sexta-feira, setembro 28, 2007

Não percebe.

Sou muito acusado pelos crentes de não perceber a posição deles. Pois agora acuso eu. Acuso Manuel Clemente, o Bispo do Porto, de não perceber a extinção das capelanias hospitalares. Mas vou mais longe que os crentes. Não só tenho a ousadia de dizer que não percebe como tenho o desplante de explicar porquê. Mais um exemplo de fanatismo ateu. Os crentes preferem ficar-se só pela acusação.

Manuel Clemente escreveu:

«O que está em causa, quando se restringe a proposta religiosa, geral ou específica, no espaço público ou estatal? Pode estar em causa um preconceito de tipo laicista, que fere a liberdade pessoal e contraria a própria laicidade ou secularidade do Estado.»(1).

Seria um atentado à liberdade pessoal proibir a visita dos padres aos doentes que o solicitassem. Mas não se propõe tal disparate. Propõe-se que o estado deixe de pagar o salário de padres Católicos e a manutenção da parafernália religiosa nos hospitais, e que não permita que o espaço hospitalar reservado à prática religiosa de todos os pacientes seja usurpado por uma só denominação (2). A proposta não fere liberdades pessoais. Apenas recusa custear o proselitismo da religião da maioria.

A esta confusão acrescenta outra, alegando que a proposta esquece a natureza cultural da religião:

«Parte do princípio de que a convicção religiosa e a preferência cultural são algo de individual, que cada um resolve por si mesmo. Esquece que, sendo dimensões intrínsecas do ser humano, como toda a história demonstra, são necessariamente inter-pessoais. Esquece que, como facto cultural e social, a religião pode e deve ser reciprocamente proposta, mesmo que não seja acolhida.»

Tem graça que mesmo há pouco chamei a atenção dos meus alunos para evitar esta confusão. É um facto que a religião é mais cultural e social que individual. Mas o que está em causa é um juízo de valor. Está em causa se a religião deve ser uma opção livre do indivíduo ou se deve ser determinada pela sua cultura.

Esta proposta não esquece o poder que a religião tem na nossa cultura e sociedade. Apenas decide em favor da liberdade religiosa do indivíduo, como consagrada na nossa constituição. Não é a cultura religiosa que temos que defender, mas sim o direito de cada um a ter a religião que quiser, e se quiser.

1- Manuel Clemente, Jornal de Notícias, Carta aos capelães hospitalares
2- Associação República e Laicidade,Carta ao Sr. Ministro da Saúde

8 comentários:

  1. Ludwig

    Já estava para mandar esta há um tempo, mas agora é relativamente oportuno. E nem é para ajudar nem "desajudar" à discussão: é só para ver mesmo. Coerente?

    Não ligues sequer ao texto: é mesmo só a foto que quero mostar... estranha, não é?

    http://dererummundi.blogspot.com/2007/09/regresso-s-aulas.html

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  2. Falta ainda acabar com os capelães militares. É uma vergonha que as forças armadas atribuam a um bispo o posto (salário e outras benesses) de general a um bispo.

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  3. Inteiramente de acordo com o post. Além do mais, o Bispo do Porto incorre no erro frequente de confundir a árvore com a floresta quando se referem á religião. Uma coisa é o pensamento religioso ou a experiência histórica religiosa, latu sensu, a inclinação humana para a crença religiosa; outra bem diferente é a religião enquanto credo específico (católica, mórmon, islâmica, ortodoxa, judaica, etc.). O facto é que religiões há muitas e o senhor Bispo fala pelo seu rebanho, não fala pelo direito à Religião. Esse não está nem nunca esteve em causa. Dá-se o caso de em Portugal, por circunstâncias geo-históricas, o catolicismo romano ser de facto a religão da maioria. Mas isso não significa que seja a única e muito menos que mereça mais direitos ou benesses que as outras. Ou pelo menos que leve o Estado a quebrar a regra da equidade perante todos os cidadãos. Ou seja, por exemplo, construir em cada hospital público uns anexos espirituais, com uma capelinha para cada credo. Ora, como isso é impraticável, ou há moralidade ou comem todos. E como não comem todos... O facto é que não há cidadãos de primeira e cidadãos de segunda.
    Como dizia o Vasco Santana a propósito de chapéus, religiões há muitas...

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  4. De bem com Iavé, de bem com o Grande Arquitecto, de bem com Frei João Ateu... Isto o que é preciso é acordar todesdias... E saúde! Isso é que é preciso!
    Olha, Abobrinha, e até pode ser que te arranjem um biscatezito para lhes pintares a casa... Deixa lá! Isto, tudo se cria! E o que é preciso é aproveitar!

    Ludwig:
    De vez em quando até estamos de acordo! Venham de lá esses ossos, amigo!

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  5. Subscrevo.
    Tem de haver coerencia e equidade na forma como esta questão é abordada.
    Abraço

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  6. Imteiramente de acordo. Não imagina o que é estar hospitalizado e ainda ter que discutir por não querer ser incomodado por alguém que lhe quer dar uma "ajuda" que para si é um "vá para o diabo que o carregue". Ou ter que exigir que a alma bondosa desligue a porcaria que se punha a altos berros pontualmente às 18:.30, à hora do terço. Isto tem de acabar.

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  7. Eu já estive a morrer no IPO rodeado de gente a morrer. Gente do povo, povo mesmo povo, que as pessoas finas vão para as hospitais privados. Pessoas abandonadas pela família, possivelmente porque pobres e longe, ou porque a miséria humana é muita. Estou a imaginar um moribundo desses a contratar o serviço da sua religião e a assinar o recibo com uma cruzinha ...
    Concordo que o estado não tem de suportar estes custos, as religiões que se organizem como os voluntários que dão assistência às pessoas internadas. Agora, cobrarem-se disso, como creio que está previsto, é ideia que não entra cá nas minhas...devia era ser proibido cobrar esse tipo de serviços.

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  8. A propósito do fanatismo ateu, consultar a coluna do João Carlos Espada desta semana no Expresso. Um pequeno resumo: os livros dos ateus são manifestações de fanatismo e as respostas dos cristãos são serenas.

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