quarta-feira, novembro 04, 2009

Democracia.

Em 2007 os EUA, a Comunidade Europeia, a Suíça e o Japão começaram a negociar o Anti-Counterfeiting Trade Agreement (ACTA)(1). O projecto foi iniciado pela Global Business Leaders' Alliance Against Counterfeiting, uma associação representando os interesses de várias empresas multinacionais (2), e todas as negociações têm decorrido em segredo. Os parceiros agora incluem a União Europeia e vários outros países, como a Austrália, o Canadá e a Coreia do Sul, onde decorre este mês a sexta ronda de negociações.

Só por fugas não autorizadas é que tem saído informação acerca do ACTA, pois os governos envolvidos recusam revelar o que estão a negociar em nosso nome. Segundo as últimas, a ronda de negociações que agora decorre inclui medidas como criminalizar a violação de copyright mesmo sem fins lucrativos, responsabilizar os provedores de acesso ou hospedagem de conteúdos pela violação de copyright por parte dos seus clientes, obrigar o corte de acesso à Internet no caso de queixas pelos detentores de copyright e proibições obrigatórias a qualquer forma de contornar sistemas de protecção de cópia (DRM).

Se isto for para a frente, usar uma câmara de vídeo para gravar um filme no cinema será um crime, com pena de prisão. Serviços como o YouTube ou o Blogger desaparecerão, pois nenhuma empresa poderá comportar os custos de se responsabilizar por todas as violações de copyright que ocorram nestes meios. Muitas pessoas ficarão com um acesso restrito à cultura, informação e sociedade – incluindo serviços públicos – só porque o filho ou neto descarregou um mp3. E a legislação dos direitos de cópia irá ser ainda menos um sistema de incentivo à criatividade e cada vez mais uma marreta para bater em tudo o que possa fazer concorrência às editoras. Precisamente como as empresas querem.

É provável que estejam a tentar levar isto longe demais e acabe por não ir a lado nenhum. Há limites para as alterações à lei que se pode obrigar com um acordo secreto entre interesses económicos e governos, sem um processo aberto de discussão e aprovação por representantes eleitos. Mas também é possível que consigam criar com isto um processo legislativo à margem da democracia, onde empresas multinacionais escolhem as leis que querem, meia dúzia de tipos de fatinho assinam à porta fechada e nós só sabemos o que se passou quando recebemos a notificação do tribunal.

O melhor é fazer já barulho, a ver se é possível travar o ACTA antes que nos trame a todos.

Mais sobre isto:
Cory Doctorow, no BoingBoing, Secret copyright treaty leaks. It's bad. Very bad.
Michael Geist, The ACTA Internet Chapter: Putting the Pieces Together, e ACTA Negotiations, Day Two: What's On Tap.
EFF, Leaked ACTA Internet Provisions: Three Strikes and a Global DMCA

1- Wikipedia, ACTA
2- Mark Harris, Submission on the Proposed Anti Counterfeiting Trade Agreement

15 comentários:

  1. Para este post, dedico o titulo de uma canção de Bauhaus:
    Paranoia Paranoia...

    Tais decisões não precisam de reuniões secretas, mas, apenas de legislação aprovada em cada país. Não precisam de reuniões com fugas misteriosas, mas, apenas de rechear bem alguns bolsos.
    Sempre achei que tens mais inteligência do que esta veia popularucha, de boatos do "diz que disse" faz supor. Ataca lá o copyright com argumentos sérios (mesmo que discorde de alguns), e deixa-te destes disparates que não estão ao nível do resto do que escreves, homem. Este post desiludiu-me...

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  2. Antonio, isto não é disparate nenhum, como podes ver pelos links. A tua ingenuidade sobre a democracia "notwithstanding".

    Seja como for, tenho optimismo sobre isto. Especialmente se repararmos que a lei foi "leakada" e espalhada precisamente pelos meios que estes mapinetas tanto detestam.

    O bicho quer ser livre e não o deixam. Mas o bicho é forte.

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  3. António,

    Desde o tratado de Berna (1886) que a legislação sobre direitos de cópia de muitos países, incluindo o nosso, é determinada por tratados internacionais. A que temos hoje é a transposição das exigências da WIPO.

    O ACTA segue o mesmo processo de sempre. Reúnem-se, chegam a um acordo, assinam o tratado e todos os países têm de legislar de acordo com isso. A diferença é que agora não são coisas que só afectam o comércio. São buscas aos computadores e iPods nas fronteiras, policiamento dos clientes por parte dos ISP, penas de prisão por copiar CD e coisas desse género.

    Mas o mecanismo que dá origem a esta legislação é o mesmo, e contorna o processo democrático que nos protege destes abusos. O que se justifica por expediente quando o que está em causa são limites a taxas de importação ou algo do género, mas não quando transforma milhões de pessoas em criminosos perante a lei.

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  4. Ludwig,

    Grato pela informação. Apesar de, como sabes, a minha consideração pelos governos que negoceiam em meu nome ser inabalável.

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  5. Querem levar-nos de volta à idade das trevas, em que se tinha que pagar por porno? Eu protesto!

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  6. Pronto... Nem tenho palavras.
    Ainda por cima ontem já aprovaram legislação no parlamento europeu que permite cortar o acesso à internet sem ordem judicial. Será uma qualquer secretariazinha que poderá mandar os ISP's cortarem o serviço a alguém em caso de tráfego que conteúdos protegidos por copyright. E é claro que a questão é como é que eles vão monitorizar esse tráfego?
    Enfim, eu sempre fui um defensor do direito á compensação mediante o usufruto, mas que isso fosse algo de moral, como não cuspir para o chão ou dar peidos num elevador cheio...
    Isto é ridiculo e a partir de agora as majors não vão ver nem mais um tusto meu.

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  7. Isso não é uma inversão do onus da prova? Ha razões para querer que isso é justificavel?

    Não será (desculpem o cliché) anticonstitucional?

    E depois outra coisa." Eles " não vão cortar toda a gente de uma so vez, porque sabem o caos que criavam. Vão sortear uns quantos para "dar o exemplo". É contra isso que se deve preparar para reagir.

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  8. Nuvens:

    Não percebo. É um facto que solidariedade, altruismo, e discrição são estratégias adaptativas importantes. Não percebo o que queres dizer com treta do dia.

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  9. É uma treta dizer que Darwin achava que apenas selvagens egoístas e brutais seriam os mais capazes de passar os seus genes.

    É essa a tralha do artigo

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  10. Infelizmente (direi melhor: INFELIZMENTE!), tenho de concordar com o LK, neste caso concreto, claro!

    A Ideia é perseguir o simples downlaod, quando, a única coisa que poderia ser aceite, é controlar o upload.

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  11. Aqui está uma opinião interessante de um autor que aprecio

    http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=Manuel%20Ant%F3nio%20Pina

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