segunda-feira, junho 18, 2007

Treta da Semana: A verborreia.

Há dias passou por mim um carro com altifalantes. Ouvi a voz aguda a apregoar «...enorme prazer que a Câmara Municipal de Odivelas convida» e, mais grave, «todos os munícipes a assistir ao mais prestigiado espectáculo...». E pronto. Dobrou a esquina e fiquei na mesma. Dez segundos de conversa fiada a cinquenta quilómetros por hora são cento e quarenta metros. Uma conta simples que evitava desperdiçar tempo e gasolina.

No LIDL uma gravação pede «o favor de utilizar a saída pelas caixas», fugindo ao mais económico e correcto «sair». Efectuamos pagamentos em vez de pagar e visionamos em vez de ver. Nos jornais, lemos frases como este simpático puzzle de nove peças:

«O apartamento de onde desapareceu Madeleine McCann, a 3 de Maio, no The Ocean Club, Praia da Luz, e no qual passava férias, foi vendido na passada semana pela proprietária, de nacionalidade inglesa, a um casal também inglês, segundo apurou o DN.» (1)

No mesmo jornal, o João César das Neves demonstra que escrever artigos de opinião é como tirar números no bingo:

«O combate contra o cristianismo é um dos mais vastos, sistemáticos e duradouros de sempre. Desde a crucificação segue múltiplos propósitos, formas, atitudes e um só objectivo. Hoje a campanha adquiriu tons específicos, especial agressividade e profundo embuste.»(2)

Temos aqui um pouco de tudo. A agressividade é especial. O tons adquiridos são específicos. O embuste é profundo, o combate é vasto, sistemático e duradouro e segue múltiplos propósitos mas, curiosamente, um só objectivo. Não fica claro como conciliar vários propósitos num só objectivo, mas com isto certamente completou um cartão.

Em casos como o João César das Neves a verborreia sempre limita a densidade de disparates, com a palha a roubar espaço à treta nos interstícios. Mas, em geral, incomoda-me a falta de consideração pelo leitor ou ouvinte. As palavras desnecessárias só dão trabalho a ler e fazem perder tempo. As frases mal estruturadas mostram que o importante era pôr as palavras cá fora e não quem as quer pôr de novo lá dentro. Termos confusos e ambíguos proclamam «não tenho nada de jeito a dizer mas ouçam-me à mesma». E o que não dá para dizer em cento e quarenta metros não é para apregoar de carro. Ou estarão à espera que vamos a correr atrás para ouvir o resto?

Quem escreve para outros lerem devia ler aquilo que escreve e apagar pelo menos um terço antes da versão final. É o que eu faço. Não garanto que saia alguma coisa de jeito, mas imaginem o lixo que isto era se não o fizesse... Assim sempre incomodo menos.

1- Diário de Notícias, 18-6-07, Apartamento ocupado por Maddie foi vendido
2- João César das Neves, 18-6-07, Imposturas Anticristãs

13 comentários:

  1. certamente, é por este motivo que sempre leio o teu blog.

    Escolhe as palavras certas, de uma meneira que me envolve e ao mesmo tempo informa.

    continue assim... cada dia melhor. abraço!
    =)

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  2. você é um deus, grande ludi!

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  3. Não será retórica em vez de verborreia?

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  4. Obrigado a todos pelos comentários. Ao segundo Anónimo: retórica é a arte de bem falar. Usamos muito essa palavra pejorativamente, mas o sentido original é lisongeador.

    Verborreia quer dizer usar palavras inúteis ou a mais.

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  5. Certo... a caixa de comentários não tem spellchecking :)

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  6. Obrigada Ludwig,

    Sou a anónima da pergunta da retórica, não o aqui de cima.

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  7. O FireFox tem corrector automático, e é melhor que o IE.

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  8. Firefox Rules!

    A sério, se não usas o Firefox, recomendo-te que o faças. Depois de instalado o plugin do corrector ficas com ele disponível em todas as caixas de texto de qualquer página que visites.

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  9. Parece porreiro. Eu uso o Opera, habituei-me ao look e é levezinho. Mas vou experimentar o firefox.

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  10. hehehehe!!

    Vai Ludwig, vai Ludwig!!

    Do melhor!!

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  11. Vocês nem sonham o que é a verdadeira verborreia enquanto não pertencerem ao conselho pedagógico de uma escola.
    É um tipo de tortura no qual acabas por concordar com as decisões mais surrealistas só para "get the hell out of there"!

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  12. PS, a anónima de cima sou eu, Karin

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