Treta da Semana: A verborreia.
Há dias passou por mim um carro com altifalantes. Ouvi a voz aguda a apregoar «...enorme prazer que a Câmara Municipal de Odivelas convida» e, mais grave, «todos os munícipes a assistir ao mais prestigiado espectáculo...». E pronto. Dobrou a esquina e fiquei na mesma. Dez segundos de conversa fiada a cinquenta quilómetros por hora são cento e quarenta metros. Uma conta simples que evitava desperdiçar tempo e gasolina.
No LIDL uma gravação pede «o favor de utilizar a saída pelas caixas», fugindo ao mais económico e correcto «sair». Efectuamos pagamentos em vez de pagar e visionamos em vez de ver. Nos jornais, lemos frases como este simpático puzzle de nove peças:
«O apartamento de onde desapareceu Madeleine McCann, a 3 de Maio, no The Ocean Club, Praia da Luz, e no qual passava férias, foi vendido na passada semana pela proprietária, de nacionalidade inglesa, a um casal também inglês, segundo apurou o DN.» (1)
No mesmo jornal, o João César das Neves demonstra que escrever artigos de opinião é como tirar números no bingo:
«O combate contra o cristianismo é um dos mais vastos, sistemáticos e duradouros de sempre. Desde a crucificação segue múltiplos propósitos, formas, atitudes e um só objectivo. Hoje a campanha adquiriu tons específicos, especial agressividade e profundo embuste.»(2)
Temos aqui um pouco de tudo. A agressividade é especial. O tons adquiridos são específicos. O embuste é profundo, o combate é vasto, sistemático e duradouro e segue múltiplos propósitos mas, curiosamente, um só objectivo. Não fica claro como conciliar vários propósitos num só objectivo, mas com isto certamente completou um cartão.
Em casos como o João César das Neves a verborreia sempre limita a densidade de disparates, com a palha a roubar espaço à treta nos interstícios. Mas, em geral, incomoda-me a falta de consideração pelo leitor ou ouvinte. As palavras desnecessárias só dão trabalho a ler e fazem perder tempo. As frases mal estruturadas mostram que o importante era pôr as palavras cá fora e não quem as quer pôr de novo lá dentro. Termos confusos e ambíguos proclamam «não tenho nada de jeito a dizer mas ouçam-me à mesma». E o que não dá para dizer em cento e quarenta metros não é para apregoar de carro. Ou estarão à espera que vamos a correr atrás para ouvir o resto?
Quem escreve para outros lerem devia ler aquilo que escreve e apagar pelo menos um terço antes da versão final. É o que eu faço. Não garanto que saia alguma coisa de jeito, mas imaginem o lixo que isto era se não o fizesse... Assim sempre incomodo menos.
1- Diário de Notícias, 18-6-07, Apartamento ocupado por Maddie foi vendido
2- João César das Neves, 18-6-07, Imposturas Anticristãs
certamente, é por este motivo que sempre leio o teu blog.
ResponderEliminarEscolhe as palavras certas, de uma meneira que me envolve e ao mesmo tempo informa.
continue assim... cada dia melhor. abraço!
=)
você é um deus, grande ludi!
ResponderEliminarNão será retórica em vez de verborreia?
ResponderEliminarObrigado a todos pelos comentários. Ao segundo Anónimo: retórica é a arte de bem falar. Usamos muito essa palavra pejorativamente, mas o sentido original é lisongeador.
ResponderEliminarVerborreia quer dizer usar palavras inúteis ou a mais.
lisonjeador
ResponderEliminarCerto... a caixa de comentários não tem spellchecking :)
ResponderEliminarObrigada Ludwig,
ResponderEliminarSou a anónima da pergunta da retórica, não o aqui de cima.
O FireFox tem corrector automático, e é melhor que o IE.
ResponderEliminarFirefox Rules!
ResponderEliminarA sério, se não usas o Firefox, recomendo-te que o faças. Depois de instalado o plugin do corrector ficas com ele disponível em todas as caixas de texto de qualquer página que visites.
Parece porreiro. Eu uso o Opera, habituei-me ao look e é levezinho. Mas vou experimentar o firefox.
ResponderEliminarhehehehe!!
ResponderEliminarVai Ludwig, vai Ludwig!!
Do melhor!!
Vocês nem sonham o que é a verdadeira verborreia enquanto não pertencerem ao conselho pedagógico de uma escola.
ResponderEliminarÉ um tipo de tortura no qual acabas por concordar com as decisões mais surrealistas só para "get the hell out of there"!
PS, a anónima de cima sou eu, Karin
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