Treta da semana: crime, dizem eles...
A ACAPOR promoveu esta semana «a maior acção popular contra o download ilegal»(1). Não qualificaram. Não foi a maior de Portugal, nem a maior deste ano. Foi a maior, ponto. Por “popular” referiram-se a clubes de vídeo e editoras e a acção foi «fazer downloads ilegais ali mesmo, na rua, durante as 24 horas que durar a concentração». Tanto repetem esta treta que já parece que acreditam. Na nossa lei o download só é ilegal se o juiz decidir que prejudica indevidamente a exploração comercial (2). Até hoje ninguém foi condenado só por downloads para uso pessoal e qualquer prejuízo que resulte desta acção da ACAPOR será por causa do ridículo – que ainda é legal – e não pelo download em si.
Segundo a ACAPOR, «a iniciativa foi um retombante [sic] sucesso» (3), talvez um deslize freudiano pelos tombos das vendas, da relevância destes distribuidores ou das expectativas para o protesto. Além de descarregar ficheiros, a outra ideia genial foi despejar DVD no chão, ironicamente alusiva ao valor da rodela de plástico neste tempo de cartões de memória e fibra óptica. «Clubes de vídeo e editores também contribuíram em massa na oferta de DVDs para a iniciativa de despejo dos mesmos. À excepção da Universal por atravessar o período transitório que todos conhecem, a Sony por não ter qualquer stock de DVDs em Portugal e a Valentim de Carvalho que não apresentou qualquer justificativo». Talvez a Valentim de Carvalho julgue que “o despejo” não abona muito em favor da causa.
«Este é provavelmente o único crime que não é investigado no nosso país, resultando em percas incalculáveis», diz a ACAPOR dos downloads. Quando fui ao cinema há dias também mostraram um aviso acerca destes alegados “crimes”. Nesse caso, dando a entender que era crime filmar ou fotografar durante a sessão. E acerca desta acção de protesto, escreve a ACAPOR que «Estivemos em plena via pública, em directo na televisão, a cometer um crime e o Estado voltou a olhar para o lado.» Mas, provavelmente, o maior ilícito foi deitar DVD ao chão. Se só descarregaram ficheiros sem os distribuir fizeram-no ao abrigo das excepções previstas para a cópia pessoal. É legal.
Só se distribuíram esses filmes, por exemplo em redes P2P, é que cometeram o crime de usurpação porque distribuíram material protegido sem autorização e sem o abrigo das excepções que permitem a cópia para uso pessoal. Mas se o protesto serviu para ajudar a partilha de alguns filmes então concordo que teve algum sucesso.
Há dias o João perguntou-me por que razão isto me incomoda tanto. Há várias, entre elas subsidiar o comércio pela censura, impor leis por tratados internacionais entre grupos de interesse (4) e à margem dos nossos representantes eleitos, e ter uma lei tão distante da prática corrente. O crime de usurpação do qual a ACAPOR se queixa cometemo-lo se respondemos a um email deixando na mensagem a cópia da mensagem anterior (distribuição não autorizada), se ouvimos música no carro com os vidros abertos (actuação pública), se rabiscamos algo de memória (criação não autorizada de obra derivada) e imensas outras coisas que fazemos todos os dias sem pensar que nos tornamos criminosos por isso (5).
Além disto, estes senhores enganam-nos acerca dos direitos que temos e abusam da autoridade que injustificadamente lhes dão. Por exemplo, a FEVIP distribui uma brochura aos gestores de salas de cinema onde recomenda:
«Coloque um aviso bem visível na bilheteira do cinema e no corredor avisando todos os clientes que “Não é autorizado a utilização de gravadores de Imagens e de Som no cinema”, que os sacos e os casacos podem ser revistados para verificar a possível existência desses mesmos artigos, e que os funcionários do cinema poderão vigiar a sala de cinema durante a exibição do filme, à procura de gravações ilegais.»(6)
O empregado da sala não tem autoridade legal para revistar seja o que for, a gravação só é ilegal se o juíz disser que é ilegal, pois a lei permite a criação de cópias para uso pessoal, e nada na lei impede que se vá ao cinema com casacos e máquinas de filmar. Estas recomendações são um atentado à privacidade, e isto sim devia ser ilegal. «Os funcionários do cinema deverão procurar a utilização de câmaras [...] usando óculos de visão nocturna ou outras ferramentas», ou «Os operadores do cinema poderão criar um registo com o nome e morada (mediante identificação apropriada) daqueles que solicitem [aparelhos auxiliares de audição]».
Respondendo ao João, preocupa-me que a lei e a nossa percepção de direitos fundamentais sejam deturpadas para conferir privilégios a alguns comerciantes. É um problema sério de justiça e de civismo.
1- ACAPOR, 24 HORAS DE LUTA CONTRA A PIRATARIA NA INTERNET. Obrigado pelo email com a notícia.
2- Ilegais? Porquê? - (in)conclusão.
3- ACAPOR, Concentração de 24 horas foi sucesso absoluto
4- EFF, EFF and Public Knowledge Reluctantly Drop Lawsuit for Information About ACTA
5- John Tehranian, advogado especialista em propriedade intelectual, escreveu em 2007 um artigo sobre esta disparidade, calculando que a aplicação plena da lei à vida quotidiana resultaria em milhões de dólares de multas e indemnizações por dia. O artigo já não está online, mas a parte mais interessante pode ser lida aqui.
6- FEVIP, Directivas de segurança para prevenir e impedir gravações com câmara não autorizada no seu cinema
LK
ResponderEliminarEsta gente ainda está a pensar como se estivessem da década de 70, as plataformas mudaram a lógica da distribuição tem de mudar.
Tem de rentabilizar os conteúdos de outra forma, porque é estúpido tentar controlar a tecnologia de cópia, é uma luta perdida.
Novas editoras, mais pequenas, com acessos rápidos via web, preços baixos e que vivam da novidade, dinÂmica , directos, concerto é o futuro.
Este pessoal ainda está no tempo dos Cd's, e o CD morreu de vez.
Santa pachorra, para venderem múmias querem destruir a privacidade das pessoas, um destes dias tentam entrar no meu pc para ver se tenho DL ilegais.
badamerda
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarVejam este pequeno filme: clicar aqui, e digam o que acham do herói. Ligar o som e ler as legendas.
ResponderEliminarSucessor do MP3 em desenvolvimento.
ResponderEliminarMário Miguel,
ResponderEliminarO video é engraçado mas um bocado creepy... :)
Ludwig,
ResponderEliminarPor acaso não me tinha apercebido: de facto é um bocado creepy, o que não impede ser ser giro.
Estava a equacionar desancar-te neste post, e acabei por não fazer. Fiz-te um elogio, para não dizeres que estou sempre do contra.
Ludwig:
ResponderEliminarSim, há um bocado de abuso. Mas não sei quem abusa mais. Se os gajos com as maquinas de filmar no cinema se os tipos com os oculos IR.
Nuvens:
ResponderEliminar"Santa pachorra, para venderem múmias querem destruir a privacidade das pessoas, um destes dias tentam entrar no meu pc para ver se tenho DL ilegais."
Ou param-te o carro para ver os teus documentos quando estas cheio de pressa e te pedem para ver o porta-bagagens.
Ate é possivel que um dia te peçam para revistar os bolsos à saida de uma loja so por causa de uma alarme maluco ter tocado.
João,
ResponderEliminarSe pegas numa coisa minha e ma levas sem autorização, é razoável que, havendo evidências desse furto, as autoridades façam por me restituir aquilo que é meu.
Mas se eu declamo publicamente um poema de minha autoria e tu, em casa, o escreves num papel, não se justifica que violem a tua privacidade a ver se tens lá "o meu" poema.
Penso que enquanto não distinguires entre cópia e roubo dificilmente perceberás o problema aqui.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarPara o Ludwig:
ResponderEliminarhttp://diario.iol.pt/economia/multa-pirataria-tecnologia-musica-downloads-computador/1134188-4058.html
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Mundo/Interior.aspx?content_id=1478333
Com tanta sabedoria sobre leis e afins julgo que vossas exlas estão-se
ResponderEliminara perder com coisas menores(redes per-to-per,descarga de filmes) eu se fosse tão intelegente arrajava maneira de não pagar impostos e muito menos trabahar nem fosse a sacar bancos.
José Carlos,
ResponderEliminarInfelizmente, a minha inteligência não chegou para perceber o seu comentário... Pode explicar melhor?
Ludwig:
ResponderEliminarPenso que o que a seguir transcrevo deve ter sido um copy/paste da notícia da ACAPOR.
«Este é provavelmente o único crime que não é investigado no nosso país, resultando em percas incalculáveis».
Aqui neste contexto, a palavra "percas" está incorrecto. Deveria ter sido escrito "perdas". Aqui não há peixe do Egipto.