O horror da razão.
João César das Neves, com a sua fluência característica, avisa-nos que:
«O nosso mundo está refém de duas terríveis formas de obstinação. De um lado, a intolerância totalitária de uma fé imposta pela força; do outro a desorientação confusa de um agnosticismo arrogante.» (1)
O primeiro lado são os países islâmicos como o Irão. O segundo lado é difícil de identificar. Duvido que haja muitos agnósticos confusos, arrogantes e desorientados. Mas, a haver, não vão formar um lado. Pela descrição de César das Neves, imagino-os a cambalear de nariz no ar em direcções diferentes, murmurando «não sei, não sei...».
E devo dizer que o primeiro lado também é pouco claro, pois diz do Irão que «o primeiro regime teocrático xiita da História não é uma ditadura desmiolada. É uma democracia que há quase três décadas manobra com argúcia na cena mundial.»(1). Desorientação, confusão, agnosticismo e arrogância. Podendo evitar um, César das Neves safou-se do menos mau...
Após muitos adjectivos conclui que «A única salvação é aderir à razão serena e ao Deus do amor». Estamos tramados. Se a única salvação é uma contradição ninguém se vai safar. Fé e razão são incompatíveis. A primeira é a certeza numa afirmação, a segunda é a forma de usar informação incompleta para obter conclusões incertas.
É errada esta imagem da Igreja Católica como mediador racional tentando separar os dois antagonistas obstinados. A razão está de um lado, sim. Na tecnologia e ciência, no debate civilizado, na troca livre de ideias. Não garante uma opinião uniforme, mas torna a diversidade de opinião numa forma de colaboração, num esforço colectivo para compreender a realidade. As fés não são um lado. Estão espalhadas por toda a parte, e muito se antagonizam entre si. E o catolicismo é apenas mais uma.
Os crentes gostam de apontar a longa tradição religiosa da humanidade. Milhares de anos de crença no sobrenatural. Mas esquecem a tradição igualmente longa, e coincidente, de total ignorância. Só nas últimas gerações é que percebemos o tamanho do universo, que há micróbios a causar doenças, para que serve o cérebro, como surgem as espécies, o que é a trovoada, e muitos outros fenómenos que se julgava manifestação do sobrenatural. Ainda se tenta guardar um cantinho escuro no «espiritual», mas mesmo isso não se justifica com o que já se sabe da neurologia.
É esse o horror da razão. Se está tudo às escuras e ninguém sabe o que se passa, a razão pode justificar acreditar no Papão. Mas quando se acende a luz e não está lá nada a razão diz para mudar de opinião. Para qualquer fé, mudar de opinião é horrível.
A causa desta crise é a realidade mostrar que são treta as crenças que tivemos durante milhares de anos. Força-nos a mudar de opinião ou a tapar os olhos e gritar «Acredito!». Não há meio termo, e a segunda opção dá asneira. A salvação é ver as coisas como elas são ou, no mínimo, não deixar armas nucleares com quem anda de olhos tapados.
1- Entre os horrores do fanatismo e do relativismo
JCN diz que «O nosso mundo está refém de duas terríveis formas de obstinação. De um lado, a intolerância totalitária de uma fé imposta pela força», pelo contexto refere-se ao Irão.
ResponderEliminarSobre o Irão também diz que «não é uma ditadura desmiolada. É uma democracia [...]".
JCN, que acredita que o seu Deus único são três também não tem dificuldades em acreditar que um regime democrático e não ditatorial é totalitário...
Aquilo de certa forma até é uma democracia, pelos menos no sentido em que os dirigentes são eleitos.
ResponderEliminarSó há aquele pequeno pormenor de só poderem concorrer as pessoas que o ai-a-tola quiser...
Sim, e se o doimatola quiser, os outros candidatos, têm um encontro com deus... Fica logo tudo mais democrático.
ResponderEliminar"a salvação é ver as coisas como elas são" é uma boa frase, mas é necessário ensinar às nossas futuras geraçõesn a "ver".Isto deveria ser feito nas escolas: ensinar aos jovens o raciocínio crítico. Infelizmente isto não interessa nada aos políticos, pois poderia produzir gerações muito pouco manipuláveis. Logo, nas escolas segue-se o credo do politicamente correcto e lança-se a tónica para as estratégias de manter os jovens o mais que possível dentro das salas de aulas de modo a que os papás possam largá-los de madrugada e só os irem recolher para o jantar.Infelizmente, o que os eleitores/papás querem é que os putos estejam oucupados, passem de ano e não os aborreçam, porque assim, se algo correr mal, a culpa nunca é deles.
ResponderEliminarComo mudar isto? É que estes jovens irão um dia ser pais e seguirão o exemplo que conhecem.
Como já perguntava Günter Grass: podemos chamar evolução ao facto de um canibal comer com faca e garfo?
Karin
Tenho feito muitas teorias à procura da resposta a uma simples questão: porque é que os crentes pensam como pensam?
ResponderEliminaré fácil encontrar respostas se pensarmos nas pessoas com baixa formação e que aceitam como verdade tudo o que as pessoas "educadas" ensinam; não gastam tempo a pensar, acreditam.
Mas quando pensamos em crentes como um César das Neves, Marcelo Rebelo de Sousa, Paulo Portas, Jardim Gonçalves, essa explicação já não serve.
Que não é por terem nenhuma percepção de qualquer coisa sobrenatural que possa existir é claro para mim - se tivessem qualquer tipo de percepção, não diziam nada do que dizem, as teorias das religiões quase nada têm a ver com o sobrenatural, apenas têm a ver com a gestão da sociedade humana.
"Deus do amor"? Uma confusão típica desta gente, que acha que um agnóstico não ama o seu sememlhante. E que acha que só faz sentido fazer o "bem" se existir um Deus. E que não tem percepção do sentido geral da vida.
Na realidade, grande parte dos crentes que tenho observado não são boas pessoas. São más pessoas que "praticam o bem" para obterem uma recompensa divina. Isso talvez seja uma explicação para alguns casos - essa pessoas sabem que se deixarem de acreditar num deus não conseguirão controlar a maldade que nelas se criou. O que é um circulo vicioso, pois é a existência de áreas de frustração e repressão que origina zonas de maldade nas pessoas. E a Igreja e a Moral o que mais fazem é criar disso.
Descobri uma coisa a nível dos instintos que ainda tratarei num post: o instinto filial, que leva os recem nascidos a procurar a protecção de um ser poderoso, e que deve desaparecer a certa altura, pode manter-se "ligado" toda a vida. Tal como muitos humanos mantêm a produção duma proteína necessária À digestão do leite, que deveria deixar de ser produzida no fim da amamentação, também mantém o instinto filial, que vai criar a ansia por um ser protector muito superior ao humano, logo, um Deus. Não por acaso, a palavra "PAI" é pronunciada mais de uma dezena de vezes em cada missa (pelo menos nas que dá na TV dum vizinho, que eu oiço através das paredes da minha casa).
Tal como muitos cães já nascem geneticamente predispostos para amarem um dono toda a vida, talvez estas pessoas tb tenham adquirido esta caracteristica através de um processo de pressão evolutiva gerado pelas sociedades humanas.
Porque nós somos muito menos "racionais" do que pensamos. O nosso inconsciente é que dita o que pensamos e depois usamos a razão para justificar o que o inconsciente determinou. Por isso pensamos sempre que temos "razão". Tanto crentes como agnósticos.
alf
ResponderEliminar"Mas quando pensamos em crentes como um César das Neves, Marcelo Rebelo de Sousa, Paulo Portas, Jardim Gonçalves, essa explicação já não serve".
A explicação lógica para este facto reside na mais simples: Como a popularidade deles depende da opinião da maioria, e como o ganha pão deles depende da popularidade, eles "acreditam" naquilo que a maioria acredita. Sem espinhas.
Alf,
ResponderEliminarGostei muito de lêr a sua teoria. Tem algumas coisas engraçadas, com as quais concordo, mas, acredito no que o anónimo disse, e creio que também se aplica a pessoas comuns, que tentam "rebanhar" com os crentes, por uma questão de popularidade.
Depois, temos outro factor. A "lavagem cerebral". Uma "intelectual" tem de provir de uma familia, que nem sempre foi, ou é, de gente inteligente. Algures na arvore genealógica, há de haver una pais burros que geraram um filho que desenvolveu maiores capacidades intelectuais. Se desde criança lhe injectarem a crença, em todos os discursos e formas de estar, o que lhe parece vai ser a percepção em adulto desse individuo? O normal é ser crente, e em alguns casos, reduzir a "prática", o que levará a uma menor influencia da mesma na geração seguinte. Daí que a igreja tenha repudiado todo o conhecimento cientifico desde sempre. O aumento intelectual da população gera o natural afastamento da religião. O unico conhecimento aceitavel por qualquer igreja, é o decorado, sem questionar as origens do mesmo.
Bem se vê quem é que é desmiolado...
ResponderEliminarAlf,
ResponderEliminarParece-me que a melhor maneira de perceber o sucesso da religião é pensar na coisa do ponto de vista da ideia em si.
É como perceber porque espirramos quando nos constipamos. Não é que faça bem ao constipado, mas ajuda a propagar o virus. Por isso o virus evolui de forma a provocar espirros.
As religiões também evoluiram de forma a agrarrar-se e a propagar-se pelos cérebros humanos.