domingo, setembro 28, 2008

Treta da Semana: Solterm.

O Decreto Lei 80/2006 publicou o Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios. Segundo este regulamento, «A contribuição de sistemas de colectores solares para o aquecimento da AQS, Esolar, deverá ser calculada utilizando o programa SOLTERM do INETI»(1). Este programa está disponível no site do INETI pelo preço de 130€ mais IVA (2).

Não duvido do rigor nem da utilidade do programa, mas isto parece-me uma bela treta. O programa foi desenvolvido num instituto do estado, é mantido por bolsas e salários do estado e é de uso obrigatório por lei para a certificação energética de edifícios. Mas é comercializado como se fosse um negócio. A lei obriga a usar este programa, obriga a pagar impostos para financiar o desenvolvimento e manutenção deste programa e, pela legislação de “propriedade intelectual”, pune quem usar este programa sem pagar mais 130€ à instituição do estado que o desenvolveu.

É um mal geral por cá. Por exemplo, se quiserem a norma para a decantação primária em estações de tratamento de águas residuais, elaborada por uma comissão técnica do LNEC paga pelo estado, podem obtê-la no site do Instituto Português da Qualidade. Mas têm que pagar 10€ por um pdf com meia dúzia de páginas (3) e estão proibidos de o copiar.

Até o Diário da República tem um serviço para assinantes. A consulta das últimas edições é gratuita mas a «Pesquisa Avançada», que não faz mais que o Google, tem que ser paga (4). Era bom que todo o cidadão tivesse acesso gratuito à legislação que rege o nosso país. Mas melhor ainda é aproveitar para fazer negócio.

Mesmo quem não partilha a minha aversão ao copyright digital deve ver a injustiça de cobrar por informação financiada pelos nossos impostos. Mas o que estes exemplos revelam, principalmente, é a natureza do copyright e restrições associadas. Não são mecanismos de financiamento ou incentivo da criatividade. São mecanismos de abuso por parte dos intermediários, que até consideram a legislação publicada há mais de trinta dias uma «Informação de Valor Acrescentado»(4) reservada a assinantes.

Adenda: O DR está disponível integralmente e gratuitamente, mas a pesquisa gratuita é apenas pelo número do diploma. Pesquisar por termos ou frases é considerado tão avançado que se tem que pagar. Também se tem que pagar por coisas como o «acesso à informação jurídica devidamente tratada e sistematizada», que devia ser gratuito. Mais detalhes aqui. Obrigado ao Quetretófilo pela correcção.

1- FEUP, RCCTE (.pdf)
2- INETI, Software
3- IPQ, Estações de tratamento de águas residuais. Parte 4: Decantação primária.
4- Diário da República Electrónico

15 comentários:

  1. eu acho que esta treta dava uma bela queixa junto do Tribunal Europeu
    Cristy

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  2. Eu concordo com a Cristy.Raio de país onde se paga impostos sobre impostos e juros sobre juros, mais impostos escondidos nas facturas de água e electricidade.
    bjs

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  3. O texto apresenta uma incorrecção: no www.dre.pt a pesquisa de diplomas de I e II séries e a de imagens das I, II e III séries são gratuitas.

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  4. Hmmmm.

    Bem, sobre a obrigação do dito programa nada tenho a acrescentar, embora muito sinceramente 130 euros são uma gota no oceano de dinheiro necessário para os programas informáticos de qualquer gabinete de engenharia.

    Não é desculpa claro.

    A última versão que eu usei do Solterm ainda era uma versão praticamente do DOS.

    Que engraçado. Nem sabia que a coisa já tinha evoluído...

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  5. O pagar-se pelo serviço até nem é muito mau (na minha opinião), uma vez que todos sabemos as dificuldades que as instituições deste tipo têm e que, para uma empresa 130 euros, como já disseram, não é nada.

    Agora, mais grave é coisas do género de a lei ter exigido a implementação desta ferramenta nos projectos antes de ela estar pronta, ou melhor ainda, uma primeira versão que foi distribuída e que tinha um prazo de validade que acabava antes da versão seguinte estar disponível. Obviamente, o objectivo era a actualização estar pronta e evitar-se que fosse utilizada uma versão desajustada, mas como tal não aconteceu, houve projectistas com projectos parados por tal situação.

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  6. Sheeko (tm),

    «O pagar-se pelo serviço até nem é muito mau (na minha opinião), uma vez que todos sabemos as dificuldades que as instituições deste tipo têm»

    Eu acho que quando se participa num processo legislativo não se deve poder fazer a lei de tal forma que obrigue a comprar o seu produto. Isso é pior que o médico ser farmacêutico ou o árbitro ser um jogador de uma das equipas...

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  7. Mas penso que o problema mais grave, mais profundo, é o de ver a informação como um bem transacionável em vez de ver a criação de informação como um serviço.

    Isto é mau porque obriga a criar restrições desnecessárias ao acesso à informação para que esta possa ser vendida e comprada, quando o mais razoável era vender e comprar apenas o trabalho necessário para criar a informação.

    No caso destas ferramentas legais, do software aos decretos-lei, o estado devia financiar a sua criação e organização e o acesso devia ser gratuito para todos os cidadãos. É inadmissível que seja preciso pagar para poder saber qual a legislação relevante e em vigor numa dada situação. Ler todas as edições do DR para ver o que já foi ou não foi revogado, amendado ou não é relevante é pouco prático...

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  8. Outra coisa que também é chata, é ir à câmara municipal, pagar pelas plantas de um apartamento, de forma a este poder ser avaliado pelas finanças, para em seguida se pagar um imposto à câmara.

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  9. É inadmissível que seja preciso pagar para poder saber qual a legislação relevante e em vigor numa dada situação. Ler todas as edições do DR para ver o que já foi ou não foi revogado, amendado ou não é relevante é pouco prático...

    Concordo absolutamente, Ludwig! O problema está, claro, na advocacia. Se a informação é livre, para que serão precisos tantos advogados? Qualquer dia até nem seria preciso ter advogados!!

    (Ahhh, quanto sonho por esse dia!!)

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  10. Karin e Cristy,

    Não se esquecam do gás. Daqueles senhores amorosos que vos dizem que tem de mandar fazer uma inspecção por uma empresa certificada mas depois todas as empresas certificadas eram deles. Agora já existe uma que não é deles e que curiosamente só cobra mais 5 euros do que eles, que é para cobrir as custas de ter de lhes mandar o relatório. :)

    beijos

    Quem é o anonimo que está a tratar do seu IMI?

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  11. Nos EUA, qualquer coisa produzida por um funcionário público no seu tempo de serviço não pode ser sujeita a copyright.
    No site da EPA, do NIST, etc, existe software diverso que está apenas "à distância de um click" (programas, manuais do utilizador, guias técnicos...)

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  12. Proponho uma lei em que se obrigue os deputados a aprovarem uma lei por dia e se cobre 130€/deputado por essa aprovação.

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  13. Uma achega:

    Perspectiva cómica da religião:

    http://www.youtube.com/watch?v=casUr9UsabY

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  14. Olá Ludwig!

    É sempre um prazer ler as tuas observações!

    Abraço

    Luís Azevedo Rodrigues

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  15. Ludwig,

    vê isto:

    Mentiras... Cof cof cof...;)

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