Erros e ciência, parte 2.
Qual é a forma da Terra?
A- É um cubo.
B- É uma esfera.
C- Não se pode saber ao certo.
Não é cubo nem esfera, por isso as primeiras são falsas. Mas a última, como diria Pauli, nem isso consegue ser. Há erros piores que outros e «não sei» é pior que algumas certezas falsas.
A primeira parte parece-me pacífica. Não importa só se se erra, mas por quanto se erra. O modelo da Terra esférica, mesmo errado, erra menos que a maioria das alternativas. Nisto quero apenas apontar uma consequência que costuma passar despercebida. Quem alega uma Verdade absoluta apresenta o problema como escolher entre falso e verdadeiro, como uma de apenas duas possibilidades. Deus existe ou Deus não existe, por exemplo. Mas uma Verdade digna desse V tem que corresponder exactamente à realidade. É o zero de uma gama infinita de erros, à partida infinitamente improvável. É também pouco credível que a descrição exacta da realidade seja tão vaga como estas «Verdades» normalmente são.
A segunda parte é mais polémica. Por vezes mais vale uma certeza falsa que um «não sei». Primeiro, tenho que distinguir certeza e fé. Por certeza quero dizer rejeitar as hipóteses contrárias. Neste momento tenho a certeza que não há tigres cá em casa porque puz de parte a possibilidade de haver aqui tigres. Nem estaria a escrever isto se tivesse a mais pequena dúvida, e ter certeza é apenas não ter dúvidas.
A fé é a vontade de ter certeza. Um crente religioso pode duvidar da existência do seu deus. Perdeu a certeza e a fé fá-lo angustiar por essa perda. Sente que duvidar é faltar a uma obrigação ou perder algo de valioso. Para quem tem fé a dúvida é uma dificuldade a ultrapassar.
Eu tenho certeza sem fé. Qualquer indício de tigres cá em casa e acaba-se a certeza. O pavor será por causa do tigre e não por perder a certeza. Esta distinção é importante porque a confiança que temos num modelo é independente da relutância em mudar de modelo quando as evidências o contradizem. A fé, o apego a um modelo, é uma grande treta. Mas a certeza pode ser útil e um erro menor que a incerteza.
A ciência exige que se mude de opinião sempre que necessário, por isso nunca se justifica ter fé no que a ciência diz. E a ciência é falível, por isso alguns dizem que também não se justifica ter certezas. Mas a indecisão sai caro. Imaginem não saber se têm tigres em casa. É por isso que defendo a certeza nos modelos que a ciência estabelece como fiáveis por se destacarem das alternativas.
Justifica-se o «não sei» quando vários modelos explicam igualmente bem o que se observou e fazem previsões diferentes. Não sei se vai chover para a semana que vem. Mas em casos como a evolução, a relatividade ou os malefícios do tabaco é insensato escolher «não sei» ou qualquer alternativa tirada do chapéu. Mesmo falível e inexato, este conhecimento científico merece certezas. Mesmo que a Terra não seja esférica, à falta de um modelo melhor é preferível ter certeza deste.
É por isso que eu tenho a certeza que muitas crenças são disparate. Jesus não era um deus, Júpiter não quer saber da minha vida amorosa, as cartas não prevêem o futuro e ninguém tem auras coloridas de acordo com a sua personalidade. Não tenho fé nisto. Assim que haja indícios do contrário grito Tigre!, pego nos miúdos e fujo de casa. Mas enquanto isso não acontece não vale a pena andar com ah, não sei, não se pode ter certezas e coisas dessas. Pode, e deve. Mesmo que tenha que admitir que me enganei, prefiro ter certezas que ficar atolado na indecisão.
"tigres em casa"
ResponderEliminarEm uma história de Nasrudin o famoso derviche espalha migalhas de pão em torno de sua casa. Os vizinhos perguntam qual a razão daquilo e ouvem "para afugentar os tigres", ao que retrucam que jamais alguém vira tigres na região. Nasrudin conclui então: "viu como funciona?"
Esta história se aplica a todas as religiões, cujos seguidores de suas tolas superstições fazem batucadas para o sol sair detrás da lua quando há um eclipse. Em sua infinita ingenuidade, acreditam que se não batucarem as trevas durarão para sempre.
Por causa de superstições como esta, acendi uma vela a Nossa Senhora Aparecida, he he.
O problema do "não sei" não se põe no caso da Terra. Vista do espaço aparenta ser esférica, e pronto.
ResponderEliminarAgora em relação à teoria da relatividade...
Ai põe-se, põe-se: raio da terra varia com a latitude. Segunda a wikipedia a terra tem menos 42km de diâmetro, se este for medido entre pólos do que se for medido ao longo do equador.
ResponderEliminarE há muita coisa que vista de um determinado sítio aparente ser uma coisa e vista de outro, aparente ser outra coisa.
«O problema do "não sei" não se põe no caso da Terra. Vista do espaço aparenta ser esférica, e pronto.»
ResponderEliminarNão pode não. Pode ser tudo uma ilusão. É possível que a terra seja plana.
Outro exemplo simples é o da gravidade. É possível que não exista nenhuma lei que faz os corpos caírem: eles andam sempre ao acaso. Mas por coincidência até agora cairam.
Esta é uma teoria impossível de desprovar. Não importa se um dado dá 1000 "6"s seguidos ou "200000000", pode sempre ter sido coincidência - não há prova definitiva de que está viciado.
Em última análise não podemos ter certeza de nada.
Mas é muito menos plausível que seja "coincidência" os corpos terem sempre caído até agora. E parece mais razoável acreditar que a terra é redonda que acreditar que todos indícios de que assim o é são ilusão.
Mas por essa mesma razão sabemos que a teoria da relatividade faz sentido. As experiências deram indícios de que a terioa da relatividade está certa tão fortes como as fotografias da terra deram de que esta é (quase) redonda.
Podemos duvidar de uma e não de outra, mas não há nenhuma razão coerente para o fazer. Será só uma questão de gosto.
"Ai põe-se, põe-se: raio da terra varia com a latitude. Segunda a wikipedia a terra tem menos 42km de diâmetro, se este for medido entre pólos do que se for medido ao longo do equador.
ResponderEliminarE há muita coisa que vista de um determinado sítio aparente ser uma coisa e vista de outro, aparente ser outra coisa."
Ok. A terra é achatada nos polos, mas está mais perto de ser redonda do que ser quadrada. E isso deve-se ao facto da força centrifuga ser mais forte no equador, causando a deformação do planeta. Mas também não pretendo discutir ilusões de óptica, quando o que quis dizer é que há certos factos que hoje são dados como triviais e definitivamente comprovados, tal como há teorias sobre as quais ainda não há certezas absolutas.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarJá agora, preciso de alguem que vá contradizer as bocas que lanço no meu blog. Aquilo está muito morto. Já dissertei sobre a Isabel Leal, mas ainda não vi nenhum Paulo Marques a "chanfrar-me os cornos". Estou desejoso em esfregar um certo artigo da constituição (artigo 26) no nariz de umas certas pessoas.
ResponderEliminarhttp://lavabocas.blogspot.com
«Mas também não pretendo discutir ilusões de óptica, quando o que quis dizer é que há certos factos que hoje são dados como triviais e definitivamente comprovados, tal como há teorias sobre as quais ainda não há certezas absolutas»
ResponderEliminarMas quais ilusões de óptica?
Não há nada - repito, NADA - que esteja "absolutamente comprovado" em última análise.
Viste o Matrix? Podem nem existir seres humanos e tu seres apenas fruto de uma simulação computodarizada num planeta qualquer. Plano.
Isto não é só cinema. É algo que os filósofos sabem, e os cientistas deviam saber. É epistemologia básica. Não se pode saber nada em defenitivo.
Por isso, "saber em defenitivo" é irrelevante. O que procuramos são modelos muito plausíveis. É muito plausível que os corpos caiam. É muito plausível que seja pela razão que Einstein propôs: cada corpo causa uma deformação no espaço tempo cujo efeito prático a médias distâncias é como se criasse uma aceleração proporcional à massa do corpo deformador e inversamente proporcional ao quadrado das distâncias entre ambos.
Ou seja: não penses que há muito melhores razões para duvidar da relatividade restrita que da forma da terra. Isso não é verdade.
Pode ser que as provas da terra ser (quase) redonda sejam mais fáceis de entender para quem está fora do assunto, mas as provas da relatividade são igualmente convincentes.
Caro João Vasco,
ResponderEliminar"Podem nem existir seres humanos e tu seres apenas fruto de uma simulação computodarizada num planeta qualquer. Plano."
Bom, então o dito “planeta qualquer” - plano que seja - onde é feita a simulação não pode ser chamado de Terra. Se o nome dele for Terra é porque é apenas um homônimo. A Terra É redonda, mesmo que seja uma simulação. Até os criadores da sua Matrix SABEM disso. Então você diz que podemos ser uma simulação computadorizada? Você pode ser uma simulação para mim, mas eu não posso ser uma simulação para mim mesmo. Ou seja, simulação ou não, eu SOU (uma simulação que tem consciência? Piada!).
Bom, digamos que a única certeza absoluta que temos é que existimos. Cada um tem a certeza de que ele próprio existe, e admite a possibilidade de todo o resto ser uma construção mental. Então eu SEI que tudo cuja existência contradiria isto é falso.
E se a possibilidade de eu, eu mesmo, existir, do meu ponto de vista, é de 100%, a possibilidade de existir um deus que hoje mesmo pudesse ir ao passado e impedir que eu nascesse e jamais tivesse tido consciência é nula. Em última análise, o passado em que ele teria me impedido de ter existido teria ocorrido após o passado em que eu de fato existi. Seria uma espécie de futuro... Eu SEI que um ser capaz disso não existe.
“É algo que os filósofos sabem, e os cientistas deviam saber. É epistemologia básica. Não se pode saber nada em defenitivo.”
Paradoxal. Como os filósofos e cientistas SABEM definitivamente que não se pode saber nada em definitivo? He he he. Além do mais, SEI que 2 + 2 são 4. É axiomático, seja tudo isto aqui simulação ou não. Sei que 10/2=5. De igual modo, SEI que todas as casas pretas são pretas.
Assim sendo, a Terra é redonda, seja ela uma simulação ou não. Se estamos entubados por ETs em um planeta plano, ele não é a Terra, obviamente. Assim sendo, amigo João Vasco, lamento informar que você está REDONDAMENTE enganado, he he.
Abraços para você e para os demais!
Boa semana.
cattelius:
ResponderEliminar"É algo que os filósofos sabem, e os cientistas deviam saber. É epistemologia básica. Não se pode saber nada em definitivo."
Não é contradição. É o "Só sei que nada sei". Obviamente a palavra "sei" é usada em sentidos diferentes. Eu sei que a terra é redonda, mas não sei em definitivo que assim é.
É a confusão entre o sentido comum para a palavra sei (é tão plausível que posso dar como certo) e o sentido restrito para a palavra sei (posso dar absolutamente como certo).
De resto, a terra pode não ser redonda. Se de facto estiveres na simulação, o planeta dos extraterrestres pode ser chamado de terra, e como é o único com existência real pode-se dizer que a terra é plana. Mais ainda, se quiseres que o planeta da simulação seja a terra, esse planeta pode ser plano, mas a simulação estar feita por forma a pensares que é redondo. Com um bocadinho de imaginação encontras outras possibilidades.
De resto, eu concordava contigo na opinião de que posso ter a certeza que existo enquanto ser pensante. O "penso logo existo" tive uma discussão enorme com a minha namorada que defendia que nem disto podia ter a certeza. Tanto quanto entendi, o Ludwig é da opinião dela. Eu neste momento estou na dúvida.
Mas é irrelevante: quanto a tudo o resto tirando a tua existência, não podes ter a certeza de nada.
Aliás, se puderes ter a certeza que existes, poderás ter a certeza que nada fez com que não existisses no presente. Daí podes concluir que um Deus não fez isso.
Mas não podes concluir que Deus não tem o poder de ter feito isso caso quisesse, e muito menos que ele(s) não existe(m).
Quanto à lógica, ou a consideras empírica e não podes ter a certeza dela também; ou a consideras separada da esfera empírica e então não podes corresponder nada de lógico a conhecimento real - ou seja saber que uma função diferenciavel é contínua será algo relativo a uma linguagem que pode bem ser inventada, e não corresponde a nenhuma informação sobre o mundo, um pouco como dizer que as cadeiras se chamam "ca-dei-ras" e não "resiu", sendo isso arbitrário e irrevante (um nomeação e não conhecimento), também os teoremas derivam de axiomas arbitrários, os quais penas têm relevância informativa na medida em que a matemática for empírica. Mas nessa medida até ela poderá ser questionada...
Além de que estás sempre a assumir que a tua mente (seja ela o que for) é capaz de fazer - sem se enganar - as operações lógicas mais básicas. Como não podes ter a certeza disso, até do teorema mais simples terás de duvidar.
Epá, nem na lógica podemos ter confiança!
O agnosticismo é tão esmagador que se torna irrelevante.
E é aqui que o Ludwig tem toda a razão. Em vez de dizer "não posso ter a certeza de X" - olha a novidade: não se pode ter a certeza de NADA! - mais vale reservar essa afirmação para quando existirem boas razões para duvidar de X.
Assim sendo, podemos realmente "ter a certeza" que a relatividade restrita descreve o nosso mundo. Perdemos esta 2certeza" apenas quando tivermos boas razões para o fazer.
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ResponderEliminar"Viste o Matrix? Podem nem existir seres humanos e tu seres apenas fruto de uma simulação computodarizada num planeta qualquer. Plano."
ResponderEliminarCaro João,
No outro dia contrapuseste a minha visão de Deus (acho muito bem que alguem a contraponha), dizendo qu não acreditas Nele porque não O podes ver. Mas porque é que pões essa hipótese de existir uma Matrix? Também não a podes ver, certo?
bocas:
ResponderEliminarEu nunca disse que o problema de Deus era "não o ver", mas sim ter melhores razões para acreditar que não existe do que para acreditar que existe. Se o visse, o caso mudava de figura, mas não seria necessário vê-lo. Afinal de contas acredito na existência de neutrinos e nunca os vi.
Quanto ao exemplo da Matrix que dei, é exactamente a mesma coisa. Eu acredito que não vivo numa simulação tipo matrix, e que a terra é (quase) redonda, porque tenho melhores razões para acreditar nisso do que no oposto.
Aliás, é exactamente essa semelhança que eu saliento. Tu podes dizer que não ha provas definitivas de que Deus não existe, e eu digo-te que não provas definitivas que a terra é redonda. Como não há provas definitivas de nada, a sua ausência é irrrelevante.
O que importa é que é razoável acreditar naquilo que temos boas razões para acreditar. Há boas razões para acreditar que a terra é redonda, e boas razões para acreditar que Deus não existe.
Essa hipotética simulação seria a minha realidade, se eu e minha consciência também fôssemos uma simulação. Este mundo só seria virtual se eu fosse real.
ResponderEliminarDigamos que tudo seja uma simulação, eu inclusive. A ÚNICA coisa que muda é que ao invés de um Big Bang teríamos um "executar programa", o que pouco me importa, porque sou por princípio agnóstico em relação a teorias da origem do universo. A partir deste "Big Bang", esta passou a ser minha realidade, se eu e minha consciência, repetindo, formos também uma simulação (absurdo dos absurdos). Ora, a realidade de uma consciência simulada é o "environment" da simulação, já que não sobreviveria fora dela. E neste "environment" com suas regras uma outra consciência simulada passar a fantasiar sobre bules de chá orbitando Júpiter (o clássico exemplo de Russel) é uma fantasia. Fantasia é fantasia. Nem realidade virtual chega a ser.
Se sou uma simulação, tudo é real, inclusive eu. Se apenas eu não sou uma simulação, eu ao menos sou real. Enfim, SOU REAL. Não existe um deus com poderes ilimitados que possa cancelar isto. Não pode haver um deus com poderes ilimitados que possa fazer com que uma simulação tenha consciência e depois fazer com que esta simulação nunca tenha tido consciência, indo ao passado e não executando o programa. O novo passado será o futuro de um passado onde de fato a simulação foi de fato consciente de si própria.
Enfim, o deus omni-tudo não existe e eu sei disso.
Sou do tipo, digamos, ateu forte, he he.
ResponderEliminarcatelius:
ResponderEliminarPoderia existir um Deus capaz de tudo, mas que apesar disso não quisesse intervir. Só para dar um exemplo.
De resto, mesmo que tu fosses parte de uma simulação, nem tudo o que pensasses a respeito do "mundo" simulado que te rodeia seria verdade, mesmo que pudessemos em certo sentido dizer que esse mundo "existe".
Assim a "terra" desse mundo podia ser plana e tu pensares que ela era redonda. Etc...
As únicas certezas que é discutível que possas ter são: tu existes, e como consequência: nada (nem ninguém) impediu que existisses. Mas há quem possa apresentar bons argumentos para discordar destas certezas.
Eu sou ateu explícito, mas agnóstico (forte). Assim sendo, não sou ateu forte.
"O 'penso logo existo' tive uma discussão enorme com a minha namorada que defendia que nem disto podia ter a certeza. Tanto quanto entendi, o Ludwig é da opinião dela."
ResponderEliminarGostaria de saber como isto seria possível. Se eu criasse inteligência artificial, ainda assim ela seria real. E se crio em um programa simulacros de prótons, neutros, elétrons e o diabo os quais, interagindo entre si, liberam ou moldam algum tipo de energia capaz de simular uma vida virtual consciente de si própria, posso dizer que tal energia só pode ser real, principalmente porque o simulador só pode funcionar com algum tipo de energia (he he). Bom, ninguém consegue SER sem que haja algum tipo de energia real. Então os simuladores de consciência deveriam obrigatoriamente lidar com algum tipo de energia. Se explodir a estrela de cuja energia o programador faz funcionar o simulador, se o programador tirar o simulador da tomada ou se não pagar a conta de energia eu morro. Pois bem. Eu sou real, ainda que eu exista apenas nesta energia real. SOU energia, he he he. Mas SOU.
"Aliás, se puderes ter a certeza que existes, poderás ter a certeza que nada fez com que não existisses no presente. Daí podes concluir que um Deus não fez isso.
Mas não podes concluir que Deus não tem o poder de ter feito isso caso quisesse, e muito menos que ele(s) não existe(m)."
Eu disse que SEI que não existe um deus CAPAZ de HOJE voltar ao passado e fazer com que eu NUNCA tenha existido. Um deus para o qual não haja tempo ou ao qual não esteja sujeito e este instante seja simultâneo à criação do universo, de modo que possa de algum modo fazer com que eu exista e não exista ao mesmo tempo ou no "não-tempo" (???). Bom, os teístas em geral crêem em um deus não sujeito ao tempo, com total domínio sobre ele, capaz de mudar o passado e o que mais quiser. Eu sei que uma casa preta não pode ser não-preta. Mas aí você vai dizer que até essa "aparente" lógica pode ser irreal.. É demais para mim, he he he.
Abraço
catelius:
ResponderEliminarQuanto ao "penso logo existo" poder ser errado, sugiro que peças ao Ludwig que te explique como pode isso ser possível. Como te expliquei, inicialmente estava do outro lado da barricada, e hoje não sei ao certo. Teria de compreender melhor o que é "existir" para responder a essa derradeira questão. Mas sinceramente a ontologia é um campo da filosofia que me atrai menos do que outros, e que me interessa mais pelas suas aplicações à epistemologia (este sim, um campo que me interessa mais, juntamente com a ética) do que outra coisa.
Quanto ao que dizes sobre Deus não poder ser capaz de voltar ao passado e terminar a tua existência, volto a discordar. Nada te prova que Deus não é capaz disso: quando muito a tua existência apenas prova que Deus não o fez, pode ser por não existir, por não ser capaz, por escolher não o ter feito, ou por outra razão qualquer.
Por fim, quanto ao que eu disse sobre a lógica, iso faz-nos ver que no fim de contas não podemos mesmo ter a certeza de nada. Já nem sequer a matemática vale...
Enfim, tudo irrelevante: na prática o que nos interessa é se temos boas razões para acreditar em algo ou não, e temos óptimas razões para acreditar nas regras da lógica. Com alguma prática começa a ser garantido que não nos enganamos nas coisas simples.
E daí... Muitas gente com formação tão avançada acredita que Deus é um e três ao mesmo tempo, e que isso não é ilógico... eh!eh!eh!
"Poderia existir um Deus capaz de tudo, mas que apesar disso não quisesse intervir. Só para dar um exemplo."
ResponderEliminarSó por curiosidade, é exactamente assim que pervebo Deus. Não O vejo como um déspota. Por isso, deixa todas as desisões ao Homem e não intervem.
"É por isso que eu tenho a certeza que muitas crenças são disparate."
ResponderEliminarOra aqui está uma verdade absoluta e dogmática, fundaram-se religiões por muito menos...
o bocas:
ResponderEliminarSim. Mas se Deus é omnisciente e criador, então necessariamente tomou todas as decisões pelo homem.
Note: por ser omnisciente ele sabia que ao criar o homem de determinada forma, ele tormaria esta ou aquela decisão. Se criasse de outra forma, o homem tomaria outras.
Para dar um exemplo: se ele criasse os homens mais parecidos com os macacos, estes agiriam de forma diferente daquela que agiram. Se criasse os homens mais diferentes dos macacos que aquilo que já são, estes agiriam de forma diferente, etc...
O exemplo clro é o da maça: Deus quando criou Adão sabia qual seria a escolha deste. Mas se tivesse criado o André, talvez este tivesse escolhido de forma diferente. Assim sendo, a opção de Deus de criar Adão em vez do André fez com que a maçã fosse comida. Não existe forma de não atribuir a responsabilidade a Deus.
Bem sei que a história do génesis é metafórica, mas este exemplo também o é.
Qualquer um que creia num Deus único omnipotente e omnisciente e criador, terá de concluir que é o único ser no universo livre, e que nada poderá escapar à sua vontade. Tudo acontece conforme esse ser quer. Pois tudo isso decorre de uma criação por si escolhida, cujas consequências ele conhece.
O paradoxo do mal é mesmo um paradoxo, e os religiosos só acreditam que o resolvem recorrendo à "liberdade" que Deus nos Deus porque tal premissa é contraditória com as outras premissas enunciadas (que Deus é omnipotente, omnisciente e criador). Por isso essa resposta não resolve nada, apenas torna tudo irracional, e oferece uma "escaptória" através da forma de areia para os olhos.
«Ora aqui está uma verdade absoluta e dogmática, fundaram-se religiões por muito menos...»
ResponderEliminarNão é uma crença absoluta e dogmática. Pelo contrário: o catelius tenta justificá-la no seu texto - os dogmas não carecem de justificação.
E mesmo que eu tenha discordado de muito do que o catelius escreveu, não sei como é que alguém de bom senso contesta que há crenças disparatadas. Não conhecem nenhuma que o seja? E tu António, certamente conheces...
António,
ResponderEliminarUma proposição tida como verdade absoluta é muito mais útil que uma cheia de as vezes, no entanto, salvo erro, a menos que, e essas coisas de que os políticos tanto gostam. Isso acaba por ser falar muito sem dizer nada.
Mas só será dogmática se se julgar mais autoritária que qualquer evidência.
Eu tenho a certeza que não há deuses e que essas crenças são treta. Com isto posso governar a minha vida muito melhor que se puzesse um «talvez» em cada deus que se inventou. Mas não é dogma nenhum. Assim que tiver evidências que um deles existe mudo de ideias num instante.
Grande João Vasco,
ResponderEliminarSei que esta discussão é um pouco estéril mas vou fazer mais umas considerações.
"Por fim, quanto ao que eu disse sobre a lógica, iso faz-nos ver que no fim de contas não podemos mesmo ter a certeza de nada. Já nem sequer a matemática vale..."
Digamos que se SABEMOS que a lógica existe há a possibilidade remotíssima, de uma em um número tendente ao infinito, de que nada exista e tudo seja o produto de uma simulação. Mas se há a possibilidade de não existir lógica, como podemos afirmar, baseados na lógica, que a ausência da lógica é uma possibilidade remota? Se a lógica pode não existir, as chances de que um deus omni-tudo exista são as mesmas de que não exista. A chance de que o universo conhecido tenha 14 bilhões de anos é a mesma de ter apenas 10 mil anos, como afirmam os tolos criacionistas. Se a lógica pode não existir, não há sentido pensarmos em probabilidade, sequer de probabilidade de não existir lógica...
"Sim. Mas se Deus é omnisciente e criador, então necessariamente tomou todas as decisões pelo homem."
Esse deus cuja existência os teístas reclamam não decide nada pelo homem. Em primeiro lugar, não basta ter livre-arbítrio para se ter mérito. Mas só quem tem livre-arbítrio pode ter mérito. Qual mérito um Javé da vida tem em ser perfeito? Nenhum, porque não possui livre-arbítrio, uma vez que suas atitudes não advêm de uma opção. Ele está limitado em agir da melhor maneira possível, sempre, porque é perfeito. Se não possui livre-arbítrio, não tem mais mérito do que um paramécio ou do que uma pedra. Aliás, não é sequer inteligente. É refém da própria perfeição. Para os crentes, contudo, as "decisões" divinas podem ser alteradas mediante preces, que são joysticks para controlar o ser onipotente e assim compartilharem de sua onipotência, eles seres tão impotentes (como nós descrentes). É realmente interessante imaginar o que se passa na cabeça do sádico deus dos católicos. Ele é capaz de deixar uma criança morrer de câncer porque as orações de seus parentes duraram apenas cinco dias e não contavam senão com dez fiéis. Pelo menos é o que doze pessoas que entram no sexto dia de orações poderiam pensar. Quem sabe quando rezam uma novena pelo restabelecimento de um doente, e ele acaba morrendo, se uns dois dias a mais de orações não poderiam ter amolecido o coração do onipotente? Daquele sádico safado?
"Assim sendo, a opção de Deus de criar Adão em vez do André fez com que a maçã fosse comida. Não existe forma de não atribuir a responsabilidade a Deus."
Como eu escrevi, que responsabilidade ele tem? Não pode agir de outro jeito. Acho que a responsabilidade deve ser do supra-deus, o criador de deus, uma divindade capaz de tomar decisões erradas...
"Bem sei que a história do génesis é metafórica, mas este exemplo também o é."
Metafórica de Darwin para cá. Antes era literal até o talo!!! Vivas aos exegetas!!!
"Qualquer um que creia num Deus único omnipotente e omnisciente e criador, terá de concluir que é o único ser no universo livre, e que nada poderá escapar à sua vontade."
Mais uma vez, ele não tem vontade. Aliás, como um ser inexistente pode ter vontade? He he he.
Eu penso que o grande passo da minha vida foi ter descoberto a importância do "não sei". A consciência do que não sei indica-me o caminho, deixa-me todas as portas abertas à observação.
ResponderEliminarQuando o Ludwig diz que opta por ter a certeza de que não existe aquilo de que não tem provas de que existe e que mudará imediatamente de opinião assim que tiver evidências do contrário, esquece uma coisa muito importante: nós só vemos aquilo em que acreditamos!
Ou seja, o Ludwig vai ficar "cego" e relação a essa tais evidências. O seu raciocínio será determinado por aquilo que acredita não ser verdade por simplesmente não saber se é ou não.
Toda a crença, no sim ou no não, é fatal para quem busca conhecimento.
Mas concordo que é muito mais prático pensar como o Ludwig
Alf,
ResponderEliminarFoi essa a distinção que fiz entre ter certeza e querer manter uma certeza.
Eu tenho a certeza que não há elefantes voadores, cobras na minha casa de banho, um homem invisível a perseguir-me, o Pai Natal e infinitas outras coisas. Mas não me apego a estas certezas. Qualquer evidência em contrário basta para ficar sem certeza.
«Se a lógica pode não existir, as chances de que um deus omni-tudo exista são as mesmas de que não exista.»
ResponderEliminarnão, porque:
«Se a lógica pode não existir, não há sentido pensarmos em probabilidade»
Eu deixo a possibilidade da lógica não existir de fora, não por ser pouco provável, mas por não ser nada operacional.
Se eu assumo que não existe lógica, qualquer conclusão é irrelevante, qualquer raciocínio é inútil. Por isso, se não existir lógica não existe nenhuma razão para não usar a lógica (pois não existe nenhuma boa razão para nada!).
Como a lógica pode existir, faz sempre sentido usar a lógica.
Isto é um raciocínio lógico, porque:
a) Se partes do princípio que há lógica e consideras a possibilidade de haver lógica, deves pensar no mundo como se houvesse lógica.
b) Se partes do princípio que há lógica, e encaras a possibilidade (não a certeza!) de não haver lógica, deves pensar no mundo como se houvesse lógica, pois não tens nada a perder.
c) Se partes do princípio que não há lógica, não chegas a nenhuma conclusão. Nenhuma que confirme as anteriores, e nenhuma que as contradiga.
eh!eh!
catelius:
ResponderEliminarÉ uma proposição interessante a de que a perfeição não tem liberdade. Não sei se é falsa, mas é contestável e tu não a demonstraste.
Mas eu nem precisava de assumir tanto. Tenha Deus liberdade ou não, se é omnipotente, omnisciente e criador, não a pode ter dado ao homem.
De qualquer forma, um Deus perfeito omnipotente e criador nunca poderia ter dado origem a um mundo tão imperfeito... principalmente porque, tal como demonstrei, não pode ter dado liberdade a nenhum agente, e tudo o que acontece é necessariamente consequência do seu acto (e escolha) criador(a).
Caro Ludwig:
ResponderEliminarA melhor definição para fé que conheço diz:
Fé é a certeza das coisas que se esperam e a firme convicção de fatos que não se vêem.
Segundo esta definição, todos somos providos de fé (original de fábrica), não sendo ela acessório exclusivo aos crentes.
Veja bem: Assim como para um ateu Deus é um fato que não pode ser provado, sempre que discutirmos sua existência (ou não existência) debateremos na esfera da fé.
Assim também, um evolucionista certo das suas convicções, tenta provar sua teoria pela fé, pois a evolução é calcada na certeza de coisas que se esperam (que sejam verdade) e a firme convicção de fatos que não se vêem.
Sua fé, ao que me parece, está na certeza de que Deus não existe.
Jacaré
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ResponderEliminarJacaré,
ResponderEliminarA fé é uma convicção firme. Quando debatemos essas coisas debatemos convicções. Mas se são firmes ou se mudam perante as evidências já é outra coisa.
Essa é a diferença principal. Eu estou totalmente convencido que nem há deuses nem tenho tigres em casa. Mas não é uma convicção firme, é uma convicção frágil que se parte se levar com evidências contrárias em cima.
A fé é uma convicção em betão armado, coberta de aço, e com um letreiro «evidências, aqui não».
Caro Ludwig
ResponderEliminarPrecisamos estabelecer uma separação entre fé e crendice. A fé é baseada em fatos, ainda que não sejam visíveis. A crendice é aquela “fé cega” e ingênua que não admite questionamentos ou confrontações; é nela que está pendurada o letreiro 'evidências, aqui não'.
Passemos então ao campo das evidências.
Quando você utiliza a metáfora do tigre para justificar sua convicção, não está sendo sensato, pois um tigre é material e visível, e Deus (você há de convir, mesmo não acreditando) está numa esfera espiritual, imaterial e invisível. Talvez fosse mais honesto procurar uma metáfora no universo não físico.
Mas (utilizando a sua metáfora...), suponhamos que um tigre passasse por sua casa e deixasse alguns rastros. Mesmo não o vendo, através das evidências deixadas, poderias acreditar firmemente que um tigre passou por ali, portanto tigres existem!
Minha fé está baseada em algumas evidências que, acredito, são mais fortes do que um simples “não acredito porque acho que não existe; e acho que não existe porque nunca vi”. Epa! Isto tem cara de 'evidências, aqui não' (hehehehehe).
Permita-me alistar algumas evidências na qual baseio minha fé:
1.Argumento Natural: A criação nos remete a um criador (um tigre passou por aqui...). A natureza aponta para uma criação inteligente e funcional.
2.Argumento Cosmológico: Tudo o que foi começado tem que ter (necessariamente) uma causa adequada. O universo teve um começo, portanto o universo deve ter uma causa adequada para ter sido produzido.
3.Argumento Teleológico: Ordem e organização útil em um sistema evidenciam inteligência e propósito na causa que o originou. O universo é caracterizado por ordem e organização útil, portanto...
4.Argumento Antológico: A própria idéia de Deus é prova da sua existência. Intuitivamente, todos os homens tem a idéia de Deus, daí tentam encontrar prova de sua existência na própria idéia.
5.Argumento Moral: Kant mostra que as provas teóricas não podem nos dar nenhum conhecimento de Deus como ser moral; para isto, dependemos da razão prática. Ele afirma que o fato da obrigação e do dever é pelo menos tão garantido quanto o fato da existência. Com base na consciência, ele argumenta em favor da liberdade, imortalidade e Deus. A consciência reconhece a existência de uma lei moral que tem autoridade suprema...
6.O Argumento da Congruidade baseia-se na idéia de que o postulado que melhor explica os fatos relacionados é provavelmente verdadeiro.
Poderia continuar com mais alguns... ou passar a discutir (como já escrevi em outro artigo teu) a existência ou não de Nevascarangas azuis. Ora, nem eu e nem você gastaríamos um minuto sequer discutindo tal absurdo porque sabemos que tal coisa NÃO EXISTE!
Mas o que faz com que um ateu gaste horas e horas discutindo suas convicções, é a pergunta que mais lhe incomoda na vida:
Deus existe???
Caro jacaré,
ResponderEliminarpermita-me que indique este "link" com uma resposta que coloquei num fórum:
http://www.forumevangelico.com/f/index.php?topic=2693.msg66551#msg66551
E pensei que fé fosse o que é explicado nesta página:
http://www.montfort.org.br/index.php?secao=cartas&subsecao=doutrina&artigo=20051212232148&lang=bra
«Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; porque o que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada pelo vento, e lançada de uma para outra parte.» - Tiago 1:6