sexta-feira, setembro 21, 2007

Fé e Ciência.

A fé e a ciência não são compatíveis. Há cientistas com fé, mas fazem ciência numa coisa e têm fé noutra. É como fazer jejum e comer. A mesma pessoa pode fazer ambos, mas são incompatíveis. Não se pode ter fé naquilo que se tenta compreender, e não se pode compreender o que se aceita por fé.

Se formos claros nos termos isto é óbvio. De Agostinho a Kierkegaard que a fé é um compromisso definitivo. Ninguém tem fé se está a contar mudar de ideias. Isso não é fé, é opinião. E compreender é o processo de alterar ideias de forma a que correspondam ao que queremos compreender. Ninguém pode compreender sem mudar alguma ideia.

A ciência é o processo interminável de aperfeiçoar a compreensão. Para fazer ciência é sempre preciso mudar de ideias. Mas ter fé é não mudar aquela ideia. Nunca. E fazer as duas ao mesmo tempo é dar cabo da mioleira porque mais incompatível que isto é impossível.

Infelizmente, o óbvio torna-se obscuro por pequenos mal entendidos. O leitor Tiago Luchini escreveu (1):

«Fé e ciência andam tão juntas que você mesmo chegou a citar o seu processo para considerar algo como "superior".[...]
O processo que utiliza-se para adotar a posicão como sua é a fé em si próprio e na série de artigos científicos.»


O Tiago confunde a fé. Eu não tenho fé em artigos científicos. Eu tenho a opinião que estão correctos até ter indícios em contrário. Como o frigorífico. Todos os dias assumo que está a funcionar, mas se um dia avariar mando arranjá-lo. Não tenho fé no frigorífico porque estou sempre disposto a mudar de opinião. Pela mesma razão, não tenho fé nos artigos científicos. A fé é um compromisso definitivo e o que eu tenho são opiniões condicionadas à informação de que disponho.

E o Tiago confunde a ciência. A ciência não é uma lista de factos em que se acredita. Isso é o catecismo. A ciência é um processo. O conhecimento que produz é útil, mas necessariamente vai mudando ao longo dos tempos. O que persiste na ciência é o método de duvidar de tudo e aproveitar, a cada momento, o que está a aguentar melhor. Isto é o contrário da fé.

E há cientistas com fé. Grande coisa. Não é por um cientista jogar uma futebolada que vamos dizer que ciência e futebol são o mesmo. Não são. Nem de longe. Basta ver o tempo que os telejornais dedicam ao futebol e à ciência para verem como são diferentes.

Finalmente, que a fé é uma forma igualmente legítima de compreender. Nem por isso. O livro com as histórias mais antigas que tiverem em casa é provavelmente a Bíblia ou outra compilação religiosa. É a contribuição da fé para a compreensão do universo. É o que se consegue quando se agarra uma ideia com toda a força. Tudo o resto, a casa, a roupa que vestem, a comida que comem, e até o livro onde essas histórias estão impressas, e todo o conhecimento que temos foi dado pela ciência. Que é o que se consegue quando se agarra a realidade com as ideias.

Adenda: reparei agora pelo Technocrati que o Tiago Luchini já tinha escrito um post com o mesmo título, também sobre este assunto.

18 comentários:

  1. Mas a propósito, citando o crente Kierkegaard de memória, não se esqueça de que é um erro desligar a fé das suas raízes históricas e circunstanciais (Temor e tremor? O conceito de angústia?).
    Não concordo consigo, do mesmo modo que não concordo com Kierkegaard.
    Marx e Engels decidiram, a partir de certa altura, deixar de utilizar nos seus escritos a expressão "fé comunista", por a considerarem perigosa. A que estavam a referir-se com o termo, antes de terem percebido que poderia gerar mal-entendidos? É que eles consideravam o materialismo dialéctico (histórico)como uma ciência... A exemplo do modo como Comte via o positivismo, aliás, e que sentiu a necessidade de criar a Igreja Positivista.
    A definição do termo é que é, pelo seu lado, simultaneamente demasiado restrita e demasiado vaga. Ainda por cima, o Ludwig limita-se às religiões do Livro, em especial ao cristianismo, deixando de lado o fenómeno da fé, na sua essência. Isso sim, seria interessante discuti-lo. Desta maneira, parece-me que retrocedi no tempo, ao final do século XIX e às primeiras duas décadas do XX, com as suas questões dos malefícios gerados pela padralhada mailo obscurantismo daquele chorrilho de aldrabices. Se é esse o assunto de aqui se pretende tratar, não vale a pena (para mim, entenda-se) continuar a discussão.
    Já agora, aproveito para dizer o seguinte: aqui há quatro ou cinco anos, penso eu, vinha uma notícia no PÚBLICO que achei deliciosa (guardei o recorte e tudo). Um grupo de ateus de uma cidade norueguesa, com base na igualdade de direitos, exigiu poder proclamar diariamente, do ponto mais alto lá do sítio, "Deus não existe!". Percebo perfeitamente, é o mínimo de respeito que a arrogância instituída da crença parola deve a um pobre ateu que paga os seus impostos como qualquer outro e tem que aturar uma missionação que, só pela abordagem, pessoal e do tema, dá logo vontade de fugir a sete pés ou, parafraseando de novo o meu paizinho, de "dar-lhes com um gato morto nas ventas". E se o Ludwig ou outro qualquer decidir fazer algo semelhante, eu assino logo!
    Referi isto em ligação com o que diz sobre o apelo que alguns fazem à sua "moderação". T'arrenego cruz canhoto, que a moderação é filha do diabo! Esse é que é o das falinhas mansas, segundo dizem os que acreditam na sua existência. Aí então é que eu nunca mais cá aparecia! Não, eu acho que o Ludwig deve ser mesmo imoderado, tanto quanto a gente não tropeça de vez em quando no pecado de o ser, não sejamos hipócritas! Mas ser imoderado é ir à raiz das coisas, não ficar pela rama e, assim, cair na injustiça e nas trevas a que inevitavelmente nos leva o lugar-comum.
    Bom, mas aqui o Ludwig, já farto de me aturar, pode contrapor: ouça lá, mas já que me acusa de superficializar a discussão, diga-me lá por onde é que você, seu espertalhaço, sempre a... postas de pescada, acha que deveria incidir a conversa? Ao que eu respondo como posso: que tal começarmos por dois temas, tão caros a todas as religiões instituídas, um dos quais o António levantou num comentário: que concepção de Deus está subjacente à moderação no sexo que elas recomendam ou determinam? Isto é, sendo o sexo a expressão do dinamismo que dá origem ao fenómeno a que chamamos universo, porquê o apelo à castidade ou, pelo menos, à extrema moderação sexual? O que está por detrás disso? Do ponto de vista criacionista, o sexo não seria exactaente a consumação do amor ao outro, a maor das orações em louvor do divino?
    Outro tema possível é o da inteligência na sua relação com a fé, coisa que, como se sabe ocupa tanto espaço no pensamento associado a algumas religiões e que já levou à excomunhão ou à marginalização de tanta gente. E qual a concepção do fenómeno da inteligência dentro do fenómeno mais geral do universo que nos inclui? Sobre este tema o Alf, do Outra Margem está, a meu ver, a fazer um trabalho muitíssimo interessante, para o qual chamo a atenção de todos.
    E por aí fora.
    O que é que me diz?

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  2. Sei que faz parte do seu estilo de composição Ludwig mas, citar paralelos, não cria necessariamente um argumento.

    Por exemplo, posso citar que, assim como uma bola possui dois lados (o de dentro e o de fora), assim é a percepção da realidade com seus dois lados (a fé e a ciência).

    Igualmente o ser humano, que não existe desassociado de corpo e consciência, assim é a percepção da realidade - não existe desassociada da fé e da ciência.

    Assim como uma moeda, que não existe sem cara e coroa, assim é a percepção da realidade que não existe sem fé e ciência.

    E este tipo de frase não é argumento positivo nem para o seu lado nem para o meu da discussão. Apenas demonstra que os dois lados conseguem criar paralelos bonitinhos.

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  3. Ludwig:

    Relendo seu texto e lembrando dos comentários de João Vasco no post anterior encontrei a grande diferença de interpretação que estamos tendo. E ela é totalmente semântica.

    Vocês têm associado o termo "fé" única e exclusivamente ao "agarrar-se incondicional e imultavelmente à uma idéia ou conceito religioso".

    A minha interpretação semântica de fé é "tudo aquilo que se agarra consciente ou inconscientemente para explicar a realidade".

    Colocadas essas diferenças semânticas à claro - em bom tempo espero.

    É sob esta ótica que postulo nossa "fé" primitiva nas manifestações naturais por exemplo. Se acendemos uma fogueira, sabemos, sem nem chegar perto, que ela queimará. Nossos ancestrais se queimaram muito já e aprendemos, através das gerações, a nos condicionar nessa fé.

    A própria interpretação semântica distorcida que tens da fé enquanto conceito filosófico é resultado do condicionamento que recebeste da cultura, da sociedade, da educação, da igreja e de tantos outros fatores externos que hoje constituem sua interpretação pessoal.

    Exatamente por isto que já lhe questionei anteriormente o por quê do seu exarcebado foco no cristianismo (aparentemente católico inclusive). Suponho que, por Portugual ser um país majoritariamente católico e com um pensamento religioso estacionado há alguns séculos, esta seja sua única fonte de inspiração e molde.

    Desta feita, concordo contigo quando afirmad que "fé e a ciência não são compatíveis" - desde que entenda-se fé dentro da tua interpretação pessoal e semântica.

    Consultei rapidamente um dicionário daí de Portugal (para evitar interpretações regionais) e encontrei:

    1. crença absoluta na existência ou veracidade de certo facto; convicção íntima;
    2. compromisso de fidelidade à palavra dada; lealdade;
    3. confiança absoluta (em algo ou em alguém); crédito;
    4. RELIGIÃO adesão aos dogmas de uma doutrina religiosa considerada revelada;
    5. RELIGIÃO (Catolicismo) primeira das virtudes teologais, graças à qual se acredita nas verdades reveladas por Deus;
    6. qualquer crença religiosa; religião;
    7. comprovação de um facto; prova;

    Claramente, a interpretação semântica de vocês tem recaído sobre as explicações 1, 4, 5 ou 6. E a minha tem recaído sobre a 2, 3 ou 7. Decerto que uma entrada semântica à mais lhes dá a vantagem do desiquilíbrio :)

    Para não confundir, recomendo sempre que forem utilizar o termo "fé" dentro da interpretação semântica que têm feito, utilizar algo mais preciso como: "fé católica-cristã da idade média".

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  4. Queria apoiar a iniciativa do Joaquim Simões para um debate sobre a Igreja e a sexualidade. Por exemplo, o abuso de poder que costuma descambar em coisas engraçadas como a pedofilia. Ou o assassínio premeditado: a proibição do uso de preservativos. E a obsessão católica com este tema, que levou o cardeal Alfonso Lopez Trujillo, da Colombia, a afirmar o ano passado que os preservativos são passíveis de TRANSMITIR o HIV. E não foi o único, houve colegas africanos que lhe seguiram logo o exemplo. E não houve ninguém que os pusesse na prisão, e muito menos uma palavra de repúdio do Vaticano.
    Cristy

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  5. Joaquim,

    Eu não concordo com Kierkegaard em quase tudo também, mas quis apontar que entre os crentes a palavra «fé» tem sido usada num sentido muito mais forte que aquele que o Tiago propõe, que me parece ser sinónimo de «opinião».

    A fé na sua essência, desligada que qualquer dogma, apensa critico como método. Não vejo qualquer justificação para acreditar só por acreditar. Mas como isso acaba por ser algo de pessoal, íntimo, é pouco discutível. Acho mais produtivo discutir afirmações concretas, como Jesus ter nascido de uma virgem, ter ressuscitado, e essas coisas.

    Quanto aos temas a debater, logo se vê. Há tanta treta por ai... :)

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  6. Tiago,

    O argumento por analogia tem que recorrer a algo análogo. Dizer que a realidade é como uma bola, e tem dois lados, não é um bom argumento por analogia porque não é evidente que a realidade seja como uma bola.

    Os exemplos que eu dei fora casos em que há um método para resolver um problema, e nesses casos não queremos que se usse o método correcto com moderação. Queremos que usem esse método e só esse. É o caso do juíz, do cirurgião, e de quem quer que seja que tente criar uma descrição correcta de um fenómeno. O cientista, por exemplo. Eu não invento uma analogia, afirmando do nada que a realidade é como uma bola. Eu uso uma analogia já reconhecida, que para investigar e descobrir a verdade é preciso seguir um método e não ficar-se pela sua crença.

    Quanto ao termo fé, se me mostrar um crente religioso disposto a mudar de opinião assim que descobrir uma hipótese alternativa mais adequada às observações, eu reconheço que essa crença está de acordo com o meu cepticismo metodológico. Mas duvido que o sacerdote desse crente chame a isso fé.

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  7. Ludwig

    Fé e Ciência não são compatíveis nem incompatíveis: são duas esferas que não se intersectam. E acabou!

    Fé e Filosofia têm pontos de contacto e andam muitas vezes de mão dada. Mas é tudo!

    Concordo com a história de um cientista ter fé não querer dizer nada em termos de relação com Ciência e Fé. Porque simplesmente não têm nada a ver e o cientista sério sabe-o!

    Estou em desintoxicação de pontos de exclamação: só tenho 3 neste comentário. Estou a poupá-los para o meu próximo post...

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  8. "É sob esta óptica que postulo nossa "fé" primitiva nas manifestações naturais por exemplo. Se acendemos uma fogueira, sabemos, sem nem chegar perto, que ela queimará. Nossos ancestrais se queimaram muito já e aprendemos, através das gerações, a nos condicionar nessa fé."

    Bem, mas isto não é fé, é aprendizagem. E podemos sempre pôr em causa o que aprendemos. Este comportamento está bem patente no comportamento das crianças que têm uma curiosidade consequente espírito científico inatos. Uma criança pode ter aprendido que tocar no fogo queima, mas isso não a impede de ir lá confirmar. É por isso que temos de ter muito cuidado com as crianças quando elas estão na fase dos porquês.

    À medida que vamos crescendo vamos cada vez sendo mais condicionados por lavagens cerebrais, dogmas sociais e culturais instituídos e vamos perdendo (ou vai ficando atrofiada) essa capacidade inata que temos à nascença, o que tem um certo lado positivo. Não podemos estar constantemente a duvidar de tudo. Quando compramos uma caixa de cereais no supermercado acreditamos que existe cereais lá dentro. Isto não é fé. Simplesmente aprendemos isso. Se um dia a caixa tiver outra coisa qualquer lá dentro voltamos para trás para reclamar.

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  9. Há aqui um ponto importante. O problema de pôr fé e ciência no mesmo saco surge quando queremos usar, ainda que separadamente, estas duas ferramentas com o objectivo de conhecer a realidade (o que quer que isso seja). Quero aqui significar realidade como o modo de funcionar do Universo, e dos fenómenos que nele ocorrem.

    A fé existe, e não tem de ser algo negativo. Mas sendo um conceito pessoal, subjectivo e fortemente dependente do contexto cultural em que está inserido. Leva a que a fé seja diferente para cada pessoa. E deste modo existem tantas explicações para o mundo quantas as pessoas a ter fé. Isto torna o conhecimento alcançado pela fé altamente divergente.

    A ciência por seu lado tem como objectivo a convergência. Tem como objectivo principal que o conhecimento alcançado possa ser acessível e compreensível a todos utilizando apenas a lógica e o raciocínio. E deve fornecer previsões que possam ser testadas experimentalmente. Se alguém tiver duvidas pode sempre testar.

    Eu quando ensinar uma coisa aos meus filhos quero que eles a aprendam porque a compreendem e não porque têm fé naquilo que eu lhes digo.

    Não sou contra a fé. As pessoas têm e devem ter liberdade para ter fé naquilo que quiserem. Sou apenas contra o facto de usar a fé como instrumento de obtenção e transmissão de transmissão de conhecimento. Neste ponto penso que fé e ciência são inteiramente incompatíveis.

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  10. “Quanto ao termo fé, se me mostrar um crente religioso disposto a mudar de opinião assim que descobrir uma hipótese alternativa mais adequada às observações, eu reconheço que essa crença está de acordo com o meu cepticismo metodológico.”

    Eu! E voltou a responder: Eu!! Encontrei em Cristo a explicação para tudo o que nunca ninguém me tinha conseguido explicar, e aderi completamente a Ele. As consequências práticas na minha vida foram, e são, mais de muitas, e isso também me ajuda a reconhecer que Cristo é a verdade. Mas a fé deve ser posta em causa, e devemos sempre procurar as verdadeiras razões para acreditarmos no que acreditamos e fazer o que fazemos, desde as coisas mais banais, às maiores obras. E digo muitas vezes que se alguém aparecer por aí que me consiga dar uma explicação melhor para a vida do que Cristo, seguirei prontamente essa pessoa, ou essa teoria. E isso não diminui em nada a fé que tenho em Jesus, muito pelo contrário, mostra que O quero seguir porque reconheço nele a verdade, e não porque acho que foi um líder ou uma pessoa boazinha. Sigo-O porque acredito em tudo o que disse, e que isso dá sentido à minha vida. E não se pense que sou o único a pensar assim, conheço muitos católicos que estão sempre a pôr a fé em causa, aliás os verdadeiros católicos são assim, e não pessoas que acreditam porque sim.

    E já agora discordo que a fé seja acreditar contra todas as evidências, muito pelo contrário, só a forma como passei a viver depois de encontrar Cristo é suficiente para ser a hipótese mais plausível para mim. Aliás, e até como Tomé, ele não estava a ser racional ao não acreditar que Jesus tinha ressuscitado. Primeiro porque ele já tinha vivido 3 anos com Jesus, e tinha experienciado coisas fantásticas que já lhe tinham mostrado racionalmente que Aquele homem era capaz de controlar a própria natureza, e é se não tivesse percebido que Ele era o Filho de Deus. Segundo, racionalmente deveria ter acreditado nos outros seus 10 amigos que tinham visto o Senhor ressuscitado, e que lhe testemunharam esse mesmo facto. Ou seja, todas as evidências apontavam para que Cristo estivesse mesmo ressuscitado, e a fé que lhe era pedida era só para aderir a essas evidências, mesmo sem ter visto O ressuscitado. Ele só precisava de ter dito: “mesmo sem O ver acredito que tudo o que vivi com Ele é verdade, e acredito na vossa palavra, irmãos.” Mas em vez disso fechou-se à razão, e cedeu à teimosia de ter de ver para acreditar. Fé é acreditar sem ver, mas nunca contra as evidências, há sempre razões para ter fé.

    Pedro Silva

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  11. Mas que treta!
    Será que não há mais sem serem do domínio da metafisica?

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  12. Vamos a isto.

    Ludwig: "Acho mais produtivo discutir afirmações concretas, como Jesus ter nascido de uma virgem, ter ressuscitado, e essas coisas."
    Para o caso de alguém não saber, o Evangelho foi desde logo traduzido em grego, à época a língua internacional do Mediterrâneo, de modo a chegar aos povos todos. O termo hebraico original era "jovem mulher", que em grego clássico só tinha equivalente em "parthenos", isto é, "virgem". O cristianismo só foi reconhecido como religião oficial do império romano cerca de três séculos depois, depois de múltiplas depurações entre os diferentes grupos de cristãos que se reclamavam de únicos representantes da pureza da doutrina (onde é que eu já ouvi isto?) e que se foram gradualmente juintando ao poder político, ao "politicamente correcto" (daí coisas como, por exemplo a determinação de um Evangelho oficial e de um Evangelho apócrifo). Não se esqueçam de que, outros três séculos mais tarde, Maomé convidou os cristãos a juntarem-se-lhe para restaurar a verdadeira religião, entretanto traída.
    É necessário apenas um pouco de faro de detective e algumas leituras para começar a vislumbrar certas coisas sobre o caso Virgem.
    A ressurreição fica para depois, que ainda quero responder a mais gente.

    Abobrinha: "Fé e Filosofia têm pontos de contacto e andam muitas vezes de mão dada. Mas é tudo!
    Concordo com a história de um cientista ter fé não querer dizer nada em termos de relação com Ciência e Fé. Porque simplesmente não têm nada a ver e o cientista sério sabe-o!"
    Toda a hipótese que justifica uma investigação tem origem numa intuição, isto é, de uma fèzada que vem não se sabe de onde (do imanente ou do transcendente), em que o puzzle que temos aponta para um alce e não para um veado. Nesse sentido, a fé (religiosa ou, se se quiser, poética) não apenas está ligada à direcção que nos propomos seguir, como à própria estrutura do conhecimento gerado. Especificando um pouco, se se conceptualizar a inteligência como algo de impessoal comportado pelo universo, a investigação dirigir-se-á, naturalmente, segundo essa "suspeita" e a estrutura dada à relação das "peças" será essa; se, pelo contrário, se considerar que a inteligência, como a memória, é algo de pessoal, então a "suspeita" é de que o universo tem algo a ver connosco, no sentido de ele próprio ser algo de pessoal (panteísmos e afins) ou ser obra de um ser pessoal (um deus criador ou algo próximo). Para o budismo, o taoísmo e outros assim, há uma concepção um pouco diferente, mas que mistura muitas das coisas referidas atrás.
    Em resumo, penso que nada é assim tão indissociável.
    Agora podes descarregar mais pontos de exclamção.

    João Moedas: "A fé existe, e não tem de ser algo negativo. Mas sendo um conceito pessoal, subjectivo e fortemente dependente do contexto cultural em que está inserido. Leva a que a fé seja diferente para cada pessoa. E deste modo existem tantas explicações para o mundo quantas as pessoas a ter fé. Isto torna o conhecimento alcançado pela fé altamente divergente."
    Ora assim é que é falar! Mas não nos esquecendo de que ela fundamenta a própria convergência! E que a fé, nessa perspectiva, só é incompatível com a ciência quando é interpretada como sendo a negação da mesma fé, isto é, quando se torna instituição política!

    Pedro Silva:: "Encontrei em Cristo a explicação para tudo o que nunca ninguém me tinha conseguido explicar, e aderi completamente a Ele. As consequências práticas na minha vida foram, e são, mais de muitas, e isso também me ajuda a reconhecer que Cristo é a verdade."
    Depende da verdade de que o Pedro estiver a falar. Porque algo pode ser verdade, entendida como a realidade real, e eu não a querer, por senti-la como a minha negação mais funda. E aí temos duas realidades, isto é, duas verdades que se excluem. Podemos ser vizinhos?

    Osvaldo Lucas: "Mas que treta!
    Será que não há mais sem serem do domínio da metafisica?"
    Tchiii, mano! Um porradal delas! Treta é que coisa que não falta.

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  13. Pedro Silva,

    Penso que como explicação, um deus ter encarnado como humano para morrer de forma a que depois possa deixar entrar no paraíso os que acreditam nele não me parece uma explicação boa.

    Joaquim Simões,

    Eu sei que a coisa toda da virgem é um erro de tradução. Essa é a explicação mais plausível. Mas ao contrário do que o Pedro Silva afirma, a fé não é a procura da explicação mais plausível. Há muitos crentes que não estão dispostos a prescindir dessa alegada virgindade.

    Osvaldo Lucas,

    Esta treta está muito longe de ser metafísica. Tem consequências concretas no dia a dia. Quando se discute a investigação em células estaminais na comunicação social lá está o padre a dar a sua sentença. Quando há um parecer acerca da reprodução medicamente assistida, é negada à mulher solteira porque os mais religiosos no CNECV não gostam da ideia. E assim por diante.

    Abobrinha,

    São esferas que não se intersectam? Antes fosse. Se os padres não metessem o bedelho fora da metafísica estava isto bem melhor...

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  14. Ludwig,

    A analogia da bola com seus dois lados não explica a realidade na mesma medidade que sua relação pessoal com um frigorífico não explica a fé.

    Este é o meu ponto. Criar analogias é fácil e tendencioso. Qualquer um pode fazê-lo (para o certo ou para o errado).

    E perceba um paradoxo interessante: os ensinamentos de Jesus, em sua maioria, são feitos em parábolas/analogias.

    Isto só prova que analogias são poderosas ferramentas de transmissões de conceitos. Nada mais, nada menos.

    Seus conceitos continuam conflitantes com os meus por uma interpretação semântica diferente.

    Largue um pouco dos padres e católicos. Não porque tenha-lhes preferência - muito pelo contrário. Mas porque acredito que abrir horizontes é sempre positivo.

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  15. Tiago,

    É um pouco dificil largar a religião, em particular o cristianismo. Mas, não é o catolicismo. É mesmo o cristianismo. Seja em que forma for.
    O budismo, por exemplo, adopta uma postura diametralmente oposta. As coisas que ensinam, são mera transmissão do conhecimento, pois o intuito é mesmo que o aluno experiencie todos os conhecimentos, e que saiba, porque chegou lá por sí mesmo. No cristianismo, a fé é exigida contra toda e qualquer forma de conhecimento comprovado. E se pretender alegar o contrário, tem a expulsão de Adão e Eva do paraíso, na biblia, a apontar o caminho. O episódio de S.Tomé é outro, e por diante.
    A palavra fé, da maneira que a pretende usar falha em diversos aspectos. Fé como prova ou conhecimento, está relacionada em termos linguisticos com outras actividades, legais, em que o termo é usado em contexto especifico.
    A fé que quis discutir, e foi muito especifico na sua contextualização, vem da religião. Em nenhum contexto de ciência, a fé foi referida em termos legais, mas, sempre em termos religiosos, e essa, é a fé dos pontos 1, 4, 5 e 6. Tentar discutir o tema "ciência e fé" alegando as outras é desconversar, e andar a discutir semantica, e isso nem filosófico é! Eu recomendo que leia todas as "aulas" de pensamento e discussão filosófica de Desidério Murcho, no blog em que participa. Ele caracteriza muito bem os tipos de argumentos usados, e a forma como são usados, e identifica muitos vicios em que todos caímos ao discutir.

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  16. Tiago,

    Penso que está a fazer alguma confusão. O frigorífico era um exemplo de uma opinião que não é fé. Apesar de não estar constantemente a correr à cozinha testar o funcionamento do frigorífico, não é por fé que assumo que ele funciona porque estou disposto a mudar de ideias assim que tiver evidências em contrário. Isto não é um argumento por analogia.


    Os argumentos por analogia foram os do juiz e do cirurgião. Nesses casos há um procedimento correcto que deve ser seguido, e que deve excluir favoritismos ou crenças pessoais. A investigação de qualquer fenómeno é análoga, e deve também ser isenta e imparcial. Esta analogia é aquilo que eu assumo como aceite por quem lê o argumento. É a premissa. A conclusão do argumento é que na investigação de algo não devemos ser moderadamente rigorosos, mas o mais rigorosos possível. Tal como nos casos análogos.

    O seu argumento da bola falha porque aquilo que tornaria a bola análoga à realidade é precisamente a conclusão a que quer chegar. O seu argumento não parte de uma premissa aceite (a analogia entre o cientista e o juiz, por exemplo, no que respeita a crenças pessoais) para chegar a uma conclusão (que nestas coisas não se deve ser moderado). Simplesmente conclui que tanto a bola como a realidade têm dois lados porque o assumiu à partida.

    Os argumentos por analogia podem ser bons argumentos, mas têm que partir de algo que se aceita para a conclusão em disputa. Não podem simplesmente assumir esta conclusão à partida.

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  17. Antonio,

    Cito largar o cristianimo em seu formato católico pois, por exemplo, dentro da sua descrição do budismo, enxerguei a descrição do cristianismo. Isto me demonstra claramente como a sua percepção do cristianismo está contaminada por uma carga cultural e talvez até regional.

    Cito e diferença de percepção semântica dentro deste contexto contaminado da sua carga cultural pessoal. Se a fé que utilizas é aquela definida e defendida pelo cristianismo-católico da idade média, deveria ser contextualizada como tal e não simplesmente na utilização da palavra "fé" assumindo que todos tenham o mesmo pensamento antiquado.

    Aqui estou a discutir o pós-modernismo e vocês estão presos à idade-média. Não teria nem colocado meu bedelho se assim o soubesse.

    Ludwig,

    Tu falhas ao indicar que utilizei analogias como argumentos. Na verdade inventei analogias aleatórias para indicar que elas não representam um argumento exatamente porque partem de uma premissa (como você mesmo ressaltou).

    Tudo depende de qual premissa que se parte. Se ela é aceita ou não pelo escritor ou pelo receptor é outra história. A sua analogia do médico ou do juiz não se transforma simplesmente em argumento porque você pessoalmente aceita premissas que a embasam. Assim como a minha premissa que fé e religião andam juntas não justifica eu utilizar a analogia da bola.

    Ambos os cenários falham ao assumir premissas que não são eventualmente compartilhadas pelos dois lados da história.

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  18. Tiago,

    Sendo o debate sobre fé e ciencia, já agora, e porque pretende alargar a abrangência semantica da palavra fé, porque não entrar no anglo-saxónico mesmo? Já que como diz, não quer o restrito da definição de fé religiosa, que é a que entra em qualquer debate de Fé vs Ciência, podemos entrar noutras definições:
    1-Confiança em algo ou alguém.
    2-Crença não baseada em prova.
    3-Crença em Deus ou nas doutrinas e ensinamentos religiosos.
    4-Crença em algo, por código de ética, padrões de mérito, etc.
    5-Sistema de crença religiosa.
    6-Obrigação de lealdade a outrem, a uma promessa, a um compromisso.
    7-Observação de lealdade a uma obrigação, por promessa voto ou aliança.
    8-Teologia: Confiança em deus e suas promessas feitas através de cristo e pelas escrituras pelas quais os humanos serão absolvidos ou salvos.
    9-Em fé: em verdade, deveras, de facto.
    A questão é que se há a liberadde de usar a semantica para alargar o debate, nem faz sentido que sejam sempre os crentes a querer fazer esse alargamento, a menos que seja para evitarem aceitar as contradições que a restrição de significados impõe no discurso. Eu chamo-lhe, descontextualizar, e não me parece levar a nada em termos de debate.

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