Treta da Semana: Auras.
Há quem acredite que todos os seres vivos estão rodeados por um halo de radiação colorida que indica a personalidade, estado de espírito ou saúde. Alegam que só as crianças ou alguns adultos especialmente dotados o podem ver. Alguns fotografam-no, outros usam-no para diagnosticar doenças. Chamam-lhe aura. Eu chamo-lhe treta.
O impulsionador moderno desta crença foi Semyon Kirilian, que redescobriu a técnica do padre Landell de Moura de fotografar objectos colocando-os directamente sobre uma chapa fotográfica e aplicando uma corrente fraca de alta voltagem (1). Na fotografia vê-se um halo brilhante rodeando o objecto. Fotografam assim a descarga eléctrica e ionização do gás que rodeia o objecto, que é espiritualmente tão significativa como a luz da cozinha.
Uma versão moderna foi desenvolvida por Guy Coggins (2). A Coggins Polaroid Aura Camera 6000 tira uma fotografia enquanto mede a condutibilidade eléctrica da pele do sujeito, que repousa as mãos sobre eléctrodos. Um ecrã de cristais líquidos no aparelho cria uma aura colorida em função do valor de condutibilidade medido e sobrepõe-na à imagem fotografada. Trata-se assim de um método dispendioso de estragar uma fotografia perfeitamente normal.
Mas a maioria dos adeptos prefere usar a intuição e sensibilidade. São dois termos técnicos na gíria da Nova Era. Em linguagem coloquial dir-se-ia «inventam». Em 1990, Loftin testou vários auto-denominados «psíquicos». Num quarto escuro, o vidente teria que dizer se estava a olhar para uma ou duas pessoas, contando as auras que via. Os resultados foram os esperados adivinhando à sorte. Um dos candidatos ao prémio que James Randi oferece a quem demonstrar aptidões sobrenaturais afirmou ser capaz de ver auras. Da audiência, o psíquico escolheu as dez pessoas com a aura mais visível e garantiu que as conseguiria ver por trás de um biombo pela aura que se projectava sobre elas. Colocado o biombo, o psíquico disse ver todas as dez, mas apenas estavam lá quatro (3).
Mas há quem veja auras. Num caso raro de sinestesia, GW via auras coloridas quando via uma pessoa conhecida, ou quando pensava em alguém que conhecia (4). A sinestesia é a associação de percepções que são distintas numa pessoa normal. Um sinesteta pode ter a sensação de cor associada a cada algarismo, ou ver formas quando ouve sons. Neste caso, a sinestesia de GW fazia-a associar a cores as emoções de ver ou recordar-se de um conhecido. Ver auras também pode ser um sintoma de problemas neurológicos mais graves. A quem se vir subitamente com este «dom» recomendo uma consulta de neurologia com urgência.
Em suma, a aura é uma hipótese sem fundamento. Não há evidência de tal campo misterioso, ninguém conseguiu demonstrar que a vê, e não há razão para concluir que existe. As ferormonas que libertamos, a temperatura do corpo e os sons que emitimos dão indícios da nossa personalidade, estado emocional e de saúde. Mas os adeptos da Nova Era querem algo mais misterioso que não parece lá estar nem servir para grande coisa. Se queremos diagnosticar uma infecção medimos a temperatura. Se queremos encontrar sobreviventes nos escombros usamos cães para os farejar. Se queremos detectar a presença de um ladrão em casa escutamos atentamente.
A única utilidade parece ser, como diz Isabel Leal, para «A caracterização do Ser humano segundo a coloração da aura bem como as compatibilidades entre cada cor/aura humana.»(5). Vai de mal a pior. Por hipótese, vamos assumir que vêm em cada pessoa uma cor. Como a cor da pele, vêm a cor da aura também. Então vão classificar cada pessoa pela sua cor e inferindo daí com que cores se pode relacionar? Isto, além de treta, é de muito mau gosto.
1- Wikipedia, Fotografia Kirilian
2- Aura Imaging
3- Joe Nickel, Skeptical Enquirer, Aura Photography: A Candid Shot
4- Skeptical Dictionary, Auras
6- Isabel Leal, Biografia
Caro Ludwig,
ResponderEliminarVê-se pelo teu texto que não és um utilizador frequente de transportes públicos em hora de ponta. Ao contrário dos exemplos que citas no artigo, eu acho que a aura se manifesta não através das cores mas sim através do cheiro sendo, portanto, o olfacto o sentido correcto para toda a experimentação em relação às auras.
Acredita, postas as coisas nesta perspectiva, os transportes públicos estão cheios de gente com auras muito negativas e que ao invés de elas próprias serem portadoras de más energias nos deixam, isso sim, sem energia nenhuma.
Um abraço.
Ludwig,
ResponderEliminarEsta tanga das auras, leva-me a outra questão...
Se alguém cobra serviços, por conta de uma "aura" que afirma conseguir visualizar e interpretar e por conseguinte guiar, ou apoiar, se se provar que a pessoa em questão não tem capacidades nenhumas, isso não constitui um crime de burla? Pode-se até dar o caso de os burlados, não apresentarem queixa para não passarem por parvos, e é isso que os burlões contam que aconteça para não serem processados judicialmente, mas, quando alguém diz que para actuar é preciso tratar de modo especial (diferenciado portanto - "Actuar JÁ. E, no entanto, para que possam actuar JÁ, os índigo precisam de ser reconhecidos. Pelos pais, pelos educadores, pelos professores, pela sociedade em geral."), esses individuos, os restantes estão a ser descriminados por não terem esse tratamento especial. E isso parece-me abrir uma porta a alguns processos provenientes dos não burlados, pois estarão a ser prejudicados.
Por outro lado, acho que o Helder é um verdadeiro conhecedor no campo das auras... :-) Deviamos começar a consultar o bar dele... Se não estivesse tão poluido por auras Marlboro, SG, Dunhill e afins. :-P
Há um meio de testar a afirmação de que uma pessoa consegue ver auras, e foi feito num programa de televisão americano apresentado por Bill Bixby (A.C.:o David Banner do Hulk, he he). O Berkeley Psychic Institute enviou o seu melhor leitor de auras para ganhar um prêmio de $10.000 dólares a quem demonstrasse poderes psíquicos. Ao paranormal foram apresentadas vinte pessoas na platéia e foi-lhe perguntado se via as auras. Ele disse que via as auras flutuando sobre a cabeça das pessoas. As vinte pessoas saíram e foi levantada uma cortina. Revelou-se uma série de vinte anteparos (como cabines) para trás dos quais algumas dessas vinte pessoas tinham ido. Portanto Bixby e o paranormal viam apenas vinte anteparos. Foi perguntado ao paranormal se conseguia ver auras sobre os anteparos ou ao redor destes. Disse que via. Para receber os dez mil tinha apenas de identificar os anteparos atrás dos quais estavam as pessoas e aqueles que não escondiam ninguém. À audiência foi apresentada uma vista aérea da cena. O paranormal afirmou que havia uma pessoa atrás de cada anteparo (em cada cabine). Afirmou ver uma aura sobre o anteparo 1, anteparo 2, até o 20. Os anteparos foram removidos revelando que apenas 6 pessoas se encontravam aí. O paranormal nem pareceu surpreendido. E suponho que foi para casa afirmando que 6 em 20 não é mau, já que ele estava num ambiente hostil...
ResponderEliminarAdaptado a partir de texto do Dicionário do Cético
Abraço
Estou com um novo post: Divagação Erudita, sobre a legião de demônios que possuiu os 2000 porcos autorizada por Jesus.
Adaptado de texto...*
ResponderEliminarComo a cor da pele não dá, como o tipo sanguíneo não dá, como a espessura dos lábios ou do nariz (ou outro qualquer parâmetro frenológico) não dá, como a altura média não dá, como a distribuição estatística de certas doenças raras não dá, como aparentemente nada dá para classificar, de forma rigorosa, objectiva e consistente, os seres humanos em grupos que possam chamar-se "raças" (somos geneticamente demasiado parecidos para tal) que se use a cor da aura para o fazer.
ResponderEliminarE que se deduzam regras práticas dessa classificação, tipo "os violetas gostam mais de trabalhar, os cinzento-esverdeados são mais emotivos, os arroxeados são o culminar da criação". Eventualmente, que essas regras culminem em normas: os azulados para varredores de lixo, os cor-de-burro-a-fugir para líderes!
Todos diferentes, todos iguais, está bem; mas uns mais diferentes (e mais iguais) que os outros!
José Amoreira
Uma vez levei uma bolada na boca, e por momentos também me pareceu ver auras. Serei especial?
ResponderEliminarPor isto é que o pessoal das auras anda agitado...
ResponderEliminarEstá explicado!
Bruno, não há dúvida, és um aurado. Mas nada temas, que eu resolvo o problema num instante. pbasta transferires para a minha conta uma soma inteiramente voluntária mas que seja em euros e nunca menos de cinco dígitos, senão a cura não funciona.
ResponderEliminarBeijos
Cristy
Pois, é fascinante essa interligação entre a esfera do paranormal e a esfera económica.
ResponderEliminarEstranhas energias...
Herr Krippmeister
ResponderEliminarIsso é porque não sabes que o símbolo químico do ouro é Au... porque vem de aurum, do latim. Ao passar para português, passou para aura. Ou seja, não há coincidências.