sexta-feira, junho 15, 2007

Não... sim... quer dizer... qual era a pergunta?

O Helder Sanches propôs outro debate inter-blogues, desta vez com o tema «Será a Religião Eterna e Inevitável?». A resposta é não. As leis da termodinâmica garantem que a religião não pode ser eterna. Eventualmente, há de acabar.

Mas, como disse Woody Allen, a eternidade é muito longa, especialmente lá para o fim. O Helder deve querer dizer uma eternidade mais curtinha, e nesse caso a resposta é sim. O fundamento da religião é tratar o inanimado como pessoa. É certo que a atitude de quem pede a uma estátua que lhe cure o pé de atleta é diferente da atitude de quem especula, aos berros, sobre a profissão da hipotética progenitora do seu PC. Mas são ambos exemplos de personificar o inanimado. Seja o santo, o espírito, o deus, ou o filho da ... do computador. Ver tudo como pessoa é uma tendência natural do ser humano.

O nosso cérebro é uma máquina de criar modelos intencionais. No sentido comum de intenção como propósito, em que consideramos o tipo de terra que esta planta gosta, ou que as asas dos pássaros surgiram para que eles voassem. E no sentido filosófico de intencionalidade como ser acerca de outra coisa. A linguagem e gestos com que comunicamos ou os rituais e superstições são coisas que representam outras. A hóstia é o corpo de Jesus, mas só simbolicamente, porque se fosse mesmo ninguém a comia. Esta capacidade torna-nos vulneráveis a muitas infecções mentais, da astrologia ao Cristianismo e, estatisticamente e no sentido lato, a religião é eterna e inevitável.

Mas considerando cada indivíduo e dando um sentido mais rigoroso à palavra, então a resposta é talvez não. Como a gripe. Mais por sorte que por mérito, há sempre quem se safe.

Já agora, aproveitando que este saiu curto, deixo uma palavrinha ao organizador. Helder, se pões uma pergunta e o pessoal responde não há debate nenhum. Para haver debate tem que haver uma troca de ideias em oposição, e para desencadea-lo não pode ser uma pergunta, tem que ser uma afirmação da qual outros discordem.

E um bom debate é como um bom arroto. Liberta-nos de algo que estava a incomodar, muitos consideram-no de mau gosto e, mais importante de tudo, é espontâneo.

1- Helder Sanches, 15-6-07, Debate Interblogues: Será a Religião Eterna e Inevitável?

13 comentários:

  1. A personificação do inanimado é relamente um dos mais importantes enviesamentos cognitivos para os quais o ser humano tem uma tendência natural que justificam a religião (e outras tretas). Mas não é o único.

    O pensamento propiciatório, a tendência para a superstição, o efeito de rebanho e uma série de outros.

    De resto, 100% de acordo.

    Mas será que a religião vai manter sempre a expressão que tem nas sociedades? Será que vai ter cada vez menor ou maior influência? Isto aqui é uma pergunta mais difícil. Eu tenho realmente esperança que a religião vá perdendo influência.

    ResponderEliminar
  2. "E um bom debate é como um bom arroto. Liberta-nos de algo que estava a incomodar, muitos consideram-no de mau gosto e, mais importante de tudo, é espontâneo."

    Isto é de uma profundidade :)
    É verdadeiramente poetico :)
    E não estou a brincar!

    Um Bj e parabens pelo post!

    ResponderEliminar
  3. Adoro seu blog, vou continuar acompanhando!
    parabéns!

    ResponderEliminar
  4. Ludi,
    estás a tornar-te um deus para muita gente. :)
    O post Comunismo Digital tá porreiro.
    JPVale

    ResponderEliminar
  5. João Vasco,

    Boa pergunta. Sempre a mesma influência, quase de certeza não terá. Se vai aumentar ou diminuir? Provavelmente ambas :)

    Joaninha e Kero,

    Obrigado pelos comentários e por apreciarem a poesia a la Krippahl ;)

    JPVale,

    Epá, um deus ateu? Onde é que isto vai parar?... Deus me livre ;)

    ResponderEliminar
  6. As referências ao "Deus ateu" levam-me a propor esta pergunta inquietante:

    «Se Deus surgisse das nuvens e dissesse que não existia, deveríamos acreditar em Deus?»

    Uma pergunta nitidamente Pipista.
    Fiquem bem :)

    ResponderEliminar
  7. Ludwig,

    Obrigado pela participação. A ideia de debate pretende-se atingir através da troca de comentários entre os participantes.

    O método que sugeres está presente sempre em cada artigo que tu ou eu coloquemos no ar. A ideia com o debate é levar os participantes a lerem as outras participações e a discuti-las no seu próprio blogue ou na caixa de comentários respectiva. É capaz de não ser tão prático mas poderá, certamente, ser mais interessante.

    De qualquer forma, no próximo debate farei a experiência de não colocar apenas uma questão, elaborando sobre um determinado tema. Pode ser que resulte melhor.

    Um abraço.

    ResponderEliminar
  8. Caro Ludwig, parece-me que haverá dialogo desde que surjam posts a defender o fim proximo das religiões.
    Parece-me que era essa a ideia inicial do Helder Sanches.

    Mas concordo consigo totalmente: um grupo de ateus tem de se distinguir de um grupo de frades. Tem de ser capaz de discutir ideias, não caindo num marasmo de sacristia.

    Até agora ainda não conseguimos lá chegar. Temos de procurar ideias que realmente nos dividam. Só essas é que vale a pena discutir.

    ResponderEliminar
  9. On e Helder,

    Diálogo, sim. Penso que colocar uma pergunta e cada um dar a sua opinião é interessante.

    Mas parece-me que só sabemos se vai ser debate depois, conforme as opiniões e as reacções. Para organizar um debate temos que saber que os intervenientes vão discordar e partir de posições incompatíveis.

    ResponderEliminar
  10. De acordo. Não posso é obrigar os crentes a participarem, por muito que gostasse. ;)

    ResponderEliminar
  11. Ludwig,

    Há temas acerca dos quais eu apostaria que haveria mesmo discordancia. Por exemplo: discutir a politica editorial do diário ateista.
    Não me estou a candidatar a membro ou coisa do género...

    Helder,

    estou à espera de umartigo seu sobre o tema a debate. Apostaria que a sua posição inicial era responder sim à pergunta.

    Parece-me também que não se sente confortavel a discutir ideias de forma mais acalorada com os irmãos ateus. Provavelmente por razões louvaveis tipo: há coisas mais importantes a fazer, não vamos dar munições ao inimigo, etc.

    Estou errado?

    Ludwig,
    para haver debate não é suficiente que as pessoas discordem acerca de um tema. É necessário que depois queiram discutir.

    Helder,

    não é assim tão dificil arranjar crentes para discutir. Há muitos que discutem e até são pessoas bem razoaveis!

    ResponderEliminar
  12. Caro On,

    Acho que faz muito bem em esperar pelo meu artigo. Normalmente, os únicos prazos que cumpro são aqueles que eu próprio imponho, portanto até sexta ele há-de surgir com certeza.
    Você aposta numa posição minha inicial; lá terá as suas razões, mas deixe-me dizer-lhe que não jogo.

    Ludwig,

    Utilizei a expressão "eterna" na questão a debate porque me parece apropriada se pensarmos que na religião há uma série de eternidades em causa. Concordo plenamente com o Woody Allen, embora questione que sentido terá o tempo se não existir ninguém para o medir e compreender a sua abstracção.
    Também concordo contigo quanto ao cérebro ser uma máquina de criar modelos. No entanto, no que diz respeito aos modelos criados pelas crenças humanas, estes têm vindo a sofrer mutações ao longo da história e - pode acontecer - sofrer uma mutação que irreversivelmente os condene ao extermínio. Explicarei melhor quando participar no debate.

    Abracinhos.

    ResponderEliminar
  13. Sobre religião foi traduduzido e publicado em Março deste ano (Edições Tinta da China)um livro de Sam Harris (2004)"O Fim da Fé. Religião.Terrorismo e o Futuro da Razão" que comecei a ler e parece ser bastante interessante.

    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.