se por acaso isso acontecer", porque, na realidade, tratam a cultura como outra "merda" qualquer. Ponto essencial é que dê dinheiro. Pela própria natureza das coisas, acabam sempre por realizar objectivos culturais, nem que seja o objectivo de "meter nojo" ao clube adversário.
    Por exemplo, não foram (e não são?) as sociedades esclavagistas que fazem um figurão? O que é que se vende? O que é que as pessoas compram? De que andam à procura?
    Felizmente(?) para nós, não é nossa intenção (objectivos) vender cultura.
    Pela minha parte, preferia profundamente que a manipulação dos mercados da "cultura" não existisse e que a venda de lixo (que muitas vezes não serve, nem para estrumar o cérebro[não?])só pudesse ser feita com rótulo expresso disso mesmo, em várias línguas.
    Vivemos numa selva. Aliás, vivemos numa "cultura da selva". Ninguém tem pena das vítimas...

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  7. "ou se até de um troll, só para picar..."

    Se fosse assim, até me sentiria aliviada. Infelizmente é um nível de argumentação tão comum, que não me atrevo a ter esperanças :-)

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  8. Por exemplo, não gosto que me limpem o rabo nem que andem comigo ao colo para arrotar, mas tenho feito bastante disso nestas últimas semanas

    só...eu diria há anus....há quem tenha as mãos sujas de sangue

    há quem as tenha sujas de...

    são opções

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  9. quem trabalha em escolas, museus, bibliotecas e universidades sabe que um país será tão mais culto quando mais fácil for o acesso à cultura e a sua partilha....e os das bibliotecas e unibersidades de papel e lápis

    iam pró desemprego?

    êta gente altruista...

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  10. Gostei particularmente da tua frase: "O que é lamentável é, sendo mais inteligente, limitar-se a chamar burros aos outros em vez de os esclarecer."

    Dizem os sábios (esses sim, que são mesmo mais inteligentes do que eu...) que qualquer pessoa inteligente consegue descer ao nível de uma menos inteligente para lhes explicar correctamente as coisas por palavras simples, tal como um pai consegue explicar a uma criança o que é a Lua sem ter de demonstrar as equações de Newton (ou de Einstein...). Uma marca de inteligência é sempre a capacidade de se saber adaptar à audiência que tem e esclarecer o seu ponto de vista de forma que esta seja entendida.

    O argumento "você não percebe nada disto e é burro e nem lhe vou dar o prazer de lhe explicar" é evidentemente uma marca inegável de pouca inteligência.

    Ainda bem que também sou burro, pois também não compreendi a argumentação da referida senhora, quem quer que ela seja.

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  11. Bom, acho que te lembras da minha opinião sobre o copyright, mas com este pessoal e argumentação deste calibre fico calado para não ser confundido. ;)

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  12. Notícia interessante no Guardian:

    http://www.guardian.co.uk/technology/2011/aug/02/vince-cable-government-plans-filesharing

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