Treta da semana: o primo Raposo.
No seu blog, no Expresso, o Henrique Raposo publicou uma mensagem de um primo que pergunta ao funcionário público se «está disponível para trocar o seu vínculo-vitalício-ao-Estado por um contrato-ameaçado-pela-falência-e-pelo-desemprego? Quer trocar 12 meses certíssimos por 14 meses incertos?»(1) Eu saía a ganhar. O salário médio, no sector privado, para cargos que exijam dedicação exclusiva e doutoramento é bastante melhor do que os menos de dois mil euros mensais com que fico depois de pagar os impostos e a multa por ser funcionário público. Quanto à incerteza, passei oito anos a bolsas anuais, durante mestrado, doutoramento e pós-doutoramento, só para me candidatar a este cargo. Quando finalmente consegui um contrato de trabalho, ainda fiquei cinco anos à experiência. E agora, mesmo tendo a nomeação definitiva, ainda não pertenço ao quadro da instituição onde tenho trabalhado e estudado estes últimos vinte anos. Quem apregoa por aí que na função pública está tudo garantido geralmente não faz ideia do que é exigido primeiro. Perguntem lá isso aos milhares de professores que vivem sem saber onde, ou se, vão ficar colocados no próximo ano.
Seja como for, esta proposta é demagogia da treta. Há muitos factores envolvidos, além do dinheiro. Eu escolhi esta carreira porque gosto do que faço e das pessoas com quem trabalho. Por outro lado, conheço pessoas no ensino secundário que trocariam de bom grado o público pelo privado só para não aturar a burocracia, os filhos mal criados dos outros e os pais que os mal criaram. A ideia do sector como um paraíso é uma deturpação grosseira e ignora que a diversidade de factores e situações dentro de cada grupo é muito maior do que a diferença média entre eles. O primo Raposo que não proponha isso a muita gente, porque pode bem arrepender-se com o que lhe sai. Mas o problema principal nestas comparações é descurar a diferença fundamental entre o sector privado e o sector público.
A economia privada emerge da tentativa individual de ganhar dinheiro como melhor se entende ou pode. Uns vendem o seu trabalho, outros compram trabalho e lucram vendendo o produto desse trabalho, e outros alugam os recursos que têm e vivem das rendas. Os detalhes são pouco relevantes. Tanto faz se é a vender revistas, cortar cabelos ou fabricar telemóveis. A motivação principal é o lucro e, mais coisa menos coisa, o que se faz em concreto é apenas um meio para esse fim. A função principal de uma fábrica, escola ou clínica, no sector privado, é a mesma. Dar dinheiro a quem lá investiu. Isto não é bom pelo resultado. Sem regulação ou redistribuição, cada um querer ganhar mais do que os outros resulta em grandes injustiças e sofrimento. Mas é bom por si, porque há um valor intrínseco na liberdade de negociar, ganhar dinheiro e enriquecer. São direitos que se deve garantir. E é por isso que o sector público é fundamentalmente diferente.
Se o primo Raposo se dedicar ao empreendedorismo na Somália, por exemplo, irá deparar-se com muitas dificuldades que não tem por cá. Graças aos funcionários públicos. É preciso infraestrutura, educação, segurança, justiça e mais uma data de outras coisas antes de se poder ter um sector privado funcional. Enquanto que o sector privado consiste em cada um seguir os seus interesses com os recursos que tem à sua disposição, o sector público é o que garante que o possam fazer e o que impede que descambe tudo em tiroteios de AK-47.
A história que nos contam é que estamos na miséria porque temos um Estado gordo e os funcionários públicos levam o dinheiro todo. A realidade é diferente. A percentagem de funcionários públicos em Portugal é menor do que nos EUA e metade da Suécia, Dinamarca, Noruega ou Finlândia (2). Os principais problemas da economia portuguesa são o baixo nível de educação (3), um sistema de justiça ineficaz, que só beneficia os ricos e aldrabões (especialmente os que são ambas as coisas) e, sobretudo, a corrupção institucionalizada, e legalizada, que a influência política do sector privado tem comprado. O problema não é gastar-se dinheiro público com pessoas que prestam serviços públicos. O problema é o imenso dinheiro público que vai para os bolsos daqueles privados que têm os contactos certos. A narrativa da gordura estatal e dos supostos privilégios da função pública é mais um barrete para tapar os olhos a quem está a ser roubado.
1- Henrique Raposo, Caro funcionário público, quer trocar?
2- Richard Posner, The Becker-Posner Blog, Too Many Government Workers?
3- Wall Street Journal, A Nation of Dropouts Shakes Europe
mas também porque há casos e muitos e todos nós conhecemos pessoalmente alguns deles, de pessoas que trabalham no publico, serviços de repartições diversos, câmaras municipais, etc, que durante anos fazem que trabalham e como os chefes olham para o lado não dando o exemplo e o estado chega a ser demasiado social, jamais são despedidos, porque se tivessem no privado tinham que "dar o litro" como se costuma dizer.
ResponderEliminarO mesmo que se passa na escola pública por oposição ao privado onde os pais pagam e querem resultados..
Armando,
ResponderEliminarEu conheço muita gente que trabalha na função pública, inclusivamente em escolas. Não conheço nenhuma assim, por isso a percentagem não deve ser tão alta. Mas, admitindo que há, proponho duas considerações adicionais.
Primeiro, do ponto de vista de benefício para a sociedade, não me parece que haja grande diferença entre aquele que se esforça o dia todo para impingir clube de leitores ou promoções tv cabo e aquele que está na repartição sem fazer nada. Pessoalmente, até prefiro o segundo, que ao menos não me vem bater à porta nem me telefona para casa.
E, em segundo lugar, o impacto económico do funcionário que não faz nada deve ser ordens de grandeza menor do que o impacto económico da concessão de autoestradas, das encomendas por ajuste directo, das parcerias e gestões privadas de empresas públicas, etc.
Ludwig:
ResponderEliminarQue não te doam os dedos quando escreves sobre estes assuntos. Há tanto para desmistificar...
"os menos de dois mil euros mensais com que fico depois de pagar os impostos"
ResponderEliminarE, se fôr para praticar a pretensão de ensinar a decidir aquilo em que se deve acreditar, é demais.
Ludwig, dizes que, se quisesses, trabalharias no privado e ganharias mais. Sacrificas o dinheiro ao gosto pelo que fazes e pelas pelas pessoas com quem trabalhas. Então de que te queixas? O problema está na quantidade de pessoas que não podem escolher nem uma coisa nem outra.
E também há a questão de ninguém estar bem com aquilo que tem. Quem trabalha no público tem a certeza que se estivesse no privado ganhava muito mais. Quem trabalha no privado sonha com a segurança do público e com a possibilidade de não fazer nenhum. Quem trabalha no ensino acha que nas finanças é que estava bem e quem trabalha na empresa A acha que se estava bem...
ResponderEliminarHá funcionários públicos que nunca fizeram nenhum e pessoas em empresas que nunca fizeram mais que abarbatarem-se com guita e nunca produziram nada.
A maioria parece que não são assim.
Agora se fizessem uma racionalização dos meios na coisa pública se calhar economizava-se um monte de guita.
Não me admirava nada que parte significativa dos custo no SNS seja com medicamentos que ficam fora de prazo, compras de material que nunca se usa, más compras, carros velhos no estado que dão mais prejuízo do que andam.
E claro o compadrio que isto sem uma comissãozita não anda para a frente.
Nuno Gaspar,
ResponderEliminar«E, se fôr para praticar a pretensão de ensinar a decidir aquilo em que se deve acreditar, é demais.»
Concordo. Por mim acabava já com os gastos com os professores de educação religiosa e moral na escola pública.
«dizes que, se quisesses, trabalharias no privado e ganharias mais.»
Não. Digo que se trocasse de salário com quem, no sector privado, faça um trabalho com exigências e responsabilidades equivalentes ao meu, saía a ganhar. Mas isto não é coisa que baste querer.
«Sacrificas o dinheiro ao gosto pelo que fazes»
Não. É precisamente o contrário. Decidi, desde novo, não sacrificar o gosto pelo que faço só por causa do dinheiro. Gostando da vida que vivo, não ter mais dinheiro não é para mim sacrifício nenhum.
«Então de que te queixas?»
Das tretas.
Sousa,
ResponderEliminar«Não me admirava nada que parte significativa dos custo no SNS seja com medicamentos que ficam fora de prazo, compras de material que nunca se usa, más compras, carros velhos no estado que dão mais prejuízo do que andam.»
Há sempre problemas com ineficiência. Aqui, se precisar de folhas brancas vou pedir à secretaria. Se calhar, com este sistema há desperdício. Peço mais do que preciso, ficam muito tempo no armário, algumas podem-se amachucar, etc. Mas se implementássemos um sistema de contabilização das folhas usadas por cada funcionário, exigindo justificação escrita para cada uma, etc, os custos seriam ainda maiores.
O que temos de ter cuidado não é tanto com a ineficiência mas sim com a aldrabice que se faz em nome da eficiência. Eu diria que privatizar a gestão dos hospitais contribuiu muito mais para o buraco do SNS do que os medicamentos fora de prazo...
"Por mim acabava já com os gastos com os professores de educação religiosa e moral na escola pública"
ResponderEliminarMas esses não afirmam aqueles propósitos na introdução à sua disciplina, Ludwig.
Nuno Gaspar,
ResponderEliminar"Mas esses não afirmam aqueles propósitos na introdução à sua disciplina, Ludwig."
Nem precisam...
«O problema não é gastar-se dinheiro público com pessoas que prestam serviços públicos. O problema é o imenso dinheiro público que vai para os bolsos daqueles privados que têm os contactos certos. A narrativa da gordura estatal e dos supostos privilégios da função pública é mais um barrete para tapar os olhos a quem está a ser roubado.»
ResponderEliminarApesar de não ser "oficial", percepciona-se uma suspeita muito acentuada na opinião pública de que o problema está grandemente no facto de o sector privado em Portugal viver numa inadmissível e escandalosa dependência do Estado. Tanto ou mais do que os famigerados subsidiodependentes.
E não é só pela questão das parcerias público-privadas, é muito mais do que isso. É o Estado enquanto principal cliente de inúmeros privados. E os próprios funcionários públicos enquanto "familias" representam uma parcela muito significativa da despesa interna...
Não sei se vou gostar de ver o que vai acontecer ao sector privado no dia em que o Estado o deixar ser o que supostamente devia ser.
1º Eu saía a ganhar. O salário médio, no sector privado, para cargos que exijam dedicação exclusiva e doutoramento é bastante melhor do que os menos de dois mil euros mensais (não eram 3000 e tal mesmo depois do corte de 10%mas adiante ) com que fico depois de pagar os impostos e a multa por ser funcionário público.
ResponderEliminarUm doutourado a trabalhar para a Grão-Pará ganha 2600 a 3200 brutos
Um doutourado nas minas de Neves Corvo ganha 1700 e um licenciado 1500 se tiver 20 anos de serviço (o qué difícil porque abriram em 1988) é provável que já o tenham posto na rua depois de ter treinado outros mais novos
A acrescentar que a maior parte dos doutourados (com phD alóctones não são considerados veros doutourados
Quanto à incerteza,C.V. de krippahl: passei oito anos a bolsas anuais, durante mestrado, doutoramento e pós-doutoramento, só para me candidatar a este cargo.
Quando finalmente consegui um contrato de trabalho, ainda fiquei cinco anos à experiência. E agora, mesmo tendo a nomeação definitiva, ainda não pertenço ao quadro da instituição onde tenho trabalhado e estudado estes últimos vinte anos.é só pôr veneno na sopa dos gaijos com cátedra...ou isso ou ir bajulando pelo caminho até se compadecerem de si (mas o pessoal das universidades são só 60 mil e dos 40 mil profs obviamente numa demografia descendente ter toda a malta no quadro como nos níveis mai baixos da educação dava mau resultado
Perguntem lá isso aos milhares de professores (há 100 mil profs primários e anexos nos quadros das escolas ou dos agrupamentos ou daqueles super-agrupamentos distritalados)os que que vivem sem saber onde, ou se, vão ficar colocados no próximo ano, resultam dos excessos de formação de universidades púbicas e privadas
que puseram 300 mil licenciados em cursos com saídas nulas
e depois promoveram profissionalizações em serviço em universidades abertas e outras
pois desde os tempos de nosso Guterres que as entradas no quadro
estão paradas por excessos cometidos.....e por cada vez nascerem menos catraios
geralmente por andarem mais na net do que a fazer aquilo que krippahl fez há coisa de 14 meses
(felizmente as raparigas que sairam sem acabar o 9º e as que desistiram entre o 10ºe o 11º andam com mais carrinhos de bébés que as licenciosaS E dou torradas e pós dou-te torradas CANDAM prái
28/11/11 21:01
Os professores de EMR ou de EMRC são professores que geralmente estão no quadro desde 1974 logo apesar de cada vez haver menos alunos por professor
ResponderEliminare há escolas com 2 ou 3 professores de EMRC para 20 alunos ou dão aulas ou apoio na biblioteca ou no centro de recursos são professores com 50 a 60 e tal (curiosamente são dos que se reformam mais tarde)
deve ser daquilo da devoção ó ensino....
(os professores tal como os padres dizem que têm.....
comé que se chamam aquelas propensões místicas para uma dada profissão?
aquilo que falta nos médicos e informatas atheistas
A percentagem de funcionários públicos em Portugal é menor do que nos EUA e metade da Suécia, Dinamarca, Noruega ou Finlândia (têm 24% da p+opulação activa na função púbica ? extraordinário.....
ResponderEliminar600 mil em 5 milhões de potencialmente activos são 12% (4 milhões e poucos ainda trabalhando ) + 100 mil em empresas púbicas e institutos púbicos
+ 300 mil em empresas que vivem exclusivamente de contratos e subvenções estatais ou de empresas púbicas como a RTP
(pois desde o Estado Novo que artistas que ganhassem o suficiente para viver fora do estado eram chamados avis raras
Os principais problemas da economia portuguesa são: pensionistas que descontaram 15% do salário (assegurando assis um ano de pensão por cada 6 anos de trabalho )que deveriam ao fim de 40 anos de descontos ou de 30 viver apenas mais 6,8 ou 5 anos e vivem em média mais 20 depois de se reformarem com uma % do último salário
(que não era igual ao inicial só aqui tenho 457 bizinhanças que já ultrapassaram os 90....
baixo nível de educação....com 1 milhão de licenciados?
um sistema de justiça ineficaz, que só beneficia os ricos e aldrabões (especialmente os que são ambas as coisas) então se funciona para estes e para os 20 mil advogados com trabalho num é ineficaz
e, sobretudo, a corrupção institucionalizada, e legalizada, que a influência política do sector privado tem comprado....
conta apenas uns quantos milhares de milhões por ano...
a grande massa da despesa são salários e pensões
secundariamente subsídios (a produtos e consumos) água, medicamentos estradas e electricidade
terciariamente equipamentos (computadores -as máquinas de escrever eléctricas duravam uns 20 anos sem revisões e as restantes era só mudar a fita
pópós para o serviço púbico e para as transportadoras estatais
(mas isso são apenas uns 4 ou 5 mil milhões por ano (médio)
mesmo incluindo o equipamento militar
51% do peso do estado na economia
se ninguém emprestar ao estado
o país para....fora do estado há pouco dou tourada e pouco crédito
68 a 75% são despesas com salários pensões e subsídios
ResponderEliminarclaro que podiamos retirar a totalidade das restantes 30% de despesas variadas mas dava não...cortar a iágua ós municipes dá xatice
Vocação é o que padres e prof's dizem ter (a maioria pelo menos)
nação de quê's?
ResponderEliminardropstone's?
25% de despesas variadas dá
Your current account (@gmail.com) does not have access to view this page.
Click here to logout and change accounts.....indigno da krippahlidade vigente
mim vai ter de pagar 25% de imposto para crias de krippahl mim exige acessus
tem toda a razão temos um déficit de quialquer coisa
do quê...isso cada um escolhe
Olha, uma convenção de sock puppets!
ResponderEliminarLudwig,
ResponderEliminarEntre todos os pequenos aspectos que compõem a javardice política e orçamental que vivemos hoje por (des)culpa do endividamento externo, há um que me parece mais maravilhoso a cada dia que passa: este.
Se o mérito desta maravilha é quase todo do nosso camarada e amigo Teixeira dos Santos, que não só nos ofereceu o BPN como em 2008 entendeu que estava na hora de sangrar o grande porco dos certificados de aforro e acabar com uma regalia inaceitável desses fatelas que andam por aí a poupar dinheiro sem o pôr nos bancos, hoje podemos também orgulhar-nos de sermos governados por visionários que preferem pagar 15% aos credores internacionais em vez de restabelecer aquele que já foi um dos principais instrumentos de poupança dos portugueses no tempo em que éramos todos uns fatelas... Nem sei a quem agradecer, portanto.
Wyrm disse...estou a wyrm mmmmmm
ResponderEliminarOlha, uma convenção de sock puppets= wirm's