Ars gratia artis.
O Ricardo Pinho, cinematógrafo, pede que «Respeitem a nossa arte»(1) a todos que gostam de cinema. Em particular a mim que «não nos reconhece direitos de autor». Reconheço. E respeito. Respeito a pintura, a biologia, a matemática, o cinema e todas as formas de criatividade humana porque a criatividade humana é um dos fundamentos da nossa humanidade.
Alguns animais têm ideias e inovam. Uns poucos até ensinam os filhos ou aprendem por imitação. Mas nós somos os melhores a comunicar ideias e partilhar informação. É isso que torna a nossa criatividade tão especial. Não precisa cada um de inventar a sua roda. Se um inventa dá para todos os presentes e para as gerações futuras, que aproveitam para melhorar a invenção. A natureza colectiva e partilhada da criatividade levou-nos à Lua, revelou as nossas origens e permite a um artista como o Ricardo fazer cinema em vez de rabiscos numa pedra. A arte de criar em conjunto merece respeito.
E reconheço ao Ricardo direitos enquanto artista, autor e pessoa. Reconheço-lhe o direito de usufruir dos frutos da criatividade humana e de usar a cultura, essa sopa feita com as invenções dos outros, para criar e se exprimir. E reconheço-lhe o direito à privacidade, à troca de ideias, à álgebra e a às sequências de números que ele quiser usar. Mas os direitos do Ricardo acabam onde começam os direitos dos outros. Por isso não reconheço o direito de proibir a troca de ideias ou informação.
O Ricardo mostra um vídeo acerca da complexidade de uma produção cinematográfica nos EUA. São centenas de pessoas em grandes estúdios para preparar cenários, guarda roupa e até para fazer o som dos cascos dos cavalos batendo com pedras no chão. À primeira vista não liga com o título. Sugere que a arte merece respeito por ser cara, uma visão algo cínica para um artista. Mas isto é cinema, é a arte de fazer umas coisas parecerem outras. Por trás da bonita fachada do respeito e dos direitos está um «não lixem o nosso negócio» de papelão e tábuas.
Os mais pessimistas insistem que não se faz arte pela arte e que sem o direito de cópia o cinema vai desaparecer. Como as pirâmides. Também era preciso muita gente, cebolas e pão, e só funcionou enquanto davam ao Faraó o «direito» de as mandar construir. Eventualmente o pessoal estranhou esse direito e hoje já não se faz pirâmides. É pena. Mas não é tão mau como obrigar a que as construam.
Se as próximas gerações estranharem o «direito» de proibir os outros de partilhar informação talvez as megaproduções de Hollywood passem à história, mas isso parece-me demasiado pessimista. Se uns fazem o que os outros querem conseguirão vendê-lo mesmo sem monopólios. E os custos são flexíveis. Pela participação no «Anjos e Demónios» o Tom Hanks vai receber em meses o que eu ganharia em mil anos (2). Se houver problemas com a arte pelo negócio os estúdios têm uma boa margem para cortar despesas.
Eu respeito a arte do Ricardo. Respeito-a mais que o Ricardo. Porque não respeito a floresta embrulhando cada árvore em arame farpado, e discordo que se respeite a arte dividindo-a em quadradinhos de propriedade privada onde se cobra admissão e se impõe restrições. A arte que os humanos fazem não é individual. É colectiva. Temos que a incentivar sem a esquartejar.
1- Ricardo Pinho, 25-2-08, Respeitem a nossa arte.
2- Movie News, 19-4-07, Tom Hanks' 'Angels and Demons' salary heavenly
Tenho de admitir que és persuasivo.
ResponderEliminarUma coisa é a troca de ideias e informação. Outra é a produção de um produto de consumo - um filme, um música, um livro - que é fornecido gratuitamente ao público.
ResponderEliminarNinguém paga por um ideia até que alguém a transforme num porduto e a queira comercializar no mercado. Eu posso oferecer o que quiser mas também tenho direito à remuneração pelo acto criativo, se fizer essa exigência.
Se pagamos as batatas e o leite porque não pagamos o filme? Porque é que não chegamos ao mercado 31 de Janeiro, no Saldanha, não enchemos o saco de batatas e não saimos sem pagar?
António,
ResponderEliminar« Porque é que não chegamos ao mercado 31 de Janeiro, no Saldanha, não enchemos o saco de batatas e não saimos sem pagar?»
Porque as batatas que levar são batatas que mais ninguém pode levar.
Por outro lado, cada vez que escreve uma palavra ou um número não precisa de se preocupar que faltem números ou palavras aos outros. Essa é uma grande diferença.
Se eu pinto um quadro não ponho em questão o meu direito de ser reconhecido como autor nem o meu direito a que não me levem o quadro. Mas se eu vendo imagens do quadro e alguém gera uma série de equações que descrevem essa imagem, o que eu defendo é que não sou dono das equações (ninguém é) nem dos seus parâmetros numéricos (ninguém é) nem posso proibir as pessoas de partilhas números e equações só porque pintei um quadro.
E se isso me estragar o negócio, paciência. Um negócio de sucesso não é um direito que se conquiste proibindo os outros.
Ludwig
ResponderEliminarExactamente, tocou no principal ponto da questão. Se copia uma obra, impede o autor da obra de gerar mais uma venda. Logo, prejudica-o. A sua liberdade de copiar entra em conflito com a liberdade do autor de gerar um rendimento a partir da obra.
Ninguém o obriga a comprar um filme, um livro, seja o que for. Não é uma necessidade básica, pode viver 100 anos sem ver um filme. Mas para o autor a venda de mais ou menos uma unidade do produto que fabricou pode ser a linha divisória entre o sucesso e o fracasso.
No seu caso despreza o direito do autor e coloca em primeiro lugar o direito de todos usufruirem de uma obra alheia sem que tenham de pagar por isso.
Não entende que um artista tem de ter um incentivo para produzir. Se apenas o fizer por prazer pessoal possivelmente só irá produzir nos seus tempos livres e a criação artística diminuirá. Numa sociedade em que o dinheiro é valorizado, é natural que um artista seja induzido a maximizar o seu rendimento e a trabalhar pela sua arte a tempo inteiro. Parece-me justo.
António,
ResponderEliminar«Exactamente, tocou no principal ponto da questão. Se copia uma obra, impede o autor da obra de gerar mais uma venda.»
Se não gosto de batatas impeço o vendedor de gerar mais uma venda. O mesmo se a minha tia me oferece batatas, se outro vendedor as vende mais baratas, ou se planto as minhas.
Se alguém quiser vender equações trigonométricas vai ter ainda mais dificuldades.
Mas note que não há nada de mal em "impedir" uma venda arranjando mais barato noutro lado. Se isso for ilegal toda a economia de mercado desaparece...
O fundamental é que todo o conteúdo digital são números e operações algébricas. Isso não é coisa que alguém possa reclamar o direito exclusivo de vender.
"Se não gosto de batatas impeço o vendedor de gerar mais uma venda."
ResponderEliminarDe acordo. Se não gosta de um cd ou de um filme, não o compra.
"O mesmo se a minha tia me oferece batatas, se outro vendedor as vende mais baratas, ou se planto as minhas."
De acordo. A isso chama-se concorrência e é aceite por todos. Se eu lhe oferecer uma canção composta por mim, os U2 não sofrerão com isso. Nem o mercado em geral. Nem se eu compuser canções e as oferecer gratuitamente. É uma opção minha, não prejudica ninguém. Não é uma fonte de rendimento para mim.
"Se alguém quiser vender equações trigonométricas vai ter ainda mais dificuldades."
Não existe um mercado para as equações trigonométricas, esse é o problema. Mas existe um mercado para modelos de avaliações de activos financeiros, por exemplo, com equações sofisticadissimas. E não vendem as equações, arrendam o seu conhecimento para obterem um rendimento regular.
Afastei-me por uns minutos do computador e a minha filha carregou no enter.
ResponderEliminarContinuando:
"Mas note que não há nada de mal em "impedir" uma venda arranjando mais barato noutro lado. Se isso for ilegal toda a economia de mercado desaparece..."
Plenamente de acordo. Mas se desmonetarizarmos toda a economia de mercado também acabará para desaparecer. O modelo que o Ludwig defende é viável noutro tipo de sociedade, não neste.
"O fundamental é que todo o conteúdo digital são números e operações algébricas. Isso não é coisa que alguém possa reclamar o direito exclusivo de vender."
Este argumento é falacioso porque esconde o essencial: o importante não são os números e as operações algébricas é a combinação entre eles.
António,
ResponderEliminar«Não existe um mercado para as equações trigonométricas, esse é o problema. Mas existe um mercado para modelos de avaliações de activos financeiros, por exemplo, com equações sofisticadissimas. E não vendem as equações, arrendam o seu conhecimento para obterem um rendimento regular.»
O que é perfeitamente legítimo e útil. É assim que funcionam as empresas de software open source. O software é livre (são operações algébricas, afinal), mas as empresas vendem o seu conhecimento e apoio técnico, adaptações do software a necessidades específicas do cliente, e assim por diante.
Esse é o modelo de negócio legítimo no meio digital. Ter o monopólio sobre sequências de números e operações algébricas não faz sentido.
António,
ResponderEliminar«Este argumento é falacioso porque esconde o essencial: o importante não são os números e as operações algébricas é a combinação entre eles.»
As combinações de operações algébricas também não são algo sobre o qual seja razoável ter monopólio.
João,
ResponderEliminar«Tenho de admitir que és persuasivo.»
Faço o que posso ;)
E é irónico que o Ricardo comece por dizer que é formado em cinema. Ou seja, que esteve durante anos a aprender aquilo que os outros fizeram para poder criar a sua arte...
Ludwig
ResponderEliminarNão concordo com os seus dois últimos argumentos dado que não são comparáveis com a música ou com um filme nem com o exemplo que eu dei.
Quando fala em open source, há uma partilha de conhecimento, sem dúvida. No caso de um filme vendem-lhe um produto acabado. O Ludwig não partilha na produção do filme nem o altera para o melhorar. Isso é impossível. Quem copia um filme ou uma música não está interessado em continuar a produção. Não conheço nenhum espectador que tivesse melhorado a série Rambo ou ajudasse Frank Sinatra a cantar melhor New York, New York.
Em relação ao tipo de negócio que falei, esse tipo de empresas não cede o código fonte aos clientes. Se o fizesse o negócio morria.
Quanto ao conceito de monopólio, não é bem como afirma. Pode ir junto do autor da música ou do estúdio de cinema e comprar-lhe o direito de produzir uma obra derivada. Paga e a partir daí pode desenvolver o seu negócio.
Ludwig,
ResponderEliminarEste debate é circular e prefiro sinceramente os debates quadrados. Insisto apenas que a lógica da partilha (tendo em conta a vida autónoma do produto criado) só encontra consistência nas licenças como o modelo GNU/GPL em que os autores por um lado reiteram a autoria, e por outro desdenham dos direitos da venda. Na minha modesta, parece-me que a tua razão se inscreve apenas e só nesta modalidade. Em tudo o resto estás a levar uma cuecada do Parente.
O Parente fala sem conhecimento de causa.
ResponderEliminarNo caso da música existem diversos sites de colaboração online, onde a música é distribuida livremente com o intuito de ser melhorada e que cada um contribua com algo mais para a produção (semi)final.
Ver estes exemplos:
http://musicollaborate.com/
http://www.kompoz.com/compose-collaborate/home.music
http://digitalmusician.net/
Noutros casos ainda se vai mais longe, podendo gravar-se online em tempo real: http://www.ejamming.com/
Em relação à criação online de filmes, as portas também já estão a ser abertas. Basta ver este site onde se podem criar sequências com clips contribuidos pelos diferentes membros da comunidade:
http://www.jumpcut.com/
Bruce,
ResponderEliminarA licença presume a lei que concede monopólios. Nota que não há licenciamento de equações trigonométricas. Eu posso escrever algo como
k1*sin(w*a1+b1)+k2*sin(w*a2+b2)...
sem pedir licença a ninguém. Um ficheiro mp3 é essencialmente um conjunto de expressões destas. Um dos meus argumentos é que não é por uma combinação linear de funções sinosoidais dar um gráfico análogo ao da intensidade de som de uma música que essa combinação linear passe a ser proprietária. Já estava no domínio público e não deve de lá sair.
Se assumirmos as expressões algébricas como domínio público deixa de haver sequer possibilidade legal de licenciamento de conteudo digital, tal como não podes licenciar o seno de 23.
O meu argumento é que se isto acontecer continua a haver arte e mercado e todas essas coisas, e passa até a haver mais inovação e melhor serviço. É uma regra geral nos mercados: monopólio=chatices.
Helder Sanches
ResponderEliminarNão é desse modelo de partilha de música que estamos a discutir.
O que está em causa é um produto comercial que o Ludwig defende ser possível copiar sem pagar ao autor original.
Um dos meus argumentos é que não é por uma combinação linear de funções sinosoidais dar um gráfico análogo ao da intensidade de som de uma música que essa combinação linear passe a ser proprietária.
ResponderEliminarQualquer registo pressupõe a utilização de tecnologia. Imagina que no tempo de Gutemberg alguém se tinha saído com este argumento e que os escritores refractários nada tinham editado em livro para se defenderem daquilo a que, legitimamente, poderiam chamar parasitismo...
Com este argumento estás ainda a acrescentar a ideia de que o produto de origem é "trasferido" por um processo de registo para OUTRO produto final. A ser verdade, ninguém escreveria "Beethoven" num CD.
Ludwig:
ResponderEliminarQuando entras pelo argumento das equações perdes a razão toda.
É ilegal manuscreveres um livro alheio (por exemplo do Harry Potter) e vendê-lo.
No entanto, ao manuscreveres esse livro, estás a criar um conjunto de desenhos originais.
Pior, não existe nenhum critério, em termos de desenhos, que possa determinar se X desenhos são ilegais ou não. Há quase infinitos desenhos que se tornam proibidos apenas por tornar ilegal a cópia do Harry Potter.
Isso acontece porque ao contrário daquilo que alegas, quando se proibe que vendas uma cópia manuscrita do Harry Potter não se está controlar o meio de transmissão, mas a própria ideia. Se contasses o livro ao amigo, "palavra por palavra" podias - era como emprestares o livro - mas se gravares a história numa cassete e a venderes, aí também será ilegal.
Isso mostra que o que esstá em jogo aqui é a ideia - e toda a gente sabe disso - e não o suporte.
E esquece o argumento segundo o qual se podes emprestar um livro então não é a ideia que importa. Isso são questões práticas de uma lei que serve para proteger a ideia e não um determinado produto. E se falares na origem da lei, não te esqueças que o relevante é aquilo que a lei é hoje.
Se argumentares que não se deviam proteger "ideias" - (sendo a ideia a música e não as equações que lhe servem de suporte) - podes ter bons argumentos e ser convincente. Se argumentas que não se pode ser dono de sequências de 0s e 1s, parece que te esqueces que não importam os 0s e 1s mas simplesmente aquilo a que eles servem de suporte - e claro que isso é que é relevante.
Bom amigo João Separatista Vasco,
ResponderEliminarNão resisto confrontá-lo com o inopinado abandono do DA, e faço-o em nome dos seus estóicos colegas que lá se mantêm apesar do insuportável cheiro a suor. Urge um recrutamento e renovação das bases, um incenso, uma janela aberta, umas fanecas na assistência, um janízaro sofisticado a fazer de coro grego.
A sua ausência é desleal.
P.S.
Desculpem-me os germanófilos por há pouco ter escrito mal Gutenberg.
João,
ResponderEliminar«Se argumentas que não se pode ser dono de sequências de 0s e 1s, parece que te esqueces que não importam os 0s e 1s mas simplesmente aquilo a que eles servem de suporte - e claro que isso é que é relevante.»
No artigo 1 do código de direitos de autor está:
«As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código.»
Mas a lei é pouco coerente. Por exemplo, a sequência de números e nomes na lista telefónica não é protegida. Podes copiar esses numeros à vontade desde que não copies o grafismo das páginas. Por outro lado se for os valores de pressão do ar à saida das colunas já pode dar chatice ser os gravares em CD. Mas se os imprimires em papel duvido que te possam processar.
Mas isso é o que a lei é. Um amontoado de regras sem grande coerência. Ao fim de 79 artigos basicamente a dizer que só o dono dos direitos pode isto e aquilo, no artigo 80º do código de direitos de autor vem:
«Será sempre permitida a reprodução ou qualquer espécie de utilização, pelo processo Braille ou outro destinado a invisuais, de obras licitamente publicadas, contando que essa reprodução ou utilização não obedeça a intuito
lucrativo.»
Ou seja, a lei é o que se quiser. Se a lei proibir o 23, o 23 passa a ser proibido e pronto.
O que importa aqui é o que a lei deve ser. E aí temos que ver isso do suporte da ideia ou da obra.
Supõe que eu faço uma lista do género
1: rosa
2: amor
3: lábios
...
Agora escrevo um poema assim:
23 12 16, 35
127!
28. 28? 93, 6, 2.
...
A questão que temos que pôr é se esta escolha de suporte para a minha ideia me deve permitir automaticamente ter o monopólio da transmissão destes números.
A minha resposta é não, isso é um disparate. Funcionava mais ou menos quando a escolha do suporte era muito limitada e quando exigia recursos industriais. Por exemplo fabricar livros ou discos.
Quando a escolha do suporte é limitada mas a actividade é privada já sou contra. Por exemplo, não me pareceria razoável nos anos 80 e 90 ter a ASAE da altura a bater à porta das pessoas a ver quem gravava cassetes, ou quem andava ao telefone a transmitir músicas a outras pessoas.
Quando a escolha de suporte é arbitrária isto deixa de fazer sentido. E nota que basta encriptar um ficheiro para que a escolha do suporte seja completamente arbitrária (é disso que depende a encriptação, senão quebrava-se num instante).
Por isso proponho que o direito exclusivo de cópia de conteudos digitais é absurdo. Tão absurdo como eu ficar dono da sequência 23 12 16 só porque escrevo um poema e decido representá-los assim.
Isto por duas razões principais. Primeiro porque as sequências de números e a àlgebra são algo que já está no domínio público. A ideia fundamental dos direitos de autor é incentivar a divulgação de obras com o intuito de que, eventualmente, se tornem domínio público. É contrário a este propósito tirar coisas do domínio público, e tirar a àlgebra do domínio público por causa dos músicos é um exagero.
Segundo porque uma sequência de números e operações algébricas não é, por si, suporte de qualquer criação artística. A sequência pode ser uma descrição de qualquer obra, e uma obra pode ser descrita por qualquer sequência. Tudo depende da tabela de correspondências que se usar. Esta é uma diferença importante entre a representação numérica e a cópia. A cópia tem algo de análogo. A representação digital é totalmente arbitrária.
O resultado é que ou se limita a lei à regulação do comércio ou então a lei torna-se efectivamente uma forma de proibir o acesso à arte a quem não pague. E isso é uma forma absurda (e injusta) de incentivar a arte.
Nota que em lado nenhum a lei diz que é proibido ouvir música sem recompensar o gestor de direitos, mas a forma como é implementada no meio digital é precisamente vendo se o utilizador está a descarregar aquela sequência (qualquer que seja) para ouvir a música.
Chiça, granda lençol que eu escrevi. Assim é que noto que o tempo que eu demoro a escrever um post não é bem pelo que escrevo, mas pelo que apago :)
ResponderEliminarLudwig
ResponderEliminarNão é fácil acompanhar um texto juncado de analogias quando o que está em causa é apenas a relação de propriedade do autor sobre o seu trabalho. Se eu escrever um livro, não achas justo que me paguem à peça? Será que desde que inventaram o lápis que eu não sou dono do emaranhado de tracinhos que deixo no papel? Será que os tracinhos deixam de ser meus por serem tracinhos?
Com o devido respeito Lud, os lençóis começam a parecer-me a Arte da Fuga. E para essa escolheste o "suporte" errado...
Bruce,
ResponderEliminar« Se eu escrever um livro, não achas justo que me paguem à peça? »
Não. Acho justo que te paguem à hora de trabalho ou em função daquilo que quem te paga acha do livro. As cópias é a máquina que as faz, porque raio hás tu de receber por isso?
A mim pagam-me à hora e não em função do ordenado que os meus alunos vão ter... Achas justo? Eu acho.
«Será que os tracinhos deixam de ser meus por serem tracinhos?»
Se é o teu papel, os teu lápis e foste tu que fizeste os tracinhos não há dúvida. É tudo teu. Mas se os tracinhos que fizeste podem ser representados por um 8, o 8 não é teu. Se desenhaste um triângulo não és dono dos triângulos. E se o padrão de tons do que ficou no papel pode ser representado por uma sequência de números não és dono dessa sequência de números. És dono do papel, do lápis, e daqueles tracinhos nesse papel.
Desculpa lá ter usado outra analogia, mas desta vez foi por tua causa :)
ResponderEliminarAgora vou evitar o argumento por analogia.
Receber à cópia é injusto. Há dois critérios que podemos usar para aproximar a ideia de "justiça" neste contexto. Um é pelo esforço, tempo, e mérito do resultado. Receber à cópia não fica sequer na vizinhança disso.
O outro é pelo mercado livre, onde a concorrência pelo dinheiro do comprador dá uma recompensa "justa", para certas definições de justiça, pelo trabalho do vendedor. Mas receber à cópia exige a criação de monopólios e lá se vai o mecanismo da livre concorrência.
A forma mais justa de pagar a um músico é a mesma que se usa para as outras profissões todas. Em função seu trabalho.
Faço um esforço sincero para te perceber, e acho que é em
ResponderEliminarAs cópias é a máquina que as faz, porque raio hás tu de receber por isso?
que posso resumir a minha perplexidade.
"A forma mais justa de pagar a um músico é a mesma que se usa para as outras profissões todas. Em função seu trabalho."
ResponderEliminarEu vou junto de um potencial empregador e digo: trabalho para vocês por 70 mil euros/ano. O empregador ri-se na minha cara e diz-me para ir bater a outra porta. Eu vou. Bato a muitas portas até que me resigno e concluo que o meu trabalho só vale 15 mil euros por ano. É o que alguém está disposto a pagar em função do meu trabalho.
Um músico não tem um patrão mas milhões de patrões. Vai junto deles e diz: fiz este conjunto de composições, é o fruto do meu trabalho, por ele cada um de vós paga-me 15 euros. Dos 30 milhões de potenciais patrões, 10 milhões reconhecem valor ao artista e aceitam pagar cada um 15 euros. Por isso, o artista recebe 150 milhões de euros. Foi pago em função do seu trabalho. Parece-me justo.
Se acabar este modelo o que sucede? Eu não posso negociar o meu trabalho, há alguns patrões que me pagam o mínimo possível e outros dizem-me que aceitam, generosamente, que eu trabalhe para eles de borla. E podem oferecer-me aos amigos: "Eh pá, tenho aqui um parente simpático que trabalha de borla, pode usufruir do trabalho dele sem pagares nada". Ninguém me paga para as minhas necessidades básicas de sobrevivência e ao fim de um tempo morro de fome, sede e cansaço. Fui explorado e não ganhei nada com isso.
O mesmo modelo se aplica aos artistas: porque há-de alguém pagar o trabalho de um artista se o pode obter de borla? Porque hei-de eu comprar um cd na FNAC se o posso obter de borla? Se os "patrões" consumidores forem racionais tenderão a obter o produto gratuitamente. E o músico ou muda de profissão ou morre de fome. E morrendo o músico, morre a música.
Há outros argumentos sobre a analogia do 8 e porque é que o Bono é melhor remunerado do que o Ludwig mas fico por aqui.
Um artista não tem um patrão único.
Dr. Ludwig Krippahl,
ResponderEliminarPossuo uma memória auditiva muito desenvolvida, sempre que ouço uma música, basta uma única vez) consigo reproduzi-la internamente para deleite pessoal.
Recentemente instalei um chip no cérebro que me permite fazer uma gestão mais eficiente da biblioteca de músicas que tenho armazenadas em memória.
Acha que devo entregar-me à ASAE ?
Atentamente
Bitsucker
- com - dá +,
ResponderEliminar«Acha que devo entregar-me à ASAE ?»
Não. Mas se me chamas Dr. denuncio-te eu :)
António.
ResponderEliminar«Eu vou junto de um potencial empregador e digo: trabalho para vocês por 70 mil euros/ano.»
«Um músico não tem um patrão mas milhões de patrões. Vai junto deles e diz: fiz este conjunto de composições, é o fruto do meu trabalho, por ele cada um de vós paga-me 15 euros.»
Fez asneira. O músico devia dizer, tal como o António, quanto é que queria receber *ANTES* de fazer o trabalho. Se o António chegar à CML e disser, meus senhores, varri a Avenida da Liberdad toda. Está um brinquinho. Agora quero 1000 euros vão se rir de si. E devo dizer que é merecido. Devia ter pedido o dinheiro antes.
O que o músico deve fazer, e para isso não precisa de monopólio nenhum, é dizer posso gravar um àlbum se houver encomendas suficientes para me pagar 10000 euros. Se os patrões aceitarem, muito bem. Se não aceitarem, azar, vá bater a outra porta.
É claro que o músico precisa de curriculo antes de fazer isso. Mas isso todos nós precisamos. Ninguém emprega alguém com um salário de jeito sem ter um mínimo de garantia que a pessoa faz o trabalho.
O sistema como está é uma parvoice. O músico tem o trabalho, a discográfica grava os discos e cobra ao músico por isso. A discográfica vende cópias, desconta o que o músico lhe devia, dá 5% do que sobra ao músico e ainda pagamos à ASAE para ver se o pessoal só ouve música com licença. E isto para quê? Só para o músico ter o dúbio privilêgio de trabalhar antes de saber se lhe pagam? Acho que não vale a pena...
Vale a pena, Ludwig. O músico assume o risco de não vender um único cd e partilha esse risco com a editora. O negócio entre o músico e a editora não é de sua conta. A repartição entre eles não
ResponderEliminaré de sua conta nem da minha. Para isso é que o mercado é livre.
Através de uma série de mecanismos legais - regulamentação sobre defesa do consumidor, fiscalidade, etc - controlamos o trabalho do músico ou da editora. Mas não podemos ir mais além. É uma interferência ilegítima.
Um construtor de automóveis quando produz um novo modelo de automóvel não sabe quantas encomendas vai ter. Pode fazer estudos de mercado mas ninguém lhe garante que vai comprar um modelo. Quem abre uma loja num bairro qualquer não sabe se vai ter clientes. Muitas lojas, construtores de automóveis, etc, fecham porque estimaram mal a procura.
Não faz sentido um músico ter 10 mil potenciais clientes que lhe pagam 100 mil euros e depois aparecerem 2 milhões que usufruem do produto sem o pagar. Não é justo nem para o músico nem para os 10 mil que pagaram a música.
Esse modelo ruiria por si só. O músico tentaria criar mecanismos que lhe maximizassem o rendimento e se descobrisse que tinha 2 milhões de potenciais clientes na produção do segundo cd só aceitaria publicá-lo por troca de um rendimento muito superior. Os potenciais clientes ficariam à espera de obter o produto de borla. Ou chegava-se a uma situação em que ninguém comprava o cd e o músico não produzia ou então todos teriam de pagar para o músico produzir e este criaria mecanismos de protecção que impedissem os que queriam obter o produto gratuitamente de o conseguir: naturalmente seriam criados direitos de autor e impedidas as cópias.
Bruce,
ResponderEliminarEsta escapou-me, mas também só tem interesse histórico.
«Imagina que no tempo de Gutemberg alguém se tinha saído com este argumento e que os escritores refractários nada tinham editado em livro para se defenderem daquilo a que, legitimamente, poderiam chamar parasitismo...»
Originalmente, os direitos eram detidos pelas guildas de impressores. Os escritores vendiam o livro pelo dinheiro que conseguissem negociar, e a partir dai já não tinham nada a ver com o assunto.
Mais detalhes aqui
Lud,
ResponderEliminarEra inevitável que pegasses nessa. Dei o exemplo dos escritores por me parecer o campo onde é mais irrazoável o que dizes... Depois corrigi para a invenção do lápis mas já não fui a tempo.
De qualquer modo estive a fazer uma sondagem e descobri um músico que concorda com esse sistema de remuneração.
Hã? Tive ou não tive muita gracinha?
ResponderEliminarAlém disso, tentas desarmar-me com o tal poderio das distribuidoras que dizes ser inaceitável...
Bruce
ResponderEliminarpela pausa magnífica que me porporcionou no meio do trabalho com um dos meus pianistas preferidos de todos os tempos um sentido "thank you sir"
Cristy
Bruce,
ResponderEliminarSim, foi genial. Devias exigir direitos de autor pela piada ;)
António,
«Vale a pena, Ludwig. O músico assume o risco de não vender um único cd e partilha esse risco com a editora. O negócio entre o músico e a editora não é de sua conta.»
Mais uma vez estamos de acordo. Não é da minha conta. E mais uma razão para me opor à imposição de uma lei que proiba a toda a gente trocar descrições numéricas da música só para que eles possam fazer esse tipo de contracto.
Pois que façam um contracto normal e deixem os outros em paz, que não têm nada com isso.
Têm sim, Ludwig. O que o Ludwig troca não é uma sequência aleatória de números. O que faz é codificar uma produção alheia e reproduzi-la sem remunerar o autor e o distribuidor (com quem o autor fez um contrato) pela sua acção.
ResponderEliminarCom o seu último argumento o Ludwig fez uma coisa fantástica de que não teve consciência: legitimou teoricamente a espionagem industrial e militar. Quando a Rússia roubar planos militares aos EUA argumentará que apenas copiou uma descrição numérica dos planos e não os próprios planos em si. Imagino todas as agências internacionais de espionagem a legitimarem o pensamento do Ludwig. Mais nenhum espião irá para a prisão.
António,
ResponderEliminarA questão não é se a sequência é aleatória ou não. A questão é se a sequência é propriedade. Os programas de p2p encriptam as transmissões e cada vez que o mesmo bloco do mesmo ficheiro é transmitido a sequência de 0s e 1s é diferente. Não se pode restringir isto pela sequência. Tem que se restringir pelo uso que se dá à sequência, e isso não é proteger o suporte mas sim o acto de ouvir música sem pagar.
E isto não é defender a invasão de privacidade ou espionagem. O facto do código de direitos de autor em Portugal não cobrir relatos simples de notícias e acontecimentos não é o mesmo que autorizar as pessoas a espiar o António e dizer o que anda a fazer na privacidade do seu lar. A protecção da privacidade e segredos de estado não necessita da concessão de monopólios sobre a cópia.
Ludwig
ResponderEliminarPor mais voltas que dê aos seus argumentos esbarra sempre no mesmo problema: encripte ou não encripte, p2p ou seja o que for, ganha acesso a um produto que alguém produziu e outro pagou para utilizar. No seu caso, a cópia significa um acto que prejudica terceiros: o artista, o produtor da música, o distribuidor, quem optou por pagar a música em vez de a copiar,o próprio Estado que não cobra imposto sobre a transacção, etc, etc.
O argumento do "monopólio" que utiliza é falacioso porque não há aqui nenhum monopólio: qualquer um pode produzir uma música ou um filme. O distribuidor paga ao artista para copiar e distribuir o produto. Se quer fazer uma cópia faça o mesmo.
No seu caso há um monopólio porque quer determinar as regras do mercado e dar ao consumidor todo o poder sobre o trabalho alheio. Não é justo.
António,
ResponderEliminar«Por mais voltas que dê aos seus argumentos esbarra sempre no mesmo problema: encripte ou não encripte, p2p ou seja o que for, ganha acesso a um produto que alguém produziu e outro pagou para utilizar.»
Correcto. Mas note que aqui passamos para um domínio completamente diferente. Não estamos a regular uma forma específica de exprimir uma ideia artística, como se faz com o copyright sobre discos e filmes, mas a regular o acesso à arte e à criatividade.
Por muito que prejudicasse o negócio da arte eu nunca iria concordar que nos proibissem de emprestar livros para condenar o «acesso a um produto que alguém produziu e outro pagou para utilizar.»
Esse é um problema grande no conteúdo digital. Com linguagem natural uma coisa é o livro do Harry Potter outra coisa é çlkjsadçljkgsyoig... Não são o mesmo.
No conteúdo digital não se pode fazer esta distinção. O único teste que pode determinar o que um ficheiro codifica é aquilo para o qual a pessoa o usa. E aí estamos efectivamente a legislar o que as pessoas ouvem ou vêm. Justifica-se para proteger a privacidade ou para proteger crianças da pedofilia, mas não se justifica para proteger um negócio.
"Com linguagem natural uma coisa é o livro do Harry Potter outra coisa é çlkjsadçljkgsyoig... Não são o mesmo."
ResponderEliminarNinguém está interessado no çlkjsadçljkgsyoig. O pessoal quer é ter acesso à linguagem natural do Harry Potter. Ambos andamos no metro e sabemos que não se vê ninguém a ler çlkjsadçljkgsyoig. Mas eu vi ontem uma rapariga a ler uma coisa extreamente esquisita e que me fascinou: Abissologia, a ciência do abismo ou, dito de outro modo, a ciência transitória do indescernível.
A abissologia reflecte-se numa ficção que se detém na composição literária de uma ciência específica dos corpos pensada em função da condição fenomenológica/ontológica do mínimo visível - o que quase não se vê ou o que quase não tem existência para um observador - seja na visão eclipsada do olho, no instantâneo de uma explosão ou no movimento complexo da água.
Ofereço-lhe a abissologia de borla. Investigue, é um tema fascinante.
Emprestar livros é diferente de copiar. Um empréstimo é uma transmissão temporária de posse, o livro ou o suporte digital volta ao seu autor. Eu nunca empresto livros nem cd's. Nunca mew devolveram os que emprestei. E tive de comprar novos exemplares.
ResponderEliminarQuanto ao acesso à criatividade e à arte, esse argumento não é válido. Cada um é livre de aceder à arte e à criatiidade. Pode tornar-se artista ou produzir. Outra coisa é aceder à criatividade dos outros. Aí justifica-se que se pague.
Quanto ao seu argumento final, "a protecção do negócio", na minha opinião deve ser protegido.
António,
ResponderEliminar«Ninguém está interessado no çlkjsadçljkgsyoig.»
Certo. Porque çlkjsadçljkgsyoig não é uma cópia do Harry Potter. Penso que nisso estamos de acordo.
Mas suponha que um programa no PC transforma uma sequência dessas (pode ser mais comprida mas igualmente ininteligivel) no texto do Harry Potter. Essa sequência não é uma cópia do Harry Potter mas permite obter uma cópia do Harry Potter. E isso já interessa a muita gente.
O problema do conteúdo digital é que a sequência de 0s e 1s só é cópia de uma sequência igual. Não é cópia de livros, nem de musicas nem nada disso. É algo abstracto. Mas para qualquer sequência de 0s e 1s há um numero infinito de processos que podem resultar numa cópia do Harry Potter no ecrã ou na impressora.
Quando proibimos a transmissão dessas sequências não estamos a regular a transmissão de cópias. A cópia é algo que a pessoa faz em casa se fizer (duvido que alguém que tenha cem mil ficheiros mp3 em partilha tenha tempo para ouvir todas as músicas). Estamos a proibir a transmissão de toda a informação que possa ser usada para um propósito. E isso é censura, é muito mais forte do que a mera regulação comercial pode justificar.
«Quanto ao acesso à criatividade e à arte, esse argumento não é válido. Cada um é livre de aceder à arte e à criatiidade. Pode tornar-se artista ou produzir. Outra coisa é aceder à criatividade dos outros. Aí justifica-se que se pague.»
Se o António é contra o domínio público, a partilha de conhecimento científico, a livre utilização da matemática e da linguagem e o ensino público gratuito então os nossos valores são demasiado diferentes para podermos concordar. Mas ainda bem que não vivemos numa sociedade regida pelos seus princípios de nunca aproveitar a criatividade dos outros sem pagar. Ainda andavamos a comer carne crua numa caverna a juntar conchinhas para licenciar o uso do fogo por esta semana...
Ludwig
ResponderEliminarO que se proibe é a transmissão de informação objecto de actividade comercial e sem autorização do respectivo proprietário. Parece-me simples.
Em relação à segunda parte do seu comentário, deixa-me abismado. O que estamos a discutir é a cópia simples de uma música, de um filme, de um jogo de computador, de um livro. O Ludwig tenta transportar o tema para o "domínio público", o uso da matemática e da linguagem, o "ensino público gratuito" e fala em "valores" em relação aos quais não podemos "concordar". E regressa ao tempo das cavernas.
Esquece-se que nesse tempo não existia a moeda como instrumento de valor e de troca e que nessa altura se vivia em comunidades que partilhavam tudo, não existindo o conceito de propriedade privada como existe hoje.
Fugiu completamente do tema que estavamos a discutir.
Os nossos valores são iguais no que respeita à difusão da matemática, da linguagem ou do ensino público gratuito, penso eu. Até na questão do domínio público teremos ideias semelhantes. Onde divergimos é na transmissão digital de conteúdos de natureza comercial cuja transmissão é regulamentada por lei.
O valor de um bem depende da procura e da sua disponibilidade. Limitar artificialmente a disponibilidade de um bem sempre foi uma estratégia injusta e condenada ao fracasso.
ResponderEliminarClaramente os autores terão que encontrar outro modelo de financiamento, não me parece grave - afinal a criatividade é a especialidade deles.
Os editores talvez tenham que procurar outro negócio - é bom para todos e é melhor começarem já!
Ludwig,
ResponderEliminarUm vaso pode ser uma obra de arte, proibindo a sua cópia, não estás a proibir o manuseamento ou a circulação do barro. Da mesma forma quando proíbes a cópia de um mp3 não implica o mesmo para os números.
Mário,
ResponderEliminarIsso seria verdade se pudesses especificar logo quais as sequências de números a proibir, tal como podes especificar que vasos é proibido fazer. Por exemplo, não se pode fazer um vaso com o mesmo tamanho e o mesmo desenho para não passar por falsificação.
Mas se proibes a transmissão daquela sequência de números naquele mp3 é o mesmo que nada. Transmite-se com outra qualquer.
O que tens que proibir é tudo o que permita recriar o mp3, o que equivale a proibir qualquer descrição detalhada do vaso. Isso é censura.
Essa é a diferença do conteúdo digital. As sequências de números são descrições e não cópias. São sequências simbólicas com uma semântica arbitrária e não materializações de algo análogo ao original (como o vaso falsificado, o zig-zag das ranhuras no disco de vinil ou o padrão de cores na fita do filme).
"Essa é a diferença do conteúdo digital. As sequências de números são descrições e não cópias. São sequências simbólicas com uma semântica arbitrária e não materializações de algo análogo ao original (como o vaso falsificado, o zig-zag das ranhuras no disco de vinil ou o padrão de cores na fita do filme)."
ResponderEliminarUsando a ironia como recurso argumentivo eu diria que O Ludwig nos diz que ao copiar-se uma sequência simbólica de Mozart no final sai-nos a Ana Malhoa ou os saudosos Três Queijinhos Frescos.
Onde se lê "Três" leia-se "Dois".
ResponderEliminarLudwig:
ResponderEliminarContinuas a insistir nesse ponto, mas creio que sem razão.
Agora tenho um exemplo mais elucidativo.
Estamos no século passado, e tu publicas um livro que é igual ao da concorrência (que pagou ao autor) só que tem um "_" entre cada letra de uma palavra. Dá um pouco mais trabalho a ler, mas não muito.
A editora da concorrência põe-te em tribunal porque obviamente violaste os direito de autor. Aí tu respondes: "nada disso! Eu usei uma sequência de letras completamente diferente da sequência original. Podemos dizer que existe um algoritmo para transformar uma na outra, mas é possível fazer isso para infinitas sequências diferentes. Dizer que eu não posso editar este livro sem pagar ao autor do outro, seria fazer o autor tornar-se dono dos "a"s e dos "b"s. Ninguém pode ser dono do alfabeto"
Claro que o juiz rir-se-ia da tua argumentação. O que está protegido é o texto, e não aquela sequência de caracteres. E se a letra da lei diz que é a sequência de caracteres, muda-se tal letra. O espírito da lei é claro: aquilo que fizeste é ilegal.
E nisto, o digital não vem acrescentar nada.
João,
ResponderEliminar«Estamos no século passado, e tu publicas um livro que é igual ao da concorrência (que pagou ao autor) só que tem um "_" entre cada letra de uma palavra. Dá um pouco mais trabalho a ler, mas não muito.»
Certo. Isso é cópia. O juiz olha para aquilo e vê que o texto é análogo ao original, excepto os _. Não interessa o que eu vou fazer com isso, nem se eu sou chinês ou se percebo o que está lá escrito. O texto, por si só, é cópia por ser análogo.
Isto funciona porque o critério para determinar se é cópia ou não baseia-se num conjunto fixo de testes. Olha-se, vê-se se é semelhante, e isso decide. O mesmo para as traduções.
Mas agora supõe que o que eu faço é escrever um procedimento que permite calcular uma sequência de letras a partir do número Pi. A pessoa calcula Pi a 100,000 casas decimais (ou vai ver a uma tabela), depois pega em cada dígito e soma ou subtrai um valor e isso é a letra do alfabeto (ou o código ascii, para ter espaçoes e pontuações).
Este conjunto de cálculos não é uma cópia do livro. O juiz lê o "ao primeiro digito some 3, ao segundo subtraia 1, ao terceiro some 20" etc e não vê lá nada de parecido com o livro original.
É verdade que este procedimento permite fazer uma cópia do livro, mas isso é diferente. Qualquer conjunto de números ou caracteres, se interpretado de forma adequada, permite fazê-lo.
A grande diferença é que se o juíz quer regular isto, quando olha para o livro "era uma vez..." e olha para algo como "0100100101011010..." vai ter que saber se a pessoa quer usar o segundo para recriar o primeiro, porque as sequencias por si não dizem nada.
No conteudo digital já não se está a regular a expressão material de uma obra (a cópia) mas sim o uso de informação em abstracto. Ou seja, é censura.
Imagina que há umas décadas o pessoal começava a duplicar livros ditando-os por telefone. Os editores queriam acabar com isso e aprovavam um alei que proibia ditar livros por telefone. Então o pessoal pegava na bíblia, e em vez de dizer a sequência de letras do livro a ditar dizia uma sequência de números que indicava a posição dessas letras na bíblia. Vai daí os livreiros proibem isto também, e os tribunais começam a condenar todo e qualquer telefonema que possa permitir ao receptor duplicar o texto.
É isso que se tem que fazer no conteúdo digital, e é isso que eu considero inaceitável.
Ludwig:
ResponderEliminar«Certo. Isso é cópia. O juiz olha para aquilo e vê que o texto é análogo ao original, excepto os _.»
Mas os "_" são cerca de metade do texto. Não são nada irrelvantes. Na verdade, o texto não é nada igual ao original: nem sequer tem mais de três caracteres seguidos iguais em parte alguma. É extremamente diferente do texto original.
Claro que para um leitor é facílimo fazer a transformação.
Mas se aquilo que estivesse protegido fosse a sequência de caracteres e não o texto (a ideia), então seria irrelevante que fosse fácil fazer a transfmormação: a verdade é que a cadeia de carateres seria extremamente diferente. Por essa razão a tua não-cópia seria legítima.
E pelos vistos concordaste que isso é absurdo.
Nota que não há nenhum critério matemático para dizer que uma cadeia de caracteres é "análoga" à outra. Ou qualquer critério que a lei encontrasse poderia sempre ser contornado.
Mas o juiz saberia que o objectivo da lei era proteger o texto, e sabendo que a intenção da tua cadeia de caracteres era ser facilmente transformada no texto que se pretende proteger, seria óbvio que a tua edição estava ilegal.
Isto não tem a ver com proibir os "a"s e os "b"s apenas porque não há limite para as cadeias de caracteres que os juízes pudessem considerar ilegais.
Isto tem a ver com proteger textos e não cadeias de caracteres. E tem a ver com ser relativamente fácil destrinçar quando é que a intenção é encontrar um suporte para um texto protegido ou outra qualquer.
Entendo que consideres que as ideias não deviam ser protegidas. Mas isso é uma opinião tua, que até tens defendido bem.
Mas creio que te enterras cada vez que argumentas que para defender certas ideias seria impossível enviar "0"s e "1"s. Seria possível, desde que estes "0"s e "1"s não fossem obviamente uma forma de transmitir as ideias que estão protegidas.
João,
ResponderEliminar«Nota que não há nenhum critério matemático para dizer que uma cadeia de caracteres é "análoga" à outra.»
Precisamente. O critério é um de percepção. Se o juíz olha para as duas e parece uma copiada da outra é cópia. O que é muito subjectivo, e quando aplicado a personagens e narrativas dá uma grande complicação.
Vê aqui por exemplo.
Mas isso é secundário. Eu não concordo com este sistema de protecção, mas pelo menos sabe-se, de alguma forma, o que é cópia e o que não é cópia.
Agora imagina que um tipo quer o Harry Potter e eu mando-lhe todas as letras par e tu todas as letras impar. Quem mandou uma cópia? Se ainda é cópia, imagina que nós primeiro transformamos as letras noutras e reordenamos de acordo com uma função que o tipo sabe inverter. Ou que eramos 20 e não apenas 2. Ou 20 mil e cada um mandou só uma letra.
Se houver um limite que possas definir a partir do qual não há violação do direito sobre a cópia então acaba-se o copyright porque o pessoal já tem uma forma autorizada de enviar o que quiser. Basta estar fora desse limite.
Se não há esse limite então estás a dizer que tudo é cópia de tudo. Nota que eu posso-te enviar o Harry Potter na forma de sonetos de Camões.
«Entendo que consideres que as ideias não deviam ser protegidas. Mas isso é uma opinião tua, que até tens defendido bem.»
Não é só minha. É das poucas em que eu estou de acordo com o código de direitos, logo no artigo 1:
«As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código.»
Ludwig:
ResponderEliminarCom tanta gente a acusar-te de seres falacioso, chegou a minha vez de dizer que cometeste uma falácia, eh!eh!eh! Ao menos espero não ser tão injusto como muitos dos que já te fizeram esta acusação.
No último parágrafo da tua mensagem citas a lei para justificar a tua posição de qe esta não protege "ideias". No entanto a palavra "ideia" pode ter vários entendimentos consoante o contexto. E tem um entendimento diferente no contexto que estamos a discutir e no contexto no qual se insere o legislador que escreveu o que citaste.
Por exemplo: o Eça escreveu um texto (romance) ao chamou "os Maias" no qual ocorria um incesto.
O que é que a lei protege? O texto ou a ideia? Neste contexto parece-me óbvio que é o texto. Não vamos perseguir qualquer indivíduo que escreva um romance centrado à volta de um incesto. Ou à volta da sociedade portuguesa no século XIX. Neste contexto o legislador êsclareceu para que não houvesse dúvidas: a lei não protege ideias.
Mas vamos mudar o contexto da discussão. Tu escreves:
"Ah! Raios!
Parti os dados.
Fugi de casa.
Falta-me pão."
Agora chega alguém e escreve:
"Oh!Damm!
I broke the dice.
I ran away from home.
I have no bread"
As sequências de caracteres não têm nada a ver. E até é discutível que a segunda possa ser transformada inequivocamente na primeira. Ou a primeira na segunda.
Ainda assim, parece óbvio que uma lei de direitos de autor que se aplique à primeira sequência de caracteres, aplica-se também à segunda.
Porque o que importa não é a sequência de caracteres, mas o texto.
E o texto é uma IDEIA que é protegida.
Uma ideia com um grau de precisão suficientemente grande para que noutros contextos seja considerado algo concreto e não uma ideia. Foi esta a forma de pensar dos legisladores que escreveram a lei.
Mas tu sabes a que é que eles se referiam quando escreveram que a lei não protegia ideias. Eles não queriam dizer que a lei não protege textos e músicas mas apenas objectos, mas sim que a lei não protege as ideias importantes nessas músicas e textos mas apenas as músicas e textos em si.
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«Se houver um limite que possas definir a partir do qual não há violação do direito sobre a cópia então acaba-se o copyright porque o pessoal já tem uma forma autorizada de enviar o que quiser.»
Eu creio que existe um limite.
Se existe uma lei que protege uma ideia precisa - um texto, uma música, um filme - eu posso enviar qualquer ficheiro que não procure violar a protecção que a lei confere.
Se eu enviei um ficheiro, e um tribunal prova que o meu objectivo era violar a protecção conferida por lei, então mereço ser condenado. E como é que um tribunal prova isso? Bom, no caso do livro cheio de "_" é fácil. E no caso de muitos dos ficheiros que são partilhados na internet também.
João,
ResponderEliminar«No último parágrafo da tua mensagem citas a lei para justificar a tua posição»
Não era essa a minha intenção. A minha posição acerca de alguém ser dono de ideias é independente da lei que temos aqui e agora. A justificação é muito mais fundamental, e provavelmente é a mesma que justifica a lei ser assim. Apenas estava a mencionar que, neste caso, a lei e eu estamos de acordo. Ou seja, não é apenas a minha opinião, é também a lei que temos.
«Eles não queriam dizer que a lei não protege textos e músicas mas apenas objectos, mas sim que a lei não protege as ideias importantes nessas músicas e textos mas apenas as músicas e textos em si.»
Sim, o texto em si. A música. Não uma descrição numérica do texto. Ou uma descrição numérica da descrição numérica do texto. Ou uma descrição de um processo para obter uma descrição numérica que especifique a descrição numérica do texto. Etc.
«Se eu enviei um ficheiro, e um tribunal prova que o meu objectivo era violar a protecção conferida por lei, então mereço ser condenado.»
Mas a protecção protege o quê? O direito do autor de impedir que o receptor da tua mensagem tenha acesso à obra sem pagar? O direito do autor de proibir que tu divulgues descrições da obra que sejam suficientemente detalhadas para que alguém usufrua da obra sem pagar? Se são estes direitos então sim, o tribunal tem razão em condenar-te por estar a violar estes direitos. Mas estes direitos são absurdos. Ninguém tem o direito a censurar os outros só porque escreveu uma música.
Mas se for um direito exclusivo sobre a cópia então o tribunal só te deve condenar se o ficheiro que enviaste foi mesmo uma cópia. E para isso tem que definir o que é e o que não é cópia.
«Sim, o texto em si. A música. Não uma descrição numérica do texto. Ou uma descrição numérica da descrição numérica do texto. Ou uma descrição de um processo para obter uma descrição numérica que especifique a descrição numérica do texto.»
ResponderEliminarO texto em si é uma ideia.
A música em si é uma ideia.
Ela pode ser representada por uma sequência de sons, por uma pauta, por um conjunto de 0s e 1s.
O texto pode ser representado por uma cadeia de letras - infinitas cadeias de letras - ou por uma cadeia de 0s e 1s - infinitas cadeias de 0s e 1s - ou de outras formas.
Um .txt é apenas um de muitos suportes de um texto, como um .mp3 é apenas um de muitos suportes de uma música.
A cadeia de letras é uma descrição do texto.
Quando tu vendes um "Harry Potter" tu estás a vender uma descrição do texto - através de caracteres do nosso alfabeto.
E quando tu traduzes o Harry Potter e o vendes, tu continuas a vender uma descrição do Harry Potter - mesmo que a cadeia de caracteres seja substancialmente diferente daquela que a autora usou.
Mas a descrição é tão precisa, que na verdade é razoável dizer que "estás a copiar o texto", mesmo que a cadeia de caracteres não tenha nada a ver.
O mesmo se passa com os 0s e 1s. Eles constituem uma descrição da música. Da mesma forma que o CD original. Uma descrição tão precisa, que chamamos-lhe "cópia do original".
E é isto que é proibido por lei.
João,
ResponderEliminar«O texto em si é uma ideia.
A música em si é uma ideia.»
Temos que esclarecer os termos primeiro. Uma ideia é um padrão de actividade cerebral. A ideia da música, a ideia do texto, a ideia de ir de férias, etc.
A música é uma sequência de sons. O texto é uma sequência de letras formando palavras etc.
Eu proponho que legislar padrões de actividade cerebral é inaceitável, e penso que nisso estamos de acordo.
As ideias são expressas de várias formas. O que estamos a discutir é se regulamos ou não certas formas de exprimir uma ideia. Regular todas as formas de exprimir uma ideia é o mesmo que regular a ideia em si. Isso é o que se tenta com a censura, e isso é o que presumo estamos de acordo que não se deve fazer.
Vê este exemplo.
«O mesmo se passa com os 0s e 1s. Eles constituem uma descrição da música. Da mesma forma que o CD original. Uma descrição tão precisa, que chamamos-lhe "cópia do original".»
Estás no restaurante e vês uma pessoa a comer uma mousse que parece deliciosa. Dizes ao empregado "quero uma igual àquela". Ele trás-te um papelinho com a receita. É uma descrição tão precisa do processo de obter a mousse, diz ele, que é uma "cópia do original".
Outro problema é que tu não estás a distinguir a cópia da descrição. A receita não é a mousse. A cópia é algo que retêm umas propriedades do original de tal forma a ser semelhante ao original nessas propriedades. Uma foto da tua cara partilha o padrâo de cores que a tua cara reflecte quando vista daquele ângulo. É uma cópia desse aspecto da tua cara.
Uma sequência de números que em grelha dá os valores RGB dessas cores não é uma cópia. É uma descrição, uma receita, pois não partilha essa propriedade com a tua cara. Apenas permite criar algo que a partilhe.
Imagina que eu dou ao meu irmão uma descrição detalhada de uma máquina que, se construida, quando se dá à manivela reproduz uma música que tu compuseste. Achas que a descrição desta máquina deve contar como cópia da tua música?
E se for uma máquina virtual?
«O texto é uma sequência de letras formando palavras etc.»
ResponderEliminarO texto não é uma sequência de letras, mas sim a ideia que lhes está subjacente.
Eu dei dois bons exemplos que expõem com clareza a razão pela qual o texto NÃO é uma cadeia de caracteres, e vou repeti-los:
a) O texto A, e o texto A com um "_" entre cada letra. Um é uma cópia do outro, mesmo que a cadeia de caracteres seja totalmente diferente.
b) O texto B em inglês (por exemplo o Harry Potter) e a sua tradução para português. A cadeia de caracteres é totalmente distinta, e nem sequer existe qualquer transformação inequívoca de uma na outra. Ainda assim, trata-se obviamente do mesmo livro.
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«Regular todas as formas de exprimir uma ideia é o mesmo que regular a ideia em si.»
Mas tu também favoreces alguma regulamentação para a ideia em si. Na verdade vou explorar mais este ponto no meu comentário seguinte.
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O teu exemplo da mousse falha porque eu considero que a cadeia de caracteres original não é ela mais que uma descrição do texto. Assim sendo, tdas essas analogias deixam de fazer sentido.
Nota no entanto que eu não considero que um texto é "um padrão de actividade cerebral". Ou se o é, é como a ideia "2+2=4": diferentes pessoas podem associar esta ideia a diferentes sentimentos ou fazer as mais díspares associações - e por isso ter diferentes padrões de actividade cerebral - mas "2+2=4" não é uma cadeia de caracteres e sim uma ideia.
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«Imagina que eu dou ao meu irmão uma descrição detalhada de uma máquina que, se construida, quando se dá à manivela reproduz uma música que tu compuseste. Achas que a descrição desta máquina deve contar como cópia da tua música?»
Não só.
Vamos separar em partes: imagina que a tua máquina recebe uns cartões perfurados e faz música quando se dá à manivela (até existem e tudo!). Se tu inventaste a máquina e puseste um cartão perfurado que quando usado nessa máquina dá a minha música, então esse cartão perfurado é uma cópia.
Ludwig:
ResponderEliminarTu és contra o plágio.
Mas se consideras que o texto é uma mera sequência de caracteres, a tua posição torna-se indefensável.
Por exemplo: se eu traduzir um texto teu para inglês e assiná-lo como meu, não vejo em que medida poderias considerar condenável este acto.
Realmente eu teria pegado num texto, e usado essa inspiração (como uso a criatividade alheia ao socorrer-me da línguagem, da matemática, etc...) para escrever um novo texto. Seria legítimo assinar o meu nome.
Mas não é assim.
É porque um texto não é uma cadeia de caracteres. Tal como "24"(d) e "11000"(b) são a mesma coisa porque o número é uma ideia e não uma sequência de caracteres, também o Harry Potter em Português e Inglês são (quase) a mesma coisa, porque remetem para um mesmo texto. E é esse texto que deve ser protegido e não uma sequência de caracteres.
E tu entenderás isto no caso do plágio, suponho. Por isso espero que este exemplo tenha sido útil.
João,
ResponderEliminarConcordas que uma ideia é um padrão de actividade cerebral?
Concordas que um texto não é um padrão de actividade cerebral?
Era melhor resolvermos essa coisa por partes, por isso passo já ao resto:
«imagina que a tua máquina recebe uns cartões perfurados e faz música quando se dá à manivela (até existem e tudo!). Se tu inventaste a máquina e puseste um cartão perfurado que quando usado nessa máquina dá a minha música, então esse cartão perfurado é uma cópia.»
Agora imagina que esse cartão na máquina que tu inventaste faz tocar a minha musica. O cartão é cópia da minha música ou da tua música? Noutra máquina o cartão faz um desenho do Mickey. Noutra faz imprimir uma sequência de números. Etc...
O problema é que o cartão, por si, não é cópia de nada. Pode é ser usado para criar cópias do mickey, das nossas músicas, de sequências de números e o que for. Mas então o tens que regular é o que as pessoas fazem com o cartão, que é algo bem diferente de dizer que o cartão é cópia.
O problema do plágio não é copiares o texto. É dizeres que foste tu que o escreveste quando fui eu. É uma forma de calúnia. Eu escrevo um texto, tu copias e dizes que fui eu que copiei.
Tens aqui um exemplo do problema.
Seria legítimo assinares o teu nome na tradução. O que não é legítimo é dares a entender que fui eu que traduzi o teu texto, ou que tu fizeste mais que traduzir o meu. Não tem nada a ver com a regulação de cópia mas apenas com a honestidade.
«Seria legítimo assinares o teu nome na tradução. O que não é legítimo é dares a entender que fui eu que traduzi o teu texto, ou que tu fizeste mais que traduzir o meu.»
ResponderEliminarLudwig: eu li os Maias, o Drácula, o Castelo, e o processo. Decido escrever uma história passada no século XIX. Crio um texto novo, e é óbvio que estas leituras terão influência no meu texto. Mas não é desonesto não mencionar estas leituras.
Agora imagina que eu leio um texto - o teu. E agora decido criar uma cadeia de caracteres totalmente diferente - a tradução do teu texto.
Porque é que eu teria de assinar esta cadeia de caracteres nova e original com outro nome que não o meu? Em que medida é que este texto não é inteiramente meu, mas sim uma tradução do teu? Se os textos forem meras cadeias de caracteres, isso não faz sentido.
Tu ignoraste aquilo que eu disse a respeito dos números, mas aí é que está o ponto. Tu sabes que "24" não é um dois seguido de um quatro: pode igualmente ser um "11000" se o contexto for outro. Não existe nenhuma representação pura e perfeita de 24 porque ele não é uma cadeia de caracteres, mas sim uma ideia. Nós geralmente traduzimos essa ideia por um dois e um quatro, mas os romanos usariam "XXIV".
Não é um "padrão de actividade cerebral" no sentido mais estrito do termo, visto que a ideia "24" gera padrões muito diferentes na cabeça de diferentes indivíduos. Mas ainda assim, é uma ideia.
Com o texto as coisas são menos claras, mas ainda são muito assim. Uma tradução, por não ser inequívoca, já é "quase" o mesmo texto, e não o "mesmo texto". Ainda assim, parece claro que tal como o 24 é uma ideia e não uma cadeia de caracteres, também o texto do "Romeu e Julieta" não é uma cadeia de caracteres, mas sim a ideia que lhes está subjacente - e que foi expressa através dessa cadeia.
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Sobre o cartão perfurado dou-te outro exemplo.
Tu publicas um livro que é igual ao Harry Potter só que com "_" entre cada letra.
O Juiz chama-te ao tribunal e tu dizes: "este livro não tem nada a ver com o Harry Potter! Este livro corresponde às instruções de desenho que estão na errata. Se as pessoas querem fazer um desenho bonito mudam de cor cada vez que vêm um espaço, fazem uma recta quando virem um "_" na direcção que é dada pela letra seguinte de acordo com a tabela. Lido de certa forma pode parecer igual ao Harry Potter, mas tratam-se das instruções de um desenho bonito e não de um romance. Não me digam que agora alguém se tornou dono dos "a"s e "b"s e que já não os podemos usar à vontade!"
Existe aqui uma questão de bom senso. Se tu mostrasses a tabela, e nós vissemos que as "instruções de desenho" originavam uma indiscutível obra prima, então podíamos ficar meio na dúvida a respeito das tuas intenções. Mas se aquilo originasse rabiscos enquanto tu dizias "isto é arte!" o juíz teria de ponderar qual a hipótese mais plausível - e seria fácil entender que a tua intenção era a cópia, e que seria para ter um acesso ilegítimo ao texto que as pessoas compravam o teu livro - mais barato que o da concorrência.
No caso dos cartões perfurados, poderia não se tratar de cópia, ou poderia. Depende do contexto.
João,
ResponderEliminarAcho que somos só nos os dois aqui, por isso vou-te responder por email. E se calhar ainda vamos ter que combinar um cafézito como da outra vez com o aborto :)