Fervura.
Quase todos sabem que a água ferve a 100 ºC, muitos sabem que foi a fervura da água que se usou para definir o 100 ºC, e alguns até sabem que a temperatura de ebulição varia com a pressão. Mas muitos não sabem porque é que a água aquece serena até aos 99 ºC e desata num borbulhar desenfreado quando chega aos 100 ºC.
Um aparte, em tom de desabafo. Um químico que não saiba quem escreveu os Lusíadas, quem foi Platão ou o primeiro rei de Portugal é um inculto. Mas é aceitável que um professor de literatura ou filosofia não saiba porque a água ferve e até tenha orgulho nisso. São coisas para cientistas, dirá. Mas a lacuna é igualmente séria, e com a agravante de revelar uma falta de curiosidade, pouco desejável num académico, acerca de algo com que se lida todos os dias.
De volta ao tópico. A temperatura é uma medida estatística da energia cinética das partículas. Se rodam, vibram ou se movem mais rápido a temperatura é mais alta, se for mais devagar a temperatura é mais baixa. Saliento que a temperatura é uma medida. Não causa o movimento das partículas; apenas o quantifica. E é uma média. As moléculas de água no púcaro movem-se a velocidades diferentes, umas mais devagar e outras mais depressa que a média. Mesmo com água fria, algumas têm balanço suficiente para vencer as forças que as ligam às outras e escapar para o ar. É assim que a loiça seca e o suor nos refresca. A cada instante escapam-se moléculas das que têm mais energia. Além de reduzir a quantidade do líquido, reduz também a energia cinética média e arrefece o líquido que resta.
Mas se a água ocupa metade de um recipiente fechado, as moléculas que se escapam – vapor de água – vão passeando na metade superior e algumas voltarão ao líquido. Este processo dinâmico atinge o equilíbrio quando a quantidade de moléculas que sai do líquido, num certo intervalo de tempo, iguala em média a quantidade de moléculas que regressa. A pressão das moléculas na parte superior do recipiente é a pressão de vapor do líquido a essa temperatura, e é maior a temperaturas mais altas porque mais energia cinética facilita a fuga do líquido para o gás.
Se o recipiente estiver aberto o gás espalha-se e não se atinge este equilíbrio, mas podemos perceber a pressão de vapor como a pressão das moléculas a escapar do líquido. Aquecer aumenta a energia das moléculas de água e aumenta a pressão de vapor. É por isso que as coisas secam mais depressa a 95 ºC do que a 5 ºC. O que acontece aos 100 ºC é que a pressão de vapor da água iguala a pressão atmosférica, ou seja, a pressão que o ar exerce sobre a superfície da água. A partir dessa temperatura a pressão do vapor é suficiente para empurrar o líquido, o vapor forma bolhas* e a água ferve.
Também explica a panela de pressão. Quando a água está a ferver não adianta aumentar o aquecimento porque a água que aqueça acima dos 100 ºC empurra a restante e escapa-se como vapor. Mas com o recipiente tapado o vapor acumula-se, aumenta a pressão e a temperatura do líquido sobe porque já não pode libertar rapidamente as fracções mais quentes. As panelas de pressão funcionam a cerca de duas atmosferas, pressão à qual a água ferve a 122 ºC.
Quem chegou até aqui ficou com uma ideia do que faz a água ferver, o que é bom. Infelizmente, deve ter também ficado com a impressão de ser esta a explicação científica para a fervura. Nem de longe. A ciência moderna explica a fervura com um modelo matemático muito mais complexo que este post mas, para lhe fazer justiça, eu precisava de saber mais de termodinâmica e de escrever umas dezenas de posts sobre uma data de coisas, da física às probabilidades. E em vez de lerem isso mais valia ler logo um livro de termodinâmica.
Além da ideia de que ser "culto” exige conhecer livros antigos mas dispensa perceber o que nos rodeia, a ciência enfrenta também esta dificuldade. Para explicar uma parte da ciência a quem não seja especialista dessa área é preciso simplificar, deixando muita gente sem ideia da profundidade, do tamanho e do detalhe dos modelos científicos modernos. Com a impressão de uma explicação científica ser algo como este post, meia dúzia de tretas e uma ideia vaga, muitos julgam que a teologia, a anatomia energética, o criacionismo ou qualquer coisa que dê uma história engraçada serve como via de conhecimento alternativa à ciência. Mas não serve. Infelizmente, é nos detalhes que isso se nota.
* As que se formam no fundo do púcaro e sobem em fila, ou as grandalhonas quando a água ferve em cachão. As pequeninas agarradas ao púcaro quando começa a aquecer não são de vapor de água. São gases do ar que se dissolvem na água fria e escapam na água quente. O processo é análogo, mas as moléculas são outras.
Editado a 22-1 para corrigir a “impressão que”. Obrigado ao Vicente pela gentil sugestão.
Isso é muito bonito. Mas já alguem viu uma molécula a vibrar?
ResponderEliminarIsso é a tua fé naturalista.
DISPARATES DO LUDWIG: FALÉSIAS DE DOVER, O MEDITERRÂNEO E O DILÚVIO GLOBAL
ResponderEliminarNos seus debates “criação v. evolução”, depois de afirmar que gaivotas dão gaivotas (tal como a Bíblia ensina!) o Ludwig apresentava as falésias de Dover como exemplo de evolução.
Nunca se percebeu bem qual a relação entre uma coisa e outra, nem ela era explicada, e infelizmente não havia tempo para discutir a questão ao pormenor.
No entanto, também nesta matéria a abordagem do Ludwig se mostra desadequada. Diferentemente, a abordagem bíblica, que afirma a ocorrência de um dilúvio global, apresenta-se bastante mais promissora para explicar as falésias de Dover.
Dois aspectos devem ser salientados.
Em primeiro lugar, tudo indica que as falésias de Dover são parte de um complexo mais vasto, com ligações a formações rochosas no Médio Oriente e nos Estados Unidos. Disso existe evidência crescente.
Em segundo lugar, um estudo anglo-francês recente veio confirmar que a França e o Reino Unido estavam ligados entre si há cerca de 500 000 anos atrás (na desadequada cronologia uniformitarista dominante) tendo um pré-histórico “super-rio”, ou “mega-dilúvio”, aberto um canal de separação entre ambos: o Canal da Mancha.
Foi nesse contexto, de muita água em pouco tempo e não de pouca água em muito tempo, que foram formadas as Falésias de Dover. Os cientistas ingleses e franceses dizem que as mesmas são o resultado de “eventos dramáticos”.
Eventos dramáticos? O dilúvio foi um evento dramático!
É claro que ninguém viu a formação das Falésias de Dover há centenas de milhares de anos atrás, em três eventos distintos separados no tempo.
No entanto, mais de 200 culturas da antiguidade falam da ocorrência de um dilúvio global, pelo qual Deus castigou a humanidade, um único evento sem qualquer paralelo na história da Terra.
Ou seja, as Falésias de Dover nada têm que ver com hipotética evolução nem com a demonstração da extrema antiguidade da Terra, na medida em que, de acordo com as datações uniformitaristas, terão sido formadas há escassas centenas de milhares de anos, o que é recentíssimo mesmo para quem aceite essas datações.
Do ponto de vista de quem acredita na ocorrência de um dilúvio global (de que dão testemunho mais de 200 relatos das mais diversas culturas e civilizações antigas) não deixa de ser significativo o facto de a evidência demonstrar que as Falésias de Dover foram criadas por um “super-rio” ou “mega-dilúvio”.
Curiosamente, uma notícia recente dá conta de que o Mediterrâneo foi cheio de água em muito pouco tempo.
A existência dessa evidência não surpreende nenhum criacionista bíblico.
Referências:
How a Pre-Historic “Super River” Turned Britain Into na Island Nation, Daily Mail, 30 de Novembro de 2009
Mega-Flood filled de Mediterranean in Months, New Scientist, 9 de Dezembro de 2009
DISPARATES DO LUDWIG: CELECANTOS DÃO…CELECANTOS!
ResponderEliminarA teoria da evolução designa como “fósseis vivos” as espécies encontradas hoje que se assemelham a fósseis de espécies ancestrais supostamente extintas há dezenas ou centenas de milhões de anos.
Trata-se de seres vivos que durante muito tempo eram conhecidas apenas pela evidência fóssil.
O Celecanto é um caso paradigmático, entre centenas de outros. Durante muito tempo foi dado como extinto, por o respectivo fóssil ter sido encontrado numa rocha alegadamente com 300-400 milhões de anos. O fóssil era inclusivamente apresentado como um elo intermédio entre peixes e anfíbios, graças aos desenhos imaginativos dos evolucionistas.
Depois observou-se que afinal o Celecanto estava vivo, em pleno século XX, e não era um elo intermédio. Contrariamente ao que pensavam os artistas evolucionistas, ele era e é apenas um peixe.
Ele não tinha mudado significativamente durante os supostos 300-400 milhões de anos. Continuava a ser um Celecanto.
Para os criacionistas os “fósseis vivos” permitem demonstrar várias coisas da maior importância:
1) o facto de um fóssil surgir em rochas supostamente com dezenas ou centenas de milhões de anos (partindo de datações uniformitaristas) não significa que a espécie a que respeitam não seja contemporânea dos seres humanos. Com efeito, a mesma existe hoje (daí a designação de fóssil vivo) juntamente com os seres humanos.
2) o facto de a espécie actualmente encontrada ser muito semelhante à do fóssil com supostamente dezenas ou centenas de milhões de anos mostra que durante esse hipotético período Celecantos deram
Celecantos, tal como a Bíblia ensina.
Todos os fósseis vivos confirmam isso: não há sinal de evolução no registo fóssil. A evolução tem sempre que ser imaginada.
De resto, o evolucionista Stephen Jay Gould sempre afirmou que o registo fóssil não corrobora a evolução gradual, mas sim a permanência (“stasis”) das espécies. Neste ponto os criacionistas concordam com ele.
É claro que as fortes alterações pós-diluvianas provocaram a aceleração das taxas de mutações.
Todavia, as mutações genéticas não transformaram o Celecanto noutra espécie diferente e inovadora. É que nem as mutações nem a selecção natural (que nenhum criacionista nega) podem transformar uma espécie noutra diferente e mais complexa.
E nada que os evolucionistas possam dizer refuta esta conclusão.
Os fósseis vivos, centenas deles, confirmam inteiramente o relato bíblico, segundo o qual os seres vivos se reproduzem de acordo com o seu género. É o que a Bíblia ensina. É a única coisa que realmente se observa.
A evolução existe apenas na imaginação dos evolucionistas.
De resto, os evolucionistas reconhecem que os fósseis vivos não encaixam bem na sua teoria. Como afirmava o evolucionista Lee Hsiang Liow, “Prolonged stasis in a world of change is a puzzling biological phenomenon”.
Só são mesmo “puzzling” para os evolucionistas. Para os criacionistas eles mostram que a evolução nunca é observada. Ela é sempre imaginada.
Referência:
Lee Hsiang Liow, A Test of Simpson’s 'Rule of the Survival of the Relatively Unspecialized' Using Fossil Crinoids in The American Naturalist 2004, Vol. 164, pp. 431-443, University of Chicago, 0003-0147/2004/16404-40222,
DISPARATES DO LUDDWIG: SEQUÊNCIAS POLISSÉMICAS E CÓDIGOS
ResponderEliminarO Ludwig procurou apresentar o facto de a sequência de nucleótidos CUG poder ter dois significados, dependendo do contexto, como prova de que o DNA não é um código.
Mas falha, mais uma vez.
Em vez disso, ele sublinha alguns importantes pontos para o criacionismo.
Desde logo, ele reconhece que sequências de símbolos, no DNA, têm uma função representativa de algo que os transcende, transmitindo instruções precisas para a produção de função aminoácidos, proteínas, células, tecidos, órgãos, seres vivos integrados e funcionais.
Essa função representativa é a essência de um código.
Além disso, ele sublinha o carácter polissémico dos símbolos, o que é típico de muitos códigos.
Nas linguagens humanas, a mesma palavra pode assumir vários significados, dependendo do contexto. Mas o facto de assumir um ou outro significado em nada refuta o tratar-se de informação codificada.
No DNA sabe-se que genes idênticos podem assumir significados diferentes, dependendo do contexto regulatório.
Assim, a sequência GTTCAACGCTGAA pode ser lida a partir da primeira letra GTT CAA CGC TGA A, mas uma proteína totalmente diferente irá resultar de uma leitura iniciada na segunda letra TTC AAC GCT GAA.
Um terceiro aspecto, é sublinhado pelo físico alemão Werner Gitt, usando o mesmo exemplo do Ludwig.
No seu artigo “Design by Information”, publicado numa obra colectiva em 2006, Werner Gitt, na nota de rodapé 8, afirma que o código contido no DNA facilmente se percebe ter uma natureza convencional (no sentido de queo significado não é uma propriedade dos açucares e fosfatos que constituem a matéria do DNA).
Por outras palavras, diz Werner Gitt, não existe nenhuma razão físico-química pela qual a biomaquinaria do DNA atribui à sequência CUG, por exemplo, o significado “leucina".
Com efeito nalgumas espécies a mesma sequência é traduzida por “serina”.
Para Werner Gitt isso só demonstra a natureza imaterial e convencional do código, no sentido de que se trata de uma realidade independente das propriedades físicas e químicas da matéria.
Como se vê, não existe nada de novo no argumento do Ludwig e muito menos nada que ponha em causa o que os criacionistas afirmam.
Pelo contrário.
O argumento corrobora inteiramente o que os criacionistas dizem,
Continua a existir código e informação codificada no genoma,
De resto, isso é reconhecido por todos, menos pelo Ludwig, que continua numa inglória tentativa de negação do óbvio:
1) Informação codificada tem sempre origem inteligente
2) O DNA tem informação codificada
3) O DNA teve origem inteligente
LUDWIG KRIPPAHL, O SEU NATURALISMO METODOLÓGICO, O SEU “EMPÍRICO” , o SEU CONHECIMENTO DO QUE O RODEIA, E UM INCAUTO CIDADÃO:
ResponderEliminarLK: Sabes, estou absolutamente convencido que os micróbios se transformaram em microbiologistas ao longo de milhões de anos!!
IC: A sério? Grandes afirmações exigem grandes evidências!! Quais são as tuas?
LK: É simples! O meu “naturalismo metodológico” e o meu “empírico” E "o meu conhecimento do que está à minha volta" são infalíveis porque só se limitam àquilo que se vê. Se olhares bem à tua volta descobres que:
1) moscas dão… moscas
2) morcegos dão… morcegos
3) gaivotas dão… gaivotas
4) bactérias dão… bactérias
5) escaravelhos dão… escaravelhos
6) tentilhões dão… tentilhões
7) celecantos dão… celecantos (mesmo durante supostos milhões de anos!)
8) guppies dão… guppies
9) os órgãos perdem funções, total ou parcialmente
IC: Mas...espera lá!
Não é isso que a Bíblia ensina, em Génesis 1, quando afirma, dez vezes, que os seres vivos se reproduzem de acordo com a sua espécie?
A perda total ou parcial de funções não é o que Génesis 3 ensina quando afirma que a natureza foi amaldiçoada e está corrompida por causa do pecado humano? É isso, e só isso, que se vê!
Afinal, os teus exemplos de “naturalismo metodológico” e “empírico” e o teu "conhecimento do que está à tua volta" corroboram o que a Bíblia ensina!!
Não consegues dar um único exemplo que demonstre realmente a verdade daquilo em que acreditas?
Por hoje chega de disparates do Ludwig. São demasiados e ocupariam muito espaço. Mas eles estão cuidadosamente guardados e irão aparecendo por aí.
ResponderEliminarMuito bem sr. deputado Ludwig! A diferença está nos detalhes, e quando se quer mesmo perceber alguma coisa vê-se logo quem são os incultos, porque estes falam por alto, mas no fim (a maior parte das vezes até no ínicio) não sabem como as coisas funcionam.
ResponderEliminarO problema é que as asneiras do prespectiva são tantas que ja nem leio estes textos todos.
ResponderEliminarMas li até onde te baseavas num estudo que aponta uma formação geologica estimada em 500 000... TEns a certeza que queres refutar alguma coisa baseada nesse estudo? Ou vais usar a tecnica da desonestidade criacionista de pretender que em cada sitio podes so ler o que te dá jeito?
Mas olha, perspetiva. Tenho a sensação que tu não és a estrela deste post. Não vale a pena ferveres tão facilmente.
ResponderEliminarLudi,
ResponderEliminarÉ sempre giro ver um cientista explicar o funcionamento da panela de pressão, é um verdadeiro cliche da ciencia.
Confesso termodinamica nunca foi o meu forte...Eu cá é mais bichos!
beijo
A ideia que eu tenho é que existe uma distribuição de energias, mas, se estamos a falar de um líquido, existe uma energia máxima a partir do qual não existem partículas (libertam-se das forças moleculares).
ResponderEliminarSe fornecemos calor a um líquido, vamos dar energia que pode ir para qualquer das partículas. Isso aumenta a média se for para as particulas com menos energia, mas tem o efeito oposto se for para as partículas com mais energia (porque passam a barreira, deixam de contar para a média, e estavamos a falar das com mais energia, que contribuiam para a média ser maior). Assumindo que vai ser distribuido uniformemente pelas partículas do sistema, o balanço entre estes dois factores vai depender da temperatura. Se as partículas estiverem quase todas longe da barreira, o calor vai quase todo contribuir para aumentar a temperatura, mas se estiverem todas mais perto da barreira, o calor vai ter menos efeito sobre a média - chega a um ponto no qual os efeitos descritos se equilibram. Vai fazer apenas com que existam cada vez menos partículas. Por isso o líquido (mas não a substância que o compõe...) não sobe acima dessa temperatura. Apenas diminui.
A pressão tem o efeito de aumentar a tal "barreira" a partir do qual as partículas se libertam. Por isso a temperatura "máxima" do líquido aumenta com a pressão.
A dinâmica das correntes de convecção que acontece na fervura não teria de acontecer se o calor fosse distribuído por todo o espaço ao invés de tipicamente surgir em baixo. Porque o que acontece é que ficando mais quente o líquido em baixo, fica menos denso que o restante, o que leva a que suba. And so on..
PS- Há contextos nos quais é útil não definir a temperatura como "energia cinética média" mas sim pela sua relação com a entropia. Pela forma como é definida, o seu valor é praticamente igual para a esmagadora maioria dos casos que conhecemos, mas torna-se possível falar em temperaturas negativas se a distribuição de energias for uma tal que nunca poderia surgir "espontaneamente". Por exemplo, se os níveis mais elevados de energia estiverem mais ocupados que os mais baixos, o que só seria possível se conseguisses "escolher" que energias aquecer. Isto é o que acontece nas lâmpadas fluorescentes, ou nos lasers.
Joao Vasco:
ResponderEliminarNão percebi muito bem o que queres dizer. Mas se comprimires muito, não permites que haja diminuição da densidade, tipo "não há para onde as moleculas irem".
Até podes fazer gelo quente se pressionares o suficiente. Aqui tens um exemplo real na natureza: http://uk.reuters.com/article/idUKN1621607620070516
«Mas se comprimires muito, não permites que haja diminuição da densidade, tipo "não há para onde as moleculas irem".»
ResponderEliminarSim, mas não é esse o caso das correntes de convecção que vês quando a água ferve.
«Até podes fazer gelo quente se pressionares o suficiente. »
Sim, mas isso não obsta nada ao que escrevi.
Pois, eu disse-te que não percebi o que querias dizer. Ou seja, aonde querias chegar. Não ha correntes de convecção se a pressao não permitir. E de facto tambem não ha se o aquecimento for homogeneo.
ResponderEliminarJoão:
ResponderEliminarOnde eu queria chegar era que a explicação para as correntes de convecção é diferente da simples explicação de porque é que a água não sobe acima daquela temperatura, até mesmo por esse facto: neste caso o aquecimento pode ser uniforme ou não, enquanto que as correntes de convecção acontecem quando o aquecimento é espacialmente localizado em baixo (para onde o campo gravítico atrai).
Posso estar enganado em relação a isto, mas o que tens dito não obsta a isto.
Ha, queres dizer que a explicação do Ludwig não inclui as correntes de onvecção? Bem, ele diz que é uma media e que ha moleculas mais quentes que outras.
ResponderEliminarPenso que estas enganado acerca do local de aquecimento fazer toda a diferença. As coisas mais pesadas que o meio caiem e as mais leves vem para cima. Por isso se aqueceres de lado tambem tens correntes de convecção. Se aqueceres a superficie num só ponto tambem.
Não estou a tentar contrariar o que tu disseste (excepto neste ultimo trecho). Estava a ver se seguia onde querias chegar. Em relação ao que o Ludwig escreveu.
João:
ResponderEliminarSe por hipótese tivesses um aquecimento lateral perfeito, o que iria acontecer é que a temperatura quente em baixo iria ter a mesma densidade que a temperatura quente em cima. Sem esta diferença de densidades não haveria razão para a água de baixo subir, e a de cima descer.
Posto isto, o sentido daquilo que escrevi foi o de separar dois processos diferentes: o da temperatura não aumentar mais a partir de determinada temperatura (que tem uma razão meramente termodinâmica), e o de vermos as correntes de convecção quando a água ferve (que além das razões termodinâmcias que o Ludwig explicou, tem também uma razão "mecânica"), e que por isso é um processo que não necessita de estar associado ao outro. Existirá, claro, sempre água a libertar-se, e tanto mais quanta menor a pressão. Mas quando vemos a "ebulição" aquilo que é bastante visível são correntes de convecção que acontecem devido ao facto de ser aquecida a região inferior do recipiente.
O exemplo típico é o do microondas onde este processo não ocorre (o aquecimento é espacialmente mais uniforme), e as moléculas gasosas ficam "presas" no líquido, podendo libertar-se todas simultaneamente, de forma "explosiva".
Por isso é perigoso tentar ferver água no microondas.
É perigoso ferver água no microondas se as ondas estiverem todas em fase, porque a água é geralmente pura o suficiente para permitir sobreaquecimento. Se não for, não há problema (como na sopa ou chá).
ResponderEliminarBasta pôr uma colher de madeira dentro de água, ou um suporte giratório que é suficiente para a água mudar de estado espontaneamente.
Sim.
ResponderEliminarMas o exemplo não perde validade :p
Eu dantes aquecia café já feito no microondas, mas agora simplesmente faço café mais forte e quando quero beber junto depois água do fervedor. Isto porque era frequente distrair-me e depois tinha de limpar o microondas e contentar-me com metade do café...
ResponderEliminarMas ainda não sei qual dos dois é mais eficiente a aquecer água (microondas ou fervedor eléctrico). Tenho de fazer as contas.
É o fervedor eléctrico.
ResponderEliminarAlguém fez as contas por nós, e os fervedores eléctricos são a forma mais eficiente de aquecer água.
Francisco,
ResponderEliminarAcho que o problema não é as ondas estarem em fase (acho que estão sempre...). Uma força adicional que as bolhas têm de vencer é a tensão superficial da água. Esta normalmente é pouco relevante porque os contentores de metal têm riscos e rugosidades que facilitam a formação inicial das bolhas. Se mas o aquecimento uniforme do microondas num recipiente de vidro, mais liso, faz com que a água aqueça ligeiramente mais antes de se formarem bolhas.
A diferença é pequena, mas a tensão superficial da bolha decai com o tamanho da bolha, o que faz com que uma que se forme em água sobreaquecida se expanda com velocidade suficiente para sujar tudo ou dar uma queimadela valente a quem estiver por perto.
Joao Vasco:
ResponderEliminar"Se por hipótese tivesses um aquecimento lateral perfeito, o que iria acontecer é que a temperatura quente em baixo iria ter a mesma densidade que a temperatura quente em cima. Sem esta diferença de densidades não haveria razão para a água de baixo subir, e a de cima descer."
Sim, mas ao minimo desiquilibrio, minima vibração, pronto, tinhas a experiencia arruinada.
Ja percebi o que queres dizer. TA-se bem.
ÈEEEEEEEEEEEE!!! Tantos eruditos! A quntos graus ferve o Sá Pinto?
ResponderEliminarLudwig,
ResponderEliminarAgora que penso nisso, de facto a fase deve estar sempre presente porque a velocidade de translação do recipiente não é suficiente para se fazer notar.
Mas a ideia que tinha era a de que as microondas aqueciam as moléculas de água uniformemente na componente rotacional. Como a componente colisional mantinha-se uniforme uma vez que a água estava em equilíbrio térmico, a energia cinética média podia subir acima da necessária para a água ferver. Assim que moléculas suficientes colidissem entre si e dissipassem a energia da componente rotacional, apareceria de súbito uma distribuição mais uniforme de energia colisional, maior pressão e consequentemente as bolhas. Isso explicaria porque é que um simples toque no recipiente fazia a água ferver de repente, com bohas muito maiores que o habitual.
A presença de impurezas na água, como açúcar por exemplo, seria suficiente para interferir no aquecimento rotacional em fase e impedir o sobreaquecimento da água.
Se o bombardear de microondas não for uniforme, usando recipientes opacos a essa radiação que formam cáusticas, ou movendo o recipiente dentro do microondas, essas colisões são mais aleatórias e a água ferve rapidamente.
Outra solução seria mudar ligeiramente a frequência ou fase das microondas de tempos a tempos, arruinando a fase, para introduzir alguma agitação por via da conservação do momento angular das molécula em rotação.
Já agora só para ilustrar o post aqui fica o link para um vídeo de como ferver água (DUUUHHHH!)
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=kieGBkOdyMU
Uma curiosidade:
A escala de temperatura Celsius foi inicialmente definida pelo astrónomo suiço Anders Celsius em que os 0 ºC marcavam o ponto de ebulição da água e os 100 ºC o ponto de fusão, mais tarde a escala foi invertida.
Actualmente (desde 1954) a escala é definida por dois pontos:
O zero absoluto (−273,15 °C) e o ponto triplo da água (0,01 ºC)
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Celcius
Francisco,
ResponderEliminarA água líquida forma redes de pontes de hidrogénio (razão pela qual tem um ponto de ebulição relativamente alto, para moléculas tão pequenas) e tem uma densidade tal que me parece que as componentes da rotação e colisão ficam em equilíbrio em fracções de cagagésimo de segundo.
O açucar também não te safa porque, estando dissolvido, não "fura" a superfície para facilitar a formação de bolhas.
Tanto quanto sei, o problema é apenas que a àgua está suficientemente quente para vencer a pressão atmosférica mas, sem a ajudinha de alguma irregularidade não consegue vencer também a tensão superficial para expandir a bolha. Mas, se o fizer, esta força decai com o crescimento da bolha e a bolha cresce cada vez mais depressa até cozer as sobrancelhas do gajo que estava "então? isto não ferve?".
E uma onda de pressão é suficiente para isso?
ResponderEliminarÉ que de facto assim a minha explicação não serve.
ResponderEliminar«E uma onda de pressão é suficiente para isso?»
ResponderEliminarPode ser. Basta que localmente dê o empurrão que falta para a bolha começar a crescer. Não precisa de muito, porque assim que expande um pouco deixa de aguentar a pressão do vapor e puf.
A mudança de fase é facilitada pela presença de impurezas, irregularidades no recipiente, etc que servem de núcleos para ebulição, solidificação, etc. Se o aquecimento (ou arrefecimento) não for turbulento, se o líquido não contiver impurezas, se o recipiente tiver as paredes lisinhas, então a água pode ultrapassar os 100 graus e manter-se líquida (ou passar abaixo de 0 ºC e não formar gelo). Chamam-se estados metaestáveis, mas qualquer flutuação (pancada na parede da vasilha, que provoca ondas de pressão no líquido, despejar uma colher de nescafé na água, com os grãos de café a servirem de núcleos para ebulição) pode despoletar a súbita mudança de fase de grande parte do líquido.
ResponderEliminarDa série de vídeos "Is It A Good Idea To Microwave This?":
ResponderEliminarIs It A Good Idea To Microwave A Bottle Of Gin?
http://www.youtube.com/watch?v=7z-BU7VMq2Q
Is It A Good Idea To Microwave A Water Balloon?
http://www.youtube.com/watch?v=kY0xudwNRHA
Pontes de hidrogénio? Isso não é sobrenatural? O naturalismo diz que isso não existe. Alguem ja viu alguma?
ResponderEliminarDêem uma olhada aqui e expliquem-me se puderem a cena dos triangulos:
ResponderEliminarhttp://blog.criticanarede.com/2010/01/existe-um-paradoxo-com-as-teses-do.html?
João,
ResponderEliminarAo contrário do que parece, a aparente hipótenusa do triangulo formado pelas figuras todas não é uma linha recta mas tem um "canto" entre o azul e o encarnado.
Isto é fácil de ver se medires as proporções entre catetos em cada um destes triângulos: 3/8 é diferente de 2/5.
Dito de outra forma, com o trapézio (vermelho+amarelo+verde_claro) que está na figura de cima, precisarias de juntar um triângulo de altura 15/8, e não 2, para que a figura resultante fosse um triângulo.
ResponderEliminarDepois na figura de baixo, se tiveres em conta que o triângulo verde_escuro tem altura 15/8, então se deslocares 1/8 unidades de cada um dos quadrados da base do polígono verde_claro (5 quadrados) e da base do polígono amarelo (2 quadrados) para o "buraco", tal que estes ficam com altura 15/8, tapas o buraco (preenches uma quantidade 7*1/8) e continuas a ter um triângulo.
mas de onde saiu o livre arbítrio através de um truque de imagens ?
ResponderEliminareu ando burro ultimamente :(
Ja percebi. Um é concavo e o outro convexo. Levantado de modo a criar o buraquinho la em baixo.
ResponderEliminarObrigado. Não estava mesmo a fazer synapse como deve ser.
E em relação ao livre arbitrio estou de acordo contigo Ludwig. Por onde quer que se olhe determinismo ou não, o libre arbitrio é uma sensação, é apenas percepção. Mas uma que é alienavel. Lembro-me bem do teu post sobre isso e estou de acordo.
Ja que foram tão amistosos, desde que o Miguel Panão mostrou como somos todos deuses e que ninguem pode provar que isso é falso, há outra questão que me preocupa.
ResponderEliminarÉ possivel existir sequer omnipotencia sem quebrar a lógica?
Ora atentem na seguinte questão:
Pode Deus fazer um objecto tão solido que ele próprio não possa partir?
Se alguen pensar que isto não tem nada a ver com o post, tem. Eu é que não vou dizer porque.
João,
ResponderEliminarPode Deus fazer um objecto tão solido que ele próprio não possa partir?
Eu penso que isso é apenas um truque de argumentação, se existir um deus que tenha poderes ilimitados, não podem existir objectos que não podem ser partidos.
Se há uma força infinita não há objectos infinitamente resistente.
E vice versa.
É um problema de lógica e da forma como lidamos mal com os infinitos.
O problema é que como tudo se tem de passar num universo com as regras deste, não existe ( penso eu ) espaço a objectos infinitamente resistentes. Haverá sempre um limite , nem que seja o limite atómico, posso sempre pulverizar a matéria com anti-matéira, donc não há coisas indestrutíveis. Mas haverá aqui quem responda melhor.
Nuvens:
ResponderEliminar"Se há uma força infinita não há objectos infinitamente resistente"
Se não há objectos infinitamente resistentes, parece-me que então não há seres omnipotentes. Não os podem criar.
Para um ser omnipotente não podem existir coisas impossiveis. Se não não é omnipotente. (Assim já não estou a lidar com infinitos)
ResponderEliminar...Mas se ele não for capaz de criar uma coisa impossivel então tambe, não é omnipotente.
ResponderEliminar... Penso que como em outras coisas a hipotese Deus rompe com a lógica.
O que em termos "lucidos" significa que a hipotese DEus é uma hipotese ilógica.
Se é ilogico, é matematico. Se é matematico é prova.
ResponderEliminarDeus não existe.
QED
Um bom fim-de-semana para todos.
Sr. Ludwig, permita que me apresente: Vicente, professor de literatura. Confirmo a sua afirmação: como todos os professores de literatura, sei que a água ferve a 100ºC, conhecimento este do mesmo nível do seu conhecimento sobre a autoria dos Lusíadas (enfim, com um pouco de boa vontade, porque saber que Camões escreveu os Lusíadas equivale mais a saber distinguir os estados sólido, líquido e gasoso…). E, de facto, não faço ideia do que acontece às moléculas da água durante a fervura nem considero que esse conhecimento acrescente alguma coisa ao tipo de sabedoria que persigo. Mas – confesse lá – também não sabe quantos testemunhos apógrafos têm os Lusíadas nem sabe qual é o respectivo stemma codicum. Não sabendo isto e mais umas quantas coisas com cuja complexidade nós, os especialistas em literatura, não gostamos de sobrecarregar o público em geral, nunca saberá porque é que lê textos diferentes, todos igualmente atribuídos a Camões, se pegar em duas edições diferentes dos Lusíadas. Não tenho a arrogância de achar que o senhor devia saber estas coisas, porque nós, os especialistas em literatura, não achamos que a nossa área de especialização é mais importante do que qualquer outra área do saber. Mas há uma coisa que nós achamos. É que qualquer pessoa com pelo menos 6 anos de escolaridade devia saber escrever em português correcto e os seus posts revelam bem que os químicos discordam desta obrigatoriedade. É por isso que lemos “impressão que eu dei” em vez de “impressão de que eu dei”, “ideia que ser” em vez de “ideia de que ser”, “impressão que uma explicação” em vez de “impressão de que uma explicação” e, nos comentários e noutros posts, “àgua” em vez de “água”, “hipótenusa” em vez de “hipotenusa”, “para quem mais precisam” em vez de “para quem mais precisa”, “ideia que a miséria” em vez de “ideia de que a miséria”. Parece, portanto, que, além de pouco mais saberem sobre os Lusíadas do que a autoria, os químicos também não conhecem regras de acentuação nem regras de concordância em número nem o sistema de regências preposicionais da sua própria língua. Se passarmos então para os seus discípulos, como o comentador João (outro químico ?), lemos pérolas como “prespectiva”, “perspetiva”, “caiem” e “desiquilibrio”. Estou absolutamente esclarecido.
ResponderEliminarVicente:
ResponderEliminarPara alem de saber gramatica a potes tambem tem alguma coisa de geito para diser (ou vai ficar todo contente porque acabei de escrever "diser" ou por não ter posto o acento em "além" ou em "gramática"?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarVicente:
ResponderEliminar"Se passarmos então para os seus discípulos, como o comentador João (outro químico ?)"
Quais discipulos? Isso deve ser dor de cotovelo de ninguem lhe ligar nenhum não?
E não sou quimico. Sou veterinário.
Vicente,
ResponderEliminarAgradeço a primeira correcção, e concordo que é formalmente mais correcto escrever "impressão de que". No entanto, ficou-me ainda a dúvida do papel que esse "de" possa ter na frase, e uma norma que tento seguir quando escrevo é usar apenas as palavras que preciso para transmitir uma ideia com clareza. Como além disso me parece que muita gente escreve "impressão que", aguardo que tenha a paciência de explicar qual será a desvantagem de deixarmos esta língua evoluir nessa direcção.
Quanto às correcções ortográficas que aponta aos comentários, presumo que seja por falta de experiência de escrita num meio imediato como este, que é essencialmente falar com o teclado. Nesse contexto, apontar erros ortográficos é o equivalente a contar quantas vezes alguém diz "er..." quando fala ou corrigir-lhe a dicção. Julgo que não o faz regularmente quando conversa com estranhos...
A importância do conhecimento por si é puramente subjectiva. Uns dão mais importância a saber umas coisas, outros preferem saber outras. O problema que apontei é haver uma noção de "ser culto", de longa tradição, segundo a qual a compreensão de fenómenos mundanos é menos importante que a memorização de factos obscuros. E isto é um problema porque a compreensão de fenómenos como a fervura tem um valor instrumental além de também valer por si enquanto conhecimento.
O valor intrínseco de saber termodinâmica é o mesmo de saber quantos testemunhos apógrafos tem Os Lusíadas (julgo que aqui é mais correcto usar o singular, visto tratar-se de apógrafos de uma obra e não de um conjunto de lusíadas). Mas o valor instrumental da termodinâmica, pelas suas aplicações tecnológicas, é consideravelmente maior. Por isso penso não ser arrogância apontar o erro de considerar que ler Os Lusíadas nos torna mais cultos que aprender termodinâmica.
Mais arrogante pode ser essa ideia do "português correcto". Se por correcto quer dizer que cumpre a função de transmitir ideias com clareza, concordo que é desejável. Mas se por correcto quer dizer que se conforma a regras que um grupo de linguistas inferiram da forma como a língua se usava no seu tempo e que, eventualmente, acabam por substituir por outras quando vêem que já ninguém lhes liga, penso que está ao nível da arrogância de assinar tratados a especificar como devemos escrever.
Caro vicente
ResponderEliminaras áreas do saber não são todas iguais. Isto você admite. Mas vou mais longe: as áreas do saber não têm todas o mesmo valor. Há por exemplo o saber masturbatório, volátil e vago, isto é, do homem sobre o homem e acerca de coisas que o homem inventa - como é o caso da literatura - e, o outro saber, do homem sobre a natureza, algo mais bem definido e mais perene. Repare, por exemplo, você está a usar um computador e toda a literatura que é precisa para isso (isto é, para construir o computador) é saber ler e escrever, isto é, entender e dar-se a entender. Está a perceber?
Temos o sujeito A que é cientista e o sujeito B que é não-cientista (pode ser "cientista" social, ou outro sortido das humanidades). Qual dos sujeitos terá de percorrer um caminho mais longo para compreender o domínio do outro?
Mais, sabe distinguir entre saber enciclopédico e saber operacional? Se me dissesse que você sabia fazer um algoritmo que, pegando num texto qualquer, fosse capaz de extrair o número de "testemunhos apógrafos" (o que quer que isso seja), isso era de valor. Agora, saber quantos são os testemunhos apógrafos da obra A?! Isso está tabulado pá, é só ir ver! Portanto, você deve achar que um cientista é o gajo que sabe todas as constantes fundamentais de memória! Não deixa de ser cómico.
E quando o Camões for para o esquecimento, e a literatura que é actualmente estudada for substituida por outra?! Vai admitir a inutilidade desse tal saber, não acha?! O mesmo aconteceria a um cientista se a natureza fosse uma questão de moda, de invenção humana.
O mais triste, e isto custanos a todos, é que Camões nem era assim um grande escritor. Nunca encontrei uma lista dos melhores do mundo que o inclui-se.
ResponderEliminarMas de facto o Sr. Vinssete confunde a lingua, que é uma convenção local, com algo que é igual em todo o mundo e intemporal.
A termodinamica é das areas cientificas mais abranjentes. É do mais fundamental que se sabe do universo.
Caro Vicente,
ResponderEliminarQuando refere que: «[...] água ferve a 100ºC», deveria ter colocado um espaço entre "100" e "ºC".
Ludwig,
ResponderEliminarDepois do texto reeditado com as preposições no sítio ficou muito mais claro e digo-lhe em seguida porquê. Antes, tenho de notar que, apesar de a língua ser um “corpo” sempre em evolução e, portanto, sujeito a mudanças que a vão alterando ao longo dos tempos, nunca evolui porque uma pessoa acha que dizendo de outra maneira fica mais claro. Se todos usássemos a língua como a cada um ela parece mais clara, vivíamos numa torre de Babel e ninguém se entendia. Para evitar isso é que existem normas linguísticas que todos devemos esforçar-nos por seguir. O facto de haver gente que escreve “impressão que” não significa que podemos todos fazer o mesmo. A verdade é que, de há uns anos para cá, se verificou uma tendência (provavelmente influenciada pelo português do Brasil) de as pessoas usarem a preposição “de” em contextos onde ela não se usa (“chamar alguém de esperto” ou o muito famoso “penso eu de que”). Numa reacção hipercorrectiva, outras pessoas, que inconscientemente não querem ser associadas ao estigma a que esse erro foi sujeito (com sátiras televisivas e tudo), comete o erro oposto, que é tirar a preposição do sítio onde ela pertence. Agora porque é que o seu texto fica menos claro com erros: quando ouvimos ou lemos processamos a informação que estamos a receber tanto mais depressa quanto mais depressa identificarmos os signos através dos quais ela chega até nós. Se estivermos sempre a parar na leitura para gerirmos a nossa estranheza relativamente aos signos que transmitem a informação, estamos constantemente a interromper a comunicação para olharmos para o canal e verificarmos se ele está em condições antes de prosseguirmos. A informação chega-nos aos tropeções. Com certeza já experimentou essa sensação quando lê um livro numa língua estrangeira que não domina tão perfeitamente como a sua língua materna. Lê mais devagar e, resolvido o escolho, tem de voltar atrás para retomar o fio à informação.
....
ResponderEliminarQuanto à noção de ser culto, a qual “de longa tradição” dá menos importância à compreensão de fenómenos “mundanos” (mundanos tem uma acepção de uso que a relaciona com as vivências sociais superficiais mas percebi o que queria dizer) do que à memorização de “factos obscuros”. Esses factos, claro, só são obscuros para si. Não posso imaginar de que modo é que saber o que acontece às moléculas da água durante a fervura pode ter, para mim, valor instrumental. Toda a vida fervi água sem o saber e continuarei a fervê-la do mesmo modo. O que é instrumental, para mim, é o facto de a água ferver, não o que acontece às moléculas. Quanto a valer por si enquanto conhecimento, o mesmo se pode dizer de tudo aquilo que é passível de ser conhecido. Quanto aos Lusíadas, entre muitas outras coisas, são também uma das obra que, no seu tempo, integraram os mais recentes e avançados conhecimentos científicos numa visão global do mundo natural e da relação do Homem com ele. Só por isso deviam merecer o respeito dos cientistas (e merecem normalmente e felizmente). E aqui chegamos a outra questão, que é a origem da tal “longa tradição”. É que foram sempre as ciências humanas que cumpriram a função de desligar as ciências naturais da sua funcionalidade meramente instrumental (a que conduz à sua aplicação prática produzindo tecnologia) e integrar os seus conhecimentos em sistemas coerentes de pensamento sobre o Homem e sobre o mundo. E é isso que produz o verdadeiro conhecimento, aquele que fica depois de as tecnologias terem sido ultrapassadas por outras. Certamente sabe que a ideia do valor universal e intemporal do conhecimento científico natural é um mito. Ptolomeu dizia que o sol girava à volta da Terra e era o que de mais cientificamente avançado havia no seu tempo mas afinal não tinha razão. O Egas Moniz ganhou um Nobel descobrir que a leucotomia curava os esquizofrénicos e afinal hoje já ninguém concorda. A cafeína ainda há pouco tempo era proibida aos cardíacos e hoje é-lhes recomendada. A cocaína era usada pelos médicos, no princípio do séc.XX, para tratar todo o tipo de doenças, incluindo os soluços dos bebés. Os exemplos poderiam multiplicar-se. E se quiséssemos fazer uma lista das tecnologias que já passaram à história, receio que ficássemos aqui muitas horas. O que ficou de tudo isso não foi o seu valor intrínseco, porque só o tiveram temporariamente. O que ficou foi a História de tudo isso, que nos ensina quem fomos, quem somos e como devemos ser mais humildes perante o nosso próprio conhecimento. E, claro, quem nos diz tudo isso, são as ciências humanas, como não podia deixar de ser.
Errata: onde se lê "Nobel descobrir" leia-se "Nobel por descobrir".
ResponderEliminarVicente,
ResponderEliminarConcordo que a leitura é tão mais fácil quão mais próximo o que está escrito estiver do que esperamos. Por isso concordo que é útil haver regras. No entanto, se as expectativas da maioria diferirem da regra é melhor mudar de regra. Ou seja, a regra deve ser primeiramente descritiva do uso da linguagem e prescritiva apenas por nos indicar o que a maioria espera ver escrito.
Quanto ao mito do «valor universal e intemporal do conhecimento científico natural» eu penso que importa distinguir o mero listar de factos observados e a explicação dos factos. O primeiro produz algo que, a menos de algum erro, é intemporal. O autor de Os Lusíadas, o ano de nascimento de um rei ou as datas de eclipses nos últimos 100 anos, por exemplo.
Mas um modelo que explique os dados e do qual se possa inferir novas observações é muito mais frágil. Precisa de ser aperfeiçoado com nova informação e pode mesmo ter de ser substituído. É aí que penso que se acentua a diferença entre as humanidades e a ciência. É esta a diferença que referi entre compreender fenómenos e saber factos obscuros, no sentido de desligados de uma explicação que os esclareça.
Saber «quantos testemunhos apógrafos têm os Lusíadas» ou «qual é o respectivo stemma codicum» é conhecer factos. A compreensão estaria nos modelos de análise aos quais recorre a estemática, na forma como podem ser validados e no suporte que têm em evidências. Isto seria conhecimento científico. Assumindo, é claro, que estes modelos podem ser testados de forma objectiva e não são apenas fruto de argumentação subjectiva e ad hoc. Mas, se são de aplicação geral e testáveis vão inevitavelmente ter de ser sujeitos a alterações e correcções. O texto pode ter quase quinhentos anos, mas certamente que a metodologia de análise mudou muito nesse tempo.
Que o Sol é uma estrela é tão intemporal como Camões ter escrito os Lusíadas. Mas a ciência vai mais além. Dá-nos modelos que descrevem como o Sol se formou, que explicam porque a Terra o orbita e assim por diante. E para fazer isso o período de tentativa e erro é muito mais longo.
Escreve o Vicente que «foram sempre as ciências humanas que cumpriram a função de desligar as ciências naturais da sua funcionalidade meramente instrumental (a que conduz à sua aplicação prática produzindo tecnologia) e integrar os seus conhecimentos em sistemas coerentes de pensamento sobre o Homem e sobre o mundo.» Discordo.
Tive pouca, mas alguma, experiência com as interpretações humanísticas de disciplinas científicas que me interessam. Por exemplo, as interpretações teológicas da teoria da evolução ou da neuropsicologia. E o que tenho visto é que essa integração em "sistemas coerentes de pensamento" consiste em escolher alguns elementos da teoria, percebê-los de forma errada, ignorar o resto e dar uma ideia completamente incorrecta daquilo que a ciência diz e daquilo que a realidade é.
Mas admito que possa estar enganado. Por isso pedia-lhe que desse um exemplo de como as humanidades pegaram numa teoria científica moderna e a tornaram em "verdadeiro conhecimento". E espero que não mencione Teillard de Chardin...
João,
ResponderEliminar"O mais triste, e isto custanos a todos, é que Camões nem era assim um grande escritor. Nunca encontrei uma lista dos melhores do mundo que o inclui-se."
Isto é uma piada?! É para os apanhados? Onde é que está a câmara?
Ligeiramente ao lado da discussão, e partilhando com o Vicente apenas a mais superficial concordância com o lamentar de tantos erros desnecessários e mesmo puerilmente intencionais (não da parte do Ludwig), gostava de referir o facto anedótico (mas, penso, nem por isso não-representativo) de que na minha Faculdade de Ciências de Lisboa estudantes e mesmo alguns professores mantêm (ou mantinham, no meu tempo) um excelente grupo de teatro, uma coluna de poesia e alguma literatura curta nos órgãos de AE (revista e jornal), e que eram (são?) frequentes exposições e palestras sobre temas culturais organizados pela faculdade, com grande adesão.
ResponderEliminarIsto seria equivalente a grupos de observadores de aves ou de astrónomos amadores em faculdades de Letras ou Belas Artes. Há algum?
Pessoalmente tenho tanta pena de não saber mais Biologia como de não conhecer bem as peças de Shakespeare. Se saber mais Ciência me aproxima da compreensão do mundo em que vivo, conhecer mais das Humanidades ou da Arte aproximam-me mais das experiências de outras pessoas.
ResponderEliminarPara mim o bom do conhecimento é o aprender. A epifania de ligar pontas soltas e construir estruturas abstractas que nos dão uma perspectiva que é abrangente e maior que a soma das partes. Há coisas novas para aprender em toda a parte e todas elas nos são úteis de uma maneira ou de outra.
vicente,
ResponderEliminar"Certamente sabe que a ideia do valor universal e intemporal do conhecimento científico natural é um mito."
É um mito nos corredores das universidades da banha da cobra, aka humanidades. Mas o facto é que carregam na porra do botão e o computador liga-se. Valha-me deus. Quantos professores de humanidades seriam precisos para, por exemplo, criar um computador?! Valha-me deus.
Os exemplos que elenca são de áreas científicas menos exactas, isto é, que tratam fenómenos que são (i) complicados de definir, (ii) isolar experimentalmente e (iii) envolvem sistemas com um grande número de variáveis.
Por exemplo, na área das ciências médicas há a dificuldade de definir de forma mensurável o que é "fazer bem à saúde". Dir-se-á que é o que prolonga a longevidade. Mas isso é difícil de medir localmente, é preciso esperar que a pessoa morra e, idealmente, monotorizá-la ao longo do seu percurso de vida de tal modo que se sabe com suficientemente detalhe as configurações, e a sua evolução temporal, respeitantes a cada uma das pessoas do grupo de estudo. Por exemplo, é preciso isolar o efeito de uma pessoa ter ido à consulta no dia X e ter sido recebida por um médico Y que lhe receitou um medicamento Z, e comparar com uma pessoa que, partindo de uma mesma configuração inicial, foi atendida por um médico A que lhe receitou o medicamento B.
Ciência exacta é, por exemplo, aquilo que permite dizer que você tem a perna partida e distinguir isso de um mero deslocamento sem ser necessário abrir-lhe a perna com um bisturi. Ou seja, todos os aparelhos que as ciências médicas usam no seu dia-a-dia como aparelhos de diagnóstico, são transferências de ciência exacta. Isso não surgiu espontaneamente! Nem sequer consta que foram uns professores de humanidades a contribuírem para o seu surgimento!
"Ptolomeu dizia que o sol girava à volta da Terra e era o que de mais cientificamente avançado havia no seu tempo mas afinal não tinha razão."
Tem de estudar mais um bocadinho de história da ciência. Tem a noção que se refere à idade pedra da ciência?! Declarar um facto não é ciência, ciência é a explicação para o facto que se declara acompanhado da verificação experimental que permite dizer que o facto é verdadeiro. Tanto assim é que eu posso dizer que o calhau X orbita o calhau Y, mas se eu chamar a X aquilo que com um telescópio vejo ser o que é orbitado por Y, então a afirmação está errada. Mas basta-me trocar X por Y, para tudo ficar bem. Isto não é ciência! Ciência é observar que corpos orbitam em torno de outros, e explicar porquê. Depois, numa segunda fase, explicar porque razão o calhau Y orbita o X e não o contrário, e assim por diante.
Porque não deu o exemplo do Isaac Newton? Sabe que toda a teoria da gravitação do Newton continua a ser o que é importante para meter um satélite em órbita? A teoria clássica da gravitação continua e irá continuar a ser uma teoria boa para regimes de baixa energia, apesar de hoje se saber que não é a teoria completa da gravitação, mas sim apenas um limite efectivo da teoria completa. E aparentemente vai continuar a ser assim, isto é, há sempre uma teoria mais fundamental da qual o que se sabe hoje é um subcaso.
"João,
ResponderEliminar"O mais triste, e isto custanos a todos, é que Camões nem era assim um grande escritor. Nunca encontrei uma lista dos melhores do mundo que o inclui-se."
Isto é uma piada?! É para os apanhados? Onde é que está a câmara?"
Para dizer que o Camões era bom é preciso primeiro definir o que é bom. Como acho que o consenso será difícil, é melhor deixar a coisa por "nim". Nestes assuntos da banha da cobra artística, já se sabe que não há opiniões independentes. Por alguma razão é que a grande cultura é uma grande cultura para quem diz que é, ou seja, é um bocado como limpar o próprio cu. A grande cultura europeia é uma grande cultura para quem? Isso mesmo, para os europeus, lá está.
O que custa é haver quem subsidie estes limpadores do próprio cu. Sim, gostava que se eliminassem as universidades públicas de humanidades.
vicente, só mais uma. Você diz
ResponderEliminar"quando ouvimos ou lemos processamos a informação que estamos a receber tanto mais depressa quanto mais depressa identificarmos os signos através dos quais ela chega até nós. Se estivermos sempre a parar na leitura para gerirmos a nossa estranheza relativamente aos signos que transmitem a informação, estamos constantemente a interromper a comunicação para olharmos para o canal e verificarmos se ele está em condições antes de prosseguirmos. A informação chega-nos aos tropeções. Com certeza já experimentou essa sensação quando lê um livro numa língua estrangeira que não domina tão perfeitamente como a sua língua materna. Lê mais devagar e, resolvido o escolho, tem de voltar atrás para retomar o fio à informação."
Sendo assim, sugiro-lhe que comece a escrever melhor, porque tive de interromper várias vezes o fio à meada para perceber o que você estava a dizer nos dois lençóis contínuos de texto com pontuações soluçadas. No final concluí que quando dizia alguma coisa mostrava ignorância e quando não mostrava ignorância também não dizia nada. Recomendo-lhe assim que se sinta livre para introduzir ligeiras mutações simbólicas e concentre-se no conteúdo, se faz favor, se não for pedir de mais.
Tuvalkin e Francisco,
ResponderEliminarConcordo que o conhecimento, mesmo que não tenha uma aplicação prática imediata, tem valor e que vale a pena procurarmos que seja abrangente. Para complementar o que o Tuvalkin escreveu, deixo como exemplo a biblioteca da FCT. Eu próprio já fiz várias disciplinas do mestrado em filosofia na FCSH, se bem que não preveja ter tempo de o acabar em breve.
E penso que há coisas nas humanidades que têm aplicação prática, principalmente na ética e política, e essas interessam-me também por isso.
Por outro lado, nas humanidades há muitas actividades que, por dispensar qualquer validação objectiva dos seus métodos, se tornam essencialmente treta. Essa é uma grande diferença entre os dois lados. Muito que em ciência seria apontado como disparate nas humanidades é apelidado de "corrente de pensamento" ou algo do género.
Mas o que eu queria salientar aqui era a assimetria injustificada no valor que tradicionalmente se dá a estas coisas. O Vicente, por exemplo, acusa-me implicitamente de arrogância mas é ele que diz que são as humanidades que pegam na ciência e tornam-na em verdadeiro conhecimento. Curiosamente, logo a seguir a dizer que perceber termodinâmica não lhe serve para nada. Será que podem tornar a termodinâmica em "verdadeiro conhecimento" sem fazer ideia do que se trata? Pelo que tenho visto, é mesmo essa a abordagem, mas é pouco fiável...
Ludwig,
ResponderEliminarComo já lhe tinha sugerido acima, a ideia de que a maioria das pessoas omite a preposição é só uma impressão sua. Ou tem levantamento de dados e estatísticas que suportem essa ideia? Só sabemos que há pessoas que põem a preposição no sítio certo, as que a põem a mais e as que a põem a menos. Não conhecemos números.
A estemática é uma secção de uma disciplina mais vasta, chamada Crítica Textual (não confundir com crítica literária, que é outra coisa) que está para os textos assim como a Arqueologia está para os vestígios materiais de sociedades desaparecidas. Suponho que não regateia à Arqueologia o estatuto de ciência, uma vez que ela lida com objectos materiais, que estuda usando métodos científicos e que interpreta para reconstituir factos, ideias, sistemas culturais. O mesmo faz a Crítica Textual, que toma como objecto a materialidade dos textos, usando várias disciplinas (codicologia, paleografia, estemática, linguística, etc.) para reconstituir textos, ideias e sistemas culturais. Hoje em dia relaciona-se cada vez mais de perto com a neurologia e a psicologia cognitiva e até tem aplicação em coisas que qualquer um reconhece como úteis, por exemplo na criminologia. E sim, a Crítica Textual constrói modelos que podem explicar os mecanismos que presidem à produção de enunciados através da escrita. E não se aplica só a textos literários mas a qualquer tipo de texto. Que interesse é que isso tem? Suponho que um darwinista tem interesse em conhecer o pensamento de Darwin, não? Pois é graças à Crítica Textual que poderá cada vez inteirar-se melhor desse pensamento. Veja aqui: http://www.darwinproject.ac.uk/content/view/15/108/.
Mas a literatura não é só um tipo de produção humana que se pode estudar materialmente. É, antes de mais, uma arte, como a música, o teatro, a pintura, o cinema. Sei que gosta, pelo menos, de música e cinema. E embora eu saiba que os cientistas têm um grande respeito pela música porque ela pode ser traduzida por um modelo matemático, a verdade é que, quando ouve uma boa peça musical, não está a pensar em modelos matemáticos mas apenas a fruir estética e emocionalmente os efeitos da música em si. Porque o Homem não se alimenta apenas dos benefícios que a tecnologia lhe pode proporcionar. Vive também da comunicação com os outros e das emoções que pode fruir ou exprimir. Essa é mesmo uma das suas necessidades básicas e fá-lo através da arte. A ficção (contar histórias e ouvir contar histórias) sempre foi uma necessidade do ser humano e é por isso que nos agrada ir ao cinema. A literatura responde a essa necessidade e os estudos literários (repare que não lhes estou a chamar ciência literária, porque não o são nem pretendem ser, sem que isso diminua alguma coisa da sua importância social) explicam como e porquê.
Quanto à sua última pergunta, lá em cima (“E espero que não mencione Teillard de Chardin”), caramba, a teologia ?!?! Esse é um exemplo falacioso. A teologia não é mais do que um encadeamento argumentativo que inverte completamente o método científico. Primeiro tira as conclusões e depois esforça-se por prová-las. Não conheço nenhuma universidade laica que a tenha nos seus currículos. Um exemplo mais justo seria o trabalho do filósofo Viriato Soromenho Marques.
Acho muito interessante que tenha procurado um mestrado em Filosofia. Porquê, se a ciência chega para explicar tudo?
Vicente,
ResponderEliminarNão tenho dados fiáveis, apenas uma pesquisa no Google. Por isso mesmo decidi seguir a regra e corrigir o post. O meu ponto era acerca da sua indicação que se devia exigir uma escrita em "português correcto". Sem dados estatísticos fiáveis acerca de como os portugueses escrevem parece-me difícil definir o que é o português correcto.
Quanto à análise dos textos, não disputo o carácter científico de algumas abordagens que assentam em modelos concretos, detalhados e testáveis. O problema surge quando se entra no tal aspecto artístico que menciona. Aí estamos a falar mais de gosto que de conhecimento.
Mesmo assim, gostos podem-se discutir, partilhar e até mudar face a uma forma diferente de ver algo que nos persuada a aprecia-lo de outra maneira. Podemos debater valores e avaliar a consistência daqueles que defendemos, e tenho um interesse particular pela ética por isso. Daí a minha tentativa de fazer um mestrado nessa área.
Mas volto ao problema que apontei inicialmente. É tradição que uma pessoa não é culta se não souber algo de história, literatura, nomes de pintores famosos e algumas datas. Mas pode ser culta sem compreender nada acerca da realidade que se estende além do que vamos inventando. É como se os modelos que temos do funcionamento do universo não fossem cultura mas mera técnica ou um "tipo de sabedoria" menos importante.
Não é que eu considere algo como a ética, por exemplo, menos importante que a ciência. Pessoalmente, ambas me interessam, se bem que por motivos profissionais dedique muito mais à última. Mas quando defendem que escrever "português correcto" é uma obrigação mas que é opcional compreender o mínimo acerca de processos naturais como a água ferver sinto que estão a pôr a mera memorização de convenções arbitrárias à frente da capacidade para compreender a realidade. E isso, parece-me, reflecte-se na credulidade excessiva que vemos na nossa sociedade. Muita gente dá mais valor ao que é escrito com palavras caras, termos obscuros e algum latim pelo meio mas esquece-se de exigir que faça sentido sentido...
Finalmente, quanto ao filósofo que mencionou, parece-me interessante mas não encontrei nada nos artigos dele que sugerisse aquilo que mencionou, das humanidades pegarem na ciência para a tornar em verdadeiro conhecimento. Por isso volto a pedir um exemplo concreto de um modelo científico moderno que tenha passado a ser verdadeiro conhecimento por este processo. Porque me parece que um modelo científico já é conhecimento do mais verdadeiro que se pode realisticamente esperar para qualquer pessoa que o compreenda. Sei que há outras áreas que aparentam mais fiabilidade, mas isso é apenas porque não testam os seus modelos.
Ludwig:
ResponderEliminarÉ comum a considerar-se a filosofia como pertencente ao campo das humanidades, e a epistemologia é parte da filosofia. Eu suponho que isto poderia fundamentar a pretensão do Vicente de que seriam as ciências humanas a separar o trigo do joio no que diz respeito à ciência natural.
Na verdade, creio que isso é um erro. Em teoria faz sentido, mas na prática, no geral, não foi assim que aconteceu. Quase como se os cientistas envolvidos no desbravar do conhecimento tivessem uma noção intuitiva do fundamental da epistemologia. Ou como se a estrutura que criaram na prática tenha muitas vezes privilegiado os modelos melhor fundamentados..
Vicente:
Na verdade isto pareceu-me um pouco uma discussão de surdos. Se não considerarmos os erros ortográficos, foi como se cada um dissesse "a minha área é importante", mesmo sem discordar que a outra também o é.
Claro que a literatura, a arte, as ciências humanas, as ciências naturais e tudo o mais têm importância, e apesar de toda esta discussão não me parece que haja grande discordância quanto a isto.
Mas o desabafo do Ludwig tem razão de ser. É verdade que o conhecimento que alguém aprenda num primeiro ano da licenciatura de história, sociologia, ou belas artes é conhecimento que, numa conversa de circunstância, num convívio social normal, é encarada de forma positiva, como sinal de sofisticação e cultura - e ainda bem! Mas o mesmo não acontece no que diz respeito à informação obtida no primeiro ano de um curso de ciências naturais, parece-me.
Pior, os conhecimentos de humanidade que se obtêm até ao 12º ano na área científica não são suficientes para que um cientista possa ser visto como culto (não terá aprendido quem foi Brecht, Kafka, Tolstoi, Dostoievski, Max Webber, Levi Stauss, etc..). Novamente, ainda bem.
O mesmo não acontece em relação às ciências naturais: qualquer individuo de humanidades que saiba aquilo que terá aprendido na escola saberá o suficiente para não fazer, aos olhos de ninguém (certamente não aos meus) figura de ignorante.
E esta assimetria é, a meu ver, justificadamente lamentável. Pelo que subscrevo o desabafo do Ludwig. E postas assim as coisas, creio que o Vicente até poderá concordar.
-- Da virtude preposicional de de --
ResponderEliminarConcordo em parte com o Vicente, há um lugar importante para o rigor formal da língua que falamos. Por outro lado, discordo do Vicente porque esse lugar não é a caixa de comentários de um blogue em que as pessoas se exprimem quase ao ritmo da oralidade. Isto não é o mesmo que a declinação terrorista da língua para o SMS, nem vejo porque há-de merecer uma reprovação tão insuflada. Trata-se apenas de uma adaptação a um meio de comunicação novo, em que o falante atira os seus pensamentos para o teclado atravancado entre o português escrito - cujas regras todos conhecem, descansem portanto os cultores da língua - e a pressa de falar no tempo breve de um diálogo, não da troca epistolar. Por isso acho até um pouco patético fazer adendas como
«Errata: onde se lê "Nobel descobrir" leia-se "Nobel por descobrir".»
Há outros sinais evidentes de que o repentismo dos comentários beneficia naturalmente de uma certa distensão e um bom exemplo é o das "vírgulas a mais". Uma opinião abençoada e elegantissimamente virgulada tem aqui um efeito de formalismo gargarejante muito diferente do habitual e contrário ao propósito da comunicação limpa. Claro que as regras são as mesmas do bom e velho português, mas o ritmo altera o conjunto de prioridades e não há muito que valha a pena fazer para o contrariar. Pessoalmente, nem sempre tenho a preocupação de corrigir os erros de português que não daria noutras circunstâncias.
Com um par de aninhos de blogosfera leio, escrevo e aceito os mesmos atropelos que aceito quando converso com alguém, ou até mais alguns... aqui acontece-me com frequência voltar atrás com o cursor para reformular uma frase e deixar pelo meio uma ou outra concordância, esquecer um de antes de um que, ou pressentir que um de antes de um que cheira a preciosismo para muitos que abdicam dele. Mesmo sem estatísticas, tenho a mesma percepção do Ludwig. A "ideia de que" está cada vez mais contraída na "ideia que". O que é que isto tem a ver com o post é que ainda não percebi muito bem.
NOTA para o Jairo:
Aquela correcção do "interviu" deveu-se apenas à sua insistência no erro e ao facto de o Jairo ser uma grande secca. Fique claro que não estou armado em palmatória.
«O mesmo não acontece em relação às ciências naturais: qualquer individuo de humanidades que saiba aquilo que terá aprendido na escola saberá o suficiente para não fazer, aos olhos de ninguém (certamente não aos meus) figura de ignorante.»
ResponderEliminarPois... Nunca conheci ninguém que tivesse orgulho em não saber nada de História ou de Literatura. Mas lembro-me de vários casos de pessoas cujo desprezo pela Matemática se fazia notar ao dizerem que não sabiam nada do assunto e nem queriam saber...
Por cordialidade está-se a tentar branquear a introdução snobsish que o nosso amigo vicente resolveu fazer. Acho mal. Fique registado que há quem dê valor nulo (senão mesmo negativo) ao que você faz e, genericamente, ao que se faz nessas faculdades de humanidades que pululam por vários cantos e produzem verdadeiros incompetentes que vivem na pré-história do conhecimento. Incompetentes esses que, não poucas vezes, estão ligados a esse "maravilhoso" mundo new-age, a única forma que arranjam para evitar o desemprego a que um ignorante funcional está condenado. Outros arrastam-se numa carreira académica, com fundos provenientes de ..., para produzir vacuidades que servem para ... quem goste de olhar para elas, ou então como arma de arremesso e de persuasão snobish.
ResponderEliminarDever-se-ia fazer a estas faculdades o análogo daquilo que os Khmers Vermelhos fizeram às auto-denominadas elites intelectuais, mas sem a parte do assassínio: corte orçamental absoluto.
Ludwig,
ResponderEliminarAo seu primeiro parágrafo julgo já ter respondido. Mas deixemos as preposições de lado, que são fruto da minha indignação quando li o seu post.
Quanto ao “aspecto artístico”. Não é só uma questão de gosto mas mesmo que seja o gosto a estar em causa, o gosto também pode estudar-se. Pode explicar-se porque se considera que é de bom ou de mau gosto. Claro que as hipóteses explicativas não são mensuráveis em laboratório. Mas a construção de uma obra de arte pode ser vista como um artefacto, em que foram usados certos ingredientes sujeitos a certos processos para produzir certos efeitos. É muito menos subjectivo do que normalmente as pessoas pensam, porque não se aprende no Ensino Secundário. O conhecimento sobre os efeitos que produzem os processos usados sobre certos materiais é conhecimento e tem tanta utilidade social que existe toda uma actividade económica envolvida nisso (produtoras, editoras, etc.)
Faço uma vénia à elevação (e elegância) do seu diálogo, por isso vamos agora aos pontos de convergência. Não considero que uma pessoa que saiba muito de literatura e artes mas não saiba nada de ciência seja uma pessoa mais culta do que outra que esteja na situação oposta. E, se é verdade que a água a ferver não me desperta grande interesse, tenho o maior interesse por outras áreas da ciência, sobretudo as mais especificamente chamadas “naturais”: a biologia, a geologia, a neurologia e até a astronomia. Admito que a termodinâmica possa também ser interessante e que dela possa colher elementos importantes para o conhecimento que persigo, mas se me diz que tenho de ir ler um manual de termodinâmica perco já o interesse. Não preciso de lê-lo para perceber quão complexa e digna de respeito científico é a matéria. Parto desse princípio. Como não sou nem pretendo ser especialista dessa área, interessam-me sobretudo as conclusões e os princípios gerais que possa vir a integrar no meu conhecimento global, relacionando-os com outros de outras áreas. E essa é tarefa dos especialistas em termodinâmica: a divulgação científica, que hoje é coisa muito valorizada pela FCT, que financia a investigação (como deve saber tão bem como eu). É óbvio que os modelos que temos do funcionamento do universo não só são cultura como não estão desligados de nenhum outro tipo de cultura. Mas como já passámos a fase em que a ciência, a filosofia e a literatura podiam estar reunidas na mesma pessoa – a enorme especialização dos saberes já não o permite – é responsabilidade dos vários tipos de “sabedores” actuais falarem uns com os outros em vez de se queixarem, cada um para seu lado, de que os outros não os conhecem. Neste momento está em curso na Universidade de Lisboa o projecto de uma licenciatura comum a Letras (onde estão as Humanidades) e a Ciências. Esperemos que seja aprovada. A iniciativa foi de Letras, não foi de Ciências, embora a ideia tenha sido prontamente acolhida nessa Faculdade. Na mesma universidade existe também um mestrado de parceria entre Linguística e Medicina, já para não falar na área da linguística computacional, que já é antiga. Penso que isto responde a um comentário que alguém fez lá em cima sobre não haver nas Humanidades iniciativas de aproximação às ciências. Há cada vez mais.
Por fim, ainda sobre a ideia de ser ou não “culto”. Só o mau jornalismo é que veicula a ideia de que, para ser culto, basta saber o nome de uns quantos autores e umas datas. Só os tontos é que se deixam enganar por esses “sinais” de cultura. Sim, são muitos, bem sei. Mas não é o caso dos verdadeiros especialistas (académicos, entenda-se, descontando embora alguns que já deviam ter mudado de vida, se me permite o desabafo).
Brucella:
ResponderEliminar"NOTA para o Jairo:
Aquela correcção do "interviu" deveu-se apenas à sua insistência no erro e ao facto de o Jairo ser uma grande secca. Fique claro que não estou armado em palmatória."
Eu sei, estavas fartinho. Mas eu agradeci-te!
Não percebi essa nota, o que queres dizer com "grande seca"?
Para além da discussão sobre quem é culto ou não e porquê, que me parece pouco relevante, há um aspecto mais importantante a considerar que é a «utilidade» das Humanidades. Defendo que se, por exemplo, os políticos e gestores nossos e outros tivessem pelo menos conhecimentos básicos de História, este seria um mundo melhor. Não sei se o mesmo se aplica ao conhecimento de como ferve a água - apesar de ter achado muito interessante e considerar que já aprendi mais alguma coisa (espero, pois não é impossível que o volte a esquecer: a idade não perdoa ;-)
ResponderEliminarCristy,
ResponderEliminarNão podia estar mais de acordo!
Infelizmente ainda prevalece no espírito de muita gente a ideia de que saber História é só conhecer uma sucessão de datas, nomes e uma ou outra história pitoresca.
Vicente,
ResponderEliminarO meu desabafo no post não era dirigido a si nem a ninguém em particular, mas a uma situação generalizada. Como o João Vasco e o Francisco mencionaram, no convívio social a resposta ao conhecimento de literatura ou história é diferente, em média, da resposta ao conhecimento da física ou biologia molecular. Resumindo, é a diferença entre ser culto e ser geek.
Mas pondo também isso de parte, já que concordamos em quase tudo e estamos em risco de ficar sem desculpa para continuar a conversa queria focar dois pontos específicos que o Vicente levantou.
Um é que o interesse em compreender fenómenos físicos é subjectivo mas a capacidade de escrever o português correcto devia ser exigida a qualquer pessoa com a escolaridade mínima. Como professor, incomoda-me avaliar trabalhos escritos em mau português. Mas prefiro ideias claras com erros de sintaxe e ortografia a ideias confusas ou aldrabadas em português correcto. Por isso, para mim, era melhor dar prioridade ao pensamento claro e rigoroso do que à memorização de regras gramaticais e ortografia. Julgo que estas é mais fácil ir aprendendo com a prática, até porque acabam por mudar várias vezes ao longo da vida. No fundo, o português correcto é aquele que os portugueses escrevem, e esse não é sempre o mesmo.
E a sua distinção entre a arte a a ciência. É verdade que há modelos para preferências artísticas e efeitos de certas técnica. Na psicologia e neurologia, por exemplo. Mas esses modelos são científicos, e não artísticos, precisamente pelo seu rigor e detalhe, que os tornam testáveis. O conhecimento é artístico quando não há modelos rigorosos.
No conhecimento, humanidades e ciência não são tipos paralelos mas fases diferentes. Se ainda não há detalhe e possibilidade de testar os modelos é arte, filosofia ou literatura. Se obtemos esses detalhes e criamos modelos rigorosos e testáveis passa a ser ciência. Foi o que aconteceu com a astronomia, que antigamente era religião e filosofia, e é o que se passa hoje com a história e a psicologia, que cada vez se parecem menos com humanidades e mais com ciência.
Mas isto é apenas no conhecimento acerca da realidade. Há outro domínio muito importante do qual a ciência se afasta mas que as humanidades abraçam. O domínio da escolha. Saber o que é não nos diz o que fazer disso e é sobretudo daí que vem o meu interesse pela filosofia. Neste campo, conhecer o que outros pensaram e escreveram não me permite criar modelos rigorosos mas dá-me uma ideia do espaço de possibilidades que já foi explorado. Isso também tem valor, e é muito importante para certas coisas, mas não elimina a diferença entre conhecer a opinião dos outros e conhecer as partes da realidade que não dependem da opinião de ninguém
Cristy,
ResponderEliminarParece-me que as lições mais importantes da história são precisamente acerca de como os políticos, gestores e outros que tais açambarcaram o poder lixando os restantes. Por isso estou de acordo com a necessidade de saber história, mas não da parte dos políticos. Os cidadãos é que têm de estar a par do que pode acontecer se derem demasiada confiança a quem não a merece.
De qualquer forma, penso que os políticos sabem bastante história, se bem que finjam sempre esquecer-se das partes que lhes são menos convenientes. Muitas vezes até do que fizeram na legislatura anterior. O que a maioria não sabe é ciência. A maior parte dos políticos tem uma ideia muito vaga, e pouco correcta, de como se avalia modelos, se testa hipóteses e se fundamenta afirmações de facto. Até porque a política não se adequa muito a esse rigor.
E isso é mau por duas razões. Primeiro porque o conhecimento da realidade é uma peça fundamental em qualquer decisão, e esse conhecimento sempre que é rigoroso é científico. E, segundo, porque os cientistas não são santos e se o político não percebe do assunto acaba por ser aldrabado pelos cientistas que escolher como consultores. Mesmo não tendo particular confiança nas pessoas que elejo, prefiro que sejam essas a decidir e não outros quaisquer.
Mas há outra questão aqui que é transversal a isto tudo. Só consegue perceber de história, incluindo as noções das margens de erro e da solidez no fundamento das explicações, quem perceber de ciência. Quem não tiver uma formação na análise científica dos dados só vai ver a história como umas coisas a acontecer a seguir a outras.
de acordo. Aliás, eu estudei História, e lembro-me muito bem que era precisamente isso que nos ensinavam: testar modelos e fundamentar hipóteses e argumentos e tudo o mais. Não era aprender datas nem nomes de reis. E lembro-me também que já na altura (e já lá vão uns anitos ...) nos encorajavam a recorrer a conhecimentos de outras disciplinas para o mesmo fim.
ResponderEliminarMas o que eu queria dizer era outra coisa. A relevância dos conhecimentos é muito relativa. Depende das circunstâncias. Por exemplo, eu sei uma data de coisas sobre a génese do cinema negro americano e africano. Não me serve de nada na profissão e muito menos na minha vida social, porque conheço muito poucas pessoas com quem possa falar do assunto. Saber o que sei neste contexto não me torna mais culta, apenas mais interessada num determinado tema. Para mim tem o mesmo valor de saber como ferve a água. É apenas uma escolha pessoal ter preferido informar-me sobre Mario van Pebbles e ter deixado as moléculas para outra ocasião ;-)
Quanto aos políticos: não sei se partes da situação em Portugal, que conhecerás melhor do que eu. Mas não é verdade que todos os políticos agem exclusivamente em interesse próprio e é verdade que muitos tomam as decisões erradas por ignorância. E também é verdade - nisso tens inteira razão - que as pessoas aceitam essas decisões erradas porque são igualmente ignorantes. Mas isso é outra «história».
Ludwig,
ResponderEliminarConcordo que esta conversa já vai demasiado longa, por isso não voltarei a ela depois de responder aos dois pontos específicos que coloca.
A razão por que escrever português correcto deve ser exigida a qualquer pessoa com a escolaridade mínima está no facto de esse ser um dos objectivos da escolaridade mínima, considerado compatível com faculdades cognitivas elementares. Não creio que seja aceitável passar pela escolaridade mínima ser aprovação nos seus objectivos (por favor não tome isto como aplicável às pequenas incorrecções que lhe apontei, são coisitas sem gravidade).
Quanto a ideias claras com erros de sintaxe receio que não encontre muitas. Uma coisa é a ortografia, uma mera convenção de sinais que pode ser mudada por decreto, cuja única função é, como já disse, diminuir o tempo de apreensão da mensagem pela eliminação de efeitos de ruído. Outra muito diferente é a sintaxe, que tem consequências no significado da mensagem e que depende de certas estruturas mentais. Está provado (cientificamente, porque a linguística é uma ciência) que as mais basilares dessas estruturas são comuns a todas as línguas, mesmo aquelas que nunca tiveram contacto entre si. Uma sintaxe errada transmite uma mensagem diferente daquela que se queria transmitir e lá se vai a clareza das ideias. É verdade que algumas estruturas sintácticas (não as basilares) podem mudar mas não é sequer no espaço de um século. As do português são as mesmas desde aproximadamente meados do século XVI.
Quando diz que “o português correcto é aquele que os portugueses escrevem, e esse não é sempre o mesmo”, isso equivale a dizer que não existe português correcto, o que, a ser admitido, lhe multiplicaria até à náusea o incómodo que sente em ler certos trabalhos de alunos. Se quisermos pôr a questão em termos morais, escrever correctamente é também uma questão de respeito pelos outros e pelo tempo que eles gastam connosco.
A dicotomia entre “conhecimento artístico” e “conhecimento científico” é redutora. Há muito conhecimento que não cabe nem numa nem noutra etiqueta. A existência de modelos rigorosos é um bom critério mas, se não fosse eu não querer prolongar mais esta longa sequência de comentários, perguntar-lhe-ia: o cientista não interpreta dados? Dois cientistas não fazem, por vezes, interpretações diferentes dos mesmos dados? Temo-lo visto abundantemente nas questões relativas ao clima. A interpretação não é eminentemente subjectiva e não condiciona o rigor dos modelos ? Outra questão interessante é o modo como o objecto pode condicionar a objectividade ou o rigor dos resultados. Se o bjecto for o mundo físico podemos obter resultados de tipo diferente daqueles que obtemos se o objecto for o ser humano (ou mesmo os animais, embora de forma diferente)?
Note que não faço estas perguntas de forma acintosa mas com verdadeira curiosidade e interesse; estava quase para lhe sugerir um post sobre isto, que não deixaria de ler.
Vicente,
ResponderEliminarO que quis dizer acerca da conversa não foi que estivesse longa demais. Pelo contrário, foi que precisamos focar os pontos de discórdia para a poder prolongar com interesse.
A sintaxe é importante nuns casos mas não em outros. Por exemplo, um detalhe que aprendi aqui no blog foi a diferença entre "ter de" e "ter que". Ter a necessidade de comer é muito diferente de ter coisas que se possa comer, e por isso este é um pormenor de sintaxe ao qual concordo que se deva ter cuidado.
Em contraste, ter a impressão de que algo está a arder ou a impressão que algo está a arder não tem diferença que justifique preferir uma sintaxe à outra excepto apenas pelo critério do que for mais confortável à maioria dos leitores. E, neste caso, desde que o significado seja claro e se preserve a expressividade da língua, eu defendo que o português correcto será o português como a maioria o escreve (razão pela qual me oponho a ortografias por decreto, mesmo que tenhamos de viver com touro e toiro).
Quanto à divisão entre ciência e o resto, eu traço-a não pelos objectos de estudo mas pelos modelos. Cientistas diferentes interpretam os dados de forma diferente, mas cada interpretação é um modelo. E se os modelos forem suficientemente detalhados e permitirem prever o que se vai observar podem ser testados com objectividade.
Quando lidamos com listas de factos, modelos demasiado vagos para que possam ser testados ou problemas de valor, aí estamos fora da ciência.
Mas já tenho um post na calha aproximadamente sobre isso que posso adaptar, portanto aceito com gosto a sua sugestão.
Cristy,
ResponderEliminarTenciono insistir nisto em mais detalhe, mas proponho uma diferença entre compreender a fervura e, por exemplo, saber quem marcou os golos de todas as finais da taça de Portugal.
Num caso compreendes um processo e essa compreensão consiste em grande parte num modelo mental com traços semelhantes a modelos que explicam outros processos. Esse equilíbrio dinâmico entre vapor e água líquida assemelha-se ao que se passa em reacções químicas, na dissolução de sais, na atmosfera, na distribuição de organismos ou até em modelos abstractos sobre combinações aleatórias. A compreensão desse fenómeno dá uma ferramenta conceptual bastante poderosa.
Proponho que a razão pela qual o teu conhecimento sobre cinema negro não é tão útil é porque se trata principalmente de um conjunto de factos e não de modelos explicativos abrangentes. Essa é uma diferença importante entre níveis diferentes de conhecimento. Sem os factos não vamos a lado nenhum, mas se ficarmos por aí também não vamos longe.
E a grande dificuldade das humanidades, à qual o Vicente aludiu quando mencionou o problema de lidar com animais e humanos, é que em muitos casos os modelos são tão complexos que ainda estão fora do nosso alcance e ficamos reduzidos a conhecer os factos.
Não me parece então, que haja grande diferença na importância entre perceber o processo com a fervura da água e um processo histórico (deixo de lado o futebol, ao contrário do resto do mundo, é algo de que não entendo nada)
ResponderEliminarÉ importante perceber o processo que nos trouxe à actualidade e é um processo que tem que ser científicamente estudado, até ara impedir que haja quem faça internpretações abusivas. E é aliás, um tema recorrente deste blogue quando se fala do papel das religiões.
Quanto aos meus interesses particulares: eu própria reconheci que eram apenas isso. Mas discordo que seja uma acumulação de factos. Também estes têm uma génese, um desenvolvimento e repercussões interessantes, nomeadamente na afirmação cultural dos negros nos EUA e na sua luta pela igualdade de direitos. Entender isso tudo é irrelevante? Ou menos importante do que entender como ferve a água?
Venha o post :-)
Cristy,
ResponderEliminar«Defendo que se, por exemplo, os políticos e gestores nossos e outros tivessem pelo menos conhecimentos básicos de História, este seria um mundo melhor.»
O venerável Robert Fisk passa a vida a dizê-lo :) Quanta da aselhice política seria escandalosamente previsível se conhecêssemos bem o passado. Eles, políticos e nós, eleitores.
Ludwig,
«A sintaxe é importante nuns casos mas não em outros. Por exemplo, um detalhe que aprendi aqui no blog foi a diferença entre "ter de" e "ter que".»
Nunca fui à bola com essa regra do “temos de” em vez do “termos que”. No exemplo que dás, “termos que comer” significa uma coisa diferente de “termos de comer” e neste caso entendo a justificação para a regra. Apesar de a formulação mais corrente para o primeiro caso ser “termos o que comer”. Mas repara que essa justificação desaparece no caso de “termos que ir comer”. Qual é, para além do gosto pessoal, a diferença entre “termos que ir comer” e “termos de ir comer”?
Cristy,
ResponderEliminarA relevância é função do objectivo. Nada é relevante por si, mas sempre para alguma coisa. Por isso um conhecimento há de ser relevante para uma coisa e outro para outra.
A diferença que aponto é na diversidade de casos em que um conhecimento se torna relevante. Uma teoria científica, por exemplo, é relevante em muitos casos. A mesma teoria pode servir para criar modelos acerca da queda da maçã, da órbita da Lua e da formação de uma galáxia.
Outro aspecto é essa ideia de compreender. Por exemplo, podemos compreender o despoletar da primeira guerra mundial como uma sequência inevitável dos tempos críticos para os vários planos de mobilização. Se um país demora 5 dias desde a mobilização geral até ao posicionamento das tropas na fronteira, e o outro ao lado demora 6 e começa a mobilizar-se hoje, amanhã este tem de começar a mobilização. O John Keegan tem um livro porreiro sobre esses detalhes todos, que recomendo a quem estiver interessado nas guerras mundiais.
Mas além de ser só para quem estiver interessado, que o modelo dele não se aplica em mais lado nenhum (nem sequer à segunda guerra mundial, que começou em condições muito diferentes), não é passível de ser testado nem faz previsões acerca de nada. É apenas um relato plausível, e bastante mais vago que um modelo científico.
Suspeito que os modelos que tu tens da evolução social e artística do cinema negro sejam do mesmo género. Específicos para esse objecto de estudo, pouco rigorosos (qualitativos e não quantitativos, por exemplo) e incapazes de prever dados novos.
Não discuto a importância de modelos científicos. Mas o que estava em causa era o valor do conhecimento. E aí parece-me que concordamos: "é sempre em função do objectivo". Excepto que, como todos puxamos a brasa à nossa sardinha ;-), queres à força que os modelos concebidos pelas ciências naturais sejam mais importantes que os conhecimentos adquiridos por via das ciências humantárias. Discordo.
ResponderEliminarBruce,
ResponderEliminar«Qual é, para além do gosto pessoal, a diferença entre “termos que ir comer” e “termos de ir comer”?»
Porque depende de como podes qualificar aquilo a que implicitamente o verbo refere mas que está omitido da frase. Se o verbo refere a algo que possas comer, então é que. Se o verbo refere à necessidade que tu tens, então a necessidade tem de ser qualificada com de. Só convém eliminar essas partes da frase se o fizeres de maneira a que não seja mal interpretado.
"Tenho necessidade de me ir embora" posso abreviar para "tenho de me ir embora", que se percebe. Mas "tenho uma necessidade que não consigo satisfazer" não dá para abreviar para "tenho que não consigo satisfazer". Por outro lado, "tenho algo que posso comer" posso abreviar para "tenho que comer", mas "tenho algo de açúcar que posso comer" não dá para exprimir como "tenho de açúcar que comer".
Por isso quando escreves "tenho que ir comer" exiges uma volta cognitiva a quem inicialmente rejeitou a hipótese de se tratar da expressão de uma necessidade mas depois foi forçado a repescá-la porque a alternativa não fazia sentido.
É claro que se a maioria não assumir tal coisa de um "tenho que", podes simplesmente marimbar-te para os puristas e correr tudo a "que"s. E assim que a língua evolui :)
Bruce:
ResponderEliminarImagino que o Fisk, com os seus conhecimentos aprofundados da política ocidental no Médio Oriente, deve ter uma lista bastante comprida de exemplos para as asneiras lá cometidas pelos "nossos" políticos nos últimos séculos.
Ludi,
ResponderEliminara propósito da imprevisibilidade de dados novos. Nos anos 90 passei umas tantas semanas na Somália. Fartei-me de aprender sobre a história e a cultura do país, e até adquiri uma noções da língua (não recomendo). Baseado nisto tudo e nos conhecimentos que já tinha da política norte-americana e do modo de pensar dos seus políticos e militares, quando Washington decidiu intervir na Somália por motivos humanitários pouco tempo mais tarde eu disse alto e bom som: «vai dar m...». E deu. Não sou nenhum génio, mas sei somar 2+2. Um verdadeiro modelo científico ;-)
Quem quiser saber a diferença entre «Ter de» e «Ter que», ver aqui, aqui, aqui, ou aqui. Ver no fim das respostas as outras respostas relacionadas. Via Ciberdúvidas.
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