Memes.
Há umas semanas a Joaninha, do Joaninha Voa Voa (1), pediu-me que explicasse «por a+b» o que são os memes. Esta expressão é um bom exemplo de um meme. Porque não disse ela «por x+y» ou «por b+c»? A teoria dos memes ajuda a compreender porquê. Mas primeiro, o que é um meme.
A melhor definição que conheço é a de Susan Blackmore: memes são o que se transmite por imitação (2). Pode ser a forma de cumprimentar ou de fazer um avião de papel, pode ser uma expressão idiomática ou cada palavra que usamos. Se o fazemos por imitação, é um meme. E tem que ser por imitação. Se vemos alguém a comer pão com manteiga, provamos, gostamos, e passamos a comer regularmente, isso não é um meme. Comer já era um comportamento que tínhamos, e passámos a comer o pão porque provámos e gostámos. Não se transmitiu por imitação. Por outro lado, se a pessoa que vimos a comer pão com manteiga cortava sempre as fatias ao meio ou punha manteiga nos dois lados e nós copiamos esse comportamento, então já é um meme.
Esta distinção é importante porque o comportamento imitado herda preferencialmente as características do original que mais favorecem a imitação. Ou seja, o meme evolui. As suas características propagam-se, mudam, e são seleccionadas pelo processo de propagação. A palavra «meme» foi criada por Richard Dawkins (3) para mostrar que a evolução não se restringe aos genes. A teoria da evolução aplica-se a qualquer entidade (por muito abstracta que seja) cuja propagação dependa de características herdadas. Ironicamente, a maior objecção ao meme é que não é um gene. Pois era mesmo essa a ideia.
O meme não é associável a um suporte material como o DNA. Além disso, não é composto por unidades discretas, e por vezes é difícil dizer exactamente o que é o meme. Um exemplo famoso é a quinta sinfonia de Beethoven. Será o meme a sinfonia toda ou será que o ta-ta-ta-TAM já um meme? Mas esta dificuldade também temos com o DNA. Normalmente, «o gene» para um atributo são muitos pedaços de DNA a produzir proteínas que interagem de formas complexas. E não ter um suporte material bem definido é irrelevante para a sua evolução. Se não tentarmos ver o meme como um gene e focarmos aqueles aspectos essenciais à sua evolução deixa de haver objecções razoáveis a esta ideia. O importante é que temos algo que se propaga, com características herdadas que influenciam a sua propagação. É só disso que a evolução precisa.
A ideia que as ideias são entidades que se propagam e evoluem ajuda a compreender porque algumas proliferam. Vou ilustrar primeiro com um exemplo biológico. Quando temos gripe espirramos. Porquê? Uma possibilidade é que espirrar traz ao engripado vantagens que compensam a energia despendida. Mas não há evidência de tais vantagens para quem espirra. Por outro lado, o espirro é óptimo para o vírus. Apanha boleia nas gotinhas e assim espalha-se por vários hospedeiros. A hipótese mais provável é que o espirro é uma adaptação do vírus, e não do hospedeiro. O vírus evolui e adquire características úteis à sua propagação. Fazer espirrar, por exemplo.
Podemos ver uma situação semelhante em vários conjuntos de memes. É típico das religiões condenar a apostasia e exortar os fiéis a ensinar a sua religião aos filhos. São também comuns os rituais e credos que têm que ser executados ou proferidos sempre da mesma exacta maneira. Nada disto beneficia o crente ou o seu deus. Quem beneficia com a repetição à letra do «Pai Nosso que estais nos céus, santificado seja o Vosso nome...» é esse meme, que assim é propagado com alta fidelidade. Tal como os vários genes de um vírus, os vários memes de uma religião colaboram para a sua propagação. Não em benefício do hospedeiro, mas em benefício daquele conjunto de comportamentos propagados por imitação.
O que aprendemos por imitação tem uma vida própria nesta capacidade de evoluir. Em ciência combate-se constantemente a tendência de certas teorias proliferarem pela sua capacidade de propagação em vez do seu rigor ou exactidão. Muita tecnologia é adoptada pela sua utilidade, mas muita propaga-se infectando cérebros e espalhando-se como uma epidemia. A moda é um exemplo extremo da infecciosidade dos memes.
Em suma, a Joaninha não me pediu para explicar «por a+b» pela importância de a e b nesta equação. X, y, ou quaisquer outras letras serviam igualmente bem. Mas «a+b» soa melhor. Fica no ouvido. Sai mais facilmente. E por isso proliferou.
1- Joaninha, 24-5-07, Desafio da Annie.
2- Susan Blackmore, The Meme Machine, 1999, Oxford.
3- Richard Dawkins, The Selfish Gene, 1989 (1976), Oxford.
Entendidissimo, por a+b :)!
ResponderEliminarObrigada
Bj
Será necessário existir um estado de consciência para que o meme se manifeste?
ResponderEliminarhttp://poetadoalem.blogspot.com/
ResponderEliminarJá me passaram à frente.
ResponderEliminarQueria dar seguimento a uma cadeia blogosférica sobre memes e ia reencaminhá-la para aqui, já que é o único blog que eu alguma vez citaria para o efeito. Infelizmente demorei tanto tempo que o Ludwig já pegou no tema.
Caro kota,
ResponderEliminarCom a devida ressalva que «consciência» e «manifeste» podem querer dizer várias coisas, eu diria que podemos manifestas memes inconscientemente. Muito do nosso comportamento é adquirido imitando outros sem sequer notarmos, penso eu.
«Muito do nosso comportamento é adquirido imitando outros sem sequer notarmos, penso eu.»
ResponderEliminarEspecialmente quando digo "Meu Deus!"
Já agora, Francisco, qual era a cadeia sobre memes?
ResponderEliminarVi o post da Joaninha e acho que é a mesma cadeia - a tal em que um blog fala sobre os memes, partilha um conhecimento pessoal e nomeia outros blogs para fazer o mesmo.
ResponderEliminarEu ia fazer isso e nomear o ktreta, mas afinal já vim tarde. Escrevi dois artigos no Banqueiro Anarquista sobre memes.