Evangelho de amor.
O profeta Isaias já tinha anunciado a vinda do Messias. Proviria da cidade de Belém, onde tinha nascido o rei David, e iria chamar-se Emanuel. Emanuel de Belém, Jesus de Nazaré, a correspondência era quase perfeita. E não só nasceu de uma virgem, mas nasceu durante o recenseamento mais estranho de que (não) há registo. Foi nessa altura que os Romanos se lembraram de recensear as pessoas a uma centena de quilómetros do sítio onde viviam. Entupiu as estradas, dificultou o comércio e o movimento das legiões e incomodou até as mulheres no final da gravidez.
Com uma reputação de administradores eficientes, os Romanos ficaram tão envergonhados com esta burrice que a apagaram dos registos. Hoje só um dos evangelhos regista a incompetência burocrática que terá obrigado Maria a ter a criança numa manjedoura.
O miúdo cresceu, impressionou muita gente, transformou água em vinho e reuniu discípulos. Pelo caminho fez algumas inimizades e acabou crucificado pelos Romanos, cumprindo assim a profecia de Isaias. Quase. É que Isaias tinha dito que o Messias traria glória a Israel, subjugaria os seus inimigos e assim. Não tinha dito nada acerca de morrer crucificado.
Mas os discípulos encontraram uma explicação. Sim, o Messias foi apanhado pelos Romanos e morreu. Mas foi de propósito. «A cunning plan», como diria São Baldrick. E ressuscitou. Não era com dois paus e uns pregos que se estragava os planos do Deus omnipotente criador de todo o universo. Na Sua infinita misericórdia, Ele ainda culpava toda a gente pelos pecados dos antepassados até Adão e Eva. Só depois de cumprida a formalidade da crucificação é que Ele poderia salvar quem acreditasse totalmente neste sacrifício.
A ideologia em si já é preocupante. Deus não perdoa se não houver sofrimento. Esta ideia permeia toda a história Cristã. Os autos da fé, as penitências, os mártires, há muitos exemplos de veneração do sofrimento. Até estátuas que choram sangue. Mas mais perturbador é que alguns Cristãos interpretem os evangelhos como sendo uma mensagem de amor. O leitor Pedro Silva escreveu que «a mensagem principal do novo testamento é: “ama os outros como a ti mesmo”».
A mensagem principal do novo testamento é que Jesus morreu pelos nossos pecados. É o que diz credo Católico. É o símbolo do Cristianismo. A mensagem é que só depois de um inocente ter sido humilhado, torturado, e morto de forma cruel é que Deus decidiu perdoar alguns de nós pelo alegados pecados que terão cometido os nossos antepassados antes sequer de saberem o que era o bem e o mal.
O novo testamento ensina a amar o próximo. Amá-lo como Deus amou o Seu filho, deixando-o a morrer na cruz. Amá-lo como os homens amaram o seu Deus, pregando-o lá. Ou amá-lo como Deus ama todas as pessoas que condena ao sofrimento eterno por não acreditarem neste tipo de amor.
Brilhante!
ResponderEliminarQue nunca te doam as mãos.
E cede-me um pouco do teu poder de síntese, sff.
O Ludwig é bioinformático. Acredito que seja óptimo nessa função.
ResponderEliminarMas, a escrever assim, bem que podia ter sido escritor.
Ou até teólogo ;)
Um grande abraço
Ludi,
ResponderEliminarAdão e Eva já sabiam muito bem o que era o bem e o mal. Não te esqueças que tinham tido o enrome desplante de cometer o imperdoável crime de ... trincar uma maçã :-)
Cristy
Muito,muito bem, Ludwig.
ResponderEliminarObrigado pelos belos esclarecimentos.
Obrigado pelos comentários, mas tenho que reconhecer que grande parte do que escrevo deve-se às discussões que há aqui entre os leitores. Acho que como escritor tramava-me por não saber o que escrever :)
ResponderEliminarCristy: a maçã era o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. O pecado foi quererem saber o que era o bem e o mal. E cometeram-no antes de saber o que era o mal. Qualquer tribunal moderno absolvia-os, mas os Cristãos condenaram toda a sua descendência...
Hehehe.Como diz Dawkins: os cristãos aqinda hoje andam com um símbolo de tortura e de morte pendurado ao pescoço.Estranho símbolo de amor, a cruz.
ResponderEliminarKarin
O irónico neste mito todo, é que se os homens não fizessem a desfeita de torturar e "matar" o filho primogénito de Deus, então não poderiam ser perdoados.
ResponderEliminar"Joel, filho, podes ter feito muitas coisas más. Mas como não mataste o meu filho primogénito, não te posso perdoar."
É mesmo preciso mandar o seu filho para a terra, para que este se sacrifique, porque se não "não vale", não é possível perdoar as pessoas. Mesmo para alguém alegadamente omnipotente.
E realmente poderia ter-se dado ao trabalho de transmitir a sua mensagem de forma mais clara e menos confusa (logo para começar cerca de metade da cristandade é católica, e outra metade não...). Com tanta má interpretação daquilo que terá dito, não poderia mesmo ter mandado uns anjos explicarem aquilo tudo melhor?
Se calhar isso tudo envolveria muito sofrimento. E como o Ludwig diz, o Deus dos cristãos não parece particularmente preocupado em evitá-lo.
Estranha forma de amar... Estranho conceito de amor...
Quanto à história do fruto do conhecimento, o moral é simples: em vez de quereres saber o que é certo e errado, obedece.
ResponderEliminarBem sei que se não sabes o que é certo e errado, não adianta dizer que é certo obedecer. Não é suposto fazer sentido: é suposto encorajar a obediência.
Todo o mal no mundo nasceu da desobediência. A subimissão é a resposta.
Depois, com uma mentalidade de obediência cega, já podes ser uma engrenagem dos campos de concentração sem te perguntares o que estás lá a fazer. Apenas obedeces a ordens.
Mas é fundamentantal que nesta mentalidade de obediência, percebas que a autoridade última é o clero. Quando houver conflito entre autoridades, é sempre ao clero que deves obedecer.
O clero da verdadeira religião, claro! Os outros são falsos profetas e charlatães.
E qual é a verdadeira religião?
A tua!
Um bom resumo disso pode ser visto aqui: www.youtube.com/watch?v=cyheJ480LYA
ResponderEliminarNão vale a pena estar mais a discutir se há amor ou não no evangelho, mas gostaria de lhe deixar um desafio, ludwig: que escrevesse um post sobre o amor.
Sobre o que é o amor para si, se se resume a um sentimento, se é algo mais, sabe bem. E já agora seria interessante se não escrevesse o que acha que o amor não é, mas sim o que acha que é.
Peço-lhe isto para poder comparar a noção que tenho de amor, com a sua.
Pedro Silva
Caro Pedro,
ResponderEliminarO significado de uma palavra não pode ser uma coisa para mim e outra coisa para outros. Se assim fosse a palavra deixava de ter utilidade pois não serviria para comunicar um conceito.
A palavra no novo testamento é normalmente agape, grego para o amor que dá sem exigir, como o amor paternal.
Mas não me parece que o desacordo seja no que quer dizer a palavra, mas sim se a história do novo testamento, o símbolo da religião Católica e o seu credo têm como fundamento o amor. Eu acho que a ideia que Deus nos ama tanto a todos que mandou o Seu filho para ser torturado é uma deturpação doentia do que é amor.
Quanto ao filme do youtube, parece-me que nesse sketch o deus faz o papel do messias judeu. É o heroi que dá cabo dos maus e salva a rapariga.
ResponderEliminarSe ele acabasse crucificado e ela ficasse na mesma penso que não teria tanto impacto...
Se Amor é o que deus demonstra pelos outros, a mim parece-me que ele é um daqueles adolescentes a necessitar uma tareia como pouco.
ResponderEliminarA questão é simples. Quando pede uma prova a alguém que é, mata o teu primogénito para mostrar que me amas, parece aqueles adolescentes ciumentos, que se viram para os respectivos namorados(as) e dizem, se me amas tens de espancar o teu (a tua) ex. Ou então têm roubar algo aos pais que seja completamente estupido, para provar que õ seu amor está acima de tudo.
Digamos que para um ser superior, deus, sofre dos mesmos males dos adolescentes. Também deve estar dominado pelas hormonas.
Esta forma de amor, é de um extremismo a roçar o ridiculo, seria o equivalente ateu a alguém declarar que quem é ateu e quer provar que não acredita no castigo divino, devia assassinar os crentes que conhece.
Ainda bem que o vosso deus é só amor, mas, se é para isto, podemos voltar aos deuses Sumérios que matavam por ataques de ciumes, sem tentarem vender esta banha da cobra.
António:
ResponderEliminarRealmente Deus diz mesmo que quem amar mais um familiar - ou qualquer pessoa - mais do que "Ele", não é digno d"Ele".
Felizmente vivo num mundo em que, como é razoável, as pessoas religiosas amam mais os seus entes queridos e outros próximos do que a abstracção falsa que é Deus.
É triste amar mais um ser imaginário do que as pessoas reais...
Eu vou fazer algo que me parece básico:
ResponderEliminarAMOR - Sentimento de afeição, ternura ou de profunda ligação sentimental para com o objecto amado.
Sentimento de predilecção, preferencia ou gosto por algo, ou alguém.
Preocupação afectuosa pelo bem estar de outro(s).
Ora aqui têm uma definição de amor. E agora venha as hipocrisias de tentar provar que o causar o desgosto de matar um filho, se enquadra na definição de amor...
Ludwig,
ResponderEliminarInterpretou mal o filme. Quando a personagem que faz de Jesus tá a ser espancada pelos “maus”, que não representam pessoas mas sim pecados, aí é a crucifixão. E quando isso acontece é aí que a personagem que simboliza o Homem se sente livre, pela primeira vez desde que tinha abandonado Jesus. E quando este derrota os outros, aí é a ressurreição. Porque a vinda de Deus à terra não acaba na cruz, mas sim na ressurreição, na derrota da morte e do pecado. Esta é a mensagem cristã, acredite-se ou não.
Pedro Silva
Consta que certo dia Adão se virou para Deus e disse: Senhor, eu acho que isto está bem e isto está mal." E Deus respondeu: "Adão, quando eu quiser saber a tua opinião, eu dou-ta!"
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